Showing posts with label ensino. Show all posts
Showing posts with label ensino. Show all posts

August 22, 2020

Isto lembra-me alguns alunos e não só

 


A diferença é que nós não dizemos palavrões aos miúdos, mas a atitude de certos alunos e pais é exactamente a desta mulher: ela não percebe nada de cozinhar e só faz asneiras, mas está convencida que é uma grande cozinheira e não aceita nenhuma crítica dele porque o acha arrogante, porque está habituada a que lhe digam que é óptima, não tem noção nenhuma da distância que os separa e não tem uma atitude de aprender, apesar de ter sido para isso que o chamou, pois o restaurante está a ir pelo ralo. 

O que se passa com os alunos é que a sociedade, através da porcaria das novelas e nas pessoas dos ME e secretários de Estado glorificam os jovens como génios incompreendidos, dizem aos alunos e pais que eles é que sabem e que os professores não valem nada e só atrapalham e, ouvindo isso, muitos alunos vão para a escola pensando que as palermices que dizem são opiniões com valor e que as suas opiniões valem tanto como as dos especialistas. Os pais também. A bitola do ensino está tão baixa, tão baixa para que todos os alunos possam fazer a escolaridade obrigatória e ir para a faculdade, que que até alunos que não sabem, literalmente, ler e escrever, acham que as suas opiniões de quem nunca leu um livro na vida contam tanto como as dos professores. E contam... quem sabe se não acabam em ministros do trabalho...



E já agora, senhor ME: mande pagar o que me devem, sff!

August 12, 2020

Bertrand Russel em defesa do ensino e do lazer


Como podemos encontrar significado no lazer? O primeiro passo está na educação. As escolas e as universidades não têm valor apenas por nos prepararem para o mundo do trabalho, mas também porque nos preparam para o lazer. 
As artes, as humanidades e as ciências puras são frequentemente ridicularizadas como inúteis, mas alguém que lê sobre física ou filosofia por diversão, que pinta potes ou toca um instrumento, que escreve romances ou faz filmes, está equipado para encontrar significado na sua vida para além do local de trabalho. 

Russell argumentou que um objetivo central da educação é equipar a população com as competências, conhecimentos e hábitos necessários para desfrutar do lazer criativo. Isso obrigaria a uma reforma: o acesso ao ensino superior precisaria ser amplamente expandido, enquanto os currículos universitários e escolares deveriam enfatizar tanto as artes criativas e a busca da pura curiosidade quanto as competências empregáveis.

Isso pode soar idealista. Os educadores são constantemente chamados a demonstrar o valor económico de seus diplomas. No entanto, isso apenas demonstra outra doença de nossa sociedade, o complemento do culto ao trabalho: a suposição de que todo o valor deve ser medido em libras esterlinas. 

A crise atual já corroeu essa ideia: fanáticos à parte, percebemos que vale a pena sofrer um golpe económico para preservar a saúde. Afinal, é para isso que serve o dinheiro. A produção económica é um meio, não um fim. A saúde é verdadeiramente, intrinsecamente valiosa. Se valorizamos a saúde em si mesma, por que não reconhecer também o valor intrínseco do ensino? 

As escolas ensinam desportos às crianças e não consideramos isso inútil, embora a maioria dos alunos não se torne atleta profissional Da mesma forma, não insistimos que as escolas se concentrem nos desportos cujas habilidades são mais facilmente transferidas para o local de trabalho.

A educação desportiva é valiosa porque promove a saúde e a alegria do jogo. Se pensamos que as escolas e universidades devem promover a saúde física e que o jogo físico é um bem em si, por que não reconhecer que elas também devem preparar os alunos para o jogo mental e o florescimento intelectual? 

A sociedade que Russell imagina, a sociedade que investe em ociosidade significativa, é verdadeiramente revolucionária - não apenas porque as suas estruturas económicas foram reformadas, mas porque mudou a maneira como se entende e se valoriza. 

 Estamos acostumados a comparar o sucesso dos países em termos de PIB. Quando fazemos isso, devemos considerar uma sociedade um fracasso relativo se os seus cidadãos ganham em média £ 1.000 por ano menos do que os seus vizinhos, mesmo que tenham mais lazer, pratiquem mais desportos, façam mais caminhadas, leiam mais livros, ouçam mais música e pintem mais. Mas não estamos condenados a pensar dessa maneira. Devemos seguir o conselho de Russell e aprender a saborear os frutos do lazer.


(excerto com tradução minha)

August 06, 2020

Estamos no meio de uma pandemia? É preciso cuidado e medidas especiais? A sério? Bem, alguém informe o governo e o ME, sff



É que o despacho para a constituição de turmas é muito claro: tudo ao molho e fé em Deus. É igualzinho ao de anos anteriores, de modo que para este governo a pandemia deve ser um hoax, como diz Trump, já que fica tudo na mesminha como a lesminha.

Entretanto fizeram sair antes de ontem um documento para que se apresentem propostas de actividade, projectos e candidaturas para a promoção do sucesso escolar, no próximo ano que é já daqui a 3 semanas, até 24 de Agosto...  sabendo que estamos todos de férias... é a gozar com isto tudo ou uma maneira de nos dizerem aquilo que já sabemos: estão-se nas tintas para as escolas e hão-se impor os seus planos quinquenais de sucesso, passinho a passinho, imitando a Rodrigues que chegava ao ponto de dizer, nos exames, coisas do género, 'às 10.20 o professor levanta a cabeça e olha para os alunos e diz, são 10.20'. 

Predam-nos para esbanjarem dinheiro no governo-versailhes e nos amigos da banca e quejandos.





(...)


Artigo 5.o

Constituição de turmas nos 2.o e 3.o ciclos do ensino básico

1 — As turmas dos 5.o e 7.o anos de escolaridade são constituídas por um número mínimo de 24 alunos e um máximo de 28 alunos.

2 — As turmas dos 6.o, 8.o e 9.o anos de escolaridade são constituídas por um número mínimo de 26 alunos e um máximo de 30 alunos.

3 — Nas escolas integradas nos territórios educativos de intervenção prioritária as turmas dos 5.o ao 8.o anos de escolaridade são constituí- das por um número mínimo de 24 alunos e um máximo de 28 alunos.

4 — Nas escolas integradas nos territórios educativos de intervenção prioritária as turmas do 9.o ano de escolaridade são constituídas por um número mínimo de 26 alunos e um máximo de 30 alunos.

5 — Nos 7.o e 8.o anos de escolaridade o número mínimo para a abertura de uma disciplina de opção do conjunto das disciplinas que integram as de oferta de escola é de 20 alunos.

