April 26, 2024

Dogmatismos de Direita e Esquerda? SSDC

 

A maior parte dos ensaios que se seguem, escritos em diferentes alturas durante os últimos quinze anos, têm como objetivo combater, de uma forma ou de outra, o crescimento do dogmatismo, quer de direita quer de esquerda, que tem caracterizado o nosso trágico século. Este objetivo sério inspira-os mesmo que, por vezes, pareçam irreverentes, pois não se pode combater aqueles que são solenes e pontifícios sendo ainda mais solene e pontifício.

Bertrand Russel in Unpopular Essays, 1921



Transparência nos processos públicos? "Falta muito para cantar vitória"

 


IGF deteta 91 milhões de euros em transferências indevidas para 41 fundações 

A Inspeção-Geral de Finanças detectou transferências correntes e de capital e subsídios nacionais de entidades públicas a fundações que não cumprem obrigações de transparência.


Integridade e respeito pelo povo? "Falta muito para cantar vitória"




Com tanta distração, praticamente ninguém reparou ou relevou, por exemplo, a circunstância de os três primeiros nomes da lista do PS terem sido candidatos eleitos nas últimas eleições legislativas. Ana Catarina Mendes foi a cabeça de lista no distrito de Setúbal e Francisco Assis no Porto. Marta Temido foi a quarta da lista de Lisboa. Foram candidatos no mês passado. Foram eleitos no mês passado. Tomaram posse no mês passado.

A sua candidatura ao Parlamento Europeu é uma enorme falta de respeito pelos portugueses, em especial pelos eleitores dos seus círculos. Das duas, uma: ou resolveram rasgar o mandato popular que lhes foi conferido, logo a seguir à eleição; ou, pior do que isso, já se candidataram à Assembleia da República sob reserva mental, sabendo que tinham a promessa do salto para a Europa.

Do ponto de vista da salvaguarda da crença dos portugueses no regime democrático, a decisão de um jornalista de vinte e tal anos mudar de vida para se sujeitar ao sufrágio universal (não para ir para assessor partidário, como outros jornalistas fazem depois de anos a revelarem a sua grotesca parcialidade nas redes sociais) é incomparavelmente menos grave do que a mercearia de lugares a que Mendes, Assis e Temido se dedicaram. Essa é que teria sido a grande notícia da semana, caso o jornalismo se tivesse interessado mais em olhar à sua volta do que para o próprio umbigo.

Portanto, se calhar o acordo 
[para presidente da AR] não foi só uma solução civilizada para salvar a face do PSD. Foi igualmente uma forma de salvar o plano de Francisco Assis para ir para o Parlamento Europeu.

Isso explica, de resto, que, segundo se sabe, não tenha ficado explícito que seria Assis o deputado que o PS indicaria daqui a dois anos para a Presidência da Assembleia. O que é bastante absurdo, se pensarmos que essa é uma eleição em que contam fundamentalmente as qualidades pessoais dos candidatos. Não é uma eleição entre partidos; é entre pessoas.

(...) havia o risco de Assis ser visto como um “mercenário” do PS (...)

Excertos de opiniao/publico de Francisco Mendes da Silva


Liberdade? "Falta muito para cantar vitória"




Feriado passado, 50 anos assinalados, já tudo foi recordado sobre o que não podíamos fazer antes de 1974, e sobre como aquele ano nos atirou alegremente para a vida plena de escolhas, de oportunidades e de crescimento. Terminados os festejos, e depois da palavra “liberdade” repetida até à exaustão, será que praticamos mesmo o que evocámos nas últimas 24 horas?

“Liberdade é não ter medo”, já dizia Nina Simone. A compositora, cantora e ativista pelos direitos civis das pessoas negras norte-americanas sabia do que falava, por observação de quem vivia constantemente alerta para o ataque, para o preconceito e para o julgamento infundado. Se ser livre é não ter medo, quantos/as de nós podemos dizer que o somos?

Numa crise de habitação conjugada com um padrão de precariedade, quem é que não tem medo de nunca conseguir comprar casa própria? Em Portugal os jovens saem de casa dos pais, em média, aos 29,7 anos, acima da média da UE de 26,4 anos, segundo dados do Eurostat para o ano de 2022. Este número, apesar de alto, irá ainda assim surpreender muitos dos jovens que leem este artigo, para os quais essa materialização da liberdade é ainda uma miragem.

Num contexto laboral hipercompetitivo e de relatos assustadores, quem são as mulheres que não têm medo de avançar com a maternidade e de serem prejudicadas nas oportunidades de trabalho?

Em Portugal, muito recentemente, houve professoras que não receberam aumentos salariais por terem estado ausentes por gravidez de risco e por licença de maternidade. Estas ausências totalmente justificáveis (sem que seja preciso referi-lo) levaram a que as docentes não pudessem usufruir dos novos escalões para docentes contratados, e ter atualizações salariais.

Num momento em que se envergonha e se sonda o regresso ao domínio do corpo da mulher, quem são as mulheres que não têm medo de exercer o direito a acederem à interrupção de uma gravidez?

Em Portugal, há obstáculos criados por médicos e hospitais, deixando a autodeterminação do corpo da mulher apenas para as privilegiadas.

