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April 17, 2024

Falta de professores: a hemorragia é tão grande que agora não há pensos rápidos que funcionem

 

Ninguém espera um plano que consiga resolver bem a situação porque deixaram que ela regredisse aos anos 80 do século passado, quando não havia professores para tantos alunos e qualquer um, ainda a acabar o secundário, ia ensinar para ganhar uns trocos. É assim que estamos. Há professores que desde o início do ano já vão no 3º horário. Tinham um em Setembro que a certa altura foi aumentado com horas extra e passado um tempo foi de novo alterado com mais horas extra. Isto acontece porque à medida que vão chegando as autorizações de reforma que foram pedidas, os professores desaparecem das escolas de um dia para o outro. E a tendência é para piorar porque os professores que estão perto da reforma são dezenas de milhar. Não se renovou o pessoal, para poupar dinheiro. A educação tem servido para poupar dinheiro.


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O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, anunciou esta terça-feira que o Governo vai apresentar "em breve" um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores, uma situação que classificou de "gravíssima".

Em declarações aos jornalistas em Barcelos, distrito de Braga, à margem da tomada de posse de Maria José Fernandes como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Fernando Alexandre sublinhou que em meados de março ainda havia 1.172 alunos que tinham pelo menos uma disciplina sem professor desde o início do ano letivo.

April 15, 2024

Há EE muito mal educados

 

Uma colega nova que está lá na escola, uma rapariga que ainda não tem trinta anos, mas que leva o trabalho a sério, é dedicada aos alunos e quer muito fazer as coisas bem, hoje contou-me que na última reunião de pais, vários disseram-lhe que é uma miúda, que ainda usa fraldas (usaram esta expressão), que não tem idade para lhes dizer coisa alguma dos filhos e outras coisas do género. Bem, ofenderam a professora de tal maneira e com tal agressividade que ela chamou uma pessoa da direcção porque não se sentiu segura. Sabotaram a reunião da professora que mais está em posição de poder ajudar os filhos. Se os pais tivessem cabeça, apoiavam os professores que são quem apoia os filhos...

Acho estes pais mesmo pessoas estúpidas. Não há professores, os que há trabalham que se fartam, as turmas, mesmo quando são de pessoas impecáveis e se trabalha bem com elas, cansam brutalmente, porque é preciso uma enorme carga de energia para acompanhar a energia dos adolescentes e estar ali 1 hora e meia com a máxima concentração a fazer 30 coisas ao mesmo tempo, no meio de se trabalham os temas e se mantém os alunos em situação pedagógica e em ordem, porque sem respeito não se faz nada, mas estes pais vão à escola e falam aos professores duma maneira que não ajuda em nada os filhos. Mal educados, ignorantes, boçais na maneira de falar.

Uma professora nova e com pouca experiência como ela, fica já de pé atrás em voltar a ser diretora de turma. Ninguém nos paga estas ofensas diárias de encarregados de educação que sabotam os próprios filhos. Não percebo: será que acham que hostilizar as únicas pessoas que ajudam os filhos, para além das famílias, beneficia os miúdos?

No pouco tempo em que fiz parte de outro blog, havia indivíduos que me falavam duma maneira tão grosseira e vulgar e hostilizavam por sistema pela simples razão de ser professora, como se isso fosse um demérito. Chamaram-me arrogante, atrasada, retrógrada, anormal, monte de esterco, insinuaram que me vendo às editoras, mandaram-me aprender a escrever... Um dia escrevi uma cena sobre os perigos do abuso dos telemóveis na aprendizagem e nos comportamentos na escola. Chamaram-me tudo. Pessoas ignorantes que percebem zero de educação escolar e estão por fora de todos os assuntos da educação escolar e que têm opiniões cliché tiradas das redes sociais - mas que detestam professores, calculo que pela mesma razão que PPC e JMT: por ser uma profissão de mulheres. São machistas. Essas pessoas com essa mentalidade e linguagem são quem vai para as escolas sabotar os professores e prejudicar os filhos só para terem a satisfação de falarem mal e serem ordinários com mulheres. São o mesmo tipo de pessoas que vão para os jornais fazer comentários ordinários.

O maior problema das crianças e adolescentes são os pais que têm.

Já no ano passado estava lá um professor novo, muito bom, o tipo de pessoa que se vê que há-de vir a ser um excelente professor (se o ME e os pais não derem cabo dele) que passou um inferno com umas mães de uma DT. Um inferno. Todas as semanas iam lá infernizar a vida dele. Os emails que lhe mandavam... Era a primeira vez que era DT e disse-me que nunca mais queria voltar a ser DT, que os pais são completamente cegos em relação aos filhos. É claro que ele dizia estas coisas porque estava farto e já não suportava aqueles pais. Em situações destas, a certa altura qualquer professor perde completamente a vontade de ir trabalhar com essa turma. Vai para lá sempre a pensar em tudo o que diz na perspectiva de poder ser mal interpretado e de os pais ainda lhe inventarem mais chatices. Há pais que estragam a aprendizagem de uma turma inteira e estragam professores, achando que são muito espertos.

Hoje-em-dia os pais formam grupos no WhatsApp só para dizerem mal dos professores nos termos mais ordinários possíveis. Deixam que os filhos tenham acesso àquelas conversas e chamam tudo aos professores. Quando conhecemos certos pais percebemos os comportamentos dos filhos.

Há pais que estragam professores. Não é coisa de gente sem cabeça? Nos dias que correm é preciso ter experiência, costas largas, nenhum medo de intimidação, muita resiliência e uma direcção na escola que apoie os professores, para se aguentar as DT. Têm que se impor limites. E ter muito cuidado com certas coisas. Muito cuidado, porque há pessoas muito mal formadas e não podemos contar com o apoio do empregador que é o ME. Está sempre contra os professores.

Estes pais são uma minoria mas se não temos cuidado arrastam outros atrás e fazem muita mossa. Eu, como já ando nisto há muitos anos e sou DT há dezenas de anos e de há muito tempo para cá até tenho sempre 2 DTs, tenho estratégias para lidar com os pais no 10º ano, que é quando os conheço pela primeira vez e minimizar as situações e oportunidades de serem mal educados mas, vou sempre mentalmente preparada para ter que lidar com gente mal educada, que vai para ali exigir que os professores façam o que não quiseram nem querem fazer. 

Uma grande maioria de pais já não educa, só quer ter tempos agradáveis com os filhos e vão gritar com os professores porque não souberam educar os filhos, cultivar-lhes o gosto pela aprendizagem, impor-lhes limites, etc. 

Em Inglaterra e nos EUA, de há uma dezena de anos para cá, estes professores novos que vêm para as escolas cheios de entusiasmo vão-se embora ao fim de cinco anos. É o número de anos, em média, que aguentam estas situações. Os jovens já não são como no meu tempo que aguentavam certas situações e perseveravam. Não. Vão-se embora e arranjam outro emprego que os trate bem. É o que vai acontecer aqui. E fazem eles bem, porque esta profissão, como está, já não se recomenda a ninguém.

É revoltante porque vemos esses professores novos cheios de entusiasmo e interesse pelos alunos e depois meia dúzia de pais infernizam-lhes a vida. Desmotivam-nos sem razão nenhuma. Isto deve-se muito à desvalorização da profissão e ao modo como os ministros e a nossa pseudo-elite tratam os professores e, dessa maneira, incentivam os pais a tratar mal os professores. Alguns aconselharam os pais a fazer queixas e denúncias anónimas e tudo. Tenho um desprezo tão grande pelos governantes que ocuparam a pasta e estragaram, desvalorizaram, destruíram... 

Tenho lido muito artigos, ultimamente, sobre as prioridades para o país. Nem um único refere a educação, mesmo sabendo que milhares de alunos não têm professor e para o ano ainda será pior e assim sucessivamente. Falam em devolver o tempo trabalhado há mais de 15 anos, em 5 anos. A minha sugestão é que o façam em 30 anos para garantir que não têm de gastar um só tostão com um único professor. E depois, já agora, sugiro ao ministro e SEs que aconselhem os pais a ir às escolas acabar com os professores (na sexta passada uma mãe foi à escola ameaçar uma professora porque não gostou da correcção de um teste da filha). 

Quando não houver nenhum professor ou tiverem de contratar delinquentes à altura de certos encarregados de educação, o país vai poupar um dinheirão na educação. É assim que vamos tirar o mais da pobreza. Continuem que vão de vento em popa.


April 12, 2024

Este ministro da educação é mais do mesmo?

 


Andamos há 15 anos nisto e agora vêm dizer que são mais cinco? "Venham mais cinco" e depois outros cinco até estarmos todos reformados ou mortos. Como a carreira contributiva é contada na totalidade para as reformas, recuperar o tempo daqui a 5 anos, depois dos professores terem sido roubados do seu tempo efectivamente prestado e deixados 15 anos em escalões de ganhar miseravelmente, é "gozar com quem trabalha" como diz o cómico. Portanto, se é esta a proposta deste ministro, por mim pode ir pastar.

Quanto a acabar com o 2º ciclo, gostava que dissessem o que vão fazer a esses dois anos? Vão recuperar a ideia do incompetente anterior de deixar dos alunos 6 anos na escola primária para não terem que resolver o problema da falta de professores?

Salário de início de carreira será revisto? Cá por mim ponham-no igual aos dos que estão agora no fim dela, roubados de anos e anos de tempo trabalhado, que é uma maneira de os motivar...

E de educação não ouço falar. Este ministro da educação é mais do mesmo?


Professores recuperam tempo de serviço em cinco anos 

Salário no início de carreira também será revisto. Governo acaba com o 2.º ciclo.

April 08, 2024

Infográfico deste dia - os professores (que leccionam) tomam cerca de 1500 decisões e fazem 252 juízos de valor, por dia



De acordo com os dados recolhidos pelo site busyteacher.org, o professor médio (que lecciona) toma mais de 1500 decisões e faz 252 juízos de valor por dia. A tomada de decisões dos professores rivaliza com a de um controlador de tráfego aéreo. 

