July 26, 2024

Camas em casernas são "soluções de alojamento" para professores?

 


A um professor basta-lhe uma cama para dormir numa caserna ou num dormitório de um convento? Ou a profissão de professor já implica não ter vida própria, privacidade, vida social, etc.? 

É isto que chama soluções?

As câmaras têm muitos prédios. Porque não mandam arranjar três ou quatro prédios destinados a professores, médicos, políticos, juízes e outros deslocados da FP, como têm outros países? Só imitamos o que não interessa.

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O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) está à procura de “soluções de alojamento nas áreas com maior carência de docentes” e entrou já em contacto com dioceses, autarquias, instituições da sociedade civil, entre outras, de forma a fazer face ao problema com a habitação que os professores deslocados enfrentam. A notícia é avançada esta quinta-feira pela Renascença e foi confirmada pelo PÚBLICO junto do MECI. À saída de uma reunião negocial com o ministério, o líder da Fenprof, Mário Nogueira, disse ter alertado o Governo para a necessidade de criar “habitações minimamente dignas” para os professores, sem os pôr a “viver ao monte, em quartos, casernas ou em salas de retiro”.

“Estão a ser contactadas as dioceses das áreas mais carenciadas, assim como autarquias, instituições da sociedade civil, instituições militares e outras, além do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). O Ministério da Educação, Ciência e Inovação está empenhado em encontrar soluções de alojamento nas áreas com maior carência de docentes para apoiar os professores que delas possam necessitar”, resume a tutela em resposta escrita enviada ao PÚBLICO.

Questionado sobre as dificuldades dos docentes em conseguir alojamento a um preço digno nas zonas do país com maiores carências, Fernando Alexandre admitiu que “os custos de alojamento, seja para estudantes do ensino superior, seja para professores, seja para médicos, seja para enfermeiros, seja para polícias, nas grandes áreas metropolitanas, são um problema porque os preços de habitação subiram muito”.

Defensores de terroristas usam a democracia para a destruir

 


"Putin é um conservador religioso fanático de extrema-direita" -Slavoj Žižek

 


487 atletas mortos pelos russos

 

Imensos atletas russos defendem publicamente a guerra de Putin contra os ucranianos, o Estado brutal de Putin, o rapto de crianças ucranianas, os métodos de Putin e o fim da Ucrânia enquanto país. 


July 25, 2024

Quando se governa por declarações de desejos e imperativos acontecem estas coisas




Ministério da Educação liga a professores a pedir para rescindirem contratos

Direção Geral de Administração Escolar está a pedir a docentes para recusarem contrato por falta de vagas nas escolas. Trata-se de profissionais que teriam de vincular obrigatoriamente ao abrigo da norma-travão por já terem celebrado três contratos sucessivos.

Milhares de professores que vincularam no concurso de docentes para o ano letivo 2024/25 não têm lugar nas escolas onde ficaram efetivos em Quadro de Agrupamento (QA). O mesmo aconteceu aos professores que deveriam ter efetivado ao abrigo da norma-travão (NT) em Quadro de Zona Pedagógica (QZP). Estes últimos são os que somam três contratos sucessivos com o ME e não podem, por isso, continuar como contratados, conforme previsto na lei. Ao que soube o Diário de Notícias, estes docentes da NT estão a ser contactados pela DGAE para rescindir os contratos em vigor, de forma a não cumprirem o requisito dos três vínculos sucessivos. Isto porque não há vagas nas escolas para os colocar.

É impensável que se sugira a rescisão de contrato como sendo uma solução. Não podemos aceitar que seja através desse mecanismo, avançado telefonicamente, que o ME resolva a questão. Foi um problema criado pela tutela e a responsabilidade deve ser assumida pelo ME”, sublinha Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE.


Fernando Alexandre, ministro da Educação, avançou que existem mais seis mil vagas do que as pedidas pelas escolas, criando esta situação de professores vinculados sem lugar nos QA onde foram colocados. Contudo, o titular da pasta da Educação atribui responsabilidade ao anterior ME, responsável pelo apuramento e definição de vagas. Em declarações aos jornalistas, ex-ministro da Educação, João Costa, explicou que o apuramento de vagas para as escolas “não seguiu critérios tradicionais”, tendo sido abertas vagas a pensar na eventual substituição de professores doentes ou daqueles que se irão aposentar.

Uma possibilidade que deverá, ainda assim, deixar muitos docentes de fora, pois “este ano esta situação pode agravar-se”. “A verdade é que a proposta de abertura de vagas que enviámos ao ME foi muito além do que as vagas que nós pedimos para abrir. Claro que este problema não é bom, nem para os professores, nem para os diretores. Custa muito notificar um docente dizendo que ele tem de concorrer a outras escolas. Isto causa calafrios injustos aos professores, muitos estão em fim de carreira e sempre trabalharam naquela escola. Isto é um murro no estômago para muitos. Causar este calafrio aos professores era desnecessário e não é tratar bem os nossos docentes.”, lamenta. A responsabilidade, afirma, “é da tutela e terá que ser o ME a resolver o problema”.