Em Itália, soube-se ontem que os grupos “pró-vida” vão poder entrar nas clínicas de aborto para tentar dissuadir as mulheres a não o fazer - um verdadeiro cenário de tortura psicológica, que parte de um pressuposto de infantilização e menorização da mulher, que “ainda não terá pensado bem” sobre a sua decisão - como se fosse um ato feito de ânimo leve ou um “capricho”, como foi sugerido recentemente por um conceituado professor de Direito em praça pública.

Num país em que os problemas entre Governo e sindicatos impedem que a Justiça se faça, quem é que não tem medo da sua segurança?

Noticiou o Diário de Notícias que a greve dos funcionários judiciais levou à “libertação” de 12 suspeitos de crimes. Entre eles, cinco detidos por suspeitas de violência doméstica que saíram em liberdade por não poderem ser presentes a juiz de instrução para o primeiro interrogatório no prazo de 48 horas, devido à ausência de serviços mínimos. Temos, portanto, suspeitos de crimes públicos, que atentam diretamente contra a integridade física de outros/as cidadãos/ãs, a circular livremente, pela ineficiência do sistema.

A lista de medos engrossa todos os dias. Uns foram-nos passados geracionalmente, pelos avós e bisavós do tempo da ditadura, mas outros são impregnados nas nossas vidas pela falta de respostas do Estado e da sociedade em proteger todas as pessoas e cada uma.

À medida que o medo aumenta, a liberdade fica mais ténue. Falta muito para cantar vitória.


Catarina Marques Rodrigues in https://www.dn.pt/2305300257/nao-nao-somos-livres/

Os que defendem o aprofundamento da infantilização dos alunos não apresentam razões válidas

 


"A proposta de uma educação integrada dos seis aos 12 anos propicia uma sequência progressiva mais adequada às formas como as crianças aprendem. Ter um ciclo mais longo, que começa aos seis anos e termina aos 12 permite ou facilita um entendimento e um conhecimento mais profundo das necessidades individuais dos alunos. Essa transição abrupta é muito referida num estudo de 2008, porque os alunos passam de um regime de monodocência para um regime de pluridocência quase de secundário. Há alunos que passam a ter mais de dez professores”, sublinha Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE)"


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A proposta de uma educação integrada dos seis aos 12 anos propicia uma sequência progressiva mais adequada às formas como as crianças aprendem. Esta afirmação tem vários problemas e pelo menos um erro: 

- aos 10, 11 e 12 anos os alunos já não são crianças, são adolescentes, numa fase do desenvolvimento psicossocial, sexual e cognitivo muito diferente; porque razão se há-de querer atrasar o seu desnvolvimento e mantê-los infantis ao ponto de tratá-los como crianças? Todos nós temos experiência de ver alunos que reprovam várias vezes, com 18 anos, por exemplo, infantilizarem-se, por estarem integrados em turmas de colegas muito mais novos, com 15 e 16 anos.

- onde foi este indivíduo buscar dados que mostrem que há uma única forma dos alunos aprenderem? E, mais ainda, que a tal forma adequada dos alunos aprenderem é a mesma, sejam eles crianças de 6 ou 8 anos ou adolescentes de 11 ou 12? Na realidade, não é isso que mostram os estudos da psicologia do desenvolvimento. Na idade dos 11 e 12 anos há uma capacidade de abstração do concreto que dá aos adolescentes ferramentas intelectuais para outro tipo de possibilidades de aprendizagem.

- desde quando o ensino só é progressivo se os alunos estiverem num ciclo de escola primária até aos 12 anos?  

- a "transição abrupta" que alega, pelos vistos, é uma ideia de um único estudo feito em 2008 - talvez de correligionários seus? Ou de pessoas que gostariam de ver aprovadas estas medidas? Desde quando um único estudo qualquer é a regra para toda a educação? A nossa experiência colectiva (de todos os professores que conheço e com quem falo) vai no sentido dos alunos estarem cada vez mais infantilizados nos processos educativos.

- porque é que o ensino tem de ser perspectivado nesta falsa dicotomia: ou os alunos têm só 1 ou 2 professores e um ensino primário até aos 12 anos ou têm de passar de 1 ou 2 professores para 10 professores? Então não pode fazer-se uma transição para 4  ou 5 professores, cada um com a docência de um par de disciplinas - que aliás já acontece?

Não vejo ninguém apresentar fundamentos sérios para que se obrigue os alunos a terem uma educação primária em quase monodocência até aos 12 anos e parece-me que isto nada tem que ver com o interesse dos alunos mas sim com o desejo de poupar dezenas de milhares de salários de professores.

Por falar em linguagem

 


Há bocado estava a falar com uma colega que ensina Português e comparávamos a situação catastrófica em que muitos alunos, cada vez mais, chegam ao 10º ano, do ponto de vista da linguagem, e não é apenas por não lerem e não conhecerem nenhuma palavra que não usem no quotidiano. É também, e sobretudo, porque não fazem o mínimo esforço para tentar pensar ou compreender as palavras. Já não têm a ambição do melhoramento individual.

Ela contava-me que deu um texto a uma turma do 10º para trabalharem. O trabalho começava em casa. Tinham de chegar à aula seguinte com o texto lido e com o significado das palavras que não conheciam anotado. Uma tarefa que até há poucos anos seria própria do 5º ano de escolaridade.

Metade dos alunos não leu, porque ler não é giro nem divertido. Dos que leram, metade não esteve para ir procurar o significado das palavras e os que foram procurar, foram ao primeiro site que lhes apareceu no google. 