Este número pode ser surpreendente para algumas pessoas, mas presumo que os professores se limitarão a acenar com a cabeça em concordância com este número. Os resultados não são difíceis de acreditar quando se tem em consideração que se espera que os professores sejam um sistema de apoio para, por vezes, centenas de alunos, um gestor de uma sala de aula, um educador, um criador de conteúdos, um ouvinte, um modelo ético, um árbitro, um praticante de justiça e muito mais. Os professores são responsáveis por maximizar os resultados dos alunos em avaliações padronizadas. 



Há as perguntas pelas quais são responsáveis: "Não trouxe o meu caderno com os meus apontamentos. Posso pedir um emprestado?" "Posso ter mais um dia para terminar o trabalho?" "Posso enviar-te trabalho de DT por email mais tarde?" "Podes telefonar aos pais de fulano?" "Podes assistir à minha aula?" "Podes trabalhar no jogo de basquetebol?" "Podes substituir-me na reunião?" "Podes fazer isto, classificar aquilo, ajudar com isto, preencher esta grelha, acabar aquilo?" 

Ainda mais assustadoras são as perguntas internas: "Devo perguntar-lhe se está bem? Espero que não se esteja a passar nada em casa". "Devo ajudá-lo mais ou deixá-lo aprender com os seus erros?" "Devo acabar de classificar os trabalhos da semana passada durante o meu período de planeamento ou fazer cópias? Terei tempo para as duas coisas?" "Devo rever mais ou avançar no tema?" "Devo deixá-los entrar a comer na aula?" "Devo mandar aquele aluno tímido ao quadro?" "Devo aprofundar este tema ou é demasiado difícil para alguns?" "Quem é que trabalha melhor em conjunto para determinadas tarefas?" "Quem é que eu preciso de manter afastado?"  "Qual é o meu plano A, qual é o meu plano B, qual é o meu plano C?" Etc., etc., etc. multiplicado por dezenas e dezenas de situações, umas antecipadas (implicaram juízos antecipados e decisões prévias) e muitas outras inesperadas a ter que decidir-se no momento: as questões de indisciplina, de re-arranjo do plano de aula durante a própria aula devido a situações que surgem - nenhum plano sobrevive intacto ao contacto com a realidade das crianças e os adolescentes em aprendizagem de grupo, etc.

As decisões são intermináveis; as escolhas são implacáveis.

Além disso, quando lidam com alunos de diferentes origens raciais, culturais e económicas, os professores têm de pensar cuidadosamente se os seus próprios preconceitos inconscientes estão a influenciar algumas das decisões que tomam em fracções de segundo sobre questões como a disciplina, as notas ou mesmo quem chamar para responder a uma pergunta durante uma discussão na sala de aula.

"Tomamos decisões como educadores da mesma forma que tomamos decisões como pessoas em geral", disse Paula White, directora da Educators for Excellence. Mas esses preconceitos podem conduzir a grandes problemas de tomada de decisões, desde um professor que tem mais probabilidades de convidar as raparigas do que os rapazes a participarem nas discussões da turma (ou vice-versa) até um professor que tem tendência para disciplinar os alunos de uma cultura, género ou cor mais severamente do que os seus colegas.

Alguns professores também se preocupam com o facto de as suas próprias decisões se tornarem um pouco mais nebulosas ou menos disciplinadas no final do dia lectivo, o que pode levar a diferenças na qualidade do ensino que os alunos recebem à tarde em relação aos da manhã.

Neema Avashia, que ensina estudos étnicos nas Escolas Públicas de Boston, observou que estudos demonstraram que as comissões de liberdade condicional e os jurados são susceptíveis de tomar decisões menos acertadas ao fim do dia, quando estão a lutar contra o cansaço.

Em suma, tomamos decisões não só para nós, mas também para todos os jovens que nos rodeiam. Carregamos o peso dessas decisões. Stressamos com essas decisões depois de terem sido tomadas. O nosso cérebro assemelha-se constantemente aos nossos navegadores de Internet com demasiados separadores abertos. As nossas mentes assemelham-se aos nossos pratos demasiado cheios quando tentamos fazer uma lista de tarefas diárias e, ao mesmo tempo, reagir às adversidades a um ritmo alucinante.

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O que é a fadiga de decisão?


A Edutopia define a fadiga de decisão como "uma situação em que o cérebro está tão exausto e sobrecarregado com decisões que procura atalhos ou deixa de funcionar completamente".
O ensino é, por natureza, uma profissão multifacetada. Quando se está a ensinar, está-se a avaliar, a monitorizar, a orientar, a treinar, a disciplinar, a cuidar e muito mais. Todas estas funções exigem decisões ao segundo - não é de admirar que os professores estejam exaustos.

Então, como é que podemos saber se as nossas capacidades de tomada de decisão atingiram esse limiar? Aqui estão quatro sinais comuns de fadiga de decisão:

- Evitar decisões
- Tomada de decisões impulsivas
- Insatisfação com as escolhas feitas
- Indecisão

O cansaço das decisões afecta a nossa saúde mental e pode fazer com que nos sintamos esgotados. De acordo com a WGU, existem três efeitos principais da fadiga de decisão:

- Reduz a nossa capacidade de distinguir entre atributos positivos e negativos.
- Provoca a evitação de decisões.
- Reduz a nossa força de vontade, podendo levar-nos a tomar decisões que não são do nosso interesse.

Os especialistas do The Decision Lab afirmam que, à medida que passamos o dia, a qualidade da nossa tomada de decisões diminui proporcionalmente ao número de decisões que tomamos. Por outras palavras, quanto mais decisões tomarmos, pior será a nossa tomada de decisões ao longo do tempo.

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Testemunho de um ex-professor sobre a tomada de decisões, para os cépticos do número 1500:

Neil Barnett

Antigo professor de química e física, engenheiro.

Não conheço a fonte [das 1500 decisões por dia], mas parece-me correto. Costumava ter 25 trabalhadores não qualificados na minha sala de aula, todos com a mais simples formação básica em segurança, alguns nem sequer capazes de seguir instruções simples, relacionadas ou não com a segurança, alguns incapazes de ler inglês ao ponto de seguir instruções, alguns determinados a ignorar instruções por capricho. Para cada um deles, tive de produzir um início de aula que definisse o cenário sem fazer quaisquer suposições sobre a sua experiência anterior, cultura, género e que também lhes dissesse o que teriam aprendido 40 minutos mais tarde, sem lhes dizer nada daquilo que era suposto que devessem resolver por si próprios.

Em seguida, supervisionei frequentemente uma atividade prática, a maioria das quais envolvia produtos químicos potencialmente perigosos, chamas 'nuas' (muitas vezes 10 de cada vez), substâncias inflamáveis e objectos de vidro. Durante a atividade, tinha de garantir a segurança contínua de todos, independentemente de serem pouco inteligentes ou estarem vestidos de forma inadequada, quer seguissem as instruções ou não. E todas as conversas que tive, com 1 a 5 pessoas de cada vez, tiveram de ser orientadas para o nível educativo correto, sem preconceitos culturais, sociais, religiosos ou étnicos, relacionando (para todos os 5) as suas observações mais recentes com o que eu sabia dos seus conhecimentos prévios, encorajando os fracos, desafiando os fortes, expondo falácias e corrigindo erros de medição e erros de suposições, processamento e conclusões. Depois, tinha de os pôr a arrumar.

Por fim, tinha de os levar a resumir os resultados, dando peso aos seus resultados, se os houvesse, e depois desenvolver os resultados numa regra que pudesse ser resumida e (talvez) recordada.

E depois a mesma coisa, 5 vezes por dia, com a complicação adicional de que uma turma do 6º ano estava provavelmente a fazer trabalhos práticos com outra pessoa (yay!), mas não era garantido que se lembrassem de nada disso, nem que tivessem obtido resultados válidos. E esta turma está a fazer os níveis "A", os seus lugares na Universidade, na verdade, todo o curso das suas vidas, depende de quão bem compreendem e conseguem trabalhar com o que lhes ensinei.

Depois, passava a corrigir os trabalhos de casa. Supondo que há 5 perguntas num trabalho de casa, talvez 30 alunos numa turma, são 150 decisões, além de decidir o que colocar num comentário ou, pelo menos, dar-lhe uma cara sorridente. O trabalho de casa do 6.º ano seria mais numérico, mas se eles se enganarem na primeira parte, é preciso seguir a lógica através de todos os cálculos correctos feitos com os valores errados. Mais decisões, por isso talvez 500 numa noite de correção.

Mais as reuniões, as reuniões de pais, as cartas ou telefonemas para casa para os mal comportados, etc.


1500? Um luxo!

Qualquer professor poderia com facilidade acrescentar centenas de decisões a estas aqui referidas por este professor.

April 06, 2024

Quanto mais destróis os professores da escola pública mais bem visto és e mais sobes na vidinha



Compensa Ser Professor em Portugal? Não e daí que ninguém queira dedicar-se a esta profissão. E Porquê? Porque os políticos não querem saber. Por exemplo, leio que a Alexandra Leitão, uma pessoa que, em conjunto com João Costa, mais contribuiu, quando era SE da educação, para a calamidade actual da carreira de professor, foi agora promovida pelo PS. Portanto, quanto mais destróis os professores da escola pública mais bem visto és e mais sobes na vida.



A descida dos salários dos Professores

Com a discussão centrada na reposição do tempo de serviço, o país carece de vontade política capaz de tornar a carreira docente mais atrativa e colmatar a escassez de professores recém-formados.
05 abr. 2024, 00:147

Compensa Ser Professor em Portugal?

De 2009 a 2023 o salário líquido real dos professores diminuiu 21.1% para o 1º escalão e 23.4% para o 9º escalão, como se vê na Figura 1. Esta descida não se deveu só aos anos da Troika. Durante o período 2015-2023, que compreende os Governos de António Costa, o salário líquido real dos professores desceu 5.8% para o 1º escalão e 1.6% para o 9º escalão.




Subsídios em Duodécimos

A Figura 1 inclui os subsídios de Natal e de férias. Caso contrário, não seriam visíveis os cortes em 2011 e 2012, em que foram pagos 13.5 e 12 meses, respetivamente.