Discurso de Biden



Grande discurso de Biden sobre o seu legado, a profunda crise que afecta os EUA e os seus conseguimentos, que foram muitos. Uma característica que diferencia os EUA de outros países é o critério de valor do seu líder máximo. Em outros países, geralmente os chefes (Presidentes ou Reis) que são admirados e reverenciados pelo povo, são os grandes ditadores, os grandes guerreiros, os que forjaram impérios à força, os que trouxeram a miséria a tantos: os Napoleões e os Lenines. Porém, nos EUA os Presidentes que são admirados por todos são os libertadores, os forjadores da democracia, os que acabaram com a escravatura, os que deram grandes passos nos direitos civis e humanos, os que lutaram pela justiça social, os que deram um exemplo internacional de respeito pela lei e não pela força - é por isso que Trump destoa tanto. Outros países também tiveram líderes dessa categoria, mas não são eles quem o povo admira e isso diz qualquer coisa da fortaleza do sistema democrático americano. Aé agora, porque Trump é um grande destruidor de instituições democráticas, como todo o ditador.

 Biden will focus on Ukraine and the Middle East in the last months of his presidency, - Financial Times.

Se Biden deixar estes dois assuntos resolvidos decididamente entra na curta galeria dos grandes presidentes americanos.

July 23, 2024

😁

 





Zelenskyy's update

 

Epigrama de Delos

 

O mais nobre é a justiça e o mais desejável é a saúde;
mas o que de mais doce há
é encontrar o que se ama.


Epigrama de Delos, invocado por Aristóteles a propósito da felicidade (em Ética a Nicómaco), citado por André Campos em Justiça, ed. 70

Então e as centenas de milhões que entram em Lisboa pelo turismo?




Sim, é verdade que foi o governo Costacenteno que deixou o país sem serviços públicos, entre os quais a polícia, mas agora são precisas soluções e cabe a esta Presidência de Câmara e a este governo encontrá-las. Não pode acontecer haver zonas em Lisboa onde, nem em pleno dia, não nos aventuramos sozinhas como se estivéssemos no Irão ou na Rússia ou onde os moradores tenham que se trancar em casa sem poderem sair à rua, por conta da criminalidade e da circulação de droga a aumentarem - uma e outra coisa estão ligadas e arrastam atrás a prostituição, que por sua vez aumenta a criminalidade e assim sucessivamente. Que fazem às centenas de milhões que entram em Lisboa pelo turismo?



Criminalidade em Lisboa. “As pessoas acabam por achar que não vale a pena queixarem-se”

Na zona da Mouraria repetem-se os assaltos, os consumos de droga a céu aberto, agressões, uma tentativa de violação e um homicídio. O presidente da junta pede ajuda à CML, à PSP e ao governo.

"Por que é que há vendedores ambulantes, no Martim Moniz, em pleno dia, a vender charros e ninguém faz nada?” A questão foi colocada por um dos muitos trabalhadores daquela zona da Baixa, Paulo Nuno Silva, que partilha preocupações com outros funcionários e moradores, durante uma sessão pública, promovida no hotel Mundial, pela junta de freguesia de Santa Maria Maior (JFSMM), sob o mote Estado de Alerta - Insegurança em Santa Maria Maior. O DN teve acesso a alguns dos depoimentos prestados nessa sessão.

“Vivo na Mouraria há 24 anos. Neste último ano, o sítio onde moro já foi alvo de assaltos por duas vezes. Eu e os meus vizinhos reforçámos a segurança em nossas casas, pusemos alarme e reforçámos a entrada do prédio”, conta Maria João Correia.

“Quando os assaltos aconteceram, de imediato, quando demos por isso, contactei as autoridades. O que me dizem é que nada pode ser feito, porque o assalto já tinha ocorrido, não conseguem ter provas”, lamenta esta moradora, que tem uma filha pequena e acrescenta:“Neste último ano, a insegurança é insustentável. A minha filha fica assustada com situações de violência que acontecem na rua”.

Segundo os relatos dos moradores, a situação parece estar a atingir proporções nunca vistas, apesar de a PSP, num comunicado emitido no último domingo, garantir que em Santa Maria Maior “tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato”. Ainda assim, uma mulher foi assassinada, no dia 31 de maio, na Rua do Benformoso.

Carlos Manuel tem 84 anos e já foi agredido no beco onde mora, desde sempre, “por um indivíduo que estava a urinar por baixo da minha janela. Fui ter com ele, agrediu-me”. Mas há mais: “Também já houve uma tentativa de violação de uma turista lá no beco, assaltos, a casas e não só, e [o tráfico de] droga é um corrupio. Até chegaram a levar um colchão para se prostituírem lá no beco”, dá conta o octogenário.

Ana Monteiro, 68 anos, já foi vítima de uma tentativa de assalto em plena luz do dia. “Vivo há 49 anos perto do hospital de São José e nunca vi a minha cidade como está agora. Tive uma tentativa de assalto às cinco da tarde, na praça da Figueira”.

Eunice Garcia, moradora no Beco de São Marçal, recorda os tempos em que o beco “era sossegado”. “Agora, para sair de casa tenho os drogados à porta. Há uma semana estava a tentar ligar para a polícia partiram-me o telemóvel. Sou assaltada duas a três vezes por semana. Ainda há 15 dias fiquei sem nada!”.

Atento à situação está Miguel Coelho, presidente da JFSMM. Apesar de não contestar as estatísticas da PSP, tem uma explicação para elas. “As pessoas já não fazem tantas queixas. Ainda há dias estive com uma senhora que quis fazer queixa e ligou para o112. Levou, logo ali, um raspanete que não era ao 112 que devia ligar, que era para a divisão. Da divisão dizem que é na esquadra, e nisto as pessoas acabam por achar que não vale a pena queixarem-se”, alerta o autarca.

