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January 13, 2023

Acerca da liberdade de ensino



E a propósito de uma professora numa universidade americana ter sido despedida pelo crime de mostrar uma pintura de Maomé do séc. XIV numa aula de história de arte, tendo avisado previamente e depois na própria aula, que ia mostrar imagens de Maomé (e de Buda) no curso, para o caso de algum muçulmano se ofender e querer sair:
"Se não quer que as suas tradições, crenças, ou pontos de vista sejam desafiados, então não venha para uma universidade, pelo menos não para estudar humanidades ou ciências sociais. O ponto de vista de Miller [o director da universidade que despediu a professora] ao que parece, é que a liberdade académica só significa tanta liberdade quanto os seus estudantes mais sensíveis conseguem suportar, o que é uma posição irresponsável que coloca a universidade, a sala de aula e as carreiras dos académicos nas mãos de estudantes inexperientes na matéria, novos na vida académica e, muitas vezes, ainda na adolescência.

O objectivo da universidade é criar adultos educados e pensantes e não criar crianças abrigadas da dor de aprender que o mundo é um lugar complicado. As aulas não são uma refeição de restaurante que deve ser servida segundo as especificações dos estudantes; não são um acto de stand-up que deve fazer rir e divertir os estudantes mas nunca ofendê-los. Miller abriu a porta aberta para futuros problemas curriculares.

Um estudante queixou-se, o que aparentemente desencadeou vários eventos, incluindo López Prater ser convocada por um reitor e um administrador da Universidade Hamline, ser despedida e um e-mail ter sido enviado aos funcionários do campus dizendo que certas acções numa aula on-line foram "inegavelmente irreflectidas, desrespeitosas e islamofóbicas".
      — Tom Nichols

Desde quando este tipo de coisa ridícula tem lugar numa sociedade livre? Queremos que a nossa sociedade evolua para uma sociedade como a do Irão onde não podes andar de cabeça à mostra porque ofende o Islão, não podes andar de bicicleta porque ofende o Islão e por aí fora? Ridículo. Pessoas ridículas, ignorantes e perniciosas são postas à frente de instituições que deviam fazer avançar o conhecimento e não recuar ao tempo das teocracias e outras ditaduras.

October 13, 2022

As razões de se mudar o programa de matemática?




Neste artigo defende-se que a álgebra é difícil para a maioria dos estudantes e que impede que sigam os seus sonhos e que por isso pode muito bem acabar-se com ela ou ensinar estatística em vez de álgebra. O autor do artigo queixa-se que quando era novo não foi para veterinária ou engenharia porque não conseguia fazer a matemática e que por isso se deve acabar com a matemática difícil, pois esmaga os sonhos das pessoas - soul-crushing é o termo que usa. Dá como exemplo um ex-reitor da universidade de Berkeley que defende uma matemática diferente. 

A questão é: esse reitor defende um ensino diferente de matemática para quem não está nas STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics), não para pessoas que sonham ser engenheiros mas não têm o talento ou a capacidade para a matemática necessária. O conhecimento não tem que ver com equidade. Eu gostava muito de saber pintar como o Ruisdael, mas não tenho esse talento nem essa capacidade. Gostava de saber perceber a física e a química do ponto de vista da matemática, mas não tenho essa capacidade. Isso não me diminui em nada. Uma universidade não é um local de conforto psicológico ou de realização de desejos, mas um local de avanço do conhecimento.

Uma coisa é defender uma mudança no modo de ensinar matemática (aqui no país é o descalabro porque não há professores e daqui para a frente qualquer um vai dar matemática); defender, como eu mesma defendo, que haja um program de matemática para os que querem seguir cursos de ciências que dão acesso a engenharia, medicina e certas áreas tecnológicas e outro program para quem quer outras coisas que não exijam essa matemática. Aliás, já foi assim. Em tempos havia Matemática A e Matemática B consoante as áreas que os alunos escolhiam no secundário. 
Outra coisa muito diferente é reduzir o ensino da matemática ao menor denominador comum para os alunos sentirem que são todos um sucesso. Isso é uma fraude e no geral, baixa o nível de conhecimento, do progresso científico e melhoria de vida a que nos habituámos.
Dito de outra maneira, quero atravessar a ponte confiante que o engenheiro soube fazer a matemática necessária e não foi ensinado por alguém que teve umas cadeiras de estatística na faculdade.

Outro dia Borrel fez um discurso numa reunião na UE que pus aqui no blog. Ele enumera correctamente os problemas com que nos enfrentamos, mas depois oferece como soluções: não sermos, nós europeus, racionalistas (não sermos kantianos, diz), sermos mais emocionais, ter muita empatia e ouvir os outros povos. Não sou contra a empatia ou ouvir outros povos, pelo contrário, mas desde quando abandonar o pensamento e a racionalidade ajuda a resolver problemas? E quem lhe disse a ele que os outros povos não europeus não são racionais? O facto de se terem cometido 'pecados' de excesso de confiança na razão não torna razoável que se abandone a racionalidade.

Da mesma maneira, o facto de o ensino da matemática não ser fácil e de haver excesso de matemática em todas as áreas dos estudos secundários (excepto humanidades), não torna razoável adulterar o programa apenas para que todos os alunos possam dizer que têm sucesso e se sintam bem consigo mesmos.


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Os estudantes precisam de mais exposição à forma como as coisas do dia-a-dia funcionam e são feitas. Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no ensino da matemática, onde persistimos numa abordagem rígida que recompensa aqueles que "o conseguem" e deixa os outros - incluindo aqueles com o tipo de mentes que a nossa economia e o nosso futuro mais desesperadamente necessitam - com uma sensação de profundo fracasso.

Há uma década, um artigo do cientista político Andrew Hacker, Is Algebra Necessary?, aterrou como uma bomba no mundo da educação. Hacker assaltou a insistência de ensinar álgebra nas escolas, salientando que a matemática ali ensinada não era nada como a que as pessoas usam nos seus trabalhos. "Tornar a matemática obrigatória", escreveu Hacker, "impede-nos de descobrir e desenvolver jovens talentos". No interesse de manter.
(...)
A ironia nunca se perdeu em mim: ensino ciência animal em veterinária, mas não consegui entrar na escola veterinária como estudante, porque não consegui fazer a matemática. Na faculdade, tive de abandonar um curso de física e de engenharia biomédica. Isto fez-me sair da escola de veterinária e engenharia. Tive de escolher licenciaturas com requisitos de matemática mais baixos, tais como psicologia e ciência animal, e recebi tutoria para me ajudar a passar. 
Hoje em dia, mesmo essas portas estariam fechadas para mim, porque esses graus têm agora requisitos matemáticos ainda mais elevados. Recebi recentemente um e-mail de um estudante que me informou que tinha de fazer cálculo para a sua licenciatura em biologia. A biologia era o meu tema favorito, mas nunca teria ultrapassado essa barreira.
(...)
Mais especialistas em educação parecem finalmente questionar porque é que, como disse Hacker, "pensamos na matemática como um enorme pedregulho que fazemos todos puxar, sem avaliar o que toda esta dor alcança". 
Christopher Edley Jr., por exemplo, está numa missão para mover a rocha. Antigo reitor da Faculdade de Direito da UC Berkeley, Edley quer colmatar o fosso de equidade e aumentar as taxas de graduação, eliminando os requisitos de álgebra para os estudantes que não estão numa STEM, observando que tais requisitos são "largamente arbitrários". 
Dos 170.000 estudantes universitários da comunidade da Califórnia que são colocados em matemática correctiva com base num teste padronizado, mais de 110.000 não completarão os requisitos para obter um diploma de associado ou transferência para a Universidade da Califórnia ou para a Universidade do Estado da Califórnia. Um programa piloto na California State University que permite aos estudantes substituir uma série de cursos de estatística por álgebra, mostrou que as taxas de conclusão das aulas de matemática aumentam quando a álgebra não é necessária.

Temple Grandin - theatlantic/against-algebra

September 27, 2022

Não percebo a surpresa

 


Esta é e sempre foi a lógica de prioridades dos estabelecimento de ensino particulares. ´|E a isso que chama mérito: dinheiro, apelido e qualidade da agenda telefónica.



Universidade Católica favorece admissão de aluno em mestrado de Medicina por ser “descendente de beneméritos”

O caso está a gerar controvérsia nas redes sociais. Candidato admitido tem uma média inferior à de outros cuja admissão está “condicionada à existência de vagas”

October 24, 2021

Em defesa do secularismo e da liberdade de expressão

 


"Os nossos alunos precisam das nossas luzes, não da nossa consideração pelas suas sensibilidades religiosas


A professora Delphine Girard (professora de Letras Clássicas nos subúrbios de Paris) faz um apelo ao secularismo "ao estilo francês", que permite aos estudantes afastarem-se dos seus determinismos.