Além da descida dos salários, nos últimos 15 anos houve também uma compressão dos salários dos professores com o salário mínimo (Figura 1). Enquanto em 2006 um professor em início de carreira recebia um salário 174% acima do salário mínimo, hoje em dia ganha apenas 61.8% mais. A compressão não só retira prestígio à carreira docente, como também diminui o valor relativo do diploma de um mestrado de ensino. Ou seja, o retorno que um estudante obtém do mestrado é menor comparativamente a outras opções.

Tanto a descida dos salários por escalão quanto a aproximação destes ao salário mínimo contribuem para a descida da atratividade da carreira docente. Por sua vez, a baixa atratividade reflete-se no baixo número de professores formados nos últimos anos.

Um Sistema em Apuros


O sistema de ensino português enfrenta uma situação crítica de renovação. O índice de envelhecimento dos docentes atinge recordes (DGEEC e DSEE 2022). Nunes et al. (2021) estimam que 39% dos docentes empregues em 2018/19 reformar-se-ão até 2030/31. O mesmo estudo projeta que, durante o mesmo período, o número de alunos matriculados nas escolas públicas reduzirá cerca de 15%.

Logo, há uma clara necessidade de contratação de professores. Nunes et al. (2021) estimam que terão de ser contratados 3450 novos docentes por ano até 2030/31, em média. No entanto, no ano letivo 2019/20 foram formados 1674 professores, um número muito aquém da meta (Figura 2).


É verdade que a evolução do número total de recém-formados é pouco animadora. Porém, o problema vai além deste indicador. O número total é a soma de todos os cursos. Se desagregarmos, vemos que há ramos do ensino que são mais afetados pela falta de professores.

Por exemplo, dos 1674 diplomados em 2022 só 299 tinham habilitações para dar aulas ao ensino secundário e 3.º ciclo. Desses 299 quase metade são habilitados para história e Geografia (Figura 3). Logo, há áreas como Matemática, Português e Física e Química onde a situação é particularmente grave, como é visível na Figura 3. A falta de professores nessas disciplinas não pode ser colmatada com professores de outras áreas.



Esta ideia é reforçada pela Tabela 1, que expõe os casos mais alarmantes ilustrados na Figura 3. O mais chocante é o de Física e Química, disciplina para a qual, nos últimos quatro anos, Portugal só formou 27 professores.



Tempo de Agir?

Perante uma escassez de oferta, os mercados tendem a ajustar através da subida de preços. Neste caso, o preço é o salário pago aos professores. No entanto, conforme revela a Figura 1, não tem sido essa a decisão tomada pelos últimos Governos.

Mais ainda, o foco da discussão nacional não está em aumentar a atratividade da carreira docente. A proposta mais discutida é a reposição integral do tempo de serviço dos professores. Na verdade, todos os partidos com representação parlamentar já sinalizaram algum tipo de apoio a esta medida, diferindo apenas no horizonte temporal da reposição.

A proposta é apresentada como um contributo para aumentar a atratividade da carreira docente. No entanto, não aumenta o salário de novos entrantes, nem acelera a sua progressão na carreira. Ao invés disso, a reposição simplesmente promove professores já docentes. Portanto, é esperado que tenha um impacto quase nulo na atratividade da carreira. Se as mesmas verbas fossem alocadas a um aumento de salários por escalão haveria um maior incentivo para os jovens que querem ser professores em Portugal ingressarem nessa carreira.

Além disso, como a Figura 3 demonstra, o problema da futura falta de professores é heterogéneo: não afeta todas as áreas de forma igual. Fica claro que a disciplina de Física e Química irá passar por uma maior crise do que História e Geografia. No entanto, nenhum partido político em Portugal defende que os salários (ou outras condições) variem consoante a área de especialização do docente.

Perante estes factos, e com a discussão política centrada na reposição do tempo de serviço perdido durante os anos da Troika (uma medida que não afeta o salário de novos entrantes), o país carece de vontade política capaz de tornar a carreira docente mais atrativa e colmatar a escassez de professores recém-formados.

March 27, 2024

Grande parte do trabalho dos professores é invisível

 

Este fotografia talvez tenha mais do que se vê à primeira vista. A professora colou na parede os desenhos dos alunos. Mesmo ao lado da cara de Américo Tomás pode ler-se, 'o rato ri do rei'. Há sempre maneira de ensinar a resistência às ditaduras. Grande parte do trabalho dos professores é invisível. Daí que o desvalorizem.


Rua da Rosa, 1974*
Escola no Bairro Alto. 
Na parede, foto do Presidente da República, Américo Tomás.
Foto: Alfredo Cunha

March 25, 2024

Situações graves, mas caricatas, da falta de professores

 

Sei de dois professores que estão a leccionar, respectivamente as disciplinas de Educação Visual e Física e Química. Ambos são ex-alunos recentes do Ensino Profissional. Ambos eram alunos NEEs (alunos com Necessidades Educativas Especiais, o que corresponde a alunos com problemas de aprendizagem por razões variadas) e um deles não conseguiu sequer passar no módulo que corresponde à disciplina que agora lecciona.

É este o resultado do trabalho do senhor ME: oito anos a descarnar a educação e a destruir a carreira dos professores. Espero que esteja satisfeito! Isto vai de vento em popa.


Vão continuar a faltar professores




Vão continuar a faltar professores

Desde meados da passada semana, o Ministério da Educação fez sair legislação, notas informativas e notas de propaganda, relativas aos concursos de professores e respectivas vagas para o próximo ano lectivo. No dia 19 de Março tivemos a Portaria n.º 110-A/2024/1, que fixou “as vagas do concurso interno e externo dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e dos quadros de zona pedagógica” e no dia 22 foram publicadas as “listas definitivas do Concurso de Transição de Docentes dos Quadros de Zona Pedagógica”, a que aparece aposto o ano de 2023, embora, na prática, só façam efeito a partir de Setembro de 2024.

Nas notas produzidas para o efeito no site oficial do (ainda) governo, tudo isto foi apresentado como se fosse um enorme avanço em matéria de colocação de professores e da satisfação das necessidades das escolas e agrupamentos, e uma espécie de legado virtuoso da actual equipa ministerial. É pena que, à imagem de outras ocasiões, se tenha preferido a divulgação de um arrazoado de números, a envolver considerações propagandísticas, não revelando o significado real destes concursos.

Na nota de dia 20 de Março pode ler-se que:

“Os próximos concursos de professores vão contar com 20 853 vagas em Quadros de Escola e Agrupamento, criando 7077 vagas para novas vinculações. (…) Recorde-se que, de 2015 a 2024, saíram da condição de contratados mais de 22 500 professores. Destes, cerca de oito mil vincularam em 2023. Com esta portaria são agora criadas mais 7077 vagas, chegando-se assim a um total de 29 500 professores que vincularam.
A portaria agora publicada permitirá reduzir muito significativamente o número de docentes colocados em Quadro de Zona Pedagógica, por via de transferência de lugares para Quadro de Escola e de Agrupamento. Serão menos 13 712 docentes em QZP.

Parece impressionante, mas nada disto explica que estes docentes já se encontram a leccionar há muitos anos, por vezes décadas e que o que se está a fazer é apenas uma transição entre situações de vínculo contratual ou de distribuição geográfica. Quando, em nova nota governamental, datada de 22 de março, se afirma que esta é a “maior fixação de docentes em mais de uma década”, é útil compreender-se que durante mais de oito anos a governação esteve entregue a estes mesmos responsáveis. Se ao fim deste tempo decidiram, por fim, resolver parte do problema que alimentaram, pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas pouco mais.

Nessa nota, acrescenta-se que “a passagem para os novos 63 Quadros de Zona Pedagógica permite agora que os professores vejam reduzidas as suas deslocações internas no QZP”, mas logo a seguir vem a parte que revela a armadilha da chamada “vinculação dinâmica”, pois esta é uma “colocação transitória na medida em que todos estes professores poderão concorrer às 20853 vagas de Quadro de Escola abertas”. Vagas distribuídas por todo o país a que os docentes terão de concorrer obrigatoriamente. O que fez muita gente não concorrer. Para além disso, caso não aceitem a colocação nas listas agora publicadas, ficam sujeitos à “anulação da colocação e instauração de processo disciplinar”, conforme nota informativa da Direcção Geral da Administração Escolar de 22 de Março.

Isto significa duas coisas: primeira: estas colocações não correspondem a novos docentes que possam suprir as falhas que já existem ou as que se adivinham perante o acelerar das aposentações, pois as regras deste concurso implicavam que fossem docentes já em exercício; segunda: a criação de 63 QZP mais pequenos do que os anteriores é apenas uma fase transitória, antes dos docentes agora colocados serem obrigados a concorrer a TODO o país. É o que significa aquela parte da nota em que se afirma que “serão menos 13 712 docentes em QZP”.

E significa ainda outra coisa muito grave: a falta de professores em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professores, apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.

Paulo Guinote

March 24, 2024

A experiência nem sempre traz sabedoria

 

Os exames tinham que ser digitais porque sim, porque sim, porque sim, mesmo sendo óbvia a falta de meios e condições para tal: falta de equipamentos, rede de internet instável, sempre a cair, nenhum relatório de apuramento do ensaio piloto do ano anterior, para saber o que correu mal e corrigir os erros- é o interesse que o ME tem por isto tudo. 
Enfim, primeiro, sua excelência lançou um concurso de professores à pressa, com vagas para escolas nas quais nem existem os grupos de recrutamento das referidas vagas. Depois, resolveu contratar, como se a contratação pública fosse, atar e pôr logo ao fumeiro, em dois segundos. Agora, perante a evidência de todos "terem claramente visto o lume vivo" da falta de condições em que se hão-de queimar, afinal até já é possível recuar. 
Na verdade, a experiência nem sempre traz sabedoria e a alguns, o número de voltas que dão ao sol parece que só serve para os deixar tontos.



March 23, 2024

Diz-se por aí à boca pequena que durante o mandato o senhor ministro não teve disponibilidade para ser ministro




Outras prioridades...
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Chegamos, assim, ao que parece ser uma falta de diálogo entre Ministério da Educação e professores/diretores. Pelo menos, de acordo com notícias centradas nos exames do 9.º ano de escolaridade que, este ano, deverão ser feitos em ambiente digital.

