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November 30, 2024

Os 'media' portugueses querem muito que Putin vença a guerra

 


Zelensky admite cessar-fogo em troca de adesão à NATO, mesmo sem territórios ocupados pela Rússia
 
Expresso
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Na realidade, o que Zelensky disse foi:

Zelenskyy afirma que o território ucraniano deveria estar sob a “alçada da NATO” para travar a guerra. O Presidente sugere que a inclusão do território controlado por Kiev no pacto militar ocidental poderia travar a “fase quente” da guerra.

Volodymyr Zelenskyy sugeriu que o território ucraniano sob o seu controlo deveria ser colocado sob o “guarda-chuva da NATO” para tentar travar a “fase quente” da guerra com a Rússia.

Em declarações à Sky News, o presidente ucraniano afirmou que tal proposta “nunca foi considerada” pela Ucrânia porque nunca foi oferecida “oficialmente”.

“Se quisermos parar a fase quente da guerra, devemos colocar sob a alçada da NATO o território da Ucrânia que temos sob o nosso controlo. É isso que precisamos de fazer rapidamente e, depois, a Ucrânia pode recuperar a outra parte do seu território diplomaticamente.

“Esta proposta nunca foi considerada pela Ucrânia porque nunca ninguém no-la ofereceu oficialmente.”

Na mesma entrevista, Zelenskyy afirmou também que qualquer convite deveria ser feito “dentro da sua fronteira internacionalmente reconhecida, não se pode convidar apenas uma parte de um país”.



É completamente diferente de dizer que a Ucrânia troca os territórios pela adesão à NATO. Não troca nada. Aliás, no caso de haver este convite e de se parar esta fase da guerra, os territórios que a Ucrânia conquistou à Rússia, em Kursk, fariam parte da negociação diplomática da devolução de territórios. 
A questão é que os nossos media -jornais e TV- desde a invasão da Ucrânia há quase 3 anos falam como se fosse evidente que Putin ganhou a guerra e que a Ucrânia é irrelevante. 
Há um par de dias, por acaso, passei pelo canal da SIC Notícias e ouvi, " A Ucrânia está cada vez mais debilitada e já se diz que a Rússia vendeu o Ocidente". Isto, apesar da economia russa estar nas lonas, apesar de perderem 1200 homens por dia, apesar da indústria do petróleo ter prejuízos brutais, apesar de estarem isolados internacionalmente, apesar de terem que ir pedir ajuda a talibãs, etc. 
Não sei. Quem manda nos canais e jornais tem uma espécie de atracção homoerótica, como diz Boris Johnson de Trump e Musk, por homens autoritários, como Putin? É por isto que não vejo a TV portuguesa. Falam sempre com uma 'agenda', como dizem os americanos.

September 22, 2024

Um vislumbre do que poderá ser o plano de paz que Zelenskyy levou para os EUA

 

“Oferecemos uma verdadeira fórmula para a paz, um plano concreto para acabar com a guerra”, afirma o Presidente Zelenskyy numa entrevista à revista New Yorker antes da sua visita oficial aos EUA.

Eis os pontos principais.

Sobre as negociações:

“Putin não tem qualquer desejo de acabar com a guerra em termos razoáveis. (...) Ele finge abrir a porta ao diálogo (...) Mas tudo não passa de aparência. Do nosso lado, vemos o jogo que ele está a jogar e alteramos as nossas abordagens para acabar com a guerra.”

“Após a primeira cimeira de paz, os nossos parceiros viram que a Rússia não estava preparada para quaisquer conversações, o que confirmou a minha mensagem e a minha insistência em que, sem tornar a Ucrânia forte, nunca forçarão Putin a negociar de forma justa e em condições de igualdade.”


Sobre o plano Vitória:

“O Plano A foi proposto antes da guerra em grande escala, quando apelámos a duas coisas: sanções preventivas e reforço preventivo da Ucrânia com várias armas. Disse aos nossos parceiros: “Se a Ucrânia for muito forte, não vai acontecer nada. Eles não me deram ouvidos”.

“Estou agora a propor um novo Plano A. (...) Se não querem que esta guerra se arraste, se não querem que Putin nos enterre sob os cadáveres do seu povo, tirando mais vidas ucranianas no processo, nós oferecemos-vos um plano para fortalecer a Ucrânia.”