Resultado: ninguém sabia o significado de muitas palavras do texto. Coisas simples como, 'estanque', 'periodicidade', 'irrefutável' e mais umas 4 ou 5 do mesmo grau de dificuldade.

Pior ainda, mesmo na aula, com a ajuda da professora, não foram capazes de extrair o significado das palavras pelo sentido da frase e do seu contexto. Não fazem o menor esforço. Ficam à espera que os professores façam jogos ou fichas lúdicas e divertidas para se darem ao trabalho de aprender qualquer coisa. 

O discurso oficial dos pseudo-pedagogos, completamente aceite pelas tutelas é de incentivo à passividade do estudante, embora digam o oposto. Os alunos devem esperar que os professores e adultos em geral os entretenham com actividades divertidas. É proibido o esforço e tudo o que contrarie as inclinações naturais e interesses pessoais. Claro que isto forma seres humanos passivos e sem persistência. 

Hoje comecei a aula com a correcção de uma ficha de escolha múltipla que tinha dado aos alunos na quarta-feira. Muitos deles não souberam resolver os exercícios porque não destrinçam os elementos lógicos da linguagem. Por exemplo, "a afirmação, os juízos morais não são infalíveis, poderia ser uma objecção ao relativismo moral?" Acham a linguagem da pergunta muito confusa e difícil de raciocinar, de maneira que não sabem como escolher uma das respostas alternativas. 

Outro exemplo, "porque é que ter compaixão e ajudar os outros pode não ser, necessariamente, uma acção com valor moral, segundo Kant". Se não sabem logo como Kant respondeu a esta questão, não sabem como pensá-la para encontrar a resposta válida e tenho que fazer eu o raciocínio em voz alta, passo a passo e mostrar como devem discorrem o processo no pensamento para chegarem à resposta. Sozinhos não vão lá porque não pensam. Ou as questões têm uma resposta concreta e imediata ou se têm que ligar conceitos e elementos e fazer inferências, não vão lá. 

Os miúdos chegam ao 10º ano com hábitos de um facilitismo tão redutor e estupidificante e com uma retórica interiorizada acerca da virtude do perpétuo divertimento e da desnecessidade da leitura e do empenho individual que trabalhar com eles é um esforço cada vez mais inglório. 

Cada vez mais tantos e tantos são educados pelos telemóveis, pelas redes sociais e pelos sites de jogos e pornografia, que são esses os seus padrões de coisas de interesse. Deus nos livre de querer que alarguem os seus interesses ou contrariem as suas inclinações naturais.

Aniversários - Ludwig Wittgenstein (26 Abril 1889)

 

Ludwig Wittgenstein, c. 1922.

Wittgenstein "era esquisito e as suas ideias pareciam-me estranhas, de modo que, durante todo o semestre, não consegui decidir se era um homem de génio ou apenas um excêntrico. No final do seu primeiro período em Cambridge, veio ter comigo e disse: "Pode dizer-me, por favor, se sou, ou não, um completo idiota?" Respondi-lhe: "Meu caro amigo, não sei. Porque é que me está a perguntar?" Ele disse: "Porque se eu for um completo idiota, tornar-me-ei um aeronauta; mas, se não for, tornar-me-ei um filósofo". Disse-lhe que me escrevesse algo durante as férias sobre um tema filosófico qualquer e eu dir-lhe-ia então se ele era completamente idiota ou não. No início do período seguinte, trouxe-me a concretização desta sugestão. Depois de ler apenas uma frase, disse-lhe: "Não, não te deves tornar um aeronauta". E ele não se tornou um aeronauta.

No entanto, não era fácil lidar com ele. Costumava ir ao meu quarto à meia-noite e, durante horas, andava para trás e para a frente como um tigre enjaulado. Ao chegar, anunciava que, quando saísse do meu quarto, se suicidaria. Por isso, apesar de ficar com sono, não gostava de o mandar embora. Numa dessas noites, após uma ou duas horas de silêncio mortal, disse-lhe: "Wittgenstein, estás a pensar na lógica ou nos teus pecados?". Disse-me: "Nas duas coisas", e depois voltou ao silêncio. No entanto, não nos encontrávamos apenas à noite. Eu costumava levá-lo a dar longos passeios no campo, nos arredores de Cambridge. Numa ocasião, induzi-o a ir comigo ao bosque de Madingley, onde, para minha surpresa, subiu a uma árvore. Quando já tinha subido bastante, apareceu um guarda-caça com uma arma e protestou comigo por causa da invasão. Chamei o Wittgenstein e disse-lhe que o homem tinha prometido não disparar se o Wittgenstein descesse dentro de um minuto. Ele acreditou em mim e fê-lo."

- Bertrand Russell, Portraits from Memory, cap. II, Alguns contactos filosóficos, p. 23

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Antecedentes: Ludwig Wittgenstein e Bertrand Russell

De 1929 a 1947, Wittgenstein leccionou na Universidade de Cambridge. O filósofo Bertrand Russell descreveu o seu amigo Ludwig Wittgenstein como "o exemplo mais perfeito que alguma vez conheci de génio, tal como tradicionalmente concebido; apaixonado, profundo, intenso e dominador". 

Embora Russell tivesse quase o dobro da idade de Wittgenstein, a sua relação depressa se tornou uma relação de igual para igual e, no seu obituário na revista de filosofia, Mind, quarenta anos mais tarde, Russell descreveu a sua amizade com Wittgenstein como "uma das mais excitantes aventuras intelectuais da minha vida".