Se o problema do secularismo se coloca, hoje como há um século atrás, de uma forma tão divisória nas escolas, é sem dúvida porque o secularismo foi imposto pela primeira vez nas e pelas escolas e isto depois de uma luta muito longa e depois de conflitos amargos. 
A questão principal colocada pelo secularismo e que é justamente a causa de tantas tensões é a da educação: é a questão do quadro filosófico e político em que desejamos ver as mentes dos nossos filhos formadas e desenvolvidas. 
Isto é de facto uma questão de grande controvérsia! Pois não é de todo a mesma coisa construir a imaginação e o julgamento num ambiente onde se pode dizer qualquer coisa que não ataque ninguém e estar interessado em todos os tipos de conhecimentos e modos de expressão, ou num ambiente onde certos conhecimentos (como o darwinismo, reprodução sexual, argumentação sobre todos os tipos de assuntos, etc.), ou certos modos de expressão (como a caricatura), seriam proscritos ou atenuados sob o pretexto de que poderiam chocar os crentes.

Neste confronto essencial entre dois mundos escolares, onde os nossos olhos seculares, herdeiros do universalismo do século XVIII, estão naturalmente habituados a ver a luz na livre circulação de conhecimentos e ideias e a escuridão na sua limitação, os nossos alunos, em contraste connosco, vêem cada vez mais a violência no primeiro e o respeito no segundo. 
Esta triste dicotomia geracional sugere que, estranhamente, aos olhos da nossa juventude, o respeito é uma virtude do silêncio e não do debate, que não reside na consideração que um tem pela mente do outro, pela sua razão, essa parcela de logótipos universal a todos os Homens, pela capacidade do outro de abraçar, para o momento de uma lição ou discussão, outras formas de pensar que não a sua própria: Pelo contrário, o respeito pelo outro residiria em evitar qualquer coisa que pudesse ofender a sua família, confessionário ou cultura comunitária, agora considerada como constitutiva da sua essência, da sua identidade, e portanto tão indiscutível como a sua cor de pele ou orientação sexual.

Esta terrível confusão entre o inato e o adquirido é o que está em jogo no fosso filosófico que se tem vindo a alargar desde há várias décadas entre a secretária do professor e a fila da frente dos seus alunos. Esta lacuna é a da História: a história do secularismo, que já não conseguimos fazer herdar aos nossos alunos; a história da nossa república, que já não serve de identidade para eles, esta identidade cívica que já não os faz sonhar e que no entanto está cheia de sagas de homens e mulheres autodidactas, de filhos de imigrantes pobres, como eu e tantos outros, que se tornaram professores, jornalistas, médicos, ministros...


Como podemos fazer compreender aos nossos alunos que a escola da República permite aos indivíduos escapar aos seus determinismos tribais, sociais e culturais? Como podemos fazê-los compreender que o respeito é alimentado pelo diálogo aberto e não por tabus, ou melhor "tapu", como se pronuncia em polinésio, palavra que na Polinésia pertence ao vocabulário religioso, e que se traduz exactamente pela noção latina de nefas: etimologicamente, "não falar"!

"Proteger com força as instalações da escola"

Primeiro, não ceder. Falar, não se censurar, debater, não se curvar à injunção para permanecer em silêncio ou para evitar os chamados assuntos sensíveis. Fique firme: não aceitar, como se ouve frequentemente nas aulas: "Não é correcto dizer que podemos gozar com as religiões", ou "Senhora, não tem o direito de nos obrigar a estudar isso!" Proteger o recinto escolar com força: agarrar-se firmemente às muralhas do que Catherine Kinztler chama o espaço de "respiração secular", aquele lugar precioso onde se ensina que a identidade só é feita de escolhas realizadas em consciência e não por hereditariedade, que é uma questão de liberdade: a liberdade oferecida pela escola para se construir com todo o tipo de materiais que por vezes são estranhos à sua cultura de origem; que é uma questão de conhecimento adquirido, e não de conhecimento inato.

Depois, devemos voltar aos autores: estudar o Iluminismo, incluindo os textos mais irreligiosos da ironia Voltairiana. Não se trata de dizer aos estudantes que devem tornar-se ateus, mas de os fazer compreender que historicamente, os pensadores e inspiradores da nossa república sempre lutaram contra todos os dogmas religiosos, que este não é um destino reservado ao Islão de hoje, mas antes para a religião católica no passado, algo de que muito poucos deles estão conscientes.

No meio da ascensão de uma doutrina indigenista e 'des-colonial' particularmente fecunda entre os jovens, e no meio do assalto dos fanáticos à nossa escola na pessoa de Samuel Paty, a actual renovação da velha crítica do Iluminismo, cruelmente sobrecarregada com um desenho para o imperialismo cultural e a rejeição de outras culturas, deve mais do que nunca ser contrabalançada pela leitura das obras e pela explicação corajosa destes textos com os nossos estudantes.

Mais do que nunca, para compreender os debates nacionais e o espírito das nossas leis, os nossos adolescentes precisam mais do nosso esclarecimento como professores do que da nossa consideração pela sua possível susceptibilidade, mesmo que seja a dos crentes ou das chamadas minorias. 
Como podemos compreender a diferença entre liberdade de expressão e incitação ao ódio se não aprendemos com Voltaire a distinguir entre os homens e a sua fé, se não lemos em Candide que podemos rir de uma piada sobre Deus e que nunca devemos ser castigados por isso, se não se tiver lido em Zadig que se acreditar num grande "Deus da terra e do céu que não aceita ninguém", é necessariamente indiferente aos pequenos rituais dos homens, todos eles igualmente ridículos para ele e que nunca poderão justificar a violência; se não leu em L'Ingénu que pode discutir pacificamente a religião e até formar uma profunda amizade com alguém de uma religião inicialmente oposta à sua?

É esta cultura comum que a nossa juventude carece profundamente e que é a condição sine qua non para desenvolver o sentimento, que a escola deve suscitar, de pertença a uma comunidade de princípios e património, este sentimento de fraternidade cívica que, indo além de identidades particulares, nos torna profundamente iguais, e nos permite formar uma sociedade.

Além disso, nada mais é do que a "identidade francesa" de que temos ouvido falar durante anos. Nós, secularistas, devemos ter baixado muito a guarda e adormecido na nossa história para ouvir algumas pessoas repetir que a "identidade francesa" tem as suas origens nas "raízes cristãs da França" e não na República! Ou ouvir outros dizerem que o secularismo "à la française" hoje em dia seria demasiado nocivo para os fiéis e demasiado irreverente para as religiões!

A história do pensamento francês diz-nos outra coisa: a luta entre razão e crença, entre liberdade de pensamento e autoridade religiosa, não só tem sido sempre amargamente violenta, como até parece ser uma parte constituinte da nossa cultura, da nossa "identidade". 
A identidade francesa e europeia é uma longa guerra civil intelectual que, desde a Renascença, nos tem conduzido pouco a pouco à apostasia! Vejamos os nossos grandes autores: desde Rabelais, o evangelista, até Montaigne, o céptico, Descartes, Molière e, claro, todos os pensadores do Iluminismo e, até Hugo, aquele crente anti-clerical.
Os nossos principais escritores têm em comum que se opuseram à ditadura intelectual da Igreja com o seu espírito crítico, o seu sentido de zombaria, e a encenação, em verso ou em narrativa, das suas dúvidas; nenhuma verdade revelada se a mente humana não tiver uma parte nela, se não a puder examinar, discuti-la e exercer a sua autonomia de pensamento sobre ela. 
Autonomia é uma palavra nobre que caracteriza o espírito francês: ser autónomo é etimologicamente dar-se "a si próprio", ou como diz Voltaire, "pensar por si próprio". E se existe tal coisa, é a "identidade francesa": a da escolha, literalmente em grego, de aïrèsis, que em francês significa "heresia"!

July 20, 2021

Tudo o que vai mal no ensino II

 


Não sou especialista em leis ou linguagem jurídica mas já levo mais de 30 anos a ler legislação do ME. O texto legislativo não é uma obra de literatura nem um texto doutrinário ou propagandístico, eleitoralista. É suposto ter linguagem objectiva, concisa e clara e não retórica oca.


Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2021



(...)
Não obstante o esforço extraordinário empreendido por todos os docentes, e sendo o ensino presencial insubstituível, é inquestionável que um dos maiores danos, ainda por determinar na sua plenitude, no âmbito da contenção da pandemia, foi o infligido aos alunos, designadamente ao nível dos custos no processo de aprendizagem e no desenvolvimento psicopedagógico e motor das crianças e jovens. A escola, enquanto local de aprendizagem para a vida em sociedade, reclama, cada vez mais, um conhecimento holístico, que compreenda o ensino artístico, a prática desportiva e desenvolva a educação cívica e o ensino experimental
[Vejamos: para quê a palavra de retórica, «inquestionável»? Para nos impressionar? Nada na educação é inquestionável e muito menos o que vem a seguir. Se é verdade que em alguns níveis de ensino como o dos primeiros quatros anos parece já haver indicadores acerca do prejuízo que o ensino não presencial causou nos alunos, nos outros níveis de ensino não se conhece particamente nada. E no entanto esse nada que se desconhece é aqui citado como base de uma reforma... isto é sério? Se esse dano é tão grande e inquestionável em todos os níveis de ensino, o documento deve remeter para as fontes dessa afirmação uma vez que ela vai condicionar o que se legislou, caso contrário não passa de retórica oca e desinformação. Se faz afirmações subjectivas e bombásticas, fundamente-as. Assim como dizer que «a sociedade reclama um ensino holístico» não passa de retórica - onde foi buscar essa informação? Ou é só uma sensação como a do outro senhor que passa por ser um especialista em ciências da educação mas fundamenta as suas opiniões em sensações? O termo, «inflingir» significa «aplicar», «impôr» - os professores impuseram «danos» aos alunos...? Inventaram a pandemia?
E quando enuncia o que faz parte de um ensino holístico, cita áreas disciplinares que sempre existiram (exceptuando a sua disciplina catequética) mas cujos governos têm destruído para reduzir todo o ensino ao Português e à Matemática. Mas fala com uma retórica como se o ensino artístico, a educação física e o ensino experimental fossem invenções sua - mete a educação cívica no meio, en passant para dar a entender que está ao mesmo nível que as outras disciplinas... ...mas isto é honesto?]

Com vista à recuperação das aprendizagens e procurando garantir que ninguém fica para trás, o Governo anunciou que seria apresentado um plano integrado para a recuperação das aprendizagens dos alunos dos ensinos básico e secundário, promovendo um conjunto alargado de auscultações e recolha de sugestões, que envolveram dezenas de encontros com alunos, professores, diretores, peritos, organizações não governamentais e representantes dos vários setores da educação, e criou pelo Despacho n.º 3866/2021, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, de 16 de abril de 2021, um grupo de trabalho que agrega especialistas com perfis diferenciados e com olhares diversos e complementares sobre a escola, com a missão de apresentar sugestões e recomendações no âmbito da definição do plano de recuperação e consolidação de aprendizagens e de mitigação das desigualdades decorrentes dos efeitos da pandemia, destinado aos alunos dos ensinos básico e secundário.
[ houve auscultação de dezenas de alunos, professores, directores, peritos, etc. Vejamos, dezenas de professores, vamos supor que foram 60 professores - representam uma gota no oceano de mais de uma centena de milhar de professores; zero, qualquer coisa %. - alunos ainda menos, pois os alunos são às centenas de milhar; dezenas de directores, vamos dizer 60 - representam cerca de 10% (calculo que sejam cerca de 600); peritos amigos, sindicalistas e outros devem ter sido 100%. Ou seja, que opiniões pesaram nesta reforma? A dos especialistas que são os professores? Não. A dos amigos. Tanta retórica de auscultação mas devem ter auscultados os amigos e correligionários - toda a gente neste país já percebeu que este SE não tolera opiniões contrárias à sua.
E quem são os «especialistas de perfis diferenciados e olhares diversos? Amigos seus? Há lá coisa mais vaga...?]
"O conjunto de medidas, que ora se aprova, alicerça-se nas políticas educativas com eficácia demonstrada ao nível do reforço da autonomia das escolas e das estratégias educativas diferenciadas dirigidas à promoção do sucesso escolar e, sobretudo, ao combate às desigualdades através da educação."
[Aqui entramos no domínio da pura aldrabice: eficácia demonstrada de reforço de autonomia das escolas?? Qual autonomia? Aquele em que um CT passa os alunos e o SE manda chumbar? Aquela em que os directores vão às pautas e mudam as notas dos alunos para positivas para agradar ao SE? Essa autonomia?]
Isto é o preâmbulo de um texto legislativo: cheio de retórica oca e desinformação. Como podemos esperar alguma coisa de positivo de uma reforma assente em enganos, falácias e retórica oca?

May 10, 2021

E por falar em educação, qual é o futuro do ensino universitário?

 


O artigo é sobre a questão da liberdade académica que também já cá chegou à Europa, embora com menos força. Que universidades queremos ter no futuro? Lugares pioneiros no avanço dos conhecimentos, coisa que não se faz sem discussão, dissensão, heterodoxia, inovação e polémica ou lugares de mera certificação de competências de arregimentados, com a subsequente decadência geral que daí resulta?

A procura do conhecimento verdadeiro, que é missão das universidades é uma digressão moral?


Falar Poder à Verdade

Os adversários mais determinados da liberdade académica estão dentro do meio académico.

por Keith E. Whittington

À medida que a pandemia do coronavírus continua, as instituições de ensino superior nos Estados Unidos enfrentam uma ameaça existencial. Mesmo que consigam sobreviver à sua actual crise orçamental, que tipo de instituições serão as universidades e faculdades americanas dentro de uma década?

Uma frente crucial na guerra sobre as universidades põe os defensores da livre procura da verdade contra aqueles que querem limites políticos a tais inquéritos. Durante a maior parte da história do ensino superior, esta disputa foi entre os defensores da liberdade académica dentro das universidades e os cépticos da mesma que estavam fora. Em nome dos costumes convencionais ou dos interesses políticos e económicos da comunidade, os políticos, ou doadores, tomaram a posição de que a busca do conhecimento está bem... até ameaçar ortodoxias vitais. O exemplo de Sócrates é tanto uma inspiração como um aviso - heterodoxos tendem a ser esmagados.

No século XXI, porém, os adversários mais determinados da liberdade académica estão dentro e não fora da academia. Um exército em crescimento nos campus universitários gostaria de restringir o âmbito do debate intelectual, sujeitando o inquérito académico a testes políticos. Ao longo do século XX, os estudantes e o corpo docente das universidades americanas esforçaram-se por torná-los paraísos de hereges, dissidentes, iconoclastas, e não conformistas. Na sequência do seu sucesso, muitos estudiosos exigem agora que os campus adiram às suas próprias ortodoxias. 

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Temos visto a prática asfixiar o debate e purgar os dissidentes nos campus universitários, mas não a teoria. Os defensores de uma universidade intelectualmente restrita têm estado mais interessados em impor do que em justificar essas restrições. O que Snowflakes Get Right de Ulrich Baer, professor de literatura, tenta preencher essa lacuna. Baer não é um guia terrivelmente fiável da doutrina da Primeira Emenda ou da história constitucional americana, mas apela, explícita e vigorosamente, à redução drástica do alcance do discurso e do debate nas universidades americanos.

Baer atraiu alguma notoriedade quando publicou uma opinião editorial no Times na Primavera de 2017, enquanto servia como vice-reitor da NYU. Transferindo o título do artigo para o seu novo livro, enfatiza que a Primeira Emenda não é absoluta: antes da sua leitura relativamente recente e assertivamente liberal, a "liberdade de expressão" era compreendida de formas que permitiam que uma grande parte do discurso fosse censurado por funcionários governamentais. Por outras palavras, não há nada de sagrado no actual regime académico.

Apoiando-se em parte no trabalho do estudioso jurídico de Yale, Robert Post, Baer enfatiza que a lógica da liberdade de expressão se enquadra de forma desconfortável na missão central da universidade. Se o objectivo central da universidade é avançar para a verdade através da investigação e do ensino, então a liberdade de expressão tem sido sempre circunscrita. 
As universidades suprimem adequadamente a liberdade de expressão, precisamente para facilitar o projecto académico. Esperamos que os estudantes na sala de aula não sejam perturbadores e descarrilem a aula. Esperamos que os instrutores se agarrem ao trabalho e que não desviem as suas aulas para pontificar sobre questões irrelevantes, nem se tornem fornecedores de óleo de cobra a menores insuspeitos. Recusamo-nos a aceitar dissertações ou monografias que não reflictam um discurso profissionalmente competente. Resumindo, excluímos rotineiramente muitos maus discurso da academia.

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A liberdade de expressão, observa o Post, surge de um ethos democrático. O conceito diferente e mais restrito de liberdade académica surge do ethos profissional do ensino superior moderno. A liberdade de expressão pressupõe que todos têm uma opinião e deve ser permitida a sua expressão, por mais tola ou repugnante que o resto de nós pense que possa ser. No seu igualitarismo radical, a liberdade de expressão não faz distinção entre os bem informados e os terrivelmente ignorantes. Mas a liberdade académica, nem igualitária nem democrática, protege uns discursos enquanto rejeita outros discursos como indigno. Os académicos reivindicam devidamente o direito de se envolverem num inquérito crítico profissionalmente competente sem terem de se preocupar com a desaprovação do presidente da universidade ou do conselho de administração, e nós damos-lhes esse direito porque pensamos que tais protecções são o melhor meio de que dispomos para o avanço e a divulgação do conhecimento humano.

Mas se é disso que se trata, então temos pouco ou nenhum interesse em proteger os membros da comunidade universitária das consequências da expressão de opiniões políticas mal elaboradas, uma vez que tal protecção não tem um papel óbvio na promoção da verdade através da investigação académica. De facto, poderia ser contraproducente para a missão académica se as universidades implicassem que charlatães e académicos sérios fossem igualmente bem-vindos. Os valores universitários poderiam ser melhor promovidos expulsando os charlatães do campus em vez de lhes permitir poluir o ambiente de informação e rebaixar a reputação da universidade em termos de perícia e procura da verdade.