Desde o início do ano letivo, em setembro, um dos temas praticamente sempre em cima da mesa tem sido a utilização dos computadores nas escolas. Lemos e ouvimos várias situações: falta de computadores, falta de técnicos para os reparar, escolas sem wi-fi fidedigno para se poderem ter inúmeros portáteis ligados ao mesmo tempo e outras mesmo sem wi-fi. A estes pequenos problemas junte-se o facto de nem todos os alunos terem computador, o que cria de imediato um problema de igualdade no acesso às matérias e provas.

Os alertas foram sendo feitos e esta semana o Diário de Notícias publicou um trabalho onde Filinto Lima (presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), Arlindo Ferreira (diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio) e Sandra Nobre, (Associação de Professores de Matemática) voltavam a lembrar as dificuldades que os alunos do 9.º ano vão enfrentar para fazer os seus exames em ambiente digital e pediam para se estudar a possibilidade de adiar essa decisão.
É certo que esses exames estão marcados a partir de 12 de junho (o primeiro será de Matemática), portanto ainda falta algum tempo, mas também é verdade que até ao momento o ministro João Costa não se pronunciou sobre o tema. Nem mesmo depois de os professores de Informática terem marcado uma greve a partir de 8 de abril para evitarem ser eles a irem reparar, segundo garante a sua associação, as centenas de computadores que estarão avariados pelos agrupamentos escolares fora.
Fosse para manter os exames digitais - será bom não esquecer que os do 9.º ano contam para a nota final do aluno que termina o Ensino Básico -, fosse para reconhecer que o problema poderia ter outra solução, o governante já deveria ter vindo a público falar sobre o assunto.

O caso pode parecer ao ministro, a cumprir os últimos dias na pasta - pois será substituído a partir de dia 2 de abril -, apenas uma “tempestade num copo de água”, mas quando se ouve um professor de Matemática dizer que os alunos nem sabem como fazer os carateres especiais da disciplina no computador , talvez seja o momento de parar e perceber o que de facto se passa.


March 16, 2024

Uma escola diferente



Ontem, a propósito de um assunto, falei numa turma da rede social Distort e do artigo que li no WP: dos grupos de predadores que lá andam, dos cuidados que é preciso ter e de como é importante, em caso de se ser apanhado por um predador, não ter medo de falar logo com a família ou com um professor em quem confiem. Os miúdos ficaram chocados com a história. Muitos não entendem porque razão as vítimas fazem o que lhes mandam fazer. Não têm nenhuma noção do que são os processos psicológicos. Um rapaz da turma está nessa rede social e usa-a para jogar jogos.

As escolas são lugares onde a degradação das relações acompanha a degradação da sociedade: as pessoas estão mais pobres e, apesar disso fazer Centeno muito feliz, torna as pessoas mais irritadiças: pais, alunos e professores. Os pais não estão equipados para lidar com estes novos fenómenos das redes sociais e o que elas fazem aos filhos e esperam que a 'escola' resolva toda a vida deles. Não há professores, vão-se buscar pessoas que não têm formação - manter uma turma em ordem, disciplinada positivamente, livre de conflitos e, em muitos casos, de violência é uma tarefa muito difícil que não se coaduna com curiosos. Muito menos ser capaz de lidar com pais cada vez mais intrusivos e, não no bom sentido de colaboração. A escola precisa de seguranças que patrulhem os espaços exteriores, precisa de funcionários - há escolas fechadas, sem aulas, por não terem funcionários suficientes para assegurar as valências. Claro que nestas condições a violência aumenta.

Não tenho esperança nenhuma que as coisas melhorem, dado que umas elites políticas pensam que é excelente os portugueses serem pobres, outras que é preciso privatizar tudo porque 'os mercados' é que sabem pensar os seres humanos e todos eles entendem que não há razão para valorizar os professores, que qualquer um pode 'dar aulas' e que os alunos podem ser desviados para o ensino particular ficando o ensino público como uma espécie de escola de pobrezinhos para quem 6 anos de escola primária basta.

Há muitos anos que defendo que os professores novos, mesmo com formação especializada, devem ter nas escolas para que vão, um buddy - um professor mais velho, com experiência, que os oriente e ajude nos primeiros dois anos, por exemplo, mas para isso era necessário que houvesse professores suficientes. Neste momento, os que existem estão com horas extra para minimizar a falta de professores.

A ideia de ir buscar professores reformados para voltarem à escola é uma miragem. As pessoas querem mesmo ir embora. Quem está de fora não entende o ambiente dentro das escolas com a desgraça que têm sido as políticas na educação. Lá está, as escolas reproduzem o que se passa na sociedade: em cada escola há 10 ou 12 pessoas que estão excelentes à custa dos outros todos.

Ontem falava com um colega que está doente. Disse-me que trabalhou uma série de anos numa empresa e depois resolveu vir para o ensino por causa do horário flexível, mas que está arrependido porque o trabalho que tinha, embora obrigasse a estar dentro do escritório aquelas horas fixas por dia, não era um trabalho intensivo. Tinha momentos intensivos mas com muitas quebras em que ia beber um café, falava com os colegas, etc. e o trabalho na escola é muito intensivo/desgastante. Assim que se entra na sala de aula está-se concentrado com a máxima intensidade 90 minutos a representar o papel de uma peça, que recomeça várias vezes ao dia (com esse ou outro guião), com a diferença que tem de preparar-se cada um e todos os 30 da audiência para trabalhar, aprender, progredir, desenvolver atitudes e comportamentos positivos, aprender a pensar, adoptar metodologias de trabalho, ter rigor e brio no trabalho, estar preparado para a entre-ajuda, para ir a exame, para apresentar um trabalho, para regular emoções, para ter autonomia e iniciativa... etc. E depois disto e de lidar com a ansiedade e, por vezes, a hostilidade dos pais, mais a estupidez do ME e das pessoas que nas escolas professam com entusiasmo a estupidez do ME e de preencher grelhas infinitas vai-se para casa fazer fichas, ler, estudar, fazer formação, classificar testes, preocupar-se com este aluno e o outro... no geral, disse-me ele, a flexibilidade de horário que se podia ter não compensa este desgaste, mais a falta de uma carreira, a desvalorização social, a antipatia da sociedade pelos professores, os ataques constantes das tutelas, o paternalismo, o mau salário, o roubo de anos de serviço e agora, ter de trabalhar com pessoas sem nenhuma formação para o trabalho do ensino - nem são da área que ensinam nem têm alguma formação em pedagogia e didática. Algumas só arranjam problemas e aumentam o desgaste.


March 12, 2024

A chatice dos factos



Falta de professores de Português agravou-se 250% no último ano

Português e Matemática estão entre os grupos onde a escassez de professores é maior. A três meses das provas, ainda há alunos sem professores nas disciplinas sujeitas a exame. 60% das escolas tiveram de recorrer a docentes de Português sem habilitação profissional.

Filmes - acerca da consciência

 

Ontem estive a analisar com uma turma a questão da ação humana. O que tem a acção humana que a diferencia de acções de outros animais ou de pessoas incapacitadas, mentalmente, por exemplo. Uma das dimensões da acção humana é a consciência - mas o que é isso da consciência? 
Quando falamos em acções do ponto de vista ético, faz muita diferença o sentido em que se fala de consciência. 

A consciência na acção moral diz-se em dois sentidos: um é o sentido de se saber se a acção está de acordo ou nega as leis e costumes bem como as consequências da quebra desse dever: é um sentido normativo, formal; outro sentido muito diferente é um sentido que corresponde a uma repulsa interna por fazer certas acções (mesmo que não neguem leis ou que se tenha a certeza de não se ser apanhado) e uma obrigação interna de fazer outras (mesmo que neguem leis ou se tenha a certeza de ser apanhado - Navalny, por exemplo). Chamo a este segundo sentido interno, um pouco estético. Há um sentimento tão grande e profundo de transgressão da ordem humana em certas acções que a ideia de as fazer causa repulsa, náusea. 

Não me refiro a empatia, um conceito que está na moda mas que a mim me parece superficial - emoções à flor da pele - se não são acompanhadas de consciência, são voláteis e inconsequentes. Tanta gente empática que se emociona com o sofrimento de gatinhos mas que não hesita em actos de grande maldade e crueldade contra pessoas...

Este filme é brutal. Mostra um mundo com empatia e capacidade emocional mas sem consciência, a não ser naquele sentido normativo, formal. E o resultado é brutal. 

É um filme inglês sobre o mundo nazi ou sobre o que foi o nazismo ou o que o mundo nazi fez às pessoas: deu-lhes permissão de verem a vida como um jogo de ganhar e perder e de o jogarem com as características mais cruéis da pior versão de si mesmas. Ditadores depravados e brutais têm esse efeito de incentivar o povo a fazer vir ao de cima a sua pior versão possível: Hitler, mas também Putin, como Mao, Estaline e outros do género. 

É um filme diferente do que costumam ser os filmes sobre o nazismo que, geralmente, tentam mostrar o horror pela imagem brutal de pessoas perseguidas, emaciadas pela fome, torturadas, etc. Mas este filme não tem uma única imagem de judeus, embora se passe em Auschwitz. O horror do filme está na falta de horror que é a falta de consciência e a brutalidade anti-semita dos campos, que não se vê, nunca, mas é o pano de fundo do filme: ouve-se o tempo todo.

O filme passa-se durante a Segunda Guerra Mundial, na casa do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, que está separada do campo de Auschwitz, por um muro alto. Outros oficiais das SS moram ali atrás do muro, como eles. Höss vive ali com a mulher, Hedwig e os 5 filhos. A casa deles tem um jardim enorme, meio idílico, todo florido, com caramanchões, uma piscina. Hedwig organiza festas para as famílias dos oficiais no jardim da residência. Ela é a perfeita esposa alemã-nazi e floresce nesse papel. Adora a sua vida. Vemo-la juntar-se com as mulheres dos outros oficiais nos dias em que chegam comboios com judeus e os guardas dos campos vão lá levar os pertences mais caros que roubaram aos judeus: um casaco de vison, combinações de seda, jóias, etc. Ela fica sempre com o melhor, por ser a mulher do comandante. Ela é de uma brutalidade gelada. Tem uma empregada doméstica polaca, não judia. Um dia a empregada engana-se e ela diz-lhe, 'Vê lá o que fazes, sabes que posso pedir ao meu marido e ele transforma-te em cinza".