Apesar do consequente esgotamento dos recursos emocionais de ambos, Russell passou muito tempo a encorajar o jovem Wittgenstein e a sua relação inicial foi extremamente intensa. Russell teve de se esforçar muito para acompanhar as novas ideias radicais de Wittgenstein sobre a lógica, a linguagem e o mundo. 

Nalguns aspectos, Wittgenstein era como o jovem Russell - estava obsessivamente interessado nas difíceis questões técnicas da filosofia. Sentia-se forçado a colocar questões fundamentais sobre a natureza, a identidade e a função da lógica. Mas, ao contrário de Russell, nunca pensou que a filosofia deveria ser uma investigação do conhecimento percetivo ou da "matéria". A filosofia de Wittgenstein centra-se nos problemas do significado, não do conhecimento.

Russell depressa se sentiu intimidado por Wittgenstein - não só era demasiado volátil e zangado para o descontraído Russell e por razões que nem sempre eram claras, como também desprezava a maior parte do trabalho de Russell e, em especial, a sua incapacidade para compreender a "teoria da imagem" do significado, bastante mística, de Wittgenstein. "Só consegui compreendê-lo esticando a minha mente ao máximo". Ainda assim, Russell apoiou fortemente o trabalho que conduziu ao aclamado Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein. 

Tratava-se de um projeto ambicioso - identificar a relação entre a linguagem e a realidade e definir os limites da ciência - e é reconhecido como uma obra filosófica significativa do século XX. No entanto, Russell desenvolveu a sua própria versão das ideias que Wittgenstein apresentou nesse livro, dando uma série de palestras sobre o Posivtismo Lógico em 1918, enquanto Wittgenstein ainda se encontrava num campo de prisioneiros de guerra durante a Primeira Guerra Mundial. 

No início da Primeira Guerra Mundial, Wittgenstein ofereceu-se imediatamente como voluntário para o exército austro-húngaro, apesar de ter direito a uma isenção médica. Segundo Russell, Wittgenstein regressou da guerra como um homem diferente, com uma atitude profundamente mística e ascética. Um factor central na investigação das obras de Wittgenstein é a natureza multifacetada do projeto de as interpretar; isto leva a numerosas dificuldades na determinação da sua substância e método filosóficos.

Wittgenstein alegou que as suas ideias tinham sido mal compreendidas e, por conseguinte, deturpadas por Russell, e esta pode ser uma das várias razões pelas quais a sua relação nunca recuperou. Russell também assimilou, respetivamente, algumas das ideias de Wittgenstein na sua própria filosofia, com diferentes graus de sucesso. Por fim, e provavelmente de forma inevitável, os dois homens discutiram duramente, embora ainda não se saiba bem porquê. 

Wittgenstein morreu com apenas 62 anos, vítima de cancro da próstata. Nos seus últimos dias, admirou muito Russell, dizendo: "Diga-lhe que tive uma vida maravilhosa" e "Não pode haver uma verdadeira relação de amizade entre nós".

fonte: Bertrand Russell




"Há um risco de 'esta' Europa morrer" ~Macron

 

(...) a batalha entre democracias e autocracias parece estar a pender para o lado das últimas, sobretudo se virmos em termos de percentagem de população mundial. Um outro índice de democraticidade, o Varieties of Democraties, do Instituto sueco V-Dem, aponta para 71% dos oito mil milhões de habitantes do planeta a viverem em regimes autocráticos. E o Freedom in the World, elaborado pelos americanos da Freedom House, diz que 2023 foi o 18.º ano consecutivo em que o mundo se tornou menos livre. Um cenário muito longe do otimismo da década de 1970, quando Portugal, Grécia e Espanha se tornaram países democráticos, dos anos 1980, quando gigantes como o Brasil derrubaram a ditadura militar, ou dos anos 1990, em que a Europa Central e de Leste deixou de ser comunista e a África do Sul acabou com o regime racista do Apartheid.

só-existem-24-democracias-plenas-no-mundo

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Contar a força das autocracias apenas pelo número de pessoas é enganador quanto à força e influência das autocracias no mundo. Países como a China têm uma grande percentagem das pessoas do planeta, mas não têm a maior influência. Parece-me mais informativo perspectivar a questão do ponto de vista da física, do problema dos três corpos de que se fala agora tanto.
 
Onde há países grandes (em tamanho e em recursos/riqueza), esses são os que exercem força gravítica hierárquica, de maneira que os outros à sua volta tendem a organizar a sua órbita em torno dele.
Assim, se queremos que as democracias do mundo aumentem e exerçam força de influência, temos que impedir que grande países (em tamanho e em recursos/riqueza) se tornem autocracias (por exemplo, incentivar a Índia a melhorar a democracia) ou, não sendo possível exercer essa influência, ter países alternativos fortes cuja força gravítica seja maior que a desses grandes países autocráticos. Quando isto acontece, os países que orbitavam em torno dessa grande massa, re-organizam-se para orbitarem a outra massa, devido à maior força de atracção.
 
Isto é o que se passa, neste momento, na Europa. A força gravítica da UE é maior que a da Rússia e os países que orbitavam em torno da ex-URSS, estão a reorganizar-se em torno da UE.