6 — As turmas são constituídas por 20 alunos, sempre que no rela- tório técnico-pedagógico seja identificada como medida de acesso à aprendizagem e à inclusão a necessidade de integração do aluno em turma reduzida, não podendo esta incluir mais de dois nestas condições.

7 — A redução das turmas prevista no número anterior fica dependente do acompanhamento e permanência destes alunos na turma em pelo menos 60 % do tempo curricular.

Artigo 6.o

Constituição de turmas no ensino secundário

1 — Nos cursos científico-humanísticos e nos cursos do ensino ar- tístico especializado, nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, no nível secundário de educação, o número mínimo para abertura de uma turma é de 26 alunos e o de uma disciplina de opção é de 20 alunos, sendo o número máximo de 30 alunos.

2 — Nos estabelecimentos de ensino integrados nos territórios edu- cativos de intervenção prioritária, nos 10.o e 11.o anos de escolaridade, nos cursos científico-humanísticos e nos cursos do ensino artístico especializado, nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, o número mínimo para abertura de uma turma é de 24 alunos e o de uma disciplina de opção é de 20 alunos, sendo o número máximo de 28 alunos.

3 — Nos cursos do ensino artístico especializado, o número de alunos para abertura de uma especialização é de 15.

4 — Na especialização dos cursos do ensino artístico especializado, o número de alunos não pode ser inferior a oito, independentemente do curso de que sejam oriundos.

5 — O reforço nas disciplinas da componente de formação especí- fica ou de formação científico-tecnológica, decorrente do regime de permeabilidade previsto na legislação em vigor, pode funcionar com qualquer número de alunos, depois de esgotadas as hipóteses de articu- lação e de coordenação entre estabelecimentos de ensino da mesma área pedagógica, mediante autorização prévia dos serviços do Ministério da Educação competentes.

6 — Nos cursos profissionais, as turmas são constituídas por um número mínimo de 24 alunos e um máximo de 30 alunos, exceto nos Cursos Profissionais de Música, de Interpretação e Animação Circenses, de Intérprete de Dança Contemporânea e de Cenografia, Figurinos e Adereços, da Área de Educação e Formação de Artes do Espetáculo, em que o limite mínimo é de 14.

7 — Nos estabelecimentos de ensino integrados nos territórios edu- cativos de intervenção prioritária, nos 10.o e 11.o anos de escolaridade nos cursos profissionais, as turmas são constituídas por um número mínimo de 22 alunos e um máximo de 28 alunos, exceto nos Cursos Profissionais de Música, de Interpretação e Animação Circenses e de Intérprete de Dança Contemporânea, da Área de Educação e Formação de Artes do Espetáculo, em que o limite mínimo é de 14.

8 — Nos cursos profissionais as turmas são constituídas por 20 alu- nos, sempre que no relatório técnico-pedagógico seja identificada como medida de acesso à aprendizagem e à inclusão a necessidade de inte- gração do aluno em turma reduzida, não podendo esta incluir mais de dois nestas condições.

9 — É possível agregar componentes de formação comuns, ou disci- plinas comuns, de dois cursos diferentes numa só turma, não devendo os grupos a constituir ultrapassar nem o número máximo nem o número


10 — As turmas dos anos sequenciais dos cursos profissionais só podem funcionar com um número de alunos inferior ao previsto nos n. 6 e 7, quando não for possível concretizar o definido no número anterior


11 — Na oferta formativa de cursos científico-humanísticos de ensino recorrente deve privilegiar-se, sempre que possível, o ensino a distância no âmbito e nos termos da Portaria n.o 254/2016, de 26 de setembro. 12 — Nos casos em que o disposto no número anterior não seja pos- sível, o número mínimo de alunos para abertura de uma turma é de 30. 13 — Sempre que se verifique a desistência de alunos, comprovada por faltas injustificadas durante um período superior a duas semanas, reduzindo-se a turma a menos de 25 alunos, a mesma extingue-se e os alunos restantes integram outra turma do mesmo estabelecimento de ensino ou de outro.

(...)

August 04, 2020

Porque é que os EUA estão com o covid-19 descontrolado...?



Photo from the first day of school in Paulding County, GA.
The Other 98%

Tiago e João: é isto que estão a preparar? 
Isto é igual à minha escola em tempos normais. Quando toca à entrada ou à saída os alunos enchem os corredores e nós, professores e funcionários atravessamo-los. Depois, é mais ou menos nesta densidade que os alunos estão no polivalente que é a sala deles e também refeitório. Nós professores estamos mais ou menos assim na sala de professores, no turno da manhã.



Alguém diga aos escoceses para virem a Portugal contactar o IAVE Maria Cheia de Graça



... que faz milagres!
A minha proposta é: todos os anos, chegando a altura dos exames, espalhe-se um covid para subir notas.


Scotland's results day: Thousands of pupils have exam grades lowered


Thousands of Scottish school pupils have received worse results than they had been expecting after the country's exam body lowered 125,000 estimated grades - a quarter of the total.


Portugal:

July 09, 2020

comunicado da FNE - estou de acordo e gostava ainda que me explicassem, como se tivesse três anos



Se os alunos podem ir para a escola, como o ministro quer, no ano que vem, sem distanciamento social, todos ao molho a respirar o mesmo ar, enfiados em salas onde nem 20cm poderão ter de distância uns dos outros, porque que raio os ladrões e outros bandidos foram soltos das cadeias e andam à solta?

E já agora, passa pela cabeça de alguém que políticos tomem decisões sobre a escola e a educação sem ouvir os especialistas, que são os professores?
-------------------------------------------------------------------------------------

A Educação disse presente nos momentos difíceis. 
Agora é o tempo da valorização dos seus profissionais
O Secretariado Nacional da FNE, reunido em 8 de julho de 2020:

– discorda inteiramente do Ministério da Educação em relação ao calendário escolar determinado para o ano letivo de 2020/2021porque entende que não há qualquer efeito direto em termos de resultados escolares do aumento do número de dias letivos em relação aos anos anteriores, e porque desrespeita as pausas que são imprescindíveis, quer para Docentes, quer para Alunos, ao longo do ano letivo, estas sim com efeitos na melhoria do processo ensino-aprendizagem.

– exprime também total discordância e preocupação sobre as orientações que a DGEstE publicitou para o próximo ano letivopor se resumirem, entre outros aspetos ao uso obrigatório da máscara nos recintos escolares, e registando negativamente que se assuma um distanciamento físico “sempre que possível” de apenas 1 metro, contrariando outras orientações que assumem um mínimo de 1,5 metros. De qualquer forma a generalidade das salas de aula das escolas portuguesas não suportará turmas com 24, 26, 30 alunos, mesmo com o distanciamento de 1 metro.

