May 25, 2020

Ensino à distância - 1º balanço



Ao fim de 2 meses de ensino à distância já dá para fazer um primeiro balanço da experiência.

Não estou de acordo com muitos artigos que leio sobre toda esta experiência. Nem estou de acordo, nem com os pressupostos, nem como as conclusões.

1. Penso que todos concordamos que a experiência podia ter corrido melhor se as famílias tivessem outras condições, nomeadamente acesso a internet e a equipamentos como computadores individuais. Ainda, privacidade. Mas mesmo com essas condições, o grau de educação académica do país ainda é, em geral, muito baixo para que os pais possam ajudar os filhos, quando é necessário.
Dado que é previsível que outras situações, parecidas a esta, possam voltar a obrigar a fechar as escolas, tem que trabalhar-se para uma situação de menores desigualdades sociais, uma internet a preços decentes -em França paga-se 1 euro por mês pelo acesso à internet de banda larga-, facilidade para alunos e professores comprarem computadores, introduzir nas escolas formação em ensino à distância, etc.

2. Não estou de acordo com as declarações de muitos responsáveis -outro dia li-as no texto de um director da OCDE, o que nos chamou nomes- que alegam que cada aluno tem uma maneira diferente de aprender e gostava muito que produzissem uma evidência que fosse dessas declarações de princípio. É que já levo mais de 30 anos de trabalho com alunos e não é isso o que observo. Há 4 ou 5 maneiras um bocadinho diferentes de trabalhar e nem todas igualmente rentáveis nas diferentes disciplinas. Não por acaso uns alunos têm mais inclinação e talento para umas disciplinas que outras.

O que acontece é que os alunos chegam às aulas em diferentes níveis de desenvolvimento-maturação e com níveis diferentes de proficiência na aprendizagem - desde os que vêm muito bem preparados, ao nível dos conhecimentos, das técnicas e dos métodos de estudo até aos que estão quase a zero em tudo, há um uma escala intermédia graduada e isso também complica tudo.

Portanto, uns aprendem num instante porque têm maturidade suficiente e têm interiorizados todos os recursos mentais e técnicos necessários e outros necessitam de muitos recursos suplementares para colmatar essas faltas. E se juntarmos a isso a diferença de riqueza pedagógica/vivêncial do contexto familiar, as coisas ainda se complicam mais.

No entanto, nada disto tem que ver com maneiras diferentes de aprender. Essa ideia de que cada um aprende de maneira completamente diferente é um mito, um engano que faz estragos porque os alunos beneficiam muito em ter uma parte grande do ensino com objectivos comuns que os obriga a adaptar-se e a usarem a sua plasticidade mental para ultrapassarem certa rigidez de aprendizagem e de conhecimentos e também ultrapassarem-se a si próprios.

Da mesma maneira que dizem que os professores têm que dar aulas para a individualidade de cada um concluem que todos os professores têm que fazer fazer aulas digitais e da mesma maneira. Isso é completamente enganoso. Há várias maneiras de trabalho que têm a ver com a especificidade das disciplinas e a maneira do professor as rentabilizar. A pedagogia e a didáctica são ciências humanas -uso aqui o termo ciência naquele sentido muito lato dos antigos-, não exactas.

Nem um mesmo professor usa as tecnologias da mesma maneira em anos e disciplinas diferentes.
Por exemplo, foi-me fácil passar as aulas do 12º ano de Psicologia para esta modalidade à distância. De qualquer maneira já fazíamos um trabalho muito dependente dos meios digitais e de investigação documental -texto, imagem e vídeo- na internet.
Os alunos já têm 17 e 18 anos, alguns 19 e fazem leituras e pesquisas que indico e quando chegamos à hora da aulas vêm preparados com perguntas, ideias de trabalho, outras leituras que fizeram, etc.
Já não estão completamente dependentes de mim como estavam no 10º ano, nem pouco mais ou menos e há aprendizagem, mesmo feita à distância. Só estragou a apresentação oral de trabalhos.

Os 10s anos de Filosofa são diferentes, muito dependentes do professor e a minha maneira de trabalhar com as turmas é à base de discussão dos conceitos. No início do ano nem usamos nada digital (a não ser o email para comunicar quando é preciso fora das aulas) e as aulas são com textos de filósofos e questões para discutir e só depois depois de muita discussão e de eles já terem feito o trabalho mental quase todo é que organizo as ideias sobre os assuntos e fechamos pontas soltas. Isso não dá para fazer à distância, a não ser em pequeníssima parte e porque estamos no 3º período. Se tivesse sido no 1º nem essa pequena parte dava para fazer. Teria sido muito difícil não transformar a Filosofia numa espécie de catálogo de conceitos e argumentos. No entanto, os professores que dão as aulas de Filosofia com essa orientação, que está na moda, terão tido muito menos problemas no ensino à distância do que eu.

Normalmente, tenho que ensinar os alunos do 10º ano como fazer uma pesquisa online para não ficar reduzido a wikis ou a sites de pouca ou nenhuma confiança, como usar o processador de texto, como usar o email... ao contrário do que se diz, os alunos sabem pouco de computadores porque os usam, sobretudo, para estar no instagram, no Twitter ou no youtube a ver e criar canais; ou ainda para jogar jogos. Não para trabalhar e não sabem usar um computador para trabalhar. Não sabem onde ver um filme, ir buscar legendas... Agora, é verdade que aprendem todas essas coisas num instante.

Naturalmente isto que disse para as disciplinas que ensino não serve para todos as disciplinas/anos de escolaridade, mas que a tecnologia é um instrumento e não um fim em si mesmo, isso já serve.

Parece-me que pode introduzir-se mudanças na educação no sentido de passar a haver parte do ensino à distância, em algumas disciplinas, não em todas (como fazer prática laboratorial à distância, por exemplo?), mas isso só será rentável a partir do 7º ano e em dose muito pequena, por exemplo, um quinto do tempo de aula até ao 11º e depois um quarto do tempo de aula.

Falo de aulas, mas é evidente que a escola não é um local apenas de aulas, é também uma parte fundamental da socialização das crianças, adolescentes e jovens adultos que não se substitui, sem grandes perdas de desenvolvimento, pelo ensino à distância.

É preciso ver que esta situação de ensino à distância que estamos a ter não é uma solução, é uma remediação e qualquer estratégia  que seja pensada para o ano que vem deve ter em isso em conta.

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