E, de facto, em 2022 houve um inquérito à população da cidade, a pedido da câmara municipal (CML), que concluiu que apenas 40% das pessoas que foram vítimas de crimes em Lisboa (pessoais, a viaturas e residências) participaram à polícia.

Perante os relatos de insegurança, Miguel Coelho propôs, à CML, por exemplo, uma rede de videovigilância. O autarca relata, ainda, que a JFSMM pede “apoio à PSP e ao governo e já ofereceu instalações para a polícia voltar para esta zona e anda há uma data de anos a tentar oferecer um carro para patrulhamento”, não tendo tido até agora “qualquer feedback”.

Infográfico deste dia - razões para se vacinar

 


r/coolguides


Leituras pela manhã - sobre a 'atenção'



A leitura como formação moral

C.S. Lewis e Iris Murdoch sobre a humildade de atenção

Derek King


Os campus universitários estão com um problema de literacia. De acordo com muitos professores de humanidades, a atual geração de estudantes demonstra muito menos interesse em ler livros e, de um modo geral, não está preparada para corresponder às expectativas de leitura que outrora eram a norma. Os educadores atribuem normalmente a culpa a um distúrbio de défice de atenção generalizado, impulsionado pela utilização de smartphones e redes sociais.

Se isso estiver correcto, esta incapacidade de ler é, em última análise, uma incapacidade de atenção. Formados pelo Silicon Valley e pelos conselhos de produtividade, a maioria de nós confunde reflexivamente atenção e concentração. Mas a atenção pode referir-se a algo mais rico e profundo do que isso - e, perante o potencial colapso de um público leitor robusto, faríamos bem em prestar mais atenção ao que significa prestar atenção.

A escritora e filósofa inglesa Iris Murdoch, inspirando-se na filósofa e mística francesa Simone Weil, considerou que a atenção não deve ser reduzida a um mero foco. A atenção é a categoria moral central - “a marca caraterística e própria do agente moral ativo”, como ela disse. A sua ênfase na atenção surgiu em resposta ao que ela considerava um fracasso da filosofia moral moderna. A filosofia moral, afirmava, estava atolada em discussões sobre vontade, ação e deliberação moral.

Mas, para Murdoch, a moralidade é fundamentalmente, antes de qualquer ato, uma questão de ver. Os agentes morais só são capazes de querer e agir no mundo que “vêem” - o mundo, isto é, ao qual damos atenção. Mas isso também não é apenas olhar para o mundo. A atenção, para Murdoch, exprime “a ideia de um olhar justo e amoroso dirigido a uma realidade individual”. Em comparação, o nosso conceito actual de atenção parece emaciado.

Um dos exemplos morais mais duradouros de Murdoch vem de The Sovereignty of the Good, onde ela imagina uma sogra (M) a encontrar uma nora (D) pela primeira vez. A reação inicial de M a D é negativa. Descreve, por exemplo, D como “juvenil”. Mas a mudança moral crítica ocorre quando M concorda em “olhar de novo” e descrever novamente os comportamentos de D sob uma luz completamente diferente. M admite, por outras palavras, que pode estar errada. Em vez de “juvenil”, D torna-se “jovem”. 

O exemplo ilustra bem como as nossas descrições iniciais nos colocam numa trajetória que Murdoch pensava ser inevitavelmente moral. 

Para Murdoch, a atenção faz o trabalho moral de nos orientar para o exterior. Estar verdadeiramente atento - mesmo no sentido de meramente focado - é voltar-se para outro objeto. A menos que estejamos atentos apenas a nós próprios, a atenção exige que nos afastemos de nós próprios, mesmo que momentaneamente. 

Para Murdoch, uma educação moral adequada começa nas nossas primeiras instruções: “Olha! Não toques!” O significado moral da instrução - certamente perdido pela maioria dos adultos que a dão - é que nos treina a respeitar a realidade como outra. Quando saio à rua num belo dia de primavera, tenho de lembrar constantemente ao meu filho de dois anos que “não toques nisso”, quando ele tenta arrancar uma tulipa em flor ou perturbar um formigueiro. Mas só quando li Murdoch é que reconheci que isto era uma orientação moral. A primeira tarefa do meu filho como agente moral é reconhecer que existe um mundo lá fora, independente dele, digno do seu respeito. 

A filósofa Silvia Caprioglio Panizza diz que a atenção é “o ponto de partida da ética: o reconhecimento da existência de outra coisa, e de outra pessoa, que pode ser um obstáculo à nossa vontade”. Apreciamos a beleza de uma flor, mas não devemos arrancá-la ao acaso.

Uma atenção adequada requer, portanto, aquilo a que Murdoch chama um “desprendimento” - o “eu” é o verdadeiro “lugar da ilusão”, pelo que o que precisamos é de “tentar ver o não-eu, ver e responder ao mundo real à luz de uma consciência virtuosa”. 

Para ilustrar o que tem em mente, Murdoch conta uma experiência que teve num passeio à tarde. Depois de um acontecimento que lhe feriu o orgulho, está a meditar, quando é surpreendida pela visão de um pássaro peneireiro a pairar. Nesse momento, a sua atenção dirige-se para a ave fura e o seu orgulho, sacode-a do seu egocentrismo. Sente-se fisicamente liberta da agressividade e da frustração. 