– acusa o Ministério da Educação de desrespeito pelo direito à participação dos parceiros sociais da área da Educação na informação, consulta e negociação das políticas educativas, ao ter determinado o enquadramento da organização do ano letivo de 2020/2021, sem a sua consulta adequada.
– assinala que as políticas para o setor da Educação deverão garantir às escolas e aos seus profissionais as condições e os meios que lhes permitam trabalhar com autonomia e flexibilidade, em termos de desenvolvimento do currículo e de organização pedagógica da escola, para que nenhum aluno fique para tráspelo que se manterá atento ao desenvolvimento do ano letivo, denunciando todas as circunstâncias em que a insuficiência ou inadequação de meios e recursos estejam a prejudicar os diferentes intervenientes.

– considera
 manifestamente insuficientes as verbas previstas no Orçamento Suplementar para as respostas na área da Educação para garantir as responsabilidades das escolas no próximo ano letivo, quer em termos de recursos humanos, quer em termos de recursos financeiros, não podendo haver constrangimentos de ordem orçamental para que todas as necessidades concretas estejam asseguradas.

– acusa o Ministério da Educação
 de continuar a não querer olhar para a dotação dos quadros das escolas, adequados às necessidades permanentes do sistema educativosublinhando que o resultado do concurso externo divulgado esta semana demonstra, por exemplo, que o número de vagas que permitiu a vinculação de 872 docentes para o próximo ano escolar, corresponde apenas a cerca de 10% do total da renovação dos contratos que as direções das escolas autorizaram, para o preenchimento das necessidades sentidas no presente ano escolar.

– reafirma a exigência feita ao Ministério da Educação, ao longo dos últimos anos, de
 alterar as regras da norma travão, uma vez que esta continua a não responder à necessidade de recursos docentes estáveisnos quadros das escolas, mantendo em precariedade, anualmente, milhares de docentes, para além de se manter uma regra geradora de injustiças entre os professores contratados.
–  reitera, por outro lado, a necessidade de que, para além das palavras, haja ações concretas de reconhecimento e valorização de todos quantos trabalham em Educação, através de políticas que tenham em conta as suas legítimas aspirações.
 

– em nome dos Educadores, Professores e Trabalhadores de Apoio Educativo (Não Docentes) de todos os Setores de ensino, considera indispensável que haja respostas para os problemas concretos sistematicamente identificados e que têm sido sucessivamente apresentados ao Governo, até agora sem qualquer disponibilidade para os resolver, em termos de carreiras, rejuvenescimento, precariedade, formação, qualidade de vida, saúde, aposentação.

A FNE não desiste desem deixar de respeitar as especiais e difíceis circunstâncias que o País vive, trabalhar no sentido da promoção de:
– carreiras dignificadas e atrativas, sem quaisquer perdas de tempo de serviço
– limites para o tempo de trabalho
– conciliação do tempo de trabalho com o tempo de vida pessoal e familiar
– proteção na saúde e segurança no trabalho
– aposentação digna
– formação contínua ajustada aos interesses e necessidades de cada um

O Secretariado Nacional da FNE considera inadiável que Educadores, Professores e Trabalhadores de Apoio Educativo, sejam reconhecidos e valorizados, para continuarmos a garantir um serviço público de Educação de qualidade.

June 26, 2020

Sobre padrões de qualidade no ensino



Um dos livros que vieram cá parar abaixo, no dia em que caí do escadote foi o livro da 3ª classe, antiga. Depois descobri que tenho o da 2ª e da 1ª. Só não tenho o da 4ª classe ou se tenho está noutro sítio qualquer.
Pus-me a ver o livro da 3ª classe. Tem 200 e tal páginas, com algumas ilustrações, sobretudo nas páginas de aritmética, mas poucas, é quase tudo texto.






 Fui dar com este poema de Pedro Dinis. É um poema sobre as vozes dos animais. Um miúdo na 3ª classe tem mais ou menos 7 ou 8 anos. Hoje-em-dia seria impensável dar um texto destes a uma criança dessa idade. A complexidade da linguagem e a quantidade de informação compactada  em cada quadra não seriam acessíveis a alunos desse ano de escolaridade. Aliás a página que explica as fracções, que nestes tempos que correm só se aprendem no 5º ou 6º ano (penso), nem um aluno do 7º ou 8º ano a entenderia sozinho.

É um facto que hoje-em-dia os alunos sabem muito mais do que nós sabíamos na idade deles: sabem mais da vida e das ciências. Qualquer site de astronomia tem informações acessíveis que há 50 anos só na faculdade se aprendiam. Entram na internet e vêem pessoas, acontecimentos, lugares do mundo, usos e costumes que os nossos antepassados nem numa vida inteira vislumbravam.

Em contrapartida, como são ensinados com conteúdos sempre e cada vez mais infantilizados, com poucos conceitos e muitas imagens simplistas, têm pouca concentração, pouca imaginação (as imagens, que são redutoras, são-lhes todas dadas, depois de processadas e manipuladas), uma grande pobreza de vocabulário e, como consequência, um pensamento superficial e sem instrumentos conceptuais para escavar ou construir.

Nós tínhamos poucas imagens processadas e não tínhamos acesso à internet. Para sabermos tínhamos que ler, ler e ler. Ler é um processo biológico (move-se os olhos, faz-se recurso à memória declarativa, estabelece-se ligação entre áreas corticais diferentes - de abstracção e de emoção), psicológico (as palavras são evocativas e apelam à memória episódica, à experiência de vida), filosófico (a leitura, não meramente técnica, apela à reflexão, à introspecção) e estético (a leitura é um grande motor da imaginação e do gosto). Portanto, ler é um grande, senão o maior motor do desenvolvimento formativo do ser humano na sua totalidade.

Quando me perguntam se os alunos estão cada vez pior, tenho que responder que não. Em termos de interesse, empenho, responsabilidade, não vejo diferenças -  há de tudo, como sempre houve. São em geral mais responsáveis no que respeita às questões ambientais, ao respeito por orientações sexuais diferentes, pelos outros animais. Dantes tinham outras causas, agora têm estas.
Onde noto uma grande diferença de ano para ano, é na linguagem - na capacidade de ler um texto e conhecer 10% das palavras, na capacidade de compreender uma frase com mais de duas linhas e de construção complexa, na capacidade de ler o texto por detrás do texto e na capacidade de se concentrarem por largos períodos de tempo.