Sobre a possibilidade de derrota da Ucrânia:

“Acredito que protegemos a América da guerra total. (...) Esta é uma guerra de adiamento para os Estados Unidos. É uma forma de ganhar tempo”.

“A Rússia poderia atacar a Polónia da mesma forma - em resposta a uma provocação da Bielorrússia, por exemplo. (...) A América teria de começar a investir do zero e numa guerra de um calibre totalmente diferente. Os soldados americanos teriam de combater nela”.

“A ideia de que o mundo deve acabar com esta guerra à custa da Ucrânia é inaceitável. (...) Este tipo de cenário não teria qualquer base nas normas internacionais, nos estatutos da ONU, na justiça. E também não acabaria necessariamente com a guerra”.


Sobre a operação Kursk:

“Já mostrou alguns resultados. Abrandou os russos e obrigou-os a deslocar algumas das suas forças para Kursk, na ordem dos quarenta mil soldados. Os nossos combatentes no Leste já dizem que estão a ser atacados com menos frequência”.

“Alguns russos não puderam deixar de reparar que Putin não correu para defender o seu próprio país. Não, em vez disso, ele quer, em primeiro lugar e acima de tudo, cuidar de si próprio e acabar com a Ucrânia. O seu povo não é uma prioridade para ele”.

Este tópico foi baseado numa entrevista com o Presidente Zelenskyy para a revista New Yorker, publicada a 22 de setembro.

📷: Jędrzej Nowicki para a The New Yorker


UNITED24 Media

@United24media

September 04, 2024

🇺🇦 De onde vem a autoridade da NATO e da UE?

 


Um porta-voz da NATO, em resposta à sugestão do Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, Radoslaw Sikorski, de abater os mísseis russos sobre a Ucrânia, advertiu que tais acções poderiam ter consequências para toda a Aliança, de acordo com comentários feitos à agência Europa Press.
O porta-voz sublinhou que a NATO tem a responsabilidade de evitar uma nova escalada da guerra russa e reiterou que a Aliança “não é parte no conflito e não se tornará uma” na Ucrânia. Embora reconhecendo o direito de cada membro a defender o seu espaço aéreo, o porta-voz advertiu que as acções tomadas por Estados individuais em apoio à Ucrânia “também podem afetar a NATO como um todo”.
“É por isso que os aliados devem continuar a consultar-se estreitamente”, acrescentou o porta-voz.
United24

Entretanto, a UE, apesar de ter anunciado com grande pompa, por diversas vezes, a decisão do G7 de congelar os bens russos e transferi-los para a Ucrânia, para que se possa defender-se, fez zero. Houve eleições, os novos deputados estão a tratar das suas novas vidinhas, estiveram de férias, há muita burocracia:

O facto de a UE não ter agido em relação aos activos russos congelados diz tudo sobre a política da UE e o fracasso institucional... Ninguém no comando, nada mais do que divisão e burocracia... (Guy Verhofstadt)

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A autoridade da NATO e da UE não vem das armas e do dinheiro, como se vê pela actuação desafiante da Rússia e de outros países. Esses factores, só por si, não valem absolutamente. Têm um valor relativo ao modo como são usados.

A NATO e a UE só têm um efeito dissuasor da agressão e da violência se forem consequentes e estiverem à altura das suas palavras. Fazer constantemente ameaças vãs e olhar para o outro lado enquanto os criminosos cometem crimes sabendo que os vêem perfeitamente mas não agem, tem o efeito de anular a autoridade que a força das armas parecia poder, e pode, exercer. Dá uma imagem de fraqueza e medo que é o alimento mais forte dos ditadores, dos bullies e dos criminosos.

Todo o professor sabe isto. Quando lidamos com alunos delinquentes ou bullies -e já todos tivemos a nossa conta deles- o pior que se pode fazer é fingir que não se vê o seu comportamento ou tolerá-lo com ameaças a que não se seguem as devidas acções. Esses alunos percebem imediatamente que o professor tem receio dele -e/ou do grupo- e que vai aguentar tudo o que lhe fizerem. Daí para a frente vão sempre a escalar na agressividade e o quando professor, a certa altura, quiser agir, já é tarde demais.