Mas esta experiência só é possível graças à atenção. Embora a atenção possa ser direccionada para uma pessoa ou, como no exemplo do peneireiro, para a natureza, Murdoch faz questão de realçar a atenção à arte. A mesma formação moral que iniciamos quando somos crianças - “Olha! Não toques!” é estendida ao museu, onde apenas devemos observar, contemplar e receber. 

Na sua injunção para atender bem à arte, Murdoch partilha muito em comum com o filósofo platonista cristão e escritor de ficção, C.S. Lewis. No seu livro de 1961, An Experiment in Criticism, Lewis argumenta que há boas e más maneiras de ler, especialmente quando lemos um romance ou um poema. 

Obras de arte como estas “não são meramente logos (algo dito) mas poiema (algo feito).... São objectos complexos e cuidadosamente feitos. A atenção aos próprios objectos que são é o nosso primeiro passo”. 

Ler um romance é, pelo menos, reconhecer nele algo mais do que meras palavras que extraímos, damos significado e descartamos. Se nos aproximarmos de qualquer texto apenas pela moral que podemos “retirar” ou se procurarmos apenas o que é “prático”, não vemos o que está em causa. Para Lewis, este é “um exemplo flagrante de ‘usar’ em vez de ‘receber’”.

Lewis distingue entre o ato de usar e o de receber. “Quando 'recebemos' [uma obra de arte]”, escreve, ”exercemos os nossos sentidos e imaginação e vários outros poderes de acordo com um padrão inventado pelo artista. Quando a 'usamos', tratamo-la como uma ajuda para as nossas próprias actividades.” Murdoch teria certamente concordado. A postura da atenção é, necessariamente, uma postura de recepção.

A noção de que usar um objeto é não lhe prestar atenção é talvez contra-intuitiva para nós. Quando desligo o meu despertador todas as manhãs, não me aproximo dele com um “olhar justo e amoroso”. Quase não consigo olhar para ele. É simplesmente um instrumento que utilizo. E isso é, penso eu, moralmente admissível quando se trata de algo como um despertador. Mas quando se trata de uma pessoa ou de um texto cuidadosamente elaborado, este tipo de “utilização” é normalmente incorreto. 

Mesmo que haja excepções, a abordagem adequada a um texto é a receptividade. Lewis, por exemplo, manifesta reservas quanto a escrever notas à margem de um texto - uma prática amplamente aceite e que normalmente encorajo nos meus alunos. Quando frases de elogio (ou censura) nos vêm à cabeça durante a leitura, Lewis comenta: “toda esta atividade impede a receção”. Assim, para Lewis, “a condição necessária para toda a boa leitura é ‘tirarmo-nos do caminho’”.

Lewis e Murdoch defendem aquilo a que chamo, humildade atencional. O movimento para “nos desprendermos” (Murdoch) ou “sairmos do caminho” (Lewis) é uma subespécie de humildade porque é uma orientação para o exterior, para outro objeto no mundo.

Mas também podemos imaginar uma pessoa humilde a falhar nesta frente. A humildade de atenção é um hábito da mente, um hábito da consciência, que reflecte, de certa forma, a virtude cristã da humildade. Descreve, em primeiro lugar, uma postura em relação ao outro que está ansiosa por receber em vez de usar.

À partida, a leitura pode parecer um candidato estranho para o qual dirigir a humildade atencional. 

Embora seja certamente correcto dirigir a humildade atencional para as pessoas, o que dizer dos livros? Não é apropriado “usar” um livro? Pegar nas boas ideias e seguir em frente? Nalguns casos, é claro, pode ser apropriado ou moralmente permissível fazê-lo. Mas, como explica Lewis - e penso que Murdoch concorda com este ponto - perdemos algo importante no texto sem a humildade da atenção. 

Reparei no meu próprio hábito, mesmo em obras de ficção ou poesia, de manter um lápis à distância de um braço, pronto a sublinhar citações que possam constituir uma boa adição a um artigo ou livro. Também me apercebo que as minhas avaliações ou descrições do texto são moldadas pela avaliação dos outros. Se um amigo em quem confio me garante que o livro é “aborrecido” e “não vale a pena o trabalho”, é-me difícil libertar o texto dessa descrição. “Chato” mantém-se como uma designação. Mas, tal como o M de Murdoch, o que precisamos é de um “olhar justo e amoroso” que esteja disposto a reavaliar ou “olhar de novo”.

Lewis reconhece uma possível fraqueza na abordagem. Se dermos ao Inferno de Dan Brown o mesmo tipo de atenção que damos ao de Dante, não estaremos a mostrar-nos indignos deste último? Embora seja verdade que algumas obras de arte são mais dignas da nossa atenção, só podemos aprender isso através da atenção. Paradoxalmente, Lewis diz que “temos de estar atentos até para descobrir que algo não merece atenção”. 

Mas o facto de podermos encontrar frequentemente maus livros é melhor do que a alternativa. Na nossa pressa em descrever um livro, “damos-lhe muito pouca oportunidade de trabalhar em nós”, adverte. E, como diz, “uma das principais operações da arte é retirar o nosso olhar desse rosto espelhado, para nos libertar dessa solidão”. 