Quase todas as cenas do filme são filmadas como um palco de teatro em que o fundo é o muro que separa a casa do campo de extermínio. Então, por exemplo, estamos a vê-los numa festa no jardim e o fundo é o muro e, por detrás, a torre do campo, com guardas com metralhadoras, as chaminés com colunas grossas de fumo dos judeus a serem incinerados, a par com os sons que são constantes: gritos de guardas, tiros de pistola e de espingarda, crianças a chorar, pessoas aos gritos. Há uma cena em que ela leva o filho bebé para cheirar as dálias acabadas de florir no jardim (o adubo das flores do jardim são as cinzas e pedaços mortos dos judeus) e vemos as colunas de fumo a erguerem-se no céu atrás do muro e sabemos que o cheiro das pessoas queimadas deve ser insuportável, mas aquilo não a perturba. Ela é feliz ali...

Ela vive ali como num paraíso. Quando o marido é nomeado inspector-chefe dos campos e tem de mudar-se, ela diz que não vai com ele, porque tem ali a vida de sonho que sempre quis: tem tudo o que possa desejar, vem-lhe tudo ter à porta, todas a tratam com deferência, é admirada por todos, os filhos estão felizes, etc. Os filhos não estão felizes. Um deles, que brinca muito sozinho no quarto, no 1º andar, de vez em quando vai à janela porque o barulho é insuportável e olha para o campo com um ar muito perturbado.

Entretanto, o marido só pensa em tornar o campo mais eficiente. Reune-se com engenheiros para pensarem como arrefecer uns fornos enquanto outros trabalham para poderem queimar judeus 24 horas por dia. Nos dias em que chegam comboios, liga aos outros para eles irem lá escolher quem querem. Quando é nomeado inspector, vai à conferência de Wannsee e depois vai a uma festa. Em vez de divertir-se passa o tempo a pensar se seria fácil ou difícil gasear todos os presentes dada a altura do tecto do salão de baile.

A mãe dela vai lá passar uma semana com eles. Admira o jardim dela e a piscina. Pergunta-lhe se os judeus estão do lado de lá do muro e interroga-se se a ex-patroa dela, uma judia, estará lá a trabalhar. A mulher não faz idea do que lá se passa. Na primeira noite, não consegue dormir com o barulho dos tiros, da gritaria e vemo-la ir à janela e ficar perturbadíssima. No dia seguinte a família descobre que ela foi-se embora a meio da noite sem dizer nada a ninguém e percebemos que ela percebeu a extensão do horror que ali se passa e 'viu' a filha na sua realidade: uma pessoa brutal, sem consciência. E fugiu dali.

A atriz que representa Hedwig, a mulher de Höss, é a Sandra Hüller, uma alemã, que é uma excelente atriz (é a actriz de Anatomia de Uma Queda). Também o que representa Höss é alemão. Mas o papel dela é mais difícil e o filme centra-se nela. Tem de ser muito difícil representar um papel destes, sendo alemã... e o que mostra é uma consciência muito apurada e desenvolvida do que foram todas as transgressões humanas dessa época em que a maioria dos alemães eram nazis e conviviam muito bem com o nazismo. 

Isso é o que vemos no filme: uma sociedade, que esta família representa, brutal e depravada que se sente feliz e à vontade com a escravidão e a subjugação e exterminação dos outros seres humanos. Estão todos muito bem na vida e o que fazem está de acordo com as novas normas e leis.

Podíamos transferir esta ausência de consciência das transgressões humanas para o tempo da escravatura nos EUA em que as famílias almoçavam e faziam festas de estrondo enquanto no quintal se amarravam negros aos postes para os chicotear, ou matar e se separavam famílias, se violavam as raparigas e as mulheres, etc. Ou para o que se passa com os russos que vão para a Ucrânia matar, torturar civis e têm conversas ao telefone com as famílias a gabar-se do que fizeram; ou o que fizeram os do Hamas no dia 7 de Outubro. 

Todos estes casos são casos de sociedades onde os líderes são pessoas brutais, sem consciência dos limites da acção humana e que incentivam o povo, com o seu exemplo de ausência de consciência, a serem a pior versão possível de si mesmos. Trump também faz isso de incentivar os outros a serem a pior versão de si mesmos, embora não seja do calibre de Putin e muito menos de Hitler, que está noutra categoria a parte de todos.

Educar a consciência, mais do educar a empatia, é o que me parece verdadeiramente importante para a acção ética e moral.


March 08, 2024

da sala de professores

 

Hoje falava-se na impossibilidade de os alunos fazerem exames em formato digital com os computadores emprestados, como o ME quer. É que os alunos, quando mudam de escola, são obrigados a devolver os computadores. Na escola seguinte, voltam a pedir computadores. Acontece que, como já passaram uns anos desde que os computadores chegaram às escolas, quando esses alunos pedem um computador na nova escola, já só há computadores usados por outros e fora do prazo da garantia. Resultado: os pais recusam esses computadores, autênticos presentes envenenados. Portanto, o ME vai obrigar os alunos a receber computadores nestas condições? Não me parece que o possa fazer.

A meio da manhã entraram na sala de professores alguns homens da junta de freguesia, de um certo partido político. Vinham com cravos vermelhos e um marcador de livro com um poema que li por alto e que dizia algo como, 'mulheres, sejam livres mas humildes, o 25 de Abril e tal...'. Saí dali a correr antes que me entregassem flores e poemas a apelar a que seja humilde, para não dar uma resposta torta e dizerem que tenho mau feitio. É que apeteceu-me dizer, que passados 50 anos do 25 de Abril, ganhamos quase 250 euros a menos que os homens e que agradeço que me devolvam os 6 anos e meio que trabalhei, com um salário digno da importância da profissão. Eu depois trato de comprar as minhas flores.


March 06, 2024

Por falar em filmes: Das Lehrerzimmer (A Sala de Professores)




Vi este este filme, alemão, que em português se chama, A Sala de Professores. O filme passa-se numa escola normal alemã, à volta de uma professora de Matemática e da sua turma de 7º ano. Acontece que há um roubo e desconfiam de um aluno que se vem a saber que não é culpado. Depois descobre-se a pessoa culpada mas essa descoberta gera uma crise grande, na turma, entre os alunos, entre a turma e a professora -que também é DT-, entre os alunos e a direcção da escola, entre os pais e a professora e entre os pais e a direcção da escola. 

E o filme é sobre a fragilidade do equilíbrio de uma turma, a dificuldade de manter os alunos nas condições óptimas de se poder criar situações de aprendizagem e não perder de vista o que importa, em termos pedagógicos, nos momentos de crise. É um trabalho muito complexo porque os alunos estão numa fase difícil da vida, uma fase de crises constantes, próprias do desenvolvimento da adolescência - psicológico, fisiológico e cognitivo.

A professora, e os professores em geral são vistos, na sua relação com as turmas, como maestros diante das suas orquestras: têm de criar uma visão de conjunto em que todos possam participar e contribuir sem que as suas vozes individuais se percam no conjuntos, tal como acontece numa orquestra em que cada instrumento tem voz própria mas tem que trabalhar para a harmonia do conjunto - uma turma não é uma explicação individual para cada um dos 20 e tal alunos (o tamanho daquela turma), mas também não pode ser uma sopa em que todos se perdem e perdem a voz. 

No filme, os pais não colaboram com os professores e muitas vezes não trabalham para ajudar os filhos - o que também é verdade. Não vou contar o filme porque ele está em cartaz. É um filme muito bom e que sai fora dos clichês do que costumam ser os filmes passados em escolas.

Coisas em que fui reparando no filme: os alunos no 7º ano sabem quem foi Tales de Mileto e a sua importância na Matemática a propósito de aprenderem os Teoremas de Mileto (também cá isso era do currículo, não sei se ainda é); os alunos aprendem e sabem usar um computador para fazer uma apresentação oral, mas as aulas são com cadernos e livros de papel; os testes são manuscritos; a professora aproveita a matéria para pôr problemas aos alunos e incentivá-los a encontrar respostas por si (acho que isso é universal); manda trabalhos para casa; as aulas são participadas e discutidas, embora sejam sempre os mesmos a intervir - isso é universal. O que me passou pela cabeça foi: ninguém ali defende a infantilização e o atraso de aprendizagem dos alunos para poupar dinheiro em professores.

Enfim, penso que vale muito a pena ver o filme, não só para professores, mas especialmente para professores. Aquela professora fez-me lembrar uma série de colegas, na maneira como encaram a educação, como não comprometem o carácter pedagógico e a exigência das aulas para agradar a ministros idiotas e sem deixar de dar primazia à relação com os alunos. 

Ainda esta semana estava à conversa com duas colegas que são mais ou menos da minha idade. Estávamos a concordar em que basta um encarregado de educação mal-formado ou ignorante mas pensando que sabe mais que os professores, para estragar a relação de um professor com uma turma. Os pais nem percebem o estrago geral que fazem. Isso é uma das vertentes do filme, mas que não vou contar.

Uma das colegas contava que há uns anos teve uma turma no 7º ano com um par de gémeos e, num trabalho que mandou fazer, eles copiaram e ela disse-lhes que percebia que eles tinham copiado e pediu para eles reconhecerem. Não só não reconheceram como a mãe, em vez de educar os filhos, foi à escola chamar nomes à professora e dizer que ela não tinha provas e que era uma péssima professora, etc. É claro que os alunos têm sempre, dentro da turma, colegas cuja lealdade é para com eles, por muito que gostem do professor. O que é normal, mas divide a turma e estraga o ambiente, sendo que o professor vê mas não não pode fazer nada porque não vai pôr os alunos uns contra os outros, evidentemente. Resultado: o ambiente de confiança e bom espírito necessários a que as aulas decorram bem que a professora tinha com a turma modificou-se e nunca mais foi o mesmo. Ela levou os alunos até ao 12º ano, como acontece muito com professores que têm disciplinas em que podem fazer isso. Cria-se uma relação afectiva entre a turma e o professor porque são muitos anos e a pessoa acompanha o crescimento e as crises dos miúdos.