A 'des-escalada' das situações faz-se nos primeiros desafios, apelando à racionalidade, mas há alunos, os tais que são delinquentes e bullies, com quem a racionalidade, a argumentação e a psicologia não funcionam e, nesses casos, uma pessoa tem que não recuar no confronto e agir logo imediatamente no sentido de impor o cumprimento das regras, porque a segurança de todos os outros alunos da turma depende desse aluno conter-se e passar a agir dentro das regras e leis comuns. O que acontece, desde que a o DT e a direcção da escola apoiem o professor na sua autoridade legítima.

Foi o que a Ucrânia fez à Rússia: aguentou o confronto e não recuou. Depois pediu ajuda à autoridade: a ONU, a NATO e a Europa, para que a apoiassem na sua defesa legítima. Infelizmente, nenhum apoio foi rápido, decisivo, indubitável e consequente. A ONU dá uma no cravo e outra na ferradura: ora apoia a Ucrânia, ora deixa a Rússia, a entidade agressora, no comando do seu Conselho de Segurança; a NATO mostra ter medo de ser consequente e aconselha a que os seus membros não confrontem o bully e a UE ameaça com sanções que nunca mais vêm.

Putin não é um bully com quem se possa argumentar racionalmente. Vejo muito elementos de discurso e mentalidade comuns ao nazismo, ao russismo e ao islamismo. Há bocado vi na BBC uma entrevista ao ex-padre representante da Igreja Ortodoxa russa em Madrid, Rev. Dr. Andrei Kordochkin. Foi afastado depois de ter assinado, em 2022, uma carta conjunta com mais 300 padres contra a invasão da Ucrânia. Vive agora na Alemanha.

Quando o entrevistador lhe pergunta se a Igreja russa é um fantoche de Putin e se Putin é mesmo religioso ou apenas hipócrita, ele responde que na Rússia há duas crença enraizadas na população: a 1ª é a de que a Rússia define-se por ser uma potência expansiva. Tem muito orgulho em dizer que é algo que está no seu ADN e não podem evitar; a 2ª é a de que são um povo moralmente superior e que lhes cabe a eles serem o reservatório dos valores tradicionais que o Ocidente está a destruir. No entender de Putin e dos russos em geral, Deus é um homem, os homens são os protectores das mulheres, seres fracos e emocionais e daí a autoridade religiosa e política ser masculina. Portanto, Putin é religioso neste sentido de ir à religião buscar um quadro de valores tradicionais mas não é cristão porque não age como tal: defende a acção pela violência e não acredita nos Direitos Humanos. É isto o 'russismo'.

O 'russismo' é muito parecido, na sua mentalidade, com o nazismo e com o islamismo: todos têm o mesmo discurso de superioridade moral, misoginia a homofobia e salvaguarda dos valores tradicionais do mundo e nenhum deles acredita nos Direitos Humanos. O 'trumpismo' dos MAGA já está nos arredores deste discurso. Não são grupos sensíveis a argumentação racional e quanto mais o Ocidente os evitar ou tentar apaziguar, mais crescem em ousadia e agressividade e quando os ocidentais despertarem, compreenderem o perigo e quiserem fazer qualquer coisa já será tarde demais. 

Neste momento continua a haver decisores nos EUA e na Alemanha que acreditam que se pode reverter a situação ao tempo em que Putin era um parceiro económico e estão cegos para os custos políticos que essas falsa parceria teve e tem. Parecem os professores que, apesar dos alunos lhes chamarem estúpidos, bestas, os mandarem à merda, lhes atirarem coisas para os agredir, etc., normalizam tudo, convencidos que é possível manter a paz na turma e apaziguar o delinquente com conversas amenas e ameaças vãs.

August 24, 2024

E ficámos a saber que Hugo Soares tem cérebro de ervilha

 

Hugo Soares concedeu uma entrevista ao Expresso (...) a certa altura o Expresso resolveu perguntar-lhe sobre as eleições americanas e qual o candidato da sua preferência. Hugo Soares encalhou, e disse que “teria muitas dificuldades” em escolher. Por um lado, tem “discordâncias profundíssimas com a forma de estar e de fazer política de Donald Trump” (quem não?); por outro, o tempo de vice-presidência de Kamala Harris não deu para “conhecer profundamente o seu pensamento”.