Este fenómeno tão catastrófico do desenvolvimento é reversível, mas não temos políticos educados o suficiente para compreender as consequências desta decadência progressiva. Se calhar alguns até acham que isso é bom em termos elitistas (da mesma maneira que os países do Norte acham bem ter aqui uns atrasados no Sul a fornecer mão-de-obra barata) mas a mim parece-me o contrário, por razões que hei-de dizer em outro post.

(um aparte - Platão não gostava de imagens. No âmbito da sua Teoria das Ideias, as imagens eram degradações, cópias, aparências, obstáculos no acesso à verdade.)

texto sobre fracções do livro da 3ª classe




June 05, 2020

Espero que não transformem necessidades em erros



As desigualdades não têm que ver com o ensino à distância. O ensino sem aulas presenciais nesta pandemia só o evidenciou de forma que as autoridades já não podem fingir que não sabem, da mesma maneira que os telemóveis a filmar os negros a serem vítimas de brutalidade nos EUA tornou impossível o fingir que não se sabe de nada.
Alunos não terem equipamento informático e internet de banda larga nos tempos que correm é como não ter sapatos. No ensino presencial, um aluno que não tem estes recursos está restringido no seu trabalho, na organização da sua vida, no acesso à informação e ao conhecimento, na produção de trabalho, etc.
Espero que entendam isso e não partam do princípio que o ensino à distância é uma alternativa ao ensino presencial, porque não é. É uma remediação porque teve que ser, assim como temos que afastar-nos dos outros, mas isso é uma perda de vivência e um empobrecimento social e não uma alternativa a podermos andar de braço dado ou sentar perto uns dos outros, partilhar um bolo, etc.

Covid-19. Governo aprova 400 milhões de euros para universalização da Escola Digital


O Governo vai lançar um programa para assegurar a universalização do acesso e utilização de recursos educativos digitais, um investimento no valor de 400 milhões de euros, anunciou o primeiro-ministro, esta quinta-feira.

“Esta crise demonstrou bem como é essencial combater as desigualdades, designadamente aquelas do ensino à distância”, afirmou António Costa em conferência de imprensa, no final da reunião do Conselho de Ministros, sublinhando a necessidade de assegurar o acesso ao ensino digital em suporte digital.

Os artigos sobre a avaliação dos alunos têm sempre um ror de erros e são capciosos



Pandemia "é oportunidade" para retirar peso aos testes escritos na avaliação

Há uma desmotivação geral quando um aluno teve um trabalho excelente - no qual se esforçou, para investigar e ser criativo, tudo o que se pede agora [no mercado de trabalho] - e depois falha num teste de memorização, de atenção.

O trabalho de um professor deve passar por "privilegiar a proximidade com o aluno, a aprendizagem contínua", a única forma de "perceber se há dificuldade na aquisição de conhecimentos" e de "valorizar a sua participação ativa", diz a dirigente da ANP. "Assim, estaríamos a dizer ao aluno: 'tu és sempre importante'" e não apenas a considerá-lo no derradeiro momento de expor os seus conhecimentos num teste comum. "Devíamos desconstruir completamente o sistema."


A avaliação não tem que ser a favor ou contra os testes. Há um lugar para tudo: há assuntos, temas, disciplinas que requerem avaliações diferentes. Os testes não avaliam apenas atenção e memória, como todos sabemos, de modo que se pergunta: esta pessoa que escreve isto, tem uma agenda, como dizem os americanos? A grande dificuldade dos alunos nos testes não são as perguntas que requerem memorização mas as que requerem pensamento: ser capaz de seleccionar, entre os conhecimentos, os que são relevantes para responder à questão/resolver o problema, fazendo relacionamento entre vários assuntos, técnicas necessárias para o efeito.
Mesmo que os teste só avaliassem atenção e memória, já era importante em muitas situações: quem quer atravessar uma ponte construída por uma pessoa incapaz de atenção (concentração) e memória? Quem quer ser tratada por um médico ou enfermeiro incapaz dessas dois recursos mentais? 

Que agora o mercado de trabalho só quer pessoas criativas e que investiguem é um disparate porque a imaginação e a criatividade exercem-se sobre os conhecimentos e a as técnicas interiorizadas e não sobre o vazio. Ou a pessoa que escreve isto acha que o Einstein não tinha conhecimento e técnicas e não trabalhava arduamente nelas, antes de pensar as teorias e que as inventou do nada só com imaginação?

Seguidamente, confunde-se o professor com um psicólogo motivacional: o objectivo da avaliação não é motivar alunos. É dar-lhes uma medida do seu progresso em diversas áreas do conhecimento e das técnicas. Se não, seria como estar a treinar uma pessoa para a maratona e aldrabar os tempos e as distâncias que a pessoa correu para motivá-la. Motivar não é distorcer.

O professor deve ser próximo dos alunos? Nem todos os alunos andam no infantário ou no 1º ciclo. Há inúmeros estilos de professor e há professores que são distantes e são bons professores. Nós professores não somos a segunda mãe ou o segundo pai ou a tia ou o tio dos alunos. A sala de aula e a escola não são uma extensão da família.
Há muitas maneiras de avaliar e a avaliação depende do que se quer atingir, de modo que depende também do que se avalia: não se avalia a Lógica como a Estética. Há disciplinas onde é mais difícil fazer grandes variações na avaliação, como a Matemática, por exemplo, dadas as condições de insucesso em que o ME põe as escolas e os professores.

Esta pandemia não é um exemplo de melhores práticas de avaliação. Sei de fonte directa, AKA, os alunos, que imensos alunos fizeram testes, trabalhos e pesquisas, com o explicador online. Às vezes o explicador até é um professor.

Andei três semanas a pensar um trabalho para os alunos que queiram a oportunidade de subir 1 valor na nota, de maneira a evitar fraudes, porque agora é difícil controlar isso. Portugal é um país de corrupção, tráfico e chico-espertismo. Todos o sabemos e é na escola que começam essa 'carreira'.

Devíamos desconstruir o sistema? Mas esta pessoa acha que a destruição do ensino e das escolas por reformas contraditórias umas a seguir às outras bem como a destruição do trabalho e da carreira do professor que tanto afecta os alunos, foi pouco e quer destruir ainda mais? A destruição é uma coisa boa? Positiva?