Um dos gémeos, no 10º ano, veio pedir desculpa e confessar que o tal trabalho tinha sido todo copiado e que tinha até tido a mão da mãe... Isto é cada vez mais comum: um EE ignorante mas arrogante ou desonesto, estragar uma turma inteira com as suas intrigas e estupidez, sem sequer perceber o que está a fazer. A nós o que nos custa é o prejuízo que isso causa à turma em geral.

Outra colega, que lecciona Biologia e Geologia, dizia que começou este ano com uma turma do 7º ano, mas que já não vai poder acompanhá-los até ao 12º ano porque se reforma antes disso, de maneira que, por um lado está contente porque quer sair disto em que transformaram a profissão, mas por outro, sente muita pena de largar os miúdos a meio do percurso. 

Muitos colegas fazem lembrar a professora de matemática do filme - todos os ignorantes que por aí falam mal dos professores, a começar pelo ministro e seus capangas, gente sem tino, e a acabar na nossa pseudo-elite de pedagogos da moda, são uns ignorantes que não percebem nada do que se passa dentro de uma sala de aula, da relação entre os alunos e professores, de como tudo é um equilíbrio necessário mas difícil de manter, que se desfaz facilmente com o maior prejuízo para os miúdos. 


March 02, 2024

Em Portugal faz-se o oposto do que é recomendado para a educação pela ONU

 

Faz-se e vai continuar-se a fazer-se pois os partidos quase todos (PS, PSD. Chega, IL) têm nos seus programas reduzir o currículo a 3 ou 4 aprendizagens, até aos 12 anos (qualquer dia até aos 18) para pouparem dinheiro na educação, 'des-necessitando' de professores. Como põem os seus filhos em colégios onde o dinheiro e a influência dos pais para arranjar mais dinheiro abunda (e ainda vai abundar mais porque vários  partidos defendem transferir o dinheiro da escola pública para a privada, porque a privada é melhor... vá-se lá saber porquê...), têm o currículo completo, actividades extra-curriculares, professores para acompanhar o estudo, etc., estão-se nas tintas para a educação dos outros.


A “receita” da ONU para combater falta de professores contraria o que Portugal tem feito



Clara Viana

Recomendações das Nações Unidas chegam num momento em que a educação continua a estar ausente do debate eleitoral.

Acabar com os contratos a prazo na classe docente, pôr fim ao recrutamento de candidatos com habilitações insuficientes para darem aulas. Esta é uma das 59 recomendações do Painel de Alto Nível das Nações Unidas sobre a Profissão Docente, divulgadas a 26 de Fevereiro, e a única precedida pelo advérbio “imediatamente”.

Apesar de a educação continuar a ser ignorada na campanha eleitoral, todas as recomendações da ONU acabam por ter carácter urgente dada “a crescente e alarmante falta de professores a nível global”, refere-se no relatório com as recomendações, mas a aplicação de umas é mais premente do que a de outras, o que levou os membros do painel a escrever que os “governos devem começar imediatamente a eliminar de forma gradual a utilização de professores contratados e a contratação de pessoal não qualificado para colmatar a escassez de professores”.

Em Portugal legislou-se no sentido contrário: a partir de 2022/23 foi concretizada uma revisão das habilitações para a docência de modo a “alargar o leque disponível de candidatos” e tentar deste modo minimizar a falta de professores nas escolas, conforme apresentado então pelo ministro da Educação, João Costa
. Na prática, para se ser professor deixou de ser necessário ter um mestrado em ensino, bastando ser titular de uma licenciatura.

Este novo leque de candidatos passou a integrar o pelotão de professores contratados, que representam ainda cerca de 23% do total de docentes do pré-escolar ao secundário. Muitos deles somam dez anos ou mais nesta situação. Mas estes não são os únicos domínios em que Portugal se encontra na situação oposta ao que é recomendado pelas Nações Unidas com o objectivo de atrair os jovens para a profissão docente e reter os que já são professores.

O Painel de Alto Nível sobre a Profissão Docente foi constituído, em 2023, sob o patrocínio do secretário-geral das Nações Unidas António Guterres. Conta com a participação de investigadores, ministros da Educação, professores, estudantes e representantes da sociedade civil. A Internacional da Educação, que agrega sindicatos de professores de quase todo o mundo, a Organização Internacional do Trabalho e a UNESCO também estão representadas.

O diagnóstico de partida assenta na “persistente e crescente falta de professores em todo o mundo”. Algumas razões para tal: “Estas carências são exacerbadas pelo desgaste contínuo dos professores, o uso de contratados e pessoal não qualificado para preencher as lacunas de docentes, a falta de desenvolvimento profissional e apoio, as condições de trabalho e salários inadequados, e as enormes dificuldades que enfrentam os professores que trabalham em contextos de crise.”

O painel da ONU considera, por isso, que um “emprego seguro e condições de trabalho dignas para os professores são fundamentais para o recrutamento e permanência na profissão”. Frisa que “as condições de trabalho devem ser determinadas através do diálogo social e da negociação colectiva” e ainda que “os sindicatos de professores devem ser capazes de, em último recurso, partirem para a greve de modo a conseguirem condições de trabalho dignas”.

Em comunicado, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) frisou que “várias das recomendações [da ONU] são particularmente relevantes” para Portugal, “onde problemas estruturais se perpetuam por força de opções políticas erradas, de que são exemplo um persistente subfinanciamento do sistema educativo e um inexistente diálogo social digno desse nome”.

A Fenprof destacou ainda as declarações da presidente da Internacional da Educação, que integrou o painel: “Estas recomendações são uma oportunidade única para efectuar mudanças reais para milhões de professores e estudantes em todo o mundo. Temos agora de garantir que os governos respondem à chamada.”

O painel defende expressamente que “as instituições financeiras internacionais devem pôr fim aos cortes salariais do sector público e às medidas de austeridade que têm impacto nas despesas com a educação, em particular no recrutamento, permanência na profissão e salários de professores”.

Noutra das recomendações insiste-se que “a qualidade da Educação não é possível sem um financiamento adequado”, que deverá representar, “no mínimo, 6% do Produto Interno Bruto”, conforme já estabelecido nas metas da UNESCO para 2030. Em Portugal este valor ronda os 4,6%.

Aos professores devem ainda ser garantidos “bónus e incentivos, como transporte e residência, quando trabalham em zonas rurais ou em contextos difíceis de modo a encorajar os professores experientes a fixarem-se nestas áreas”.

Por outro lado, recomenda-se que deverão ser “as organizações de professores e de estudantes a assumir a liderança na definição e exigência de um ensino de qualidade”, só possível com uma revisão dos conteúdos e práticas pedagógicos. A começar por “integrar a educação para o desenvolvimento sustentável nos currículos e no ensino como uma área-chave desde a infância até ao ensino superior”.


February 28, 2024

Como 'des-necessitar' de dezenas de milhares de professores e poupar dinheiro com a educação? Uma proposta aberrante do CNE

 


Reduzir o currículo através da infantilização dos alunos: é a proposta 'subsidiada' pelo PS e decalcada do Chega.

Logo no início fala-se em 3 possibilidades para o fim do 2º ciclo e refere-se a integração do 2º ciclo no 1º como a hipótese que reúne maior consenso porque: seria benéfico a integração do 2º ciclo no 1º - ou seja, não têm nenhuma razão e apenas repetem que é melhor porque é melhor. A sério...?

Integrar o 2º ciclo no 1º porque é benéfico para a educação das crianças. Acontece que os alunos no 2º ciclo têm 11 e 12 anos. São adolescentes e não crianças. Aliás, hoje-em-dia entra-se mais cedo nas transformações bio-psíquicas da adolescência de maneira que obrigá-las a ficar integradas num ciclo de infância, não vejo em que possa ajudá-las. 

Depois afirma-se que integrar o 2º ciclo no 1º, cria uma “proposta de educação integrada dos 0 aos 12 poderá propiciar uma sequência progressiva, mais coerente com os processos culturais infantis e mais articulada com as formas de aprendizagem das crianças" - gostava que alguém me explicasse porque é que integrar alunos de 11 e 12 anos em processo culturais infantis é mais coerente e propicía uma aprendizagem mais progressiva? Porque nenhuma razão é apresentada e afirma-se, uma outra vez, que há intenção de não deixar que os adolescentes saiam dos processos culturais infantis. Como é que alguém pode entender isto como benéfico para o desenvolvimento dos alunos?

Em seguida afirma-se, mais uma vez gratuitamente, que manter os alunos, atados 12 anos, em processos infantis, "permitiria modos de trabalho mais articulados, mais coerentes e mais consistentes e que possam garantir a todos os alunos o desenvolvimento efetivo de literacias múltiplas (leitura, escrita, numeracia, utilização das tecnologias de informação e comunicação)" - sem nunca apresentar uma única razão para defender que o desenvolvimento dos alunos é mais coerente e efectivo por se manterem culturalmente infantilizados.

Depois, quando se fala no recrutamento dos docentes, percebemos o verdadeiro intuito desta proposta (uma traição que se faz aos alunos) sem nenhuma razão que lhe acrescente mérito, só slogans ocos: é que permite reduzir em dezenas de milhar o número de professores, pois até aos doze anos teriam um ou dois professores neste ensino primário alargado. 

Se bem entendo, a proposta da Comissão Nacional Socialista de Educação é parecida com a do Chega: reduzir o currículo a ler, escrever, fazer continhas e aprender a mexer num computador para poupar centenas de milhões na educação, desde logo, 'des-necessitando' de umas dezenas de milhar de professores. 

12 anos para aprender 4 coisinhas num prolongamento de processos infantis até à adolescência! Epá... acho chocante - o meu filho, na 3ª classe resolvia fracções e na 4ª classe lia os poetas portugueses. Não ficou prejudicado na coerência e consistência da aprendizagem.