Baer recorre também à teoria pós-moderna, que permeia as humanidades, para fazer uma observação útil sobre as dificuldades em torno do debate sobre a liberdade de expressão. A linguagem não é, ou pelo menos não é meramente, um meio pelo qual descobrimos e comunicamos o que é verdadeiro e falso. A linguagem também pode ser um instrumento de poder. Desprezando perseguir a verdade através da linguagem, o demagogo, tal como o próprio pós-moderno, preocupa-se em manipular os pensamentos e sentimentos do seu público de modo a avançar os seus próprios objectivos políticos. Se o discurso é um instrumento de poder, então talvez devesse ser tirado àqueles que o empunham para fins desonestos.

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Baer alinha-se com os "flocos de neve", para pedir emprestada a referência popular aos activistas do campus de esquerda que se apanharam em 2015 depois de o mundo ter visto vídeos de estudantes de Yale a confrontar o Professor Nicholas Christakis por causa de uma controvérsia sobre os fatos de Halloween. O que os flocos de neve acertam, pensa Baer, é que algumas opiniões controversas não só não merecem ser debatidas como também não merecem ser expressas, num campus universitário ou numa sociedade educada. Os pontos de vista específicos que ele tem em mente são os abrangidos pelos regulamentos propostos para discursos de ódio. Ao contrário de alguns proponentes de discursos de ódio, ele deixa claro que quer suprimir não só calúnias ofensivas ou assediantes dirigidas a indivíduos, mas também ideias substantivas que ele considera perigosas. Ele pensa que as democracias modernas, e por extensão os campi universitários, estão empenhados num credo não negociável e inquestionável. No centro desse credo está o "princípio da igualdade". Qualquer pessoa que conteste este princípio ameaça a comunidade e deve ser suprimida e excluída.

Como resultado da tomada desta posição, Baer encontra-se a fazer malabarismos com dois tipos de reivindicações bastante diferentes. Por um lado, abraça a opinião de Post de que as universidades devem dedicar-se a fazer avançar a verdade e rejeitar as falsidades. Uma vez que é um artigo de fé que "igualdade" é verdade, seja o que for que isso signifique exactamente, então qualquer pessoa que questione esse artigo de fé está necessariamente a dizer falsidades e já não pertence a um campus universitário. Por outro lado, Baer abraça uma visão explicitamente política que está em desacordo com o ethos de perícia de Post. Aqueles que questionam o princípio da igualdade avançam uma ideologia que é perigosa, tal como a defesa do nazismo é perigosa. Para Baer, a melhor maneira de abordar tais ideologias é silenciá-las. Além disso, aqueles que questionam o princípio da igualdade questionam um compromisso-chave de uma universidade inclusiva, e assim minam esse compromisso. Enquanto que Post sublinharia que as universidades premiam a perícia e o profissionalismo acima de tudo, Baer sublinharia que o valor mais elevado das universidades é a inclusividade. Quando os valores entram em conflito, deve ser dada prioridade à inclusividade. Em última análise, a inclusão requer a exclusão de todos os que desafiam os princípios da inclusividade.


Post expôs longamente a declaração feita pela Associação Americana de Professores Universitários em 1940 de que o "bem comum depende da livre procura da verdade e da sua livre exposição". Neste ponto de vista, os professores devem gozar de liberdade académica, porque permitir-lhes prosseguir a investigação crítica, sujeita apenas a normas profissionais, é do melhor interesse a longo prazo de uma sociedade democrática, mesmo que os argumentos dos professores sejam por vezes desconfortáveis para as demonstrações.

No fundo, Baer rejeita essa afirmação. Ele pensa que os professores não devem ser autorizados a incomodar, pelo menos não sobre os compromissos que ele valoriza particularmente. Mas uma vez feita essa concessão, já não é óbvio o que é que as universidades estão a fazer, ou qual a finalidade da liberdade académica. A universidade do credo de Baer acabará por engolir a sua universidade tecnocrática como um conjunto cada vez maior de questões sociais e políticas controversas, protegida de uma investigação crítica aceitável.

***

Elimina as diferenças entre os vários tipos de discurso que têm lugar num campus universitário moderno. Se a questão é se o activista neonazi Richard Spencer deve fazer um discurso académico patrocinado pelo departamento de ciências políticas, então a resposta é fácil. Mas ninguém pensa que é essa a questão. 

As actividades num campus universitário moderno não podem ser reduzidas às actividades académicas do corpo docente. Os oradores visitam rotineiramente o campus porque um grupo de estudantes considera o orador interessante ou divertido, ou porque os administradores pensam que o orador acrescentará brilho ou excitação a um campus monótono. 
O avanço da procura da verdade na adesão às normas disciplinares não entra nela. (No caso de Spencer, a lógica era simplesmente que a universidade disponibiliza as suas instalações para utilização pelos membros do público em geral). As universidades abrem as suas portas a uma série de oradores não especialistas precisamente porque há muito que servem como locais para o debate público e não apenas para o discurso académico. Poderíamos reduzir drasticamente as controvérsias académicas sobre a liberdade de expressão se restringíssemos as actividades de discurso nos campus a professores que lêem os seus trabalhos académicos a audiências entrincheiradas.

Na prática, as universidades englobam tanto os valores que o Post identifica, como a perícia e a democracia. Baer acaba por deixar claro que sacrificaria ambos em nome da sua visão de igualdade: "Na época actual, temos também uma solução simples que deve apaziguar todos os interessados: os estudantes estão insuficientemente expostos a pontos de vista controversos. Chama-se a isto Internet". Infelizmente, os aliados de Baer, utilizando os seus argumentos, pensam que as opiniões controversas também devem ser expulsas da Internet. Pior, a noção de Baer sobre o que conta como opinião demasiado controversa para ser divulgada num campus universitário provavelmente englobaria ideias detidas pela maioria dos cidadãos americanos e por uma fracção não trivial do professorado.

***

Será que ele pararia por aí? Ao discutir a necessidade de excluir o discurso que questiona os princípios da igualdade do campus, ele pensa razoavelmente que não se perderia muita importância intelectual se figuras como Spencer ou da ultra-direita provocassem Milo Yiannopoulos a nunca mais aparecer no campus. (Ele poderia mas não diz o mesmo sobre muitos oradores populares no campus da esquerda política). 

Embora Baer seja menos franco sobre quão profundamente a sua abordagem de exclusão deveria cortar no coração da liberdade académica e ser aplicada à investigação académica e ao ensino, muitos "flocos de neve" estariam certamente demasiado ansiosos para expulsar os professores se não passassem no teste político em constante evolução da universidade do credo. A proposta de Baer levou à exigência, numa carta recente assinada por centenas dos meus colegas da Universidade de Princeton, da formação de uma comissão para investigar e "disciplinar...comportamentos racistas, incidentes de investigação e publicação por parte do corpo docente".

Baer é autoritário sobre o que uma geração anterior de liberais tomou como uma vitória duramente conquistada ao expandir o espaço para a dissidência na América. Ele observa que as coisas poderiam ser diferentes, mas dá-nos poucas indicações sobre como chegámos aqui ou porquê. Se apenas afinássemos um pouco a doutrina da Primeira Emenda, sugere ele, poderíamos livrar-nos dos supremacistas brancos e deixar tudo o resto intocável. Há uma sugestão demasiado comum de que a União Americana das Liberdades Civis protegeu os direitos de liberdade de expressão dos nazis simplesmente porque os libertários civis não se importam com os nazis. Como muitos censores do campus, Baer imagina que a alteração das regras em torno da liberdade de expressão inibirá apenas aqueles que discordam dele, nunca os seus aliados.

Ele ignora os custos associados ao tipo de revolução do campus que esboça e fornece frustrantemente poucos detalhes sobre como a sua universidade re-imaginada iria parecer e funcionar. Se lhe for dado rédea solta, é pouco provável que a versão de Ulrich Baer de uma universidade se assemelhe ao tipo que fez do ensino superior americano a inveja do mundo. As universidades americanas evoluíram ao longo do tempo, e não há razão para pensar que a abertura intelectual que as caracterizou durante o último meio século as irá caracterizar daqui a meio século. Os edifícios poderão sobreviver, mas não há qualquer garantia de que a investigação livre e aberta o fará.
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Keith E. Whittington é o William Nelson Cromwell Professor de Política na Universidade de Princeton e o autor de Speak Freely: Why Universities Must Defend Free Speech (Imprensa da Universidade de Princeton).