Pode parecer uma diferença subtil, mas suspeito que esta abordagem exigiria uma reorientação completa do texto para a maioria de nós. “Deveríamos”, prossegue Lewis, ‘estar muito menos preocupados em alterar as nossas próprias opiniões - embora por vezes seja esse o seu efeito - do que em entrar plenamente nas opiniões e, por conseguinte, nas atitudes, sentimentos e experiência total dos outros homens’. Quer acabemos por concordar com as suas opiniões ou não, a humildade atencional abre-nos a uma leitura simpática - uma vontade de receber o texto nos próprios termos do autor. Isto é estritamente oposto e está em contradição com a nossa predileção por usar os textos para os nossos próprios fins. Para ler o livro corretamente, “Olha! Não toques!”

É, presumo, incontroverso sugerir que os livros desempenham um papel importante na formação moral. Como explicar de outra forma os intensos conflitos sobre os currículos escolares ou os livros que devem (ou não) ser incluídos numa biblioteca escolar? Mas se Lewis e Murdoch têm razão - e penso que têm - então não é da forma que poderíamos esperar. 

Não lemos, em primeiro lugar, para extrair sabedoria moral dos textos que depois aplicamos para nos tornarmos morais. Pelo contrário, a leitura em si - o que quer que leiamos - é instrução moral. Sem dúvida, o que lemos também pode ser moralmente formativo. Uma semana passada em Dostoiévski moldar-nos-á de forma diferente de uma semana passada em E.L. James. Devemos, pois, refletir cuidadosamente sobre o que lemos. Mas suspeito que, para a maioria de nós, a formação moral fica por aqui. Para Lewis e Murdoch, é apenas o começo.

https://hedgehogreview.com/web-features/thr/posts/reading-as-moral-formation

Leituras pela manhã - o vício do TikTok

 



Vivemos num mundo TikTok, criativo e extenso e estranho e anárquico e aborrecido e nojento e não se consegue parar de fazer scroll e não se consegue parar de olhar e só se quer mais. Então, qual é o problema?

Texto de Roxane Gay | Ilustrações de Natalie K. Nelson

Aqui estão algumas das armadilhas do TikTok em que caí, desperdiçando horas e horas de tempo.

(Não me arrependo de nada.)

Os influenciadores, com a sua maquilhagem perfeita e ângulos de câmara estratégicos e iluminação profissional, tudo para fazer com que as suas vidas pareçam invejáveis enquanto narram os seus dias num estranho monótono. 

Exibem casas enormes. Viajam pelo mundo, a maior parte das vezes em primeira classe ou em classe executiva, discutindo o seu prazer com champanhe e caviar, peixe perfeitamente cozinhado e sobremesas sumptuosas. Fazem avaliações de hotéis e deitam-se em belas praias com vista para águas cristalinas. Aventuram-se, andam de camelo e visitam florestas tropicais. O mundo, para estes TikTokkers, é uma ostra abundante, da qual retiram pérolas de envolvimento do público.

Há uma jovem mulher, Nara Smith, que é modelo e influenciadora, casada com um modelo e influenciador chamado Lucky Blue Smith. Já têm quatro filhos (um do casamento anterior de Lucky). Embora raramente o digam, são mórmones (e há muitos influenciadores semelhantes no TikTok). 

Na maior parte dos dias, Nara faz vídeos, falando naquele monótono omnipresente que as pessoas na plataforma usam, enquanto faz as coisas mais ridículas a partir do zero. Ela faz os seus próprios marshmallows, pizza turca, granola e queijo mozzarella. Consegue fazer barras de Snickers de raiz e gelados e também pastilhas elásticas. Claramente, faz isto, em parte, para atrair o seu grande público, que muitas vezes expressa perplexidade, admiração e/ou desdém quando ela aparece na sua cozinha perfeitamente equipada e começa a cozinhar enquanto usa um vestido de noite rendado ou outra roupa que não é propícia para cozinhar. 

Está a vender um estilo de vida invejável - um estilo de vida em que não se preocupa com a forma como a loiça é lavada ou com quem toma conta das crianças enquanto faz os seus vídeos, um estilo de vida em que os pormenores da sua situação financeira são inescrutáveis enquanto se rodeia dos ornamentos do consumo conspícuo. 

Famílias com 10 ou mais filhos, muitas vezes evangélicas, que possuem infindáveis roupas e que se acham muito bem, apesar de nunca estarem a fazer grande coisa diante das câmaras. Pais que partilham um dia na sua vida, por vezes com crianças com problemas de saúde. Donos de animais de estimação a partilhar um dia na sua vida. Pessoas que se preparam para sair para uma noite na cidade, para uma festa de aniversário ou para o trabalho. Casais que partilham, com detalhes precisos, o que estão a usar, desde a roupa interior até ao perfume do dia. Maquilhadores a oferecerem tutoriais ou a mostrarem as suas habilidades. Pessoas que partilham o que comem todos os dias ou que preparam as refeições para a semana. Esteticistas e dermatologistas a limpar os poros e a retirar vísceras das cavidades corporais. Cabeleireiros e barbeiros que prestam serviços a uma série de pessoas, desde clientes semanais a pessoas que não lavam o cabelo há meses ou anos. Médicos e enfermeiros dão conselhos de saúde, ou dançam, ou partilham como é um turno de trabalho, ou gozam com os pacientes irritantes, o que, admito, nem sempre inspira muita confiança na instituição médica.

Há tantas danças “virais”. Tantas. Estas danças são normalmente criadas por criadores negros e acabam por se tornar memes que as avós das Kansas e toda a gente tenta imitar com grande ou pouco efeito. E há as muitas, muitas comunidades de nicho. Tantas. Mulheres que preparam o almoço para os maridos e detalham tudo, incluindo os talheres e os guardanapos. A quantidade de comida que estes homens levam para o trabalho é impressionante. 