Se é para acabarem com o 2º ciclo, integrem esses dois anos no resto do percurso. Têm um ciclo de 4 anos, para o qual já entram com algumas competência da pré-primária (já têm vantagem) e outro ciclo com 8 anos. Implica mudanças a outros níveis, nomeadamente na organização das escolas -espaço físico e não só- e é mais exigente mas não se mata uma geração mantendo-a infantil para que os políticos possam, mais uma vez, dizer que apostam na educação, decepando-a de investimento e descarnando-a até ao osso.

Na idade em que os miúdos têm uma enorme capacidade de evolução e aprendizagem, querem mantê-los limitados e infantilizados. Um desperdício de alunos e de professores nas mãos de gente sem qualidade. Estamos entregues a pessoas sem nenhum mérito. Nenhum. Nenhum pensamento consequente. 

Tenho uma colega, muito mais nova do que eu, que hoje me dizia que a mãe é costureira e o pai era vendedor ambulante de pão. Ela e o irmão licenciaram-se. Se tivessem tido um ensino imbecilizante como este que é defendido neste documento, nunca teriam tido essa possibilidade. 


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Páginas 86, 87 e 88 do estudo do CNE

Nas publicações do CNE, anteriormente referidas, face à questão, o que fazer com o 2º ciclo? são indicadas algumas possibilidades: a criação de um ciclo único através da integração do 1º e 2º ciclos; a divisão do 2º ciclo, associando um ano ao 1º ciclo e um ano ao atual 2º ciclo, ou através da associação do 2º com o 3º ciclo. A primeira hipótese, integração do 1º e 2º ciclo, é aquela que parece reunir maior consenso, na medida em que se considera que “seria benéfico para a educação das nossas crianças a progressiva integração do atual 2º ciclo do ensino básico no espírito e cultura curriculares do 1º ciclo, criando-se desta forma uma educação primária, primeira, de seis anos” (Pedrosa, 2009, p. 20), do mesmo modo que uma “proposta de educação integrada dos 0 aos 12 poderá propiciar uma sequência progressiva, mais coerente com os processos culturais infantis e mais articulada com as formas de aprendizagem das crianças, formadas em boa medida no nível imediatamente anterior” (Sarmento, 2009, p. 87). 

Também o Conselho das Escolas, em 2010, propôs que o atual 1º ciclo passasse a ser designado por ensino primário (com a duração de 4 anos) e que o atual 2º ciclo fizesse parte do ensino secundário geral, com a duração de 4 anos e que passaria a integrar o 5º, 6º, 7º e 8º anos de escolaridade. O 9º, 10º, 11º e 12º anos passariam a integrar o ensino secundário superior.

De entre os cenários apresentados, e à semelhança do que acontece noutros países europeus em que a educação básica tem um ciclo inicial, primary, destinado a alunos dos 6 aos 12 anos, a integração dos atuais 1º e o 2º ciclos num ciclo inicial do ensino básico, permitiria modos de trabalho mais articulados, mais coerentes e mais consistentes e que possam garantir a todos os alunos o desenvolvimento efetivo de literacias múltiplas (leitura, escrita, numeracia, utilização das tecnologias de informação e comunicação), as quais são consideradas como alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida como, aliás, se prevê no PASEO.

Posteriormente ao 6º ano poderemos ter diferentes cenários, de entre os quais destacamos aquele que eventualmente mais se aproxima da realidade que existe em Portugal e que acontece na maioria dos países europeus: a existência de um ciclo de três anos que é conceitualizado como sendo um ciclo terminal da educação básica, muitas vezes designado por lower secondary (no caso português corresponde ao 7º, 8º e 9º ano) e um ciclo de três anos de natureza estritamente secundária que conclui a escolaridade obrigatória e muitas vezes designado como upper secondary (10º, 11º e 12º ano). Uma outra possibilidade é considerar o lower secondary como o início da educação secundária o que, de acordo com muitos estudiosos e investigadores, tem vantagens. Na verdade, considerar o lower secondary como “terminal” do ensino básico é bastante diferente de o tornar o início do secundário. Neste último caso, parece desenvolver-se um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das aprendizagens dos alunos que lhes facilitam a conclusão de um percurso de escolaridade obrigatória que seja mais coeso e faça mais sentido face aos projetos pessoais de cada aluno.

Independentemente dos cenários que se possam equacionar, ou das etapas que possam emergir duma possível reorganização ou reconfiguração estrutural do ensino básico, esta é uma questão a enfrentar pelas políticas de educação e formação e que tem uma diversidade de implicações que é preciso acautelar, nomeadamente, a gestão de recursos humanos e a organização dos grupos de recrutamento de docentes, que atualmente estão subordinados à divisão do sistema. Importa igualmente acautelar a formação inicial de professores, uma vez que temos instituições de ensino superior que habilitam professores em função dos níveis e ciclos de ensino existentes, a permeabilidade da rede escolar, a gestão do currículo, a avaliação das aprendizagens e a própria tipologia de escolas, entre outras.

Algumas poderão ser entendidas como questões dependentes, unicamente, da vontade política, como é o caso da redefinição de grupos de recrutamento e a reestruturação de modelos de formação inicial que possibilitem o acompanhamento dos alunos em percursos de escolarização mais longos e diferenciados do contexto atual. Outras poderão ser consideradas como mais dependentes daquilo que as pessoas, em cada lugar, consigam fazer acontecer, como é o caso da gestão curricular e da avaliação das aprendizagens, na medida em que as mesmas podem decorrer do entendimento que cada um tem do seu significado e não propriamente da sua reconfiguração estrutural, formal ou legal. Ainda assim, e independentemente daquilo que se pensa e se consegue fazer localmente, muito fica dependente daquilo que é definido e assumido ao nível das políticas públicas e da decisão política.

Sendo verdade que a mudança, qualquer que ela seja, depende muito mais da forma como as pessoas desejam e se apropriam dessa mudança do que tudo o que lhe possa ser exterior, também é verdade que as políticas potenciam ou condicionam essa mudança. As questões de forma serão certamente mais fáceis de equacionar e resolver, porque são mais claras as transformações necessárias. Por exemplo, relativamente à gestão de recursos face aos grupos de recrutamento existentes no atual 1º e 2º ciclos, um cenário possível seria o sistema evoluir para um único grupo de docência, no ensino primário (primary education), após um período de transição que teria de ser organizado e preparado com apoios específicos ao nível da formação dos professores. Uma outra possibilidade passaria pela criação de equipas pedagógicas, com um número reduzido de professores, que pudessem acompanhar os alunos durante todo o percurso escolar dos 6 aos 12 anos, independentemente do grupo de recrutamento a que estão afetos, ou seja, o regime de monodocência evoluiria para um regime de pluridocência que assegurasse uma gestão curricular articulada, transversal e assente no trabalho colaborativo.

A este propósito importa referir que muitos docentes que estão atualmente no sistema educativo, e independentemente de estarem a lecionar no 1º ou no 2º ciclo, têm qualificação profissional para ambos, do mesmo modo que alguns docentes do 2º ciclo têm habilitação para o 3º ciclo e secundário, ou seja, é importante apostar em processos de gestão que favoreçam condições para que as escolas, num quadro de autonomia efetiva, possam gerir e rendibilizar os recursos disponíveis numa lógica de continuidade pedagógica do trabalho com os alunos. Simultaneamente, os modelos de formação inicial e contínua dos professores devem ser repensados perante os desafios decorrentes da política educativa vigente.

Questões bem mais difíceis de equacionar prendem-se com o conceito de educação e com o entendimento que dele é feito no momento da sua concretização, no espaço das organizações escolares e da relação pedagógica. Os documentos estruturantes da educação em Portugal, o PASEO, as Aprendizagens Essenciais ou até mesmo a Estratégia Nacional de Educação Para a Cidadania, veiculam um entendimento de educação enquanto desenvolvimento das crianças e dos jovens e do currículo enquanto instrumento dessa visão. Nesta perspetiva, estes documentos incluem a ideia de continuidade que incentiva e até proporciona uma eventual organização que dissolva a separação entre 1º e 2º ciclos, contudo, é fundamental que ao nível das políticas educativas se assumam medidas que permitam não só a apropriação como a concretização do PASEO por parte dos profissionais que estão no cerne da consecução dos seus desígnios: os docentes. 

February 27, 2024

ME é a favor de infantilizar ainda mais os alunos



Integrar o 5º e 6º anos na escola primária é infantilizar os alunos e se agora os alunos sentem um choque à entrada no 5º ano, no futuro vão senti-lo ainda mais à entrada no 7º. Mas talvez depois se infantilizem os do 7º, processo que está em curso, até nas universidades, onde os papás já vão queixar-se da nota dos filhos - e contam-se que até vão às entrevistas de emprego. 
Em vez de infantilizar (ainda mais) os alunos do 5º e 6º anos, podiam fazer mudanças no ensino dos primeiros 4 anos. Em vez de terem um só professor, podiam ter 3 ou 4: um principal para a aprendizagem da leitura, escrita, matemática, história e isso e mais dois, por exemplo, especializados no ensino de artes, línguas, etc. Habituava-se logo os miúdos a lidarem com mais de um professor e não tinham esse choque no 5º ano. E se as turmas no 5º e 6º anos, em vez de terem 30 alunos tivessem 15 e os professores não tivessem 7 turmas, os alunos tinham outra atenção dos professores e não sentiam esse choque. Há muita coisa que se pode fazer para ajudar os alunos nessa transição sem ser mantê-los em estado de infantilidade.
O que o ME chama "ruturas" é o desmame. O ser humano precisa de rupturas e de crises de crescimento, sem as quais não evoluiu e não cresce interiormente, logo, não se capacita para lidar com realidades cada vez mais complexas. Isso já está a acontecer, como se pode ler no post anterior em que se vê que os alunos passam todos mas abaixo das competências do seu nível de escolaridade e não estão preparados para raciocínios complexos e realidades abstractas. Pois o ME acha que ainda deve baixar mais a fasquia.
Calculo que a "mudança no grupo de recrutamento de professores" defendida pelo ME seja no sentido de tornar o ensino mais medíocre, o que tem sido marca de água deste ministro.
E sim, a tipologia dos edifícios é importante, mas também é importante os recursos das escolas, humanos e físicos, para poderem integrar os alunos.
Não vejo vantagem em segregar os alunos mais novos e mantê-los numa redoma.