(tradução minha)

October 18, 2020

Deambulações - acerca de ensinar

 


Ensinar é um bocadinho como ser actor num filme, com a diferença que na aula os espectadores intervêm o tempo todo e influenciam a cena. Mas é um bocadinho como ser actor: uma pessoa tem uma história para contar, que é a matéria que tem de leccionar e tem um tempo para o fazer o que obriga a estrutura e economia. Tal como num filme, onde os actores para representarem 10 minutos de filme tiveram, muitas vezes, que fazer uma pesquisa de meses, também nas aulas, para os 90 minutos que os alunos experienciam há anos de leituras, de aprendizagem empírica, de formações, de reflexão, ajustamentos, informação, recolecção constante de material que encontramos na internet e na vida.

Um professor, penso, tem que ir para uma aula preparado com um plano A e um plano B, mas também inspirado. A inspiração não é uma luz que se espera que apareça. Não. A inspiração trabalha-se. É preciso buscá-la activamente e alimentá-la diariamente, porque nos dias em que vamos desinspirados para as aulas, o que acontece às vezes, a experiência é péssima e incómoda: os olhos e as caras dos alunos são um espelho onde se vê a verdade. 

Onde é que um professor se inspira? Na vida, nas pessoas à sua volta, nos pensamentos dos outros, nas figuras do passado, na vida rotineira e na inspiradora dos outros, no caos do mundo e na sua beleza e ordem; na ciência e na poesia e na reflexão sobre essas coisas todas. Temos que estar embebidos nessa espécie de bolha de milhentas cores para poder abri-la para outros. 

Um professor tem que ter flexibilidade para encaixar imprevistos - que os há sempre nas relações humanas-, nomeadamente os que decorrem de estarmos dentro de uma sala com 30 adolescentes emocionais. Se os alunos estão emocionalmente perturbados não conseguem estar no momento e aprender, de modo que um professor tem de ser uma almofada de absorção de choques com devolução de validação, limites e tranquilidade. O que não é fácil.

Ontem, na acção de formação, a formadora pediu-nos que identificássemos ideias automáticas recorrentes negativas relativamente ao trabalho, pois um professor que também não tem as suas emoções geridas não consegue ter um ambiente de trabalho equilibrado e próprio para a aprendizagem. De uma longa lista que ela forneceu só tenho uma, que tem que ver com culpabilização, mas não a considero negativa. É o que é.

Lembro-me de todos os casos de alunos difíceis [no sentido de complexos e muito introvertidos e não no sentido de agressivos ou ordinários] em que falhei redondamente e isso parece-me que vem de me culpabilizar, mas não vejo como poderia ser de outro modo, porque os miúdos, sendo miúdos e não estando conscientes dos processos que os põem em certos bloqueio não têm recursos para agir de maneira diferente. Uma pessoa aprende com os erros, mas são erros e não penso que seja negativo considerá-los como tal. 

Ensinar é também ser um advogado de defesa do tema que estamos a ensinar: seja uma ideia, um autor ou assunto. Da mesma maneira que um actor representa qualquer papel e em cada personagem que encarna, mesmo que seja um assassino, tem que compreender as razões do personagem se não a representação não é credível. Nas aulas é a mesma coisa. É preciso ser a ideia, o conceito, o assunto ou o autor. É preciso pensar na maneira de abordar um tema, ou um conceito complexo. Exemplos e questões provocadoras. Pequenos filmes, histórias. Preparo uma aula de maneira que se vê que houve preparação mas parece tudo sair naturalmente com espaço para criação. Nem sempre se consegue, mas é nesse nível simultâneo de concentração e fluidez que se dão as melhores aulas.

Ensinar é fazer do caos um cosmos.


September 30, 2020

O caso do texto de Francisco Aguilar é mais grave do que parece

 


 O artigo que ele escreve foi aceite por um 'coordenador científico' e publicado numa revista de 'Ciências Jurídicas'. Quem lê o artigo fica estupefacto que esteja incluído numa revista 'científica' e tenha sido aceite por um 'coordenador científico' que mesmo sem pretensão de fazer um trabalho de peer review, revisão de pares, tem como função a manutação da qualidade académica e científica das publicações, melhorar a sua performance e, sobretudo, a sua credibilidade. Digo eu, porque o contrário seria impensável.

Quem lê o artigo do senhor Aguilar vê claramente que o artigo não tem nenhuma credibilidade científica: é um desarrazoado de ideias ao melhor estilo talibã, dum sectarismo muito à direita do Ventura, sem um único fundamento científico a suportar a linguagem ordinária os insultos que profere: nunca vi em lado algum que os termos que aplica indiscriminadamente às mulheres -nazis, porcas, assassinas, sociopatas, narcisistas, opiáceas, egoístas, desonestas, hipócritas, misandrícas, invejosas do pénis dos machos, destruidoras da civilização ocidental, futuras assassinas dos homens, etc., etc., sejam considerados científicos. Mas isto são conceitos científicos? O único argumento que o senhor oferece é a crença em Deus e as mulheres são julgadas com base na crença que ele tem numa entidade divina qualquer? Desde quando Deus é um argumento científico numa discussão qualquer? 

O que me parece muito grave neste caso, para além de ficarmos a saber que a Faculdade de Direito de Lisboa, que assumíamos ter dignidade e prestígio ser governada por homens que detestam mulheres e acham normal divulgar textos que denotam um machismo primário ao nível do Trump, ou pior, é os próprios pensarem que este tipo de textos têm, 'densidade cultural' e qualidade científica suficiente para serem publicados numa revista de 'Ciências Jurídicas' com um coordenador 'científico'. 

Não admira o descrédito em que andam as ciências humanas e sociais, se os indivíduos que deviam cuidar da qualidade do conhecimento são os primeiros a dar podium a pessoas e textos de crendice popular. A quantidade de vezes que já discuti com pessoas que dizem que as 'ciências humanas e sociais são só conversa de cultura geral sem objectividade ou operacionalidade' e que argumentei a favor da seriedade e objectividade do trabalho das ciências humanas e depois ficamos a saber que os decanos da faculdade são os primeiros a minar o seu próprio campo de estudo dando voz a parolos beatos sem cabeça. 

António Menezes Cordeiro, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e diretor da revista onde o artigo foi publicado diz que este é um "texto assinado que responsabiliza apenas o seu autor" [não senhor, foi aceite numa publicação da faculdade que se arroga científica, logo quem o aceitou é responsável] e que esta é uma "revista científica de circulação estrita", com critérios definidos para a publicação de textos: " têm que ter nível científico, devem ser autênticos, originais, e ter determinada apresentação gráfica". Exigências que já levaram à recusa de "vários textos".

"Ninguém levou a sério aquela conversa, o texto tinha uma certa densidade cultural, foi interpretado como uma crítica de tipo literário a algum extremismo no setor do feminismo"

"Ninguém levou a sério aquela conversa". Isto é, o homem é um tonto que ninguém leva a sério mas os seus textos, abaixo de qualquer critério mínimo de cientificidade e reveladores de uma mente beata, sem um mínimo de objectividade, são publicados numa revista pretensamente 'científica'. 
Se calhar ainda é aconselhada aos alunos que mesmo confusos, com o nível brejeiro e carroceiro da linguagem do senhor em causa, ficam na dúvida, dado que o texto vem legitimado pelo professor catedrático que o aceitou e pôs em divulgação, mesmo que restrita.

Se o director da revista aceita este texto por ter valor e diz que já recusou outros nem quero pensar o que seriam os outros.

E se este é o nível da mentalidade dos professores que orientam os destinos da faculdade, estamos tramados em termos de futuros advogados e juízes.
"Os decanos da faculdade queixam-se que o pedido de demissão do coordenador científico por parte do ex-director é ofensivo para o grupo das 'ciências jurídicas'. Estes decanos argumentam que o "debate de ideias, quando oportuno, deve processar-se com elevação universitária..."
Porque o senhor Aguilar é mestre em 'elevação universitária'...

Nunca pensei que o nível da faculdade estivesse neste patamar. Isto é o resultado do primismo de que sofrem as nossas universidades? Metem lá os primos, amigos e amantes, em vez de seleccionarem pessoas com nível intelectual e cultural. A decadência das universidades, sobretudo as de ciências sociais e humanas, vai de vento em popa.

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Jorge Duarte Pinheiro, docente e antigo diretor da Faculdade de Direito (em 2014/2015), diz ao DN que o tipo de pensamento expresso neste texto "não é um caso isolado" na instituição. "Há aqui uma escola", embora habitualmente seja "mais subtil", diz ao DN, questionando que "magistrados e advogados vamos ter" com este tipo de formação, para mais numa universidade pública prestigiada. Duarte Pinheiro ressalva que "não se pode tomar a parte pelo todo, nem a maioria dos alunos, nem a maioria dos professores tem esta forma de pensar", mas diz que "quem tem o poder material" na Faculdade de Direito"tem um pensamento anacrónico".

Jorge Duarte Pinheiro adianta que já pediu a demissão do decano coordenador científico do Grupo de Ciências Jurídicas e diretor da revista - António Menezes Cordeiro - e voltou a insistir no pedido. "Normalmente sou ignorado", acrescenta.