Logo, se queremos que as democracias aumentem em vez das autocracias, é necessário:
- manter e fortalecer a UE se como uma grande força positiva que continue a atrair países e os desvie da órbita russa. Parece-me que tem que haver sempre um grande país ou união de países democráticos com poder de exercer uma grande força que se sobreponha à das autocracias.
- impedir que a Rússia ganhe a guerra na Ucrânia e a transforme numa autocracia. A Ucrânia é um pais grande em tamanho e recursos e se for engolida pela Rússia aumenta exponencialmente o seu tamanho/força gravitacional de modo que torna-se difícil que outros países consigam afastar-se da sua órbita.
- em termos globais, temos que apoiar as democracias, nomeadamente as emergentes, que lutam e resistem aos grandes países autocráticos, como é o caso da Ucrânia. Como sabemos, pequenas forças de resistência, se se mantêm consistentes e firmes acabam por abrir brechas nas grandes forças e desviar corpos da sua órbita. Veja-se o que se passa no Irão, onde raparigas da escola iniciaram um pequeno movimento de resistência com uma consistência e firmeza tais que não pára de crescer e abrir brechas no poder.

Nesta luta constante de travar o aumento das autocracias e atrair corpos para a sua órbita democrática através do apoio às democracias, os EUA estão à cabeça, dado que são um grande país em tamanho, recursos e armas. Porém, se não fortalecem a sua própria democracia correm eles mesmo o risco de adoecerem de autocracia.

A Rússia perder o seu vector de motivação imperialista e colonizadora e transformar-se num país normal sem grande força gravítica é uma boa notícia para todos.

O facto dos EUA terem, finalmente, decidido re-ajudar a Ucrânia depois de mais de seis meses de recusa não deve ser motivo para desistir de reforçar a segurança da Europa e torná-la uma força gravítica autónoma dos EUA. A ajuda dos EUA for tirada com fórceps, com a Europa toda a puxar. Foi difícil e não sabemos se foi a última vez que se conseguiu que os EUA ajudassem a Ucrânia. Se Trump ganhar as eleições a democracia americana talvez não sobreviva à destruição das instituições que ele fará para se manter no poder. Mesmo que Trump não ganhe, há muitas forças nos EUA que têm admiração por homens fortes, entenda-se, ditadores como Putin e que pensam que Putin é uma barreira à expansão da China. Têm mais medo do campo gravitacional desta.

No entanto, apoiar autocracias com grande força gravítica por medo de outras forças de igual poder não impede as outras de crescer e só torna desequilibrado e difícil de prever o movimento dos outros corpos, tal como no problema dos três corpos. Scholz não vê isto e é uma força de tracção ao crescimento da UE como força gravítica de influência autónoma capaz de puxar para si democracias emergentes que lutam por sair da órbita da Rússia imperialista.

Os grandes países que pensam que podem ficar na sua vidinha isolados dos outros (e a Alemanha é um grande país) são como planetas que pensassem ser imunes à força gravitacional- sua e dos outros corpos.

"Há um risco de esta Europa morrer" ~Macron



April 25, 2024

A república islâmica ocupa o Irão contra a vontade da maioria dos iranianos

 


#ToomajSalehi, um rapper da república islâmica que ocupa o Irão, foi condenado à morte por cantar em apoio das mulheres

  




Desenho de Mana Neyestani.

Hamas - a normalização do terrorismo e do absurdo internacional




O Hamas matou, torturou, violou israelitas, para fomentar o terror e depois, dos que deixou vivos, levou-os como reféns e esconde-se atrás deles para fazer reivindicações, como é comum nos grupos terroristas parecidos com o Daesch. Continua a torturar os reféns mas tem o enorme descaramento de publicar vídeos a culpar os israelitas pelo destino que eles mesmos infringiram a todas essas vítimas.

A questão é: porque é que o fazem? Porque sabem que a comunidade internacional é liderada por pessoas comprometidas e profundamente anti-semitas, que vivem o absurdo de culpar as vítimas e pedir compaixão com os terroristas em vez de exigir aos terroristas que libertem os reféns como condição de qualquer conversa.

Quem capitaneia este absurdo são instituições que têm muita influencia nos destinos do mundo. É a a normalização do terrorismo.

Hamas divulga vídeo de refém israelita raptado no ataque de outubro


O refém aparece sozinho, sentado numa cadeira de plástico, em frente a uma parede branca.

O movimento islamita Hamas divulgou esta quarta-feira um vídeo com um dos reféns israelitas raptados e levados para Gaza durante o ataque de 07 de outubro, uma publicação autorizada pela família, segundo uma associação de familiares dos reféns.

Segundo a agência France-Presse (AFP), não foi possível determinar quando é que o vídeo foi gravado, mas o refém, Hersh Goldberg-Polin, de 23 anos, refere que está preso "há quase 200 dias". Hoje contam-se 201 dias desde o ataque e tomada de reféns.

No vídeo, o jovem que foi raptado durante um festival de música acusa o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e o seu governo de terem "abandonado" milhares de israelitas em 07 de outubro e também de terem "abandonado" os reféns desde então.

Afirma que estão detidos "no subsolo", sem água, comida ou cuidados médicos, diz que ficou gravemente ferido no dia do ataque e mostra o antebraço esquerdo amputado logo abaixo do cotovelo.

Face aos EUA, à Rússia e à China, a Europa parece ser a criança ingénua no mundo da Cibernética, a anos-luz da experiência dos outros

 


Xi ordena a maior reorganização militar da China desde 2015

O líder chinês Xi Jinping ordenou o que equivale à maior reorganização das forças armadas do país desde 2015, numa medida que afecta a força responsável pelas capacidades, incluindo a guerra cibernética.