As donas de casa que gostam de organização e de guardar objectos de plástico transparente. Por exemplo, é possível ver vídeos de pessoas que trazem as compras para casa, esvaziam os frigoríficos, limpam-nos e voltam a encher os frigoríficos, com tudo bem organizado. As pessoas retiram coisas de um recipiente e colocam-nas noutro, com uma etiqueta bem impressa. É hipnótico, mas também profundamente angustiante quando se começa a pensar no impacto ambiental. 

Um ferrador muito, muito atraente a ferrar cavalos. Um tipo que corta árvores para ganhar a vida, fazendo um monte de insinuações envolvendo o seu poderoso machado. Homens com calças de fato de treino cinzentas e que exibem as ancas para realçar os seus... trunfos. Um cozinheiro mascarado a cozinhar no bosque à volta de uma fogueira, fazendo tudo de raiz e dando os restos ao seu belo cão. Cozinheiros caseiros a preparar pratos, por vezes deliciosos, outras vezes, nem por isso. Pessoas que montam acampamentos elaborados na selva ou constroem propriedades elaboradas usando, tipo, uma pá, um pouco de terra, um pouco de água e um galho. 

Há as jovens doentes que narram as suas rotinas ao deitar, que envolvem a higienização de equipamento médico, a preparação de soluções para tubos de alimentação e a auto-administração dos seus medicamentos e vitaminas diários. Há pessoas em diálise e em reabilitação por lesões catastróficas nos membros. Há um jovem que cuida da sua bisavó de 99 anos. Todos os dias, levanta-a gentilmente da cama para poder mudar os lençóis, ao mesmo tempo que lhe murmura suaves gentilezas.

E depois, claro, há os memes - um fluxo interminável de pessoas a fazer o que toda a gente está a fazer, centenas ou milhares ou centenas de milhares de pessoas a adorar no altar da replicação. Por vezes, trata-se da repetição de um excerto de um diálogo ou de uma canção que reproduz uma piada interna. Nas primeiras vezes, é engraçado, interessante ou encantador. Depois, torna-se um pouco estranho. Começo a perguntar-me: “Quantas pessoas é que vão oferecer a sua variação do tema do dia?”

O TikTok é criativo e extenso, muitas vezes estranho e anárquico, o que reflecte a Internet de uma forma mais geral. Há poucas regras; a plataforma aceita qualquer pessoa. O caos é inevitável. É incrível testemunhar a quantidade de formas diferentes de ser, o quão criativas (ou pouco criativas) são as pessoas, como ansiamos por atenção, na esperança de que, se fizermos o vídeo perfeito, possamos ser catapultados para uma qualquer versão da fama. É também... assombroso, como tantos de nós anseiam por ser vistos, por ser compreendidos.

O meu pai, com 70 anos, foi quem me apresentou ao TikTok. Não sei bem como é que ele soube da aplicação, mas provavelmente foi através do Instagram ou de uma das suas muitas conversas de grupo no WhatsApp. Quando ele começou a enviar-me vídeos do TikTok haitiano, fiquei imediatamente viciado. Por um lado, os haitianos são hilariantes; senti uma grande familiaridade ao ver jovens haitianos imitando seus pais e explicando as nuances do crioulo e evangelizando sobre a excelência da comida haitiana. Agora, o meu pai e eu partilhamos os nossos vídeos favoritos e damos boas gargalhadas.

É justo dizer que o TikTok é omnipresente e extremamente popular. Existem mais de mil milhões de utilizadores activos no TikTok. Apenas cinco redes sociais têm bases de utilizadores maiores. Como acontece sempre que uma nova plataforma de redes sociais ganha proeminência, as pessoas estão a tentar perceber como tudo funciona e como dominar a plataforma. Mas o verdadeiro motor da plataforma não são as pessoas que clamam por atenção, é o algoritmo que toma decisões sobre o que vemos quando passamos de um vídeo para o outro. 

A página Para si é onde o algoritmo brilha mais. À medida que utilizamos a plataforma, esta recolhe todo o tipo de dados - o que estamos a ver, durante quanto tempo, o que partilhamos noutras plataformas, o que gostamos ou comentamos e muito mais. Em seguida, o algoritmo analisa esses dados e faz suposições fundamentadas sobre o que queremos ver a seguir. É incrível a frequência com que o algoritmo acerta. Por vezes, serve-me coisas que eu nem sequer sabia que me interessavam.

O TikTok não é a primeira plataforma a disponibilizar aos utilizadores vídeos ou outros conteúdos através de um algoritmo. Havia o Vine, uma aplicação em que os utilizadores podiam criar vídeos de seis segundos - e, mais tarde, vídeos mais longos -, muitos dos quais se tornaram virais e lançaram carreiras, por muito curtas que tenham sido. Foi no Vine que aprendi sobre as sobrancelhas on fleek com a criadora Peaches Monroee. Vi uma rapariga gira com um tutu cor-de-rosa a dançar. Vi a estrela pop Shawn Mendes a fazer covers de canções conhecidas. Ri-me e continuei a rir de um jovem que perguntou a um agente: “O QUE SÃO AQUELES???” antes de apontar a sua câmara para os sapatos de caminhada muito... utilitários e pouco fixes de um agente da polícia.