A posição deste professor abriu, entretanto, um novo foco de controvérsia na Faculdade, com o grupo de decanos (os professores mais antigos da Faculdade) a emitir um comunicado em que referem que Jorge Duarte Pinheiro emitiu "dentro e fora da Faculdade de Direito de Lisboa uma série de afirmações gratuitamente ofensivas em relação ao Decano da Escola e do Grupo de Ciências Jurídicas".

"Os problemas internos da Faculdade resolvem-se nos seus órgãos próprios, democraticamente eleitos", refere o comunicado, acrescentando que o "debate de ideias, quando oportuno, deve processar-se com elevação universitária e nunca na base da intriga, da injúria ou da difamação".

September 27, 2020

Esta frase encerra toda uma política



Este ano, dado os exames terem sido feitos à balda por causa do Covid-19, entraram dezenas de milhar de alunos para o ensino superior. O ministro sabe disso, tanto que vem a terreiro dizer que é preciso ter menos abandono, ou seja, ele sabe que estas entradas são fictícias e que o mais certo é os alunos não passarem do 1º ano. Então vem avisar os professores que não quer 'abandonos', ou seja, não quer chumbos, porque dificilmente terão outra oportunidade de relaxamento como esta para enfiarem um canudo na mão de milhares de jovens. 

Esta frase encerra toda uma política: as universidades servem, ou para dar certificados ou para se construir uma rede de 'ligações perigosas' com vista à Dona Cunha. As universidades, pese embora sempre tenham tido redes de cunhas, eram, acima de tudo, instituições onde se avançava no conhecimento. Agora são uma espécie de fronteiras onde se carimba um passaporte.

Não admira que nas escolas já comecem a substituir o trabalho sério sobre o conhecimento por disciplinas de catequese embuçada. De facto, se é tudo um embuste, para quê ter professores que trabalhem os assuntos no contexto dos conhecimentos se podemos ter um único mestre-escola a proselitar sobre tudo e mais um par de botas?


“Hoje temos mais estudantes, no próximo ano temos que ter menos abandono”

O Governo estima que cerca de 95 mil estudantes entrem no ensino superior este ano, conjugando todas as vias de acesso, tanto no ensino público como no privado. É “uma oportunidade única” para qualificar os mais jovens, defende o ministro Manuel Heitor.


September 13, 2020

No geral estou de acordo com esta posição

 


Uma espécie de disclaimer: não me dá prazer nenhum criticar este SE, muito antes pelo contrário e, durante muito tempo, tentei evitar criticá-lo, pela razão de que conheço a mãe dele, que foi professora na minha escola. Está reformada há muitos anos. Uma pessoa por quem tenho muita consideração, respeito e amizade. Não somos amigas íntimas mas temas uma relação de amizade que muito prezo. A pessoa em questão, que foi por diversas vezes presidente do conselho directivo da minha escola, era muito respeitada, em grande parte porque não tinha amigos especiais que usava para perseguir outros colegas, respeitava toda a gente, tentava ajudar em vez de humilhar, como agora é costume e não era uma pessoa sectária. Não quero ofendê-la, o que calculo acontece, porque também tenho um filho e não gostava nada de vê-lo ser fortemente criticado, nomeadamente por pessoas amigas, de modo que, não me dá nenhum prazer criticar o SE e compreendo muito bem que ela esteja chateada comigo. A questão é que se passam coisas demasiado graves na educação e nas escolas para uma pessoa se calar, porque calar é ser conivente.





September 08, 2020

À atenção do senhor Costa

 


Nós somos um dos países que contribuímos para o florescimento intelectual de outros países em virtude da má governação: salários baixos, oportunidades nenhumas, desprezo pela educação e pela situação dos outros que não são banqueiros ou amigos políticos. Estão a condenar o país aos poucos e poucos.


Higher education in the UK is morally bankrupt. I’m taking my family and my research millions, and I’m off


After 25 years I feel Britain has broken my trust. I’m one of many academics who now see their future in Europe

Why am I am going back to the country of my birth? England no longer feels like home. Instead, since the Brexit vote of 2016, I have felt like a “leaver” in a waiting hall. Now I am going, and the emotional cost will take a long time to come to terms with.

I was from Germany, but I no longer feel I am from there. My seven-year-old son was born in England. His first language is English – he is English through and through. 

The problem cannot be fixed unless politicians and university leaders recognise that the commodification and commercialisation of knowledge is fundamentally flawed. Knowledge needs to be free.

Young people are told they are “consumers” in a shop where they can choose what and when to learn. They can expect a “service”. Some have taken their university to court if their course did not “deliver” promised results. This is no longer a viable, decent learning environment in which students from all walks of life and cultures are supported to achieve their potential. This is not a place in which the next generation of citizens can flourish. The rise in the number of students suffering from mental health issue speaks volumes. A student suicide is “managed” by the media department for fear of bad publicity. What matters are “bums on seat” to keep the ship afloat.

Britain’s cherished higher education sector, once the envy of the world, is on the brink of collapse. The humanities were world leading – and still are in many areas. Scholars in English literature, creative writing, the arts, languages, history and philosophy were acclaimed across the globe. But now the sector as a whole is bankrupt, not just financially, but morally. It has lost its integrity and seems unwilling to engage in critical reflection about the causes of this unprecedented malaise.

Likewise, research is taking a massive hit in post-Brexit, post-pandemic Britain. There is good evidence that the exodus of more than 10,000 scholars from Britain’s universities since the referendum continues unabated. Scotland has lost almost 2,500 academics. Countries such as Germany are beneficiaries of this mass migration of intellectual talent. Scholars and their families are voting with their feet. Britain is experiencing a significant “brain drain”. Life is too short to wait until the country has come to its senses is what most Europeans – and many British academics – think.

Berlin, Hamburg, Copenhagen, Frankfurt, Munich, Paris, Amsterdam, Vienna and all the other major European cities have not been idle. They know this is a historic opportunity to attract some of the best minds in the world. 

...

Prof Ulf Schmidt was director of the Centre for the History of Medicine, Ethics and Medical Humanities at the University of Kent. This month he becomes professor of modern history at Hamburg University.


September 07, 2020

Ainda sobre a disciplina de cidadania

 


Este advogado estranha a mudança de posição do CT porque está por fora daquilo em que as escolas se transformaram a partir da gestão imposta pela Rodrigues. Alguém da tutela manda o director forçar à obediência e este tem muiiitas maneiras de forçar os CT. 

Como li alguém outro dia, 'hoje em dia o autoritarismo já não passa por obrigar todas as teses a terem, como na URSS, pelo menos uma citação de Lenine para serem aprovadas, mas passa por matar a carreira das pessoas com posições dissidentes. Dão-lhes cabo da vida: maus horários, excesso de trabalho, obstáculos e sabotagens do trabalho, indisponibilidade para resolver qualquer problema... enfim, fazem-lhes a vida num inferno...  nomeadamente quando falamos de pessoas de má índole que mandam chumbar alunos por vingança. Sim, porque não há outra razão para que uma pessoa que faz legislação e pressiona para que passem todos, mesmo com 1000 faltas se for preciso e sem saber ler nem escrever, obrigue a chumbar alunos de elevado desempenho não só académico como comportamental. Não estamos a falar de alunos com mau comportamento.


O defensor, João Pacheco Amorim, estranha também que o mesmo Conselho de Turma — “órgão colegial, que não obedece a ordens de uma escala hierárquica” — “tenha decidido passar os alunos no ano letivo de 2018/2019, porque acharam que aqueles dois estudantes tinham todas as competências, e este ano, de uma forma limpinha, decidiu reprová-los, por faltas”. 


Se o SE queria chatear alguém, chateasse os pais, não os miúdos. O que devia ter acontecido era a escola tentar um compromisso com os pais; não sendo capaz, reportar o caso ao ME e o ME tentar um compromisso com os pais ou ter tomado uma iniciativa legal contra os pais, em último caso, mas não contra os miúdos... são miúdos, filhos adolescentes a obedecer aos pais. E sem faltas de respeito a professores.

Isto é muito-anti-pedagógico. E um grande exemplo de incompetência e autoritarismo.

A cidadania é uma atitude de respeito pela lei, mas também pela discordância da lei. É uma atitude de respeito pelos outros que não têm as nossas opiniões - não é considerá-los nojentos, abjectos e outros adjectivos que vejo pessoas supostamente educadas usarem para se referir a quem não partilha dos seus valores. 
Não o fazer, quer dizer, não educar para o respeito, é educar para a intransigência e maniqueísmo. 
A cidadania não pode ser só ensinar a respeitar as pessoas que querem ter dois sexos, ou que são gays ou que defendem uma legislação que proteja os direitos da comunidade LGBT, também tem que ser,  ensinar a respeitar os que não concordam com essa legislação.

E a disciplina de cidadania, bem como os que a defendem sem saberem que não há razão nenhuma para falar desses assuntos numa disciplina à parte, a não ser o SE querer pôr no seu currículo profissional que tem uma disciplina inovadora, o que é falso, não é inovadora, não fomenta o espírito crítico, não fomenta o respeito por todos os cidadãos nem pela diversidade de valores. Fomenta o respeito por certas posições nestas questões que são as que causam polémica nesta discussão.