A questão é: alguém, não sei quem, inventou há uns anos (e impôs-nos a todos, sem perguntar se estávamos de acordo) a ideia de que era bom para a sociedade todos os alunos passarem por uma educação universitária. Ora, para isso acontecer, perverteu-se o objectivo de um curso universitário e teve que baixar-se o padrão dos estudos universitários (Bolonha). Como sabiam que isso iria formar profissionais com grandes falhas, deixaram medicina e arquitectura na mesma... o problema é que, quando começam os processos de decadência e entropia, é muito difícil pará-los e esse aplanar de dificuldades também já chegou a esses cursos. Daí, haver hoje em dia uma grande disparidade na qualidade dos médicos. E talvez dos arquitectos, mas aí não sei porque não tenho conhecimentos para o dizer. Certo é que baixaram também o nível escolar, para que todos possam aparecer nas estatísticas (que os governos exibem como se aquilo fosse sério) como sucessos a ingressar na universidade e retiraram do programa e dos manuais tudo o que são espinhas e só deixaram a carninha molezinha, mas mesmo assim ainda acham muito e hoje em dia, como se vê por este artigo, a escola e o ensino têm como objectivo fazer com que os alunos se sintam bem e felizes, consumíveis, mesmo que aprendam nada e depois se tornem uns profissionais medíocres, como já acontece.


June 02, 2020

Quando o ensino à distância é uma grande chatice



Hoje dei a aula um bocadinho contrariada porque este assunto da Justiça Social de Rawls dá umas aulas muito giras, ainda para mais porque neste momento os acontecimentos nos EUA são um excelente exemplo para a discussão da igualdade de direitos, da justiça social, dos direitos civis, das condições em que é desejável a desobediência civil por razão do Direito ofender a Ética, etc. Normalmente nem explicaria os conceitos: passava um documento de vídeo e depois, com algum texto do autor provocava uma discussão até os miúdos chegarem sozinhos às respostas. Só que assim à distância não dá. Uns seis alunos da turma não têm PC, outros têm mas é partilhado. Enfim, um assunto que daria uma aula inteira (só esta parte da desobediência civil) despachou-se em 45 minutos. Eu já estava naquela de os deixar com uma tarefa mas eles não deixaram. Queriam discutir o que se passa nos EUA e no mundo. Passámos o resto da aula a falar da situação nos EUA e da pandemia. Acabámos a aula a falar no ensino à distância não ter a mesma graça, porque faltam as relações entre as pessoas, as expressões do rosto, as chamadas de atenção e até o riso que era comum. Eles de vez em quando dizem-me que estão a tirar apontamentos porque agora não vejo. Nem sei quantos é que dizem olá no início e aparecem a meio porque sabem que a certa altura pergunto quem tem dúvidas e eles querem responder para serem vistos e depois no fim, porque os que participam activamente são sempre os mesmos e não passa da metade da turma. No entanto, mesmo que todos tivessem um PC com câmara, não fazia aulas de vídeo. Não têm o mesmo rendimento e é uma invasão de privacidade que não se justifica. Numa sessão que fiz de videoconferência, logo no início disto, em mais que um aluno, via uma parte grande da casa, nas costas deles. A mãe a entrar de pijama na cozinha, a família em sua casa na sua vida e uma pessoa a invadir-lhes o espaço... nunca mais. Pareceu-me mesmo uma violação de privacidade. De modo que o ensino à distância de vez em quando é uma grandessíssima chatice, para eles e para mim. Uma aula que podia ter sido dinâmica e divertida, foi assim... uma coisinha.

May 29, 2020

Ensino à distância



Os miúdos motivam-me. Hoje estamos a entrar no tema da ideia de sociedade de Rawls e da sua Teoria da Justiça e como preâmbulo falámos do Estado, da necessidade de leis, do Direito e da organização política das democracias, dos orgãos de soberania - as funções de cada um e como se relacionam e porquê. Às vezes os miúdos não se interessam muito por estas questões mas esta turma de hoje tem vários alunos à beira dos 18 anos e outros que já os têm e interessaram-se e o dinamismo deles, pegou-se-me um bocadinho.
Tenho pena que não seja uma aula presencial porque quando há esta dinâmica positiva fazem-se aulas muito interessantes.
Evidentemente não lhes disse que, na prática, a independência dos orgãos de soberania nem sempre é o que devia ser. Não vale a pena torná-los cínicos na idade própria de se entusiasmarem e lutarem por ideais. Até porque o entusiasmo é uma dinâmica que se pega, e preciso muito que se pegue, muito mais facilmente que o vírus.

May 25, 2020

Ensino à distância - 1º balanço



Ao fim de 2 meses de ensino à distância já dá para fazer um primeiro balanço da experiência.

Não estou de acordo com muitos artigos que leio sobre toda esta experiência. Nem estou de acordo, nem com os pressupostos, nem como as conclusões.

1. Penso que todos concordamos que a experiência podia ter corrido melhor se as famílias tivessem outras condições, nomeadamente acesso a internet e a equipamentos como computadores individuais. Ainda, privacidade. Mas mesmo com essas condições, o grau de educação académica do país ainda é, em geral, muito baixo para que os pais possam ajudar os filhos, quando é necessário.
Dado que é previsível que outras situações, parecidas a esta, possam voltar a obrigar a fechar as escolas, tem que trabalhar-se para uma situação de menores desigualdades sociais, uma internet a preços decentes -em França paga-se 1 euro por mês pelo acesso à internet de banda larga-, facilidade para alunos e professores comprarem computadores, introduzir nas escolas formação em ensino à distância, etc.

2. Não estou de acordo com as declarações de muitos responsáveis -outro dia li-as no texto de um director da OCDE, o que nos chamou nomes- que alegam que cada aluno tem uma maneira diferente de aprender e gostava muito que produzissem uma evidência que fosse dessas declarações de princípio. É que já levo mais de 30 anos de trabalho com alunos e não é isso o que observo. Há 4 ou 5 maneiras um bocadinho diferentes de trabalhar e nem todas igualmente rentáveis nas diferentes disciplinas. Não por acaso uns alunos têm mais inclinação e talento para umas disciplinas que outras.

O que acontece é que os alunos chegam às aulas em diferentes níveis de desenvolvimento-maturação e com níveis diferentes de proficiência na aprendizagem - desde os que vêm muito bem preparados, ao nível dos conhecimentos, das técnicas e dos métodos de estudo até aos que estão quase a zero em tudo, há um uma escala intermédia graduada e isso também complica tudo.

Portanto, uns aprendem num instante porque têm maturidade suficiente e têm interiorizados todos os recursos mentais e técnicos necessários e outros necessitam de muitos recursos suplementares para colmatar essas faltas. E se juntarmos a isso a diferença de riqueza pedagógica/vivêncial do contexto familiar, as coisas ainda se complicam mais.

