May 15, 2020
Intervalo - fim da parte síncrona
Hoje estive a explicar um conceito. Expliquei, dei exemplos -este tempo de pandemia em que nos encontramos é fértil de exemplos de dilemas éticos- e depois perguntei se tinham percebido. Sim, sim, sim, sim... 20 sins de enfiada. Ok, então, vou expor uma situação para aplicarem o conceito - numa situação tal, usando o conceito tal, fulano de tal, agiria assim ou assado? A resposta correcta, aplicando o conceito é, 'assim'. Resposta deles; assado, assado, assado... ahah ... oh meu deus! Expliquei aquilo mal para todos se enganarem na aplicação do conceito ao caso em apreço? Em vez de dizer que a resposta está errada, resolvi fazer perguntas compartimentadas, dividir a situação/problema nos vários passos que o agente deu e pensar cada um à luz do conceito. Aí foram sempre respondendo bem e no fim deram-se conta que tinham respondido mal, de início.
Conclusão: o facto de se perceber uma ideia em geral não significa que se tenha aprendido a pô-la em prática, que dizer a saber instrumentalizá-la para apreciar os contornos de um problema da realidade ontológica. Para isso é necessário saber problematizar, 'ver' o problema nas suas partes e no modo como se interseccionam, uma analítica à moda cartesiana, para no fim se ter uma perspectiva global da situação. É por isso que aprender lógica não ensina ninguém a pensar, apenas a ver se, do ponto de vista formal, aqueles pensamentos são coerentes, mas coerência e solidez são realidades distintas. Portanto, explicar os conceitos sem fazer o processo analítico do seu uso nas situações da realidade em que podem aplicar-se (induzir nos alunos esse processo mental, com perguntas e objecções), é pouco. Não chega.
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Eu digo sempre aos alunos que uma disciplina como a Filosofia é fundamental... para Português, porque «ensina a pensar» e tal e coisa. Fico sempre na dúvida se não estou a ser simplista e redutor. Depois lá tento explicar a coisa do meu jeito.
ReplyDeleteLeciono numa das piores escolas dos famosos «rankings» e os alunos, pais, expectativas, etc., são mesmo maus/más/diminutas/inexistentes. 98%, pura e simplesmente, não sabe escrever e é incapaz de interpretar o que quer que seja. Repare: na Classroom, escrevi isto hoje: hora limite para entrega do trabalho: 12 horas e 15 minutos. Acredita que um aluno perguntou: temos de entregar até às 12 e 15 ou temos 12 horas para o fazer? Outros não entregaram e, quando os questionei sobre a razão de tal, responderam-me que ainda tinham até às X horas, porque o prazo não se esgotara. Estou a falar de alunos do 11.º ano.
É uma enorme frustração para mim e já ando nisto há cerca de 30 anos. Às vezes, digo-lhes que preferia ser lenhador. Ficam a olhar para mim, boquiabertos. E lá explico: se rachasse lenha com um machado, no final do dia olharia para o monte da madeira e veria o resultado prático do meu esforço e trabalho. Convosco, os anos passam e não vejo nada, não há progresso ou evolução. Pego neles no 7.º ano e levo-os até ao 12.º e nada: os erros que cometiam no 7.º mantêm-se 6 anos depois.
Ultimamente, quando têm de resolver um qualquer questionário, desmonto com eles a pergunta, até chegarmos (muitas vezes tenho de ser eu a chegar sozinho) às várias partes. Depois peço-lhes que releiam o texto e extraiam de lá a informação, digamos assim, para construir a resposta global. Por vezes, sai ainda pior do se me sentasse na secretária e os deixasse a vegetar.
É uma absoluta frustração.
Pois, para interpretar é preciso pensar e isso dá trabalho. Além disso, a maioria dos alunos é muito insegura em tudo que diga respeito à compreensão e conhecimentos.
ReplyDeleteO domínio da língua é fundamental para a possibilidade de pensar e a filosofia é subsidiária do português.
Gostei da metáfora do lenhador mas essa não é a minha experiência. Vejo grandes evoluções nos dois ou três anos que estou com eles.