Um exemplo: todos os anos, quando trabalho o tema dos valores (onde se fala no relativismo dos valores, no objectivismo e subjectivismo axiológicos, na influência da cultura, etc., etc) ponho os miúdos a argumentar um tema dos valores. Quando chega a essa altura já eles sabem que as questões dos valores são muito polémicas e dão azo a discussões intermináveis, porque não há uma resposta de certo ou errado. Não estamos no domínio das questões de facto (e até nesse domínio é complicado). As posições estão assentes em pressupostos valorativos ideológicos ou religiosas ou filosóficos que enformam toda a visão da pessoa nessa questão. Também falamos na revisão racional dos valores, nomeadamente através da discussão racional, argumentativa. 

Embora sugira temas para discutir, deixo-os escolher um tema que os interesse porque a discussão obriga a muito trabalho, muita pesquisa, construção de um corpo de argumentos fundamentados em factos, gráficos, testemunhos, etc. Muitos ligam para as associações LGBT, falam com pessoal da saúde...  enfim, é sério, não fazemos aquelas mediocridades da TV. 

Escolherem temas relacionados com os direitos da comunidade LGBT é muito comum. Um ano, isto já há muito tempo, um colega tinha uma turma comigo disse-me, num intervalo, 'os alunos estão num grande alvoroço por irem apresentar um trabalho a Filosofia. A não-sei-quantas disse-me que o grupo dela vai apresentar um trabalho a defender a legitimidade da adopção de crianças por casais homossexuais.' Eu esclareci: não é bem uma apresentação - o grupo dela vai argumentar com outro grupo que tem a posição oposta de defender a não-legitmidade da adopção de crianças por casais homossexuais. Ele ficou a olhar para mim muito sério. 'Como assim? És contra?' Disse-lhe que não, sou a favor. Pergunta ele, 'mas vai deixar que argumentem contra?' Sim, eu dou uma disciplina de Filosofia e eles estão a fazer o trabalho no âmbito dos valores e o meu objectivo é que percebem a legitimidade de se ter uma posição diferente da sua e que aprendam a respeitar as pessoas que defendem posições diferentes em vez de as rotularem e querem obrigar. Se querem mudar as opiniões dos outros têm de o fazer racionalmente, argumentando. 

Isto tudo para dizer que: a educação ou se faz a sério ou é melhor não fazer. Isso de criar umas aulas para os alunos ter uns pózinhos disto e daquilo (a educação, mesmo a universitária qualquer dia é um almanaque de assuntos que se discutiram como quem discute na TV) em vez de deixar que tratem os assuntos nas aulas respectivas, o que já fazem, não só não serve para nada como pode servir para conflitos, faltas de respeito e evangelizações que acabam com os mais altos funcionários do Estado e seus acólitos a chamar nomes uns aos outros no maior exemplo de deficiente noção de cidadania.
Melhor seria que a escola fomentasse os valores do respeito e da democracia em vez de fazer estes teatrinhos.

August 29, 2020

Questões antecipadas sobre o regresso à escola

 


Vejo 30 alunos dentro de uma sala de aula com intervalos de 5 minutos entre cada aula e sem autorização para saírem e irem arejar e socializar como é costume e saudável. 

1º - vão todos pedir para ir à casa de banho no intervalo. Logo, os intervalos vão fazer-se na mesma mas nas casas de banho. É evidente que não vamos obrigá-los a ir um de cada vez e espaçadamente à casa de banho pois se o fizéssemos a aula seguinte (imaginemos uma escola com 1000 alunos e 6 casas de banho, 3 para as raparigas, 3 para rapazes) começava dali a duas horas.

2º - os adolescentes, pelo menos na idade em que os apanho, que vai dos 14/15 aos 19/20 anos comem que nem mulas: a cada intervalo engolem baguetes, batatas fritas, sumos e por aí fora. Ora, se não podem sair da sala nos intervalos, como vão comer? Ou vão passar fome? Ou deixamos-los sair para ir ao bar à molhada? Centenas de alunos concentrados? A minha escola tem 1500 alunos. Ou têm que trazer comida de casa e comem na sala de aula, no intervalo? Deixa ver: tiram todos as máscaras na sala onde estão há horas meio fechados (as janelas abertas, se as houver, porque há salas sem janelas em muitas escolas, não fazem circular o ar convenientemente numa sala cheia de alunos) a respirar e tossir para o mesmo ar e comem ali mesmo, uns em cima (e para cima) dos outros? 

3º Se não se deve usar uma máscara mais de 4 horas seguidas, e isto se não se tiver uma actividade que faça suar e encharcar a máscara, como é o caso de falar e estar fechado em salas sem ar condicionado a suar (na minha escola, até Novembro uma pessoa sua em bica dentro das salas) o que fazem os alunos ao fim dessas horas dentro de uma sala onde vão estar fechados mais duas? E as mesas onde puseram as mochilas e os cadernos e assentam as mãos, etc. são as mesmas onde vão pousar a comida? Ou as sala de aulas têm cada uma, desinfectante? E vêm pessoas desinfectar? Ou os alunos são prisioneiros que nos intervalos desinfectam as salas e não têm tempo, nem para comer, nem para arejar, nem nada? Se for assim ao fim de um mês estão todos a precisar de psiquiatra. E quem fica a vigiá-los no intervalo? Os professores? Também não têm intervalo, não podem ir à casa de banho, descansar, comer qualquer coisa? Professores incluídos no psiquiatra...


Já no primeiro dia de Setembro começam os exames da 2ª fase e os professores, em vez de estarem a preparar o ano lectivo, andam a fazer vigilâncias, corrigir exames e toda essa canseira, no início de um ano lectivo pandémico muito complicado, onde até para os alunos comerem se põem problemas complicados, mas o ME prefere olhar para o lado e fingir que não há problemas. E para quê? 

Para que se fizeram os exames em Julho e agora outra vez? Todos sabemos que foram uma fantochada com as notas de 19 e 20 a subirem 50%... o ME, em vez de preparar um ano que se prevê muito complicado e motivar os professores, com condições e instruções claras e uma organização atempada baseada na previsão de problemas manda-os fazer exames, que sabe que não são feitos com rigor nenhum, como se fosse um imperativo numa situação destas e de resto mantêm-se em silêncio sobre todos os problemas que se antevêem.

Os directores que se responsabilizem e depois se houver problemas que se lixem...?

Estamos a 15 dias de começar o ano lectivo e ainda não sei se vou trabalhar, se me mandam pôr baixa... não dizem nada, fingem que nós, professores de grupos de risco, não existimos... esperamos que os responsáveis tomem decisões mas não tomam. Isto de nos desvalorizarem a meras unidades de custo, motiva imenso... o discurso não dito é: professores, estamo-nos nas tintas para vocês, mas vocês têm que dar a vida por nós.

Porque é que não se tomou a decisão de fazer um ano misto, dividindo as turmas e fazendo com que se revezassem nas escolas: uma semana metade da turma está na escola e a outra metade participa nas aulas online, em directo e na semana seguinte trocam? Isto podia ser feito a partir de certos anos de escolaridade e reduzia-se para metade o número de pessoas nas escolas e evitavam-se muitos problemas.

Ahh, o ME era para distribuir computadores aos alunos e a professores e o não o fez? Era para fazer baixar o custo da internet de banda larga a alunos e professores para preços do resto da Europa? 1€ ou 2€ por mês, por exemplo, como em França e outros países, mas não o fez? Porque não o fez e em vez disso manda que se empate o início do ano com exames de fantochada? 

Não sabem resolver os problemas [alguns problemas, nem os vêem, de tal modo são estranhos a muitos assuntos da educação e das escolas] e/ou não têm coragem para tomar decisões em favor da educação e nós todos é que pagamos esta incompetência.


August 27, 2020

Em Madrid reduziram o número de alunos por turma e o ano vai começar faseado

 


Madrid vai ter arranque faseado das aulas e menos alunos por turma

Os sindicatos tinham anunciado greves e feito uma lista de exigências: menos alunos por turma, mais professores e auxiliares, mais limpeza e recursos digitais. O governo da Comunidade de Madrid criticara a ameaça e prometera para breve apresentar o seu plano: fê-lo terça-feira e incluiu praticamente tudo o que preocupava professores e pais, que agora se queixam da falta de tempo até ao arranque do ano escolar (dez dias em muitos casos) e da pouca clareza de algumas medidas.


August 26, 2020

À atenção do senhor Costa

 


Agradeço que não me discrimine por ser doente oncológica com doença respiratória e não me obrigue a pôr baixa e perder uma parte do salário, pois as minhas despesas médicas não vão diminuir, nem ficar mais baratas.