JMT in publico.pt


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Trump é um ladrão e violador, já condenado relativamente a mais de 60 crimes, é um fascista que tentou derrubar a democracia com armas, inclusive tentou levar ao assassinato do seu vice-presidente, é um admirador e aspirante a Putin e Kim Jong -isto são coisas que se sabem, com provas e condenações em tribunal- mas Hugo Soares diz que Kamala Harris tem contra ele ainda não ter dado a conhecer o seu pensamento. Isto é o equivalente a dizer, como resposta à pergunta, "quem vais escolher para governar a tua empresa?":  'estou indeciso entre um ladrão violador, criminoso e aspirante a ditador e uma mulher honesta e competente porque não sei bem o pensamento dela.

Pois este Hugo Soares já me disse tudo o que tinha de saber sobre o seu cérebro de ervilha e assusta-me que tome decisões que afectem a minha vida e a do país.

June 05, 2024

Não interpreto a situação da Europa desta maneira

 


A Europa está em transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra? Vejamos, a Europa estava num caminho de paz, de repente tem uma guerra no seu âmago, o que deveria fazer? Fingir não ver e continuar na sua vidinha? Deixar os ucranianos ao 'Deus dará'? Desde quando um projecto de paz implica falta de solidariedade e conivência com países coloniais brutais? Aliás, o projecto de paz da Europa sempre foi um projecto de democracias contra ditaduras. Cumprir critérios democráticos é obrigatório para entrar na UE. Devia deixar a Rússia ir andando, andando, até à Porta de Brandemburgo?

Portanto, a Europa não se transformou num 'projecto de guerra'. A Europa está a lidar com a realidade e a realidade é que dentro dos EUA, os apoiantes de Trump são contra a NATO, contra a Ucrânia e a favor de Putin e Biden recua todos os dias um bocadinho com medo que o apoio à NATO e à Ucrânia lhe ponha em causa as eleições. A realidade é que os EUA se tornaram uma paródia com metade dos políticos a prestarem vassalagem a um indivíduo bronco, venal, criminoso e cheio de apetência pelo poder não-democrático. E a Europa está a lidar com essa realidade de ter de deixar de contar com o apoio do principal aliado e ter de se desvencilhar sozinha. E para isso precisa de ser independente e forte militarmente. Isso não é 'um projecto de guerra', é uma precaução, para podermos seguir em frente com o nosso projecto de paz e não ficarmos reféns de Putins, Trumps e Xis.

No passado, acreditávamos que podíamos transformar inimigos em amigos através de relações económicas próximas? Estávamos a ser enganados por Putin que desde que chegou ao poder, nunca teve intenção de ser um 'amigo'. Foi sempre um impostor. A primeira coisa que fez quando chegou ao Kremlin foi invadir a Geórgia à maneira soviética. Infelizmente a Europa não teve políticos de visão, nomeadamente na Alemanha, que percebessem o perigo da Rússia invadir a Ucrânia, logo em 2014 e apoiaram-no parvamente. Em 2022, lá perceberam, muito a custo. E os EUA a mesma coisa. Isso tem sido um parto a ferros.

Por conseguinte, a Europa está a lidar com a realidade. Se tivessem apoiado a Ucrânia logo de início, a guerra estava acabada há muito, mas como os governantes de mais peso na Europa e nos EUA são, ou fascinados por ditadores e parecem, alguns, infantis a falar com ele, ou medrosos ou gananciosos, arrastou-se e agora é mais difícil. E quanto mais tempo levarmos a ajudar a Ucrânia e a tornarmo-nos independentes militarmente mais difícil será.

Nem me parece que haja uma crise de identidade na Europa. Pelo contrário, há muito tempo que a Europa não estava tão unida (tirando um breve tempo aquando do Covid) a favor de se defender, de parar Putin, de lidar com o amancebado de Putin que é Orban. 

A divisão de esquerda direita da Europa foi criada, há muito tempo, pela esquerda francesa para capitalizar votos dividindo a direita. Abriram o fosso, os outros foram atrás e agora não sabem fechá-lo, porque é fácil destruir, construir é que é difícil.

Mark Leonard: “A invasão da Ucrânia abriu uma crise de identidade na União Europeia”


A Europa está em transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra”, acredita o director do European Council on Foreign Relations.


Escreveu recentemente que a UE está a atravessar um processo de transição de um “projecto de paz” para um “projecto de guerra”. O que quer dizer exactamente?