Há também o YouTube, o Vimeo e o Instagram. A era da Internet proporcionou-nos muitas coisas, e a primeira delas é a capacidade de nos expormos, sem filtros. Esta exposição criou a sua própria economia inescrutável, em que alguns criadores sortudos atingem a fama (por vezes de nicho, outras vezes mainstream) e ganham enormes quantias de dinheiro, enquanto o resto da classe criativa tenta e não consegue recriar a alquimia que alimenta as estrelas brilhantes.

No início, passava todo o meu tempo na aplicação a desfrutar do TikTok haitiano, mas depois o algoritmo, na sua infinita sabedoria digital, encontrou uma forma de me puxar mais para dentro. Sabias que há pessoas que ganham a vida a tratar dos pés das vacas? Há, e muitas delas no TikTok são irlandesas ou britânicas. Puxam a vaca para uma gaiola de aço que prende o animal, permitindo que os trabalhadores agrícolas ou os veterinários tenham acesso seguro ao animal. E depois põem mãos à obra. Enquanto tratam de uma fratura da linha branca ou limpam uma cavidade cheia de pus, narram o que estão a fazer. É fascinante e um pouco nojento. Não tem nada a ver com nenhum aspecto da minha vida e, mesmo assim, é-me incrivelmente difícil desviar o olhar.

No TikTok, tudo e qualquer coisa pode ser conteúdo. Para aqueles que estão dispostos a jogar este jogo em particular, podem filmar, partilhar e rentabilizar todos os aspectos mundanos ou picantes das suas vidas. Nada é sagrado e tudo é escalável.

Mas o TikTok não é apenas o conteúdo que a aplicação serve. É uma máquina de fazer dinheiro. Em 2023, a ByteDance, a empresa-mãe do TikTok, ganhou 120 mil milhões de dólares em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, o aplicativo faturou US $ 16 bilhões. Porque enquanto está a servir vídeos, a aplicação também está a servir anúncios e a vender produtos e a apoiar criadores que também estão a vender produtos. 

Extraem os nossos dados e vendem-nos também, criando uma série de problemas de privacidade alarmantes, embora esses problemas não sejam certamente exclusivos do TikTok. Todas as plataformas de redes sociais, motores de busca e sítios Web trafegam na robusta economia da informação, quer se trate do Facebook e das suas empresas auxiliares, do Google ou do Snapchat, ou de qualquer um dos sítios de comércio eletrónico ou outros sítios Web que visita. Hoje em dia, estar online significa que, de uma forma ou de outra, se abdica de uma parte de si próprio em troca do privilégio de aceder à generosidade da Internet.

A plataforma TikTok implantou uma vasta rede de rastreadores para saber onde os seus utilizadores se deslocam na Internet. A aplicação rastreia o que estamos a ver e a comentar, quanto tempo passamos não só na aplicação, mas em cada vídeo que vemos, de onde estamos a ver vídeos, os detalhes sobre os telefones que estamos a utilizar, como estamos a escrever no nosso telefone, o conteúdo que criamos, as mensagens que enviamos na aplicação, o que compramos através da aplicação e onde, os nossos contactos que sincronizamos com a aplicação, quaisquer informações que partilhamos quando comunicamos diretamente com o suporte do TikTok ou com o serviço de apoio ao cliente, informações que inferem sobre quem somos, incluindo os nossos dados demográficos, e, tal como a maioria das outras aplicações e sítios Web, utilizam uma série de cookies por diversas razões. Não são apenas os dados do TikTok que eles extraem. Se utilizarmos um início de sessão de terceiros, como o Facebook ou o Google, os dados também serão recolhidos a partir daí.

A sua política de privacidade tem mais de 8.000 palavras e eles sabem que a maioria das pessoas não vai perder tempo a ler tantas letras pequeninas. Torna-se uma espécie de negócio faustiano, porque os nossos hábitos e comportamentos online são carniça para os abutres da tecnologia. Enquanto nos deslocamos, eles banqueteiam-se.

Ao fim de algum tempo, o TikTok torna-se um pouco aborrecido. 

O banquete torna-se avassalador. As nossas papilas gustativas ficam aborrecidas. Os nossos olhos secam. O TikTok compreende que, quando se começa a percorrer o ecrã, é muito difícil parar. E os criadores do TikTok compreendem que, para manter os utilizadores da aplicação a fazer scroll, têm de tentar superar-se a si próprios e a todos os outros na plataforma. 

Para o bem e para o mal. O TikTok também compreende que a maioria das pessoas é insaciavelmente curiosa e, por vezes, insaciavelmente intrometida. Queremos saber todas as coisas que incomodam o seu husky todos os dias e como viaja pela cidade com os seus trigémeos a reboque. Queremos saber o que leva na mala para um dia de trabalho e de recados. Queremos ver as partidas que pregas aos teus pais. Queremos saber o que fazes para o pequeno-almoço, almoço e jantar. Nós queremos. Nós queremos. Queremos.

Vemos um ou dois vídeos em que as pessoas estão a dançar ou a fazer um meme e é evidente que estão a conversar. É suficientemente interessante. Mas depois vemos mais 50 vídeos de pessoas que também estão a tentar fazer parte do zeitgeist, e isso acaba por ser muito menos interessante. É surpreendente que o TikTok, à primeira vista, valorize a individualidade, mas o que realmente sustenta a plataforma é a imitação e a repetição e o desejo demasiado humano de ser igual a toda a gente. 