Há escolas em outros países e universidades aqui que vão dividir as turmas em turnos. Podiam também reduzir-nos o horário, dividindo a turma em duas. Seria uma maneira de ter de contratar menos professores substitutos, por exemplo, bem como diminuir as possibilidades de se gerarem cadeias de transmissão porque melhorava significativamente as condições de segurança. 

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Professores de emergência

“Os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, (…) podem justificar a falta ao trabalho mediante declaração médica, desde que não possam desempenhar a sua atividade em regime de teletrabalho ou através de outras formas de prestação de atividade” (artigo 25.º-A, Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, aditamento ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março – medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença covid-19).

O Regime de Ensino Presencial, o mais desejado por todos, permite a normalização do quotidiano de pais e encarregados de Educação e promove o desvanecimento das desigualdades, potenciando a constante ascensão de uma das suas funções – de elevador social, que não correspondeu em pleno nos últimos meses, fruto dos constrangimentos provenientes do inesperado encerramento das escolas.

É dúbio, e por via disso deverá ser urgentemente esclarecido, que os docentes de risco, apesar de funcionários públicos, não estão abrangidos pelo regime especial de proteção, devem apresentar atestado médico e, consequentemente, sujeitarem-se à forte redução no seu vencimento, a partir do próximo mês.

Se a circunstância presente – que ultrapassa a área de competência do Ministério da Educação –, não for clarificada e corrigida, esta será entendida como um ataque a uma classe desejosa de valorização e dignificação merecidas.

Esta conjuntura leva-me a apresentar algumas interrogações que carecem de respostas céleres e significativas.

O tratamento discriminatório é injusto e penaliza profissionais da função pública, em detrimento de outros. Entendem-se os motivos desta diferenciação?

A sociedade civil (incluindo o poder político) rendeu louvores e atribuiu rasgados elogios, em relação à prestação do serviço educativo, pelos professores, desde 16 de março. Exaltam-se bons desempenhos e retribui-se deste modo?

De acordo com uma estrutura sindical de professores, 12 mil encontram-se com doenças de risco. O país terá igual número de docentes para operacionalizar as substituições? Poderá este suportar a duplicação de vencimentos?

Recorde-se que aquando da retoma das aulas presenciais (18 de maio), os docentes pertencentes ao grupo de risco tiveram falta justificada e o número de baixas médicas revelou-se residual. Este procedimento estava desacertado?

As aulas iniciar-se-ão em Regime de Ensino Presencial. Sendo possível, por razões pandémicas, ocorrerá a transição para o Regime de Ensino Misto e à Distância. Estes profissionais estão aptos para exercer funções apenas num regime?

Os professores “hipertensos, diabéticos, doentes cardiovasculares, portadores de doença respiratória crónica, doentes oncológicos e portadores de insuficiência renal” devem ter o direito de optar por exercer a sua profissão no habitual local de trabalho, ou em casa, como sucede com os demais funcionários públicos.

O caráter excecional e temporário influencia a tomada de decisões acertadas que sirvam os interesses coletivos. Não podemos vangloriar a performance dos professores em tempos de crise e penalizar a sua atividade laboral. Se a celeuma decorre da lei, então impõe-se que esta seja mudada, não originando interpretações ambíguas.

Entendo que o papel das instituições educativas do ensino não superior ficou fortalecido na sua essência, principalmente devido à ação dos professores. O respetivo empenho, empreendedorismo e o reconhecimento (por parte daqueles que ainda tinham dúvidas) do elevado grau de profissionalismo da classe docente fomentaram o aumento da união das comunidades, fortalecendo a aproximação dos diversos atores.

Faça-se justiça!

Filinto Lima

August 24, 2020

Toma lá 100 pregos e vai construir uma ponte, dizem-nos. Estas coisas desanimam logo

 


E porque é que desanimam? Porque revelam desconhecimento da situação (o que os faz tomarem decisões erradas) e expectativas irrealistas, da ordem do pensamento mágico. 

Das Orientações do ME para as escolas, destaco apenas três:



"Professores devem atender às necessidades de cada aluno" - um professor normal tem 5 a 7 turmas, o que soma de cerca de 150 o 210 alunos, mas mesmo que tenha, por exemplo, 4 turmas estamos a falar de cerca de 120 alunos. Como é possível, durante uma aula de 90 minutos conhecermos as necessidades de cada aluno? Mesmo que não avançássemos no programa e estivéssemos toda a aula a tentar perceber as necessidades de cada um, não tínhamos mais que 3 minutos com cada aluno. Mesmo que consigamos perceber, com testes de diagnóstico, as necessidades de cada um, não é possível, no espaço de duas aulas por semana, às vezes só uma, atender às necessidades de cada um, porque as necessidades dos alunos não são como as dos doentes: a pessoa tem uma doença, o médico diagnostica, passa um medicamento, ou faz um tratamento e fica curada. 

O ensino é mais como as sessões de psicanálise: levam muito tempo a processar e resolver porque é necessário reconstruir recursos básicos que estão enterrados debaixo de outros que os remediaram mal, é necessário que o aluno colabore na rectificação dos seus problemas e isso obriga a que os reconheça. Tudo isto requer investimento e tempo.

Por exemplo (um exemplo banal), o aluno não sabe estudar,  não tem métodos de estudo, não tem autonomia, nunca fez um plano de trabalho, muito menos de estudo; nunca leu um livro em toda a vida, excepto os que teve que ler na aula, não sabe exprimir-se, nem por escrito, nem oralmente, faltam-lhe os conceitos/vocabulário (porque não lê) logo, não compreende as ideias mais básicas; não tem auto-disciplina; não tem critérios de rigor e é auto-indulgente; não sabe responder a uma questão que não seja de reprodução directa; não sabe fazer uma pesquisa, nem na mediateca nem na internet; desiste ao primeiro obstáculo porque lhe faltam os recursos mentais e psicológicos ; não sabe organizar duas ou três ideias numa resposta coerente; tem falhas básicas na construção de juízos lógicos; não tem uma atitude de aprendizagem; está habituado a trabalhar transcrevendo ou copiando. Isto é o banal, no 10º ano. 

Como é que é possível alguém esperar que o professor possa corrigir todas estas necessidades/problemas, muitas delas a depender da própria atitude dos pais relativamente à educação dos filhos também se modificar, em 3 minutos uma ou duas vezes por semana, que é o que temos dado que as turmas estão a 28 ou 30 alunos. 3 minutos! 

Como é que podemos ter respeito por pessoas que nos dizem, 'toma lá 100 pregos e vai construir uma ponte'?

Em turmas de 28 ou 30 alunos, só ao fim de dois ou três meses é que sabemos os nomes deles todos e as caras, tendo 6 ou 7 turmas ou mesmo 5 ou 4; e, mesmo assim, é porque temos todos estratégias para eles não perceberem que não sabemos os nomes e as caras deles. E isto é em tempos normais e não de pandemia...

Quando as turmas têm 16, 18 alunos, por exemplo, nós conhecemos os alunos muito mais rapidamente. 
Há menos dispersão dentro da sala, geralmente é um grupo mais coeso, os alunos têm mais facilidade, menos acanhamento em participar sem serem chamados o que ajuda muito a perceber a situação de aprendizagem em que estão. Fazemos muitas paragens, porque há tempo, discutimos os assuntos, corrige-se e reforma-se o discurso oral no próprio momento, fazemos trabalhos que são acompanhados e corrigidos ali mesmo, porque há tempo para ir a 8 mesas numa aula. Enfim, é um mundo de possibilidades que com turmas de 30 alunos e horários de 7 turmas ou mesmo 6 ou 5 tornam impossível e só um cego ou alguém que esteja completamente a zero do que é ensinar crianças e adolescentes é que não percebe isto.

Aqui a seguir lemos que deve dar-se constante feedback aos alunos. Completamente de acordo. A questão é: para dar feedback constante é preciso avaliar constantemente, o que não é possível, dadas as condições acima descritas. Nem que trabalhássemos 24 horas por dia conseguíamos estar constantemente a construir avaliações para corrigir e dar feedback a 150 alunos ou 200 a não ser que se faça tudo à balda. Hoje em dia há escolas que vão ao ponto psicótico de obrigarem os professores a introduzir em plataformas todas as avaliações que fizerem a todos os alunos, ponto por ponto e com justificação de todos os pontos e os professores, muitos com 200 alunos, não fazem mais nada senão essas porcarias de loucos! 



Finalmente leio que, mesmo com a presença dos alunos, deve privilegiar-se trabalho com plataformas digitais com vista a uma progressiva autonomia dos alunos. A autonomia não tem que ver com plataformas digitais. Um aluno pode ser muito expedito a usar o zoom e a responder a questionários online e não ter nenhuma autonomia de trabalho. A autonomia de trabalho não deriva do uso de plataformas digitais. Aliás, usar as plataformas digitais é uma coisa que eles aprendem num ápice; ser autónomo requer uma aprendizagem continuada e sustentada no tempo. 

Estas instruções do género, 'toma lá 100 pregos e vai construir uma ponte', desmoralizam. 


E já agora, senhor ME: mande pagar o que me devem, sff!