O que quero dizer é que, quando Putin lançou uma invasão em grande escala da Ucrânia, não abriu apenas uma crise de segurança, abriu uma crise de identidade, porque o núcleo central da identidade europeia foi posto em causa. A União Europeia era um projecto essencialmente de soft power e agora estamos a viver um processo de rearmamento maciço em curso em muitos países, incluindo na Alemanha, onde sempre houve um grande cepticismo sobre isso. Em segundo lugar, também mudou a forma como pensávamos a interdependência. No passado, acreditávamos que podíamos transformar inimigos em amigos através de relações económicas próximas. Percebemos agora que isso também nos cria vulnerabilidades, sem realmente alterar a natureza desses países. Essa compreensão provocou uma alteração psicológica importante.

O terceiro factor é sobre as fronteiras da Europa. No passado, pensávamos que as fronteiras tinham pouca importância e que o projecto europeu era acabar com elas. Hoje, tornaram-se uma questão existencial. Tínhamos a ideia de que havia a União, a Rússia e uma série de países entre ambas…

Uma zona cinzenta.
Sim. E hoje pensamos que definir fronteiras é realmente importante e que não podemos permitir-nos manter essa zona cinzenta. A questão passou a ser: ancoramos a Ucrânia ou a Moldova numa comunidade de segurança europeia ou não. Isto também faz parte desta transformação.


Creio que estamos a caminho de criar uma economia de guerra.

É isso que designa por “projecto de guerra”?
Sim, porque a força motriz da integração europeia passou a ser como respondemos à guerra na Ucrânia. É daí que vem grande parte da energia.


May 18, 2024

Orban é um acólito de Putin e usa as mesmas tácticas



Será que Viktor Orbán vai mesmo marchar para Bruxelas e “ocupar” o coração da União Europeia? Orban tem entrado em conflito com a EU há anos, mas não é nenhum Nigel Farage. Não quer abandonar o navio; quer comandá-lo e corrigir o rumo. “O nosso plano não é sair de Bruxelas, mas tomar conta dela”, disse Orbán aos meios de comunicação húngaros, em Dezembro. E em breve terá a oportunidade de o fazer.

Nas eleições para o Parlamento Europeu, no próximo mês, Orbán espera que uma vaga populista de direita lhe permita, a ele e aos seus parentes ideológicos, ocupar cargos e instituições de topo. Com a Hungria a assumir a presidência rotativa do Conselho Europeu em Julho, a influência do seu primeiro-ministro poderá ser inigualável.

Os muitos detractores liberais de Orbán caracterizam-no como uma ameaça aos “valores europeus” fundamentais, mas há uma estranha falta de clareza sobre o que são realmente esses “valores”. (...)
No entanto, Orbán também se vê como o campeão dos valores europeus e os seus críticos como os que os estão a pôr em perigo. O que está em jogo nesta insurreição continental é o próprio significado e direção dos princípios fundamentais da UE.

Ao nível da retórica, o conceito de Orbán de uma “Europa das nações”, com valores enraizados na tradição cristã, está claramente em contradição com a visão liberal progressista de uma Europa secular, assente nos direitos humanos e na igualdade. 

Mas mesmo as patologias que os adversários de Orbán lhe atribuem com razão - nacionalismo, clientelismo, autoritarismo - são, em última análise, tão europeias como a Eurovisão. Na verdade, o facto de os “valores da UE” serem vulneráveis a este tipo de ataque revela uma certa vacuidade no coração do projeto europeu. É, por outras palavras, um recipiente vazio, pronto para ser sequestrado - e a aquisição furtiva já começou.

Em 2022, a rede de televisão europeia Euronews foi comprada por um obscuro fundo de investimento português próximo do Governo de Orbán. O fundo soberano húngaro, Széchenyi Funds, que é um organismo público, também investiu 45 milhões de euros na compra, e uma empresa de comunicações pertencente a um colaborador próximo de Orbán contribuiu com mais 12,5 milhões de euros. A motivação não era difícil de perceber: de acordo com documentos internos dos Fundos Széchenyi obtidos por jornalistas, a Euronews, que era descrita como “a sétima marca mais influente na política da UE”, tinha sido comprada “para mitigar a parcialidade da esquerda no jornalismo”. Trata-se de uma abordagem à gestão dos meios de comunicação social que Orbán já aperfeiçoou no seu país: estimativas recentes sugerem que Orbán e os seus associados do Fidesz detêm ou controlam atualmente cerca de 90% do panorama mediático húngaro.