No entanto, nada disto tem que ver com maneiras diferentes de aprender. Essa ideia de que cada um aprende de maneira completamente diferente é um mito, um engano que faz estragos porque os alunos beneficiam muito em ter uma parte grande do ensino com objectivos comuns que os obriga a adaptar-se e a usarem a sua plasticidade mental para ultrapassarem certa rigidez de aprendizagem e de conhecimentos e também ultrapassarem-se a si próprios.

Da mesma maneira que dizem que os professores têm que dar aulas para a individualidade de cada um concluem que todos os professores têm que fazer fazer aulas digitais e da mesma maneira. Isso é completamente enganoso. Há várias maneiras de trabalho que têm a ver com a especificidade das disciplinas e a maneira do professor as rentabilizar. A pedagogia e a didáctica são ciências humanas -uso aqui o termo ciência naquele sentido muito lato dos antigos-, não exactas.

Nem um mesmo professor usa as tecnologias da mesma maneira em anos e disciplinas diferentes.
Por exemplo, foi-me fácil passar as aulas do 12º ano de Psicologia para esta modalidade à distância. De qualquer maneira já fazíamos um trabalho muito dependente dos meios digitais e de investigação documental -texto, imagem e vídeo- na internet.
Os alunos já têm 17 e 18 anos, alguns 19 e fazem leituras e pesquisas que indico e quando chegamos à hora da aulas vêm preparados com perguntas, ideias de trabalho, outras leituras que fizeram, etc.
Já não estão completamente dependentes de mim como estavam no 10º ano, nem pouco mais ou menos e há aprendizagem, mesmo feita à distância. Só estragou a apresentação oral de trabalhos.

Os 10s anos de Filosofa são diferentes, muito dependentes do professor e a minha maneira de trabalhar com as turmas é à base de discussão dos conceitos. No início do ano nem usamos nada digital (a não ser o email para comunicar quando é preciso fora das aulas) e as aulas são com textos de filósofos e questões para discutir e só depois depois de muita discussão e de eles já terem feito o trabalho mental quase todo é que organizo as ideias sobre os assuntos e fechamos pontas soltas. Isso não dá para fazer à distância, a não ser em pequeníssima parte e porque estamos no 3º período. Se tivesse sido no 1º nem essa pequena parte dava para fazer. Teria sido muito difícil não transformar a Filosofia numa espécie de catálogo de conceitos e argumentos. No entanto, os professores que dão as aulas de Filosofia com essa orientação, que está na moda, terão tido muito menos problemas no ensino à distância do que eu.

Normalmente, tenho que ensinar os alunos do 10º ano como fazer uma pesquisa online para não ficar reduzido a wikis ou a sites de pouca ou nenhuma confiança, como usar o processador de texto, como usar o email... ao contrário do que se diz, os alunos sabem pouco de computadores porque os usam, sobretudo, para estar no instagram, no Twitter ou no youtube a ver e criar canais; ou ainda para jogar jogos. Não para trabalhar e não sabem usar um computador para trabalhar. Não sabem onde ver um filme, ir buscar legendas... Agora, é verdade que aprendem todas essas coisas num instante.

Naturalmente isto que disse para as disciplinas que ensino não serve para todos as disciplinas/anos de escolaridade, mas que a tecnologia é um instrumento e não um fim em si mesmo, isso já serve.

Parece-me que pode introduzir-se mudanças na educação no sentido de passar a haver parte do ensino à distância, em algumas disciplinas, não em todas (como fazer prática laboratorial à distância, por exemplo?), mas isso só será rentável a partir do 7º ano e em dose muito pequena, por exemplo, um quinto do tempo de aula até ao 11º e depois um quarto do tempo de aula.

Falo de aulas, mas é evidente que a escola não é um local apenas de aulas, é também uma parte fundamental da socialização das crianças, adolescentes e jovens adultos que não se substitui, sem grandes perdas de desenvolvimento, pelo ensino à distância.

É preciso ver que esta situação de ensino à distância que estamos a ter não é uma solução, é uma remediação e qualquer estratégia  que seja pensada para o ano que vem deve ter em isso em conta.

May 15, 2020

Intervalo - fim da parte síncrona



Hoje estive a explicar um conceito. Expliquei, dei exemplos -este tempo de pandemia em que nos encontramos é fértil de exemplos de dilemas éticos- e depois perguntei se tinham percebido. Sim, sim, sim, sim... 20 sins de enfiada. Ok, então, vou expor uma situação para aplicarem o conceito - numa situação tal, usando o conceito tal, fulano de tal, agiria assim ou assado? A resposta correcta, aplicando o conceito é, 'assim'. Resposta deles; assado, assado, assado... ahah   ... oh meu deus! Expliquei aquilo mal para todos se enganarem na aplicação do conceito ao caso em apreço? Em vez de dizer que a resposta está errada, resolvi fazer perguntas compartimentadas, dividir a situação/problema nos vários passos que o agente deu e pensar cada um à luz do conceito. Aí foram sempre respondendo bem e no fim deram-se conta que tinham respondido mal, de início.
Conclusão: o facto de se perceber uma ideia em geral não significa que se tenha aprendido a pô-la em prática, que dizer a saber instrumentalizá-la para apreciar os contornos de um problema da realidade ontológica. Para isso é necessário saber problematizar, 'ver' o problema nas suas partes e no modo como se interseccionam, uma analítica à moda cartesiana, para no fim se ter uma perspectiva global da situação. É por isso que aprender lógica não ensina ninguém a pensar, apenas a ver se, do ponto de vista formal, aqueles pensamentos são coerentes, mas coerência e solidez são realidades distintas. Portanto, explicar os conceitos sem fazer o processo analítico do seu uso nas situações da realidade em que podem aplicar-se (induzir nos alunos esse processo mental, com perguntas e objecções), é pouco. Não chega.

May 06, 2020

Regresso à escola - para quê isto tudo?



Um aluno por secretária e intervalos passados na sala de aula. Como será o regresso às aulas


... ou melhor, para quê tanto por tão pouco?

Estas orientações complexas são possíveis, embora me pareça que em certas zonas serão difíceis de cumprir, porque estamos a falar de só regressarem à escola os alunos mais velhos, do 11º e 12º anos e para ter apenas as disciplinas de exame. Sendo relativamente poucos, mais os seus professores.

Para o próximo ano lectivo, com a escola cheia de alunos e professores em número de mais de um milhar e meio, por exemplo, cumprir estas normas é lógica, antropológica e logisticamente impossível, de modo que não percebo este regresso por um mês.