O misógino Andrew Tate floresceu no TikTok antes de a sua conta ser eliminada. Os seus vídeos a degradar as mulheres e a defender as suas ideias tóxicas sobre a masculinidade e o domínio dos homens receberam milhões de visualizações e foram partilhados e discutidos ad nauseam pelo seu exército de acólitos. Ainda o são.

Há a desinformação galopante e a forma como muitos dos vídeos que o TikTok serve desvalorizam a experiência e a profundidade do conhecimento. Os utilizadores vêem um vídeo de três minutos sobre um assunto complexo e sentem-se dotados de conhecimentos especializados, quando ainda mal arranharam a superfície desse assunto. Embora as tendências sejam muito populares, algumas delas são de mau gosto ou absurdas, e até mesmo prejudiciais. E, por vezes, as pessoas, partindo do princípio de que os criadores que seguem são especialistas, começam a auto-diagnosticar perturbações da saúde física e mental. É tudo uma questão de anarquia - uma plataforma com poucas barreiras de proteção. A dada altura, tudo se despenhará e arderá.

Depois de passar demasiado tempo a olhar para o TikTok com os olhos vidrados, lembro-me da pornografia. Durante séculos, as pessoas apreciaram o prazer do proibido, a excitação e o tabu da pornografia. Primeiro, imagens e histórias e, eventualmente, filmes. Agora, online, a pornografia prolifera. Qualquer pessoa com uma câmara ou um bom smartphone pode filmar uma ou duas ou muitas mais pessoas envolvidas em actos sexuais que, por vezes, desafiam a crença. A indústria pornográfica compreende que precisa de desafiar a crença para se sustentar. Para manter o seu público, a pornografia tem de ultrapassar fronteiras, testar limites, dar a um público insaciável mais e mais e mais. E ali mesmo, à vista de todos, está o TikTok, uma plataforma que acolhe os novos pornógrafos, criadores experientes e esfomeados, dispostos a empurrar e testar e dar, mais e mais e mais. ◊

July 22, 2024

O exame de Filosofia da 2ª fase

 


Exame de 2ª fase de Filosofia: veja aqui a prova e os critérios de correcção

Enunciado do exame nacional de 2ª fase de Filosofia de 2024.   Descarregar 

Critérios de correcção do exame nacional de 2ª fase de Filosofia de 2024 Descarregar

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O exame pareceu-me muito acessível e interessante. 



A inutilidade do belo

 



Na cultura mediterrânica, a folha de acanto significa vida duradoura - por isso, foi incorporada diretamente nas colunas.
Pequenos pormenores como este ligam-nos ao passado (vários milénios, neste caso)

 (The Cultural Tutor)

Até algo tão mundano como o mobiliário urbano pode fazer isso. Os curiosos "bancos esfinge" de Londres eram uma homenagem à chegada das Agulha de Cleópatra, do Egipto, em 1878.
O banco moderno não conta histórias. É um testemunho do totalitarismo do funcionalismo massificado.

O que falta aqui?
O humano em nós - "põe o que és em cada coisa que fazes"

Praga não é bonita por causa dos seus grandes monumentos mas por toda a beleza 'desnecessária', 'inútil': estátuas esculpidas à mão e nichos em cada esquina...
Essas cidades antigas foram o resultado de pessoas que moldaram organicamente o seu ambiente ao longo do tempo, com o objetivo de lhe pertencerem.

Cada esquina conta uma pequena história sobre a sua origem.
A esquina moderna, em grelha, não diz nada. É simplesmente o ponto de encontro das paredes de cortina. As ruas não pertencem realmente a ninguém.

A construção da nossa identidade, enquanto indivíduos ou cidadãos, ao longo da vida, está sempre encostada a um contexto ambiental-arquitectónico que nos forra as memórias, as vivências, a energia (positiva ou negativa), os horizontes, a auto-confiança, o sentimento de coesão com o passado, o presente e as possibilidades de futuro. 
Há uma tristeza deprimente nestas cidades esquecíveis, sem história nem poesia. 

O valor do belo não está na sua inutilidade funcional? Porque é que uma amizade é bela? Porque o nosso 'amigo' pensa que lhe podemos prestar serviços? Que pode usar-nos como uma função do seu interesse? Quem quereria uma amizade dessas? Porque é que uma cabeça de cavalo é bela? Porque podemos usá-la ou vendê-la por bom preço ou porque a sua contemplação nos causa um prazer interior e uma ligação fundamentalmente humana entre o passado e o presente? O que é que os turistas vêm ver a Lisboa? O edifício do novo museu dos coches, o edifício da EDP? Ou a Torre de Belém, os Jerónimos, a Rua Augusta, as ruelas da Mouraria, da Graça e do Bairro Alto, com as suas escadinhas, arcos, brasões de pedra e casas coloridas a contarem histórias milenares? 

The horse's magic face

 

(...)

And if a man could see
The horse's magic face,
He would tear out his feeble tongue
And give it to the horse. Indeed
The magic horse deserves a tongue!

   Nikolai Zabolotsk



A cabeça de cavalo dos Médicis Riccardi é uma parte sobrevivente de um grupo escultórico equestre helenístico de tamanho natural. Século IV a.C., atualmente em exposição no Museu Arqueológico Nacional de Florença.
Os escultores gregos antigos eram deste mundo?






Trocas

 



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