No âmbito da remodelação da Euronews, a rede mudou recentemente a sua sede de Lyon para o coração de Bruxelas. Em termos de soft power, está em muito boa companhia. Em 2021, o Governo húngaro comprou uma grande mansão do século XVIII, na mesma rua de Bruxelas, a que os funcionários já chamam “Casa da Hungria”. Outras iniciativas do Governo húngaro incluem o Mathias Corvinus Collegium (muitas vezes referido como MCC), um grupo de reflexão que abriu uma nova filial em Bruxelas em 2022, promovendo valores conservadores e discussões sobre assuntos da UE de acordo com o pensamento orbánista. Por último, o Governo húngaro financia também o European Conservative, uma publicação em língua inglesa que publica comentários conservadores sobre a atualidade europeia. No seu conjunto, a proliferação destas instituições apoiadas por Orbán evidencia a dimensão e a seriedade da sua ambição em Bruxelas.

Na opinião de Orbán, o conflito na Europa é definido por dois campos concorrentes: o seu próprio grupo, os soberanistas (ou nacionalistas), e os seus opositores, os federalistas. Os federalistas querem criar uns “Estados Unidos da Europa” centralizados, minando o Estado-nação e reduzindo os seus poderes. Já os soberanistas, como Orbán, acreditam que a UE deve ser reduzida a um corpo frouxo, sobretudo cultural, que une os Estados-nação europeus no seu cristianismo comum. Por seu lado, os federalistas vêem os soberanistas como nacionalistas regressivos do sangue e do solo - os primos ideológicos dos fascistas responsáveis pelos piores horrores do século XX.

Mas, apesar de a divisão entre os dois campos se ter tornado mais ampla e acrimoniosa nos últimos anos, Orbán acredita que a tensão soberanista-federalista já foi parte integrante do funcionamento da UE. No passado, explicou recentemente, pensava-se que “se [os] soberanistas derrotassem os federalistas, a força coesiva cessaria, mas se os federalistas eliminassem os soberanistas, o que se seguiria seria a criação de outro império opressivo”. No entanto, diz Orbán, este equilíbrio construtivo degradou-se quando os federalistas começaram a mudar. Na sua opinião, os antigos federalistas de outrora eram “universalistas católicos”; não defendiam a abolição dos Estados-nação, mas sim a sua proteção no seio de algo como uma cristandade unida, um Ocidente ou uma Res Publica Christiana. O que mudou foi o facto de esses federalistas se terem transformado em “liberais progressistas... [que] se tornaram como os comunistas e são agora uma verdadeira ameaça à nossa liberdade”. Há alguma ironia no facto de Orbán confundir os “valores europeus” liberais progressistas com o comunismo. Como escreveram o historiador Samuel Moyn e outros, estes valores foram muitas vezes defendidos pelos políticos e instituições europeias do pós-guerra, num esforço para “combater o socialismo interno”.

A Hungria tem estado em desacordo com os eurocratas federalistas desde que o Fidesz chegou ao poder, em 2010. Antes disso, a elite tecnocrática dos socialistas no poder dava-se geralmente bem com os tecnocratas de Bruxelas. A UE desempenhou um papel preponderante para ajudar a Hungria a evitar a falência em 2008; juntamente com o FMI e o Banco Mundial, montou um pacote de salvamento de 25 mil milhões de euros para o país. Foram introduzidas medidas de austeridade punitivas e os socialistas substituíram o seu programa de combate à pobreza por um programa de trabalho, colocando uma enorme pressão sobre os húngaros, já em dificuldades. O Fidesz aproveitou o descontentamento que se seguiu.
(...)
Este desacordo fundamental sobre o significado e a manutenção dos “valores europeus” é parte do que Orbán espera explorar antes das eleições para o Parlamento Europeu. Mas não vai ser fácil. O Fidesz abandonou o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, em 2021, depois de ter enfrentado a expulsão devido às múltiplas deficiências democráticas da Hungria e às preocupações com o Estado de direito, e ainda não se juntou a nenhum dos dois grupos políticos nacionalistas de direita no Parlamento Europeu. Os dois grupos estão divididos numa única questão: o apoio à Ucrânia. O grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), que inclui o partido Lei e Justiça da Polónia e os Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, apoia fortemente a continuação da ajuda militar a Kiev. Em contrapartida, o grupo Identidade e Democracia (ID), onde se encontram a Alternativa para a Alemanha e o Rali Nacional de Marine Le Pen, critica o armamento da Ucrânia e quer manter relações amigáveis com a Rússia - uma posição que Orbán partilha. As sondagens sugerem que ambos os grupos de direita estão preparados para acumular mais poder nas eleições para o Parlamento Europeu.