Só será possível reduzindo drasticamente o número de alunos por turma o que obriga a contratar muitos mais professores, funcionários, também, o que não vai acontecer porque é na educação, em primeiro lugar, que o governo pensa poupar dinheiro, sempre.

Acho que toda a gente leu aquele parágrafo que diz que os alunos têm as faltas justificadas se os pais optarem por não os mandar à escola, por causa da pandemia, mas que nesse caso não se lhes garante ensino à distância... claro que um professor não pode dar 6 horas de aulas na escola e depois ir a correr para casa voltar a cumprir esse horário de trabalho para os que não querem sair de casa; no entanto, esta cláusula, na prática, obriga os alunos a irem para a escola ou a desistirem deste ano lectivo. De modo que, pergunto: para quê isto tudo?

May 05, 2020

Ensino à distância - intervalo



Estou no intervalo das aulas de hoje. Andamos a falar da ética kantiana que é um assunto que se presta a grandes e interessantes discussões. Já percebo que os miúdos sofrem de não poder encontrar-se na escola mas não desta comunicação à distância. Aí estão como peixe na água, escrevem a uma velocidade estonteante e discutem muito bem em fóruns. Mas adiante, porque era outra coisa o que queria dizer.

Uma pessoa tem a ideia de que a ética kantiana, por ser muito formalista e exigente, não será do agrado dos alunos, mas é ao contrário e a maioria deles, quando tem que escolher entre esta e a outra do S. Mill, inclina-se para esta (isto agora foi paradoxal, tendo em conta o que ele pensa das inclinações). Acontece que os alunos nesta idade, talvez por terem ainda pouca experiência de vida, são pouco dados a relativismos morais e têm um formalismo muito maniqueísta, se bem que na prática sejam outra coisa completamente diferente.

Enfim, hoje a discussão foi sobre a autonomia e a heteronomia da vontade e foi interessante, pelo menos para mim. Pior são as dores nas costas das horas sentada, mas hoje chegou a cadeira nova (talvez mande a conta para o ME ou para o senhor Rio).
Amanhã já sento na cadeira ergonómica :)

April 23, 2020

Ensino à distância II



Agora no fim da última aula (outra vez 90 minutos síncronos) dois ou três alunos disseram, 'professora, isto hoje foi puxado'. Bem, nem tudo são desvantagens e esta situação de ensino à distância tem um lado positivo -pelo menos para as minhas turmas, não estou a dizer que seja universal- que é o seguinte: avisei as turmas que a assiduidade e a participação são importantes e que noto quem está, quem está à hora, quem participa e a qualidade da participação, etc. Acontece que estou a trabalhar com uma aplicação onde temos áudio, e podemos ouvir-nos uns aos outros ou escrever. Uma espécie de fórum mas com possibilidade de áudio. Sendo assim, os alunos não podem estar ali apenas a ouvir ou a ler, se querem que eu veja que estão atentos e a participar.
Nas aulas presenciais há sempre quem participe mais, mas os outros, mesmo intervindo menos, sabem que estou a vê-los a trabalhar. Na aplicação não vejo nada e não sei de nada a não ser que intervenham, de modo que vejo miúdos que até nem costumam intervir muito, entrar agora em todas as discussões. Isso obriga-os a estar concentrados e a pensar.
Depois, como o discurso escrito é diferente do oral onde muita coisa fica às vezes subentendida ou deficientemente explicada mas percebemos as entrelinhas e, ainda por cima, como estamos todos a ver o que cada um escreve, eles têm um enorme cuidado em construir frases completas, os argumentos todos bem explicados, o discurso todo bem concatenado. Isso é inestimável: é como estarem a fazer respostas a testes em todas as sessões, só que as construímos em conjunto.
Praticamente todos colaboram, porque querem que eu veja que estão presentes e não apenas de corpo. Por isso acham a aula puxada. Estão ali concentrados a ver o que cada um diz e escreve para responder por sua vez. Têm piada.

March 22, 2020

Ora aqui está uma grande metáfora do que vemos frequentemente nas aulas - labor versus talento



Hei-de mostrar isto aos alunos porque há imagens que sintetizam, em segundos, o que nos leva muito tempo e esforço a explicar com palavras. E de modo muito mais eficaz.

Esta pequena cena mostra duas situações:

- a primeira é que o talento, muitas vezes, vence o esforço. Pelo menos até certo ponto. Muitos alunos queixam-se das notas porque se comparam com outros que eles vêem que não se esforçam e, apesar de atribuir uma classificação ao empenho e investimento no trabalho da disciplina, por vezes os que mais se esforçam não são os que têm melhores notas.

Quem disse que a vida é justa?

Embora a maioria dos alunos não evidencie um talento especial para algo em particular (o que não quer dizer que não o tenham) alguns têm-no de modo tão evidente e vêm tão bem preparados, em termos académicos, que tudo lhes é fácil. Lembro um aluno de uma turma de artes que sem estudar e só por divertimento tinha sempre 20s a Geometria Descritiva que é uma disciplina onde a maioria dos alunos tem dificuldades. Os outros queixavam-se, 'não é justo, o João nem estuda', ao que ele respondia,  'aquilo é fácil como somar dois mais dois' e ria-se.

Os alunos não têm noção deste facto da vida que é alguns nascerem com talento especial para as aprendizagens académicas e tudo lhes é fácil. Ainda na sexta, quando enviei as notas com comentários dos trabalhos de argumentação, houve quem respondesse, dizendo que não percebia ter menos nota que outro qualquer quando tinha falado mais que essa pessoa. Pois, a questão é que alguns até falam pouco mas, fazem-no sempre bem e acrescentam valor à discussão e outros, nem por isso.

- a segunda é que o esforço vale a pena porque o cão que sobe a rede com esforço e está habituado a vencer a dificuldade, fá-lo-ia mesmo se a rede tivesse mais um metro de altura, enquanto o cão que salta a rede sem esforço, se acontecer ela ser alta demais para o seu impulso, não tem, nem o hábito de labor, nem a perseverança suficientes para persistir no esforço e desiste.
Ora, regra geral, os alunos que vão mais longe são os que persistem e vencem as dificuldades porque são capazes de resistir à frustração mantendo a motivação e o empenho. E é por isso que estudar vale a pena, porque a certa altura, todo o obstáculo é demasiado alto para o impulso natural da pessoa.

É claro que os melhores são os que, para além de terem talento, ainda lhe juntam o labor, mas esses vêm em número muito pequeno.