A China vai extinguir a Força de Apoio Estratégico, criada há mais de oito anos para melhorar as capacidades de guerra espacial, cibernética, política e eletrónica, informou na sexta-feira a agência noticiosa oficial Xinhua.

Xi, por sua vez, está a criar um novo ramo chamado Força de Apoio à Informação. As unidades aeroespaciais e cibernéticas, anteriormente sob a alçada da Força de Apoio Estratégico, serão agora organizadas paralelamente à recém-criada Força de Apoio à Informação, informou o Ministério da Defesa num comunicado. A unidade aeroespacial melhorará a capacidade da China de utilizar o espaço e intensificará a gestão de crises espaciais, afirmou o ministério.

A reestruturação ocorre no momento em que a segunda maior economia do mundo enfrenta os EUA numa luta pela influência global, com a guerra cibernética a emergir como um campo de batalha fundamental. No mês passado, os Estados Unidos, o Reino Unido e a Nova Zelândia acusaram a China de patrocinar actividades cibernéticas maliciosas que visam as instituições democráticas.

Reiterando a liderança do Partido Comunista sobre o exército, Xi disse que a nova força fornecerá "apoio fundamental na coordenação da construção e utilização do sistema de informação cibernética".
Li Wei, o comissário político da extinta Força de Apoio Estratégico, assumirá esse mesmo papel na Força de Apoio à Informação. Ele comprometeu-se a ouvir "resolutamente" as instruções de Xi. O novo comandante da Força de Apoio à Informação é Bi Yi, informou a televisão estatal CCTV.

As mudanças têm como objetivo adaptar melhor as forças armadas chinesas às condições de "informatização" da guerra moderna, disse Cao Weidong, investigador sénior reformado da Academia de Investigação Naval do PLA. A reestruturação levará a uma "melhor utilização" dos sistemas de satélite, do ciberespaço e da guerra eletrónica, disse Cao aos jornalistas à margem do Simpósio Naval do Pacífico Ocidental, em Qingdao.

O anterior comandante da Força de Apoio Estratégico era Ju Qiansheng, cujo desaparecimento deu azo a especulações de que estaria ligado à turbulência mais vasta na liderança militar da China que se desenrolou no último ano. Embora Ju tenha reaparecido recentemente, os meios de comunicação social estatais não esclareceram a sua posição atual.

A mais recente remodelação segue-se a uma limpeza profunda do establishment militar efectuada por Xi no ano passado. Os peritos dos serviços secretos norte-americanos consideraram essa medida como uma resposta à descoberta de corrupção generalizada nas forças armadas, incluindo na Força Rocket, que gere o arsenal nuclear em expansão do país.

O antigo Ministro da Defesa Li Shangfu foi demitido do seu cargo sem qualquer explicação em outubro. Em dezembro, a China nomeou Dong Jun, um veterano da marinha, como novo chefe da defesa.


Porque é que a Rússia ainda faz parte do Conselho de Segurança da ONU se é o país que constitui o maior risco à segurança mundial?



"A Rússia vetou uma resolução apresentada pelos Estados Unidos e pelo Japão no Conselho de Segurança da ONU visando evitar o desenvolvimento e implantação de armas de destruição maciça, como armas nucleares, no espaço.

O texto recebeu 13 votos a favor, a abstenção da China e o voto contra da Rússia, que como membro permanente do Conselho de Segurança tem o poder de bloquear um projeto de resolução.

Após a votação, a embaixadora norte-americana junto à ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que o veto de Moscovo levanta questões sobre o que o Governo de Vladimir Putin pode estar a esconder.

Vários diplomatas lamentaram o veto russo e advogaram que se perdeu uma oportunidade para reforçar a segurança global através da prevenção do armamento do espaço.

A resolução, que contou com o patrocínio de dezenas de países, incluindo Portugal, apelava a todos os países para que não desenvolvessem ou implantassem armas de destruição maciça no espaço.

O projeto de resolução agora vetado advogava que "a prevenção de uma corrida às armas no espaço evitaria um grave perigo para a paz e segurança internacionais".

Instava todos os países que realizam atividades de exploração e utilização do espaço exterior a cumprirem o direito internacional e a Carta das Nações Unidas.

O projeto sublinhava ainda que os países que ratificaram o Tratado do Espaço Sideral de 1967 deveriam cumprir as suas obrigações de não colocar em órbita ao redor da Terra "quaisquer objetos" com armas de destruição em massa, ou instalá-los "em corpos celestes, ou estacionar tais armas em espaço sideral".

Frisava também "a necessidade de novas medidas, incluindo compromissos políticos e instrumentos juridicamente vinculativos, com disposições adequadas e eficazes para verificação, para evitar uma corrida armamentista no espaço exterior em todos os seus aspetos".

JN

Ontem falámos do 25 de abril nas aulas

 


Ainda por cima vinha a propósito do tema dos valores. Os miúdos sabem que antes não havia liberdade e que podia acontecer ir-se preso por contestar o poder, mas quase nenhum sabe ao certo o que isso significava nas possibilidades de vida. Estivemos um pouco a falar das limitações tremendas na vida das raparigas e das mulheres tratadas como menores mentais -no trabalho, na escolha de um projecto de vida autónomo, nas decisões sobre o seu destino, o seu corpo, etc.- mas também dos rapazes e dos homens - a grande dificuldade de sair do enquadramento da sua classe social e até da profissão dos pais, a obrigação de ir trabalhar logo aos 10 ou 12 anos e de sustentar a família, a obrigação de ir combater numa guerra que não lhes dizia nada, etc. Falámos na necessidade de estar constantemente alerta para as tentativas de diminuir ou até reverter direitos, mesmo que já adquiridos. Dei muitos exemplos de situações  quotidianas que hoje nos parecem aberrantes.