Órgão consultivo do Ministério da Educação considera que atual organização do Básico provoca ruturas prejudiciais no ensino.

Alexandra Inácio


O Conselho Nacional de Educação (CNE) defende a restruturação do Ensino Básico com o fim do 2.º ciclo (5.º e 6.º ano). A medida, defende o órgão consultivo do Ministério da Educação, implica a revisão dos grupos de recrutamento dos professores, do regime de monodocência (1.º ciclo), da formação inicial de docentes e até da tipologia dos edifícios. Mas é apontada como fulcral para a melhoria das aprendizagens.


Falta de professores agrava-se - continuem com estas políticas que vão bem





1. Aumento do número de diplomados não compensa saída de professores que se reformam.

2. Em 2021/2022, 1682 estudantes concluíram os cursos que conferem habilitação para a docência (mais 151 do que no ano anterior), mas a quantidade de professores que se aposentou nesse ano foi de 2206.

3. Há 150 648 docentes, distribuídos pelos diferentes níveis/ciclos de educação e ensino e pelas diferentes regiões do país - não são suficientes para garantir professores para todos os alunos.

4. Há cada vez mais professores a transitarem do sector privado para o público - menos 1864 docentes no privado.

5. Já há escola privadas com falta de professores e mesmo assim essas transferências não chegam para haver professores para todos na escola pública.

6. Em 2021/2022, houve cursos onde o número de diplomados diminuiu comparativamente com o ano anterior e outros em que não houve um único diplomado: Português e Línguas Estrangeiras - especialidades de Alemão, Francês ou Espanhol; Ensino de Inglês e de Espanhol no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário; Ensino e Divulgação das Ciências. Dados que “poderão vir a condicionar a lecionação e aprendizagem de línguas estrangeiras”. 

7. Lisboa e Algarve já não são as únicas zonas do País com dificuldade de colocação de professores. O Norte é a região onde existem mais alunos sem aulas. 

8. Número de docentes com mais de 50 anos aumentou: fixam-se entre os 56,5% e 59%. A média da OCDE é: 34%. 35 075 docentes têm 60 anos, ou mais, o que significa que 27,7% dos professores podem sair do sistema educativo, num curto espaço de tempo.

9. É necessário “recrutar 34 508 novos docentes em Portugal Continental (...), o que corresponde a uma média de 3451 novos docentes contratados em cada ano letivo”.

10. Em 2021/2022, 79 796 alunos estrangeiros de 235 países/categorias de países frequentavam o ensino básico em Portugal continental. Um acréscimo de 13 993 relativamente ao ano letivo anterior. Estes representam 9,3% dos alunos que frequentavam o ensino básico. Os estudantes ucranianos mais do que duplicaram num ano, representando 6,3% dos alunos estrangeiros no nosso País. A comunidade brasileira continua a ser a mais representada (44,6%) com um aumento de 2,2% face ao ano anterior. 

11. Segundo o estudo do CNE, apesar de ter aumentado o número de alunos estrangeiros, muitos não frequentam a disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM).

12. O ano letivo 2021/2022 registou um aumento nas taxas de conclusão na educação básica e secundária. No ensino básico, a taxa de conclusão é de 96% e no ensino secundário é de 91%.

13. O CNE analisou os resultados da avaliação interna (provas de aferição e exames nacionais) e externa (testes PISA) e concluiu que os alunos evidenciam “maior dificuldade em realizar tarefas com um nível de complexidade superior e de alta literacia”. “Raciocinar e criar, lidar com conceitos abstratos, comparar e avaliar estratégias são processos em que é maior o número de crianças e jovens que ficam aquém do desempenho esperado para o seu nível de escolaridade”, pode ler-se no documento.

dnot@dn.pt

(em suma: não há professores e a tendência é para piorar muito porque ninguém quer ser professor; em breve o ensino privado não vai conseguir manter professores para ter as portas abertas; os alunos passam todos mas sem ter aprendido nada que ultrapasse as competências simplex mínimas abaixo do seu nível de escolaridade; cada vez há mais alunos estrangeiros mas não têm acesso a aprender português)

O ME acha normal considerar "uma brincadeira" actos de grande brutalidade




A brincar com quem?

José Júdice

Há pouco mais de um mês, a 19 de Janeiro, um grupo de alarves de uma escola no Vimioso, Distrito de Bragança, todos rapazes com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos, resolveu brincar aos médicos enfiando uma vassoura no ânus de um colega de 11 anos. Tratava-se, informa um relatório divulgado há dias pelo Agrupamento de Escolas local, da simulação de um “exame médico à próstata”. A brincadeira não foi denunciada nem por outros colegas, nem por uma funcionária da escola, descrita em burocratês como “funcionária operacional”, que “terá” presenciado o acto clínico e que “nada fez” para refrear os ímpetos dos candidatos a futuros funcionários operacionais do Serviço Nacional de Saúde. Foi denunciada pelo presidente da Junta de Freguesia do Vimioso, que aproveitou para denunciar “um clima de terror” derivado de diversos outros casos de violência nessa mesma escola.

Só após a denúncia pública do presidente da Junta, as autoridades escolares tomaram medidas, graves, sérias e severas. Os oito brincalhões foram suspensos da frequência da escola. Por quatro dias. Quatro. E quatro dias após terem sodomizado o seu colega de 11 anos com uma vassoura e cumprido o seu justo e severo castigo, sete dos foliões regressaram às aulas. Como se nada de realmente grave se tivesse passado.

“Já regressaram todos à escola e estão a frequentar as aulas”, tranquilizou o Ministério da Educação para dissipar a natural preocupação do país, para nem falar dos pais, com as possíveis e talvez irreversíveis consequências para as aprendizagens e o futuro escolar dos empenhados promissores clínicos. Regressaram todos à escola, às aulas e, presume-se, ao saudável convívio com colegas, professores e “funcionários operacionais”. Danados para a brincadeira, com certeza, mas não é por isso que o seu futuro escolar pode ser posto em causa. Desde que o acesso às vassouras lhes seja interdito.

Com a revelação do caso, as autoridades naturalmente intervieram. Polícia Judiciária, Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, GNR e Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, e toda a panóplia de entidades que asseguram que Portugal é um país de brandos costumes e assim tem de continuar a ser, anunciaram que tomaram o assunto entre mãos. Os inquéritos mais aguardados, no entanto, foram o anunciado pelo próprio Agrupamento de Escolas do Vimioso e, porque o assunto foi considerado digno de consideração superior, pelo próprio Ministério da Educação através da sua Inspecção-Geral de Educação e Ciência que, a acreditar nos jornais, se pôs “a apurar responsabilidades” dias após a denúncia.

Apurar responsabilidades é a maneira elegante e protocolar de dizer “sacudir a água do capote”. Quase um mês após terem iniciado o apuramento de responsabilidades, que responsabilidades foram então apuradas.

O que o Agrupamento de Escolas do Vimioso apurou, segundo foi comunicado aos jornais, foi que se tinha tratado de uma “brincadeira entre alunos simulando exames médicos à próstata”. Foi preciso quase um mês para chegarem a esta conclusão num processo, esclarece o Ministério da Educação na sua elaborada linguagem, “ao nível da escola”.

Se foi preciso quase um mês para “ao nível da escola”, e por “nível” presume-se que não tiveram de sair do sítio, para chegar a esta conclusão, seria esperar demais que um inquérito elaborado por uma instituição tão augusta como a Inspecção-Geral de Educação e Ciência estivesse se não pronto, no mínimo, com algumas conclusões prévias, que adiantassem algo mais sobre não só o ocorrido, mas por que é que ocorreu, por que é que foi possível ter ocorrido e por que é que, mesmo apesar de ter sido presenciado por uma “funcionária operacional”, o caso só foi do conhecimento público pela denúncia do presidente da Junta e a escola, ou o Agrupamento de Escolas, só dias depois tomou medidas. As graves, sérias e severas medidas de suspender a ida à escola dos brincalhões. Por quatro dias.

O inquérito da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, diz o Ministério da Educação, ainda não concluiu, ou não deu conhecimento de ter concluído, as suas diligências. Um mês depois.

É certo que o Vimioso é longe e - informação útil - não há comboio, mas pode-se ir de autocarro. São 7 horas e meia. Ida e volta 15 horas. Tempo manifestamente insuficiente para meditar naquilo a que o Ministério da Educação chama, com a pudicícia específica e própria do Estado, de “comportamento inadequado”. Sodomizar uma criança de 11 anos com uma vassoura. Inadequado? O que seria adequado? Um cabo de enxada?

A escola em questão, tranquilizam as autoridades, realiza durante todo o ano lectivo um “conjunto de acções” para “sensibilizar os alunos para os perigos da actualidade”, especificando com rigor exaustivo que nesses perigos da “actualidade” estão a “violência e bullying, violência sexual sobre crianças e jovens e consumo de drogas”. Mercê de tanta sensibilidade com estes “perigos da actualidade”, a escola ostenta “selos” de “escola sem bullying” e “escola sem violência”.

A única coisa actual em todo este relambório burocrático é o “bullying”, e mesmo esse a única actualidade que tem é ser em inglês. Talvez porque se for em estrangeiro sempre se pode dizer que é um fenómeno importado e estranho neste país de brandos costumes.

Sempre houve brutamontes nas escolas, sempre houve violência nas escolas, sempre houve abuso dos mais velhos sobre os mais novos, dos mais fortes sobre os mais fracos, dos mais gabarolas sobre os mais tímidos.

Não se sabe quanto tempo mais precisará o Ministério da Educação e a Inspecção-Geral da Educação e Ciência para terminar as suas “diligências” e dar conhecimento das suas recomendações. Talvez entre estas a criação, a acrescentar ao selo de “escola sem violência” e “escola sem bullying”, um selo de “escola sem vassouras”?

DN