February 09, 2020

A situação na educação II



 Nas escolas, as coisas degradam-se a um ritmo alucinante. Já chegaram ao 10º ano os alunos com plano semestral (estiveram um ano e meio sem contacto com o inglês, por exemplo, e estão a zero...) e as turmas onde passaram todos por decreto. É o descalabro.
Os pais agora queixam-se muito que os filhos estão habituados a ter 5s no básico e no 10º ano não passam do 10 ou nem aí chegam. Uma pessoa tem que explicar-lhes que o ensino básico foi transformado numa fraude em que um aluno pode passar com 7 negativas  e 500 faltas, isto é, sem saber nada de nada... depois os professores começam a compensar, claro. Se os de 2 vão passar, os 3s sobem logo para 4 e os 4s para 5.

Depois tiram os elementos da pauta para ninguém ver, mas mesmo assim ainda se vêem as negativas, de modo que qualquer dia proíbem as pautas (com o falso pretexto da protecção de dados) para que ninguém veja que uma turma inteira passou de ano com 500 faltas cada um e tudo notas de 2. A seguir passam para o 10º ano que está a começar a sofrer a pressão que o básico sofreu para se tornar numa fraude. Pois se os alunos chegam quase todos ao 10º ano sem fazer nada e sem saber nada (na minha escola há centenas de livros gratuitos do básico que os alunos não vão levantar... pois para quê, se não é preciso estudar... aliás, a proibição de escrever nos livros mostra a relevância que têm...) os professores do secundário começam a baixar o nível de exigência se não chumbam todos e têm que gramar a inspecção como se fossem criminosos.

No fim passam todos com 14, pois com essa nota podem ir a exame e tirar 0 que passam na mesma. E se é isso que os pais querem para os filhos (serem uns ignorantes encartados sem futuro) vão ter que esperar que estes professores que estão a dar aulas e são do tempo em que se valorizava o saber e não o fazer crochê, se reformem, porque há limites para o que aceitamos fazer.

É claro que temos que dizer isto por outras palavras aos pais se não desmaiavam, que a verdade mata.

December 06, 2019

Educação: os governos fornecem os fósforos das demagogias aos jornalistas para que estes queimem tudo à passagem



Hoje o jornal i trás um grande artigo de várias páginas a fazer a apologia das explicações e explicadores através do youtube e a denegrir o ensino e professores que estão nas escolas, a quem chama tradicionais.
Aos explicadores do youtube chama novos professores-o artigo faz uma enorme publicidade a um tal Vítor Pereira, explicador de Matemática- e afirma que estão a revolucionar o ensino! Como se os dois termos fossem sinónimos...

Estamos nós nas escolas a tentar tomar cada vez mais atenção às particularidades de cada aluno individual e à interacção positiva com os alunos no sentido de percebermos as suas potencialidades e sermos motores do seu desenvolvimento e vem este explicador YouTuber gabar-se que tem já 90 mil clientes (com este artigo vai aumentá-los muito e ganhar ainda mais dinheiro, pois é para isso que tem o canal) e que os alunos que não percebem as suas aulas podem repetir o vídeo as vezes que quiserem até perceberem os raciocínios dele... oh, meu Deus!!   ... como se a compreensão fosse um processo quantitativo de martelada até o prego entrar completamente na tábua rasa da cabeça... e como se o processo da aprendizagem fosse apenas perceber o raciocínio alheio num dado assunto ou problema...

Os professores nas escolas não têm clientes, nem estão na profissão para fazer dinheiro à custa dos alunos. Têm outros ideais e outro respeito pelos alunos. Lidam, não com seres virtuais mas, com pessoas reais e com os seus problemas enquanto seres humanos num determinado ponto da sua formação com um determinado contexto social, mental e físico que transportam e marca todas as suas aprendizagens.

Talvez os 90 mil seguidores deste senhor Pereira se expliquem pela falta de dinheiro que as pessoas têm para explicações. Os próprios centros de explicação, diz-se aqui no artigo, estão a adoptar este sistema. Pois claro! Em vez de pagarem a professores para trabalharem individualmente com alguns alunos as técnicas necessárias ao domínio dos problemas e perceberem onde precisam de reforço põem um vídeo a passar para uma enorme quantidade de clientes ao mesmo tempo.

Este explicador de matemática até diz que tem professores tradicionais a segui-lo. Pois, calculo que os colegas das escolas o sigam para saber com o que têm que lidar nas aulas, isto é, com que tipo de disparates vão ter que lidar quando os alunos chegarem às aulas cheios de respostas formatadas à medida do negócio e lucro do senhor Pereira..

Aulas por vídeo só aproveitam a quem já sabe e tem autonomia e apenas precisa de juntar pontas soltas.

Bertrand Russel, num livro de 1931 que se pode descarregar, inteirinho, em PDF, ou outro formato, aqui neste site → www.archive.org/details/scientificoutloo030217mbp já dizia que nas sociedades científicas do futuro a educação seria diferenciada consoante se tratasse de educar os filhos das elites intelectuais e os filhos dos outros, destinados a trabalhos não intelectuais. Os primeiros teriam a presença de professores que desenvolveriam as suas potencialidades numa interacção constante e os segundos teriam aulas pela tv ou rádio (não imaginava o youtube, claro) de um modo massificado só para aprenderem o básico. Acima de tudo seria treinada e valorizada a co-operação, a obediência ao grupo e a colaboração, sendo a iniciativa individual e o espírito independente próprio dos descobridores, inventores, filósofos, etc., completamente desencorajados. Pois é, o Bertrand Russel via muito e via longe porque o futuro dele já chegou ao nosso presente...

No mesmo jornal, um artigo de opinião de uma professora da Universidade do Minho queixa-se dos resultados do relatório PISA mostrarem que os alunos aos 15 anos não gostam de ler e são indisciplinados. Diz ela que os seus alunos vão para as orais sem ter lido um livro ou um artigo científico, sequer, e conclui que é preciso mudar, nas escolas, programas, disciplinas e fazer formação de professores... mas quem são estas pessoas que pensam que os alunos gostarem de ler e de aprender é uma consequência mágica de mudar disciplinas e formar professores?

Uma pessoa lê estas coisas e fica desmoralizada...

Todos os dias um artigo no jornal a fazer demagogia anti-pedagógica, a denegrir os professores que estão nas escolas a trabalhar com os alunos (o que é muito difícil ao contrário de estar atrás de um ecrã de computador a debitar uma cantilena igual para todos sem obstáculos nem contraditório) e a perverter as virtudes do ensino, tarefa tão difícil, tão importante mas infelizmente muito mal tratada e mal amada pelos governos e pelos poderes.