Três pessoas que me fazem mudar imediatamente de canal

 


Anabela Neves, Capitão Haddock e Carmo Afonso. Diminuto ou mesmo zero capacidade de objectividade e máximo enviesamento ideológico-partidário.


Zero sentido de Estado

 

Na AR a Leitão cumprimenta toda a gente que não é do seu partido com cara de enjoo. E vamos ver as parvoíces e deselegâncias que o Presidente escolheu dizer hoje...

O CDS está a fazer um discurso forte e de confronto.

O Rui Tavares a fazer uma homilía populista... pensa que somos todos crianças manipuláveis...

O PCP faz um discurso assertivo e consensual. Parece-me.

A Mariana faz um discurso forte e de confronto.

A IL faz um discurso muito forte e de confronto directo e indisfarçável ao Presidente e não só: também aos Khameneis do rectângulo. Inesperado. São contra um 'Ministério da Verdade'. Eu também.

O Ventura no seu habitual discurso populista, construído com a exploração dos buracos do regime, cavados pela mediocridade dos políticos que temos tido. 

Pedro Nuno Santos faz um discurso assertivo e consensual. 

O PSD escolhe Ana Gabriela Cabilhas, uma mulher, jovem deputada, para o discurso. Espero que não tenha sido uma escolha populista, porque a deputada merece respeito. Fez um discurso de esperança e consenso. (afinal é uma cidadã independente. muito bem)

Aguiar-Branco faz um elogio bonito e merecido à coragem dos capitães de Abril e às últimas vítimas do regime da ditadura. Fez um discurso forte mas com grande dignidade a apelar à moderação e ao bom senso da casa a que preside.

Não há dúvida que Marcelo Rebelo de Sousa é um professor muito bom quando prepara a aula e mau quando resolve improvisar. Pena que não aprenda as suas próprias lições.

50 anos de 25 de Abril - não tenho grande entusiasmo para comemorações

 

Tirei esta fotografia de um corrimão da minha escola enfeitado para a evocação da data da revolução dos cravos, como é conhecida. 

Passados 50 anos do fim da ditadura, estamos numa crise tão profunda na educação, para não falar na justiça, na saúde, na habitação, no emprego, na igualdade salarial de género que não tenho grande entusiasmo para comemorações. Acabámos de eleger um governo que valoriza os homens e se esquece que metade do país são mulheres, sempre sub-representadas (o Presidente, antes de falar em pagar pela colonização de outros países devia lembrar-se que temos séculos de colonização das mulheres com enormes males, nunca reparados) que escolhe representantes sem nenhum currículo, sem pensar no interesse do país. Saímos de um governo que destruiu os serviços públicos para nomear primos e amigos, pessoas que roubam o fisco e escondem dinheiro em notas nos gabinetes. Temos uma justiça que deixa prescrever todos os crimes de notórios corruptos. Temos ex-governantes a defender o apartheid de género, uma re-colonização das mulheres. Francamente não tenho grande entusiasmo para comemorações.




A quem interessa um Presidente que parece uma criança de 5 anos que diz tudo pela boca fora sem pensar?

 

Uma coisa é ele dizer que somos responsáveis pela era colonialista, o que é uma verdade de facto, outra muito diferente é dizer que vamos pagar reparações em dinheiro. Mas cabe-lhe a ele decidir isso pelo país? 


O Presidente da República reconheceu responsabilidades de Portugal por crimes cometidos durante a era colonial, sugerindo o pagamento de reparações pelos erros do passado.

April 24, 2024

Zelenskyy update (subscrevo inteiramente)

 

"listas para as europeias que desmerecem o 25 de abril" - subscrevo inteiramente e é caso para perguntar: o PSD já relegou as mulheres para o estatuto de donas de casa como mandam os Khamenei do rectângulo?



PS e PSD: listas para as europeias que desmerecem o 25 de abril



De um lado teremos o legado de Costa: serviços públicos em calamidade. Do outro, temos o mediatismo vazio e a política como reduto masculino.


A sério: queria escrever um texto bonito sobre o 25 de abril e a necessidade de destribalizar a data. Enviaria farpas à parte da direita que nunca fez as pazes com o dia, não porque seja mais antidemocrática que a esquerda, mas porque gostavam da ordem e da hierarquia social do Estado Novo. Daria vergastadas na
esquerda que usa o 25 de abril como momento de fornecer uma humilhação pública generalizada à direita, colocando-nos num lugar de segunda na ordem democrática.

Iria ao 25 de novembro, defendendo a normalização. À direita para deixar de equiparar ao 25 de abril, numa tentativa de o menorizar. E à esquerda para parar o ranço pela derrota do PCP e reconhecer a relevância da data. Deambularia também pelo meu apreço por ter crescido em democracia e, até, por ter sido criança e adolescente num período pós-ditatorial, quando há a maior liberdade que se segue ao fim de tempos de contenção e censura e espartilhos sociais.

Porém terão de ficar com esta minha demonstração de intenções, porque entraram em cena as listas para as europeias do PSD e do PS. Também vai ser um texto sobre o 25 de abril, de certa maneira. Mais na linha: com o esboroar crescente da simpatia pela democracia e com crescimento de direitas e esquerdas iliberais e pouco democráticas, os nossos dois maiores partidos entretêm-se a arriscar ainda mais a benevolência dos eleitores para com os partidos supostamente centristas e moderados.

Diria eu que PSD e PS têm particular responsabilidade em seguir escrupulosamente boas práticas éticas e políticas, escolher protagonistas de qualidade e não passar a ideia de que a política é só um meio de sustento para militantes. A ilusão de que o serviço público norteia os políticos devia ser veiculada. Sucede que estes partidos não concordam.

Comecemos pelo PS. Os três lugares cimeiros da lista ao Parlamento Europeu – Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes – são socialistas eleitos para o parlamento nacional há menos de dois meses. Fizeram campanha pelo PS, apresentaram-se aos eleitores dispondo-se a serem os seus representantes no órgão legislativo nacional, assumiram esse compromisso com os eleitores selado com aquilo que é sagrado na democracia – os votos, a fonte de legitimidade do poder.

Mas aparentemente são políticos instáveis e pouco confiáveis, porque logo depois de terem assumido um compromisso com os eleitores para a Assembleia da República, ainda os votos não arrefeceram, já estão a apresentar-se a eleições para outros lados mais bem pagos e mais glamourosos.

É simples: se Pedro Nuno Santos queria estes três políticos para o Parlamento Europeu, não os apresentava às eleições nacionais. Se estes nomes resultaram de negociações internas, ou se foram impostos, bem, um líder também é alguém que impõe mínimos éticos: Pedro Nuno Santos só teria de fazer saber que os candidatos se devem apresentar de boa-fé aos eleitores, ou a um lugar ou a outro, e que os compromissos assumidos com os cidadãos são para cumprir.

Três deputados candidatando-se nas legislativas para logo a seguir se candidatarem às europeias é uma fraude ética e um desrespeito aos eleitores. O pior da política, visto como um meio à disposição dos militantes do PS para tratarem da sua vida. Serviu para quê? Para estes três elementos terem ordenado até rumarem a Bruxelas? É pequeno, poucochinho e desmerece a democracia.

A escolha da cabeça de lista também é sintomática. Marta Temido é o rosto do SNS empancado, sem funcionar. Como ministra, acordou com o BE extinguir as PPP na Saúde e promoveu o fim de umas tantas. Pedro Nuno Santos pode querer afastá-la de uma candidatura a Lisboa e tirar votos ao BE. Contudo, não dá confiança na consistência política do líder do PS a escolha de alguém com o perfil estatista e antiprivados de Marta Temido, sobretudo depois de passar uma campanha garantindo não ter nenhum dogma contra privados.

No PSD o cenário não é melhor. Não sei se houve alguma viagem no tempo da cúpula do PSD até às cavernas, mas a primeira mulher do PSD (Lídia Pereira) aparece em quinto lugar da lista. Ou seja, se a AD eleger 5, 6 ou 7 eurodeputados (muito provável), só haverá uma mulher do PSD. Para comparação: em 2019, o PSD, em seis, elegeu três mulheres.

Piora. O cabeça de lista é Sebastião Bugalho, escolhido por mistérios insondáveis que deixaram o PSD em choque (e pavor). Nada contra o comentador, que conheço há vários anos. Simplesmente escapa-me o CV mostrando qualquer mérito que valha a promoção a cabeça de lista para o Parlamento Europeu. Foi brevemente jornalista, esteve brevemente ligado a Miguel Pinto Luz em Cascais. De resto, fez comentário político. Usualmente sobre a espuma dos dias, nem sequer comentário particularmente reflexivo ou com pensamento próprio.

O PSD é isto? O partido que quer promover aos píncaros o jovem homem que não provou nada mas tem talento e potencial? É bastante consistente com a ausência de mulheres nas listas. Contudo não lhe chamaria "disruptivo", ao contrário de Montenegro. Está mais para os lados do profundamente reacionário. Assim como antes do 25 de abril.

Que o PSD nestas europeias proponha aos portugueses votarem num jovem de carreira e concretizações curtas, só porque aparece na televisão e é mediático nas redes sociais e, ademais, se sabe promover e criar uma alargada rede de contactos – bem, haverá alguma obscura e retorcida lógica nisto, mas não a descortino. E, ingenuamente, tinha a expetativa de, depois de oito anos de mais parra que uvas, o PSD, não descurando a forma e a boa comunicação, privilegiasse a substância. Depois de tanta conversa de Montenegro sobre mulheres na campanha eleitoral, e a escolha de boas ministras, também não esperava regresso a tamanha alienação (ou traição?) da maioria dos eleitores do PSD (i.e., mulheres).

De um lado teremos o legado de Costa na sua versão clímax da maior característica destes governos: serviços públicos em calamidade. E desrespeito pelo compromisso com os eleitores. Do outro, temos o mediatismo vazio e a política como reduto masculino. Desconfio que os eleitores mais sábios irão passar o 9 de junho na praia, sem se maçarem com eleições. Os menos sábios votarão naquele partido que não gosta do 25 de abril; e é contra o regime mas deita a mão a todos os refugos do regime. Muitos cravos para PSD e PS.

Maria João Marques