Alguns especulam que, apesar das suas diferenças em relação à Ucrânia, a ECR e a ID poderão fundir-se num único bloco populista de direita. Em meados de abril, Orbán deu uma conferência de imprensa conjunta com o antigo primeiro-ministro polaco e líder do Lei e Justiça, Mateusz Morawiecki, e com o antigo chefe da Frontex, Fabrice Leggeri, candidato ao Rali Nacional de França. O evento, organizado pelo ECR, contou com a presença de numerosos membros da ID, incluindo deputados do AfD alemão e do Vlaams Belang nacionalista flamengo. Sobre o potencial para uma maior cooperação, Morawiecki disse ao Euractiv: “Posso dizer-vos que tenho um sentimento muito bom com os meus colegas do Fidesz; sei que Giorgia Meloni e Viktor Orbán têm uma boa relação”. Mas a perspetiva de uma fusão é altamente improvável, uma vez que há outros que estão muito menos entusiasmados com a perspetiva de acolher os húngaros nas suas fileiras. Alguns membros do ECR, do ODS checo e dos Democratas da Suécia, opuseram-se à ideia de se alinharem com o Fidesz, invocando a insistência da Hungria em manter laços calorosos com a Rússia. Alexandr Vondra, eurodeputado checo, sublinhou este ponto numa entrevista no início do mês: “Se alguém se limita a repetir a propaganda de Putin, não tem nada que estar aqui (na ECR). Já disse isto ao Fidesz e, por causa disso, não pode haver negociações com eles”.

E há mais contradições no seio deste bloco de direita emergente. Embora muitos em Bruxelas o possam ter esquecido, antes da invasão total da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, foi a Hungria que mais pressionou para que o alargamento da União incluísse a sua “vizinhança” oriental. Budapeste há muito que insiste em que a UE acelere a adesão da Sérvia e da Bósnia-Herzegovina. Este entusiasmo baseia-se, em parte, nas relações pessoais de Orbán com o Presidente sérvio Aleksandar Vučić e com o Presidente da República Srpska da Bósnia, Milorad Dodik. No início de abril, Orbán foi mesmo condecorado com a Ordem da Republika Srpska e referiu-se a Dodik como “o meu amigo Milorad” durante o seu discurso de aceitação. Entretanto, no Reino Unido e nos Estados Unidos, Dodik foi sancionado por ter promovido a secessão da Republika Srpska, de maioria sérvia, um ato que muito provavelmente desencadearia uma nova guerra na Bósnia.

Ao receber o prémio em Banja Luka, no mês passado, Orbán falou também da necessidade do alargamento da UE: “Sem os sérvios, não há segurança europeia. Sem os sérvios não há uma União Europeia saudável... E claro... há muita coisa errada com a União Europeia - eu luto contra ela todos os dias. 
(....)
Orbán sempre apresentou o seu euroceticismo como parte do seu plano mais vasto de refazer o tecido social da própria Hungria. Mas essa retórica esconde muitas vezes o facto de as suas grandes visões estarem em contradição com o seu magro historial interno. No início, ele não era inteiramente desprovido de promessas. Orbán chegou ao poder rejeitando a ortodoxia neoliberal e o “pacote de salvamento” ditado pelo FMI, Banco Mundial e UE - e as suas políticas económicas intervencionistas produziram algum sucesso inicial. No entanto, com o tempo, tornou-se claro que esta suposta fuga à ortodoxia pouco mais foi do que “neoliberalismo num só país”. Como escreveu o sociólogo húngaro Andras Bozoki: “Orbán atacou habilmente os bancos (a maioria dos quais em mãos estrangeiras), as corporações multinacionais, os meios de comunicação estrangeiros e os funcionários da UE com base na [sua própria preferência pelo] nacionalismo económico e independência soberana, mas também combinou isso com uma política interna favorável aos negócios, como a introdução de um imposto fixo, direitos laborais reduzidos e ataques aos sem-abrigo, desempregados e sindicatos”. Em dezembro de 2018, por exemplo, o governo de Orbán adoptou a chamada “lei dos escravos”, que permite aos empregadores exigir 400 horas extraordinárias por ano, um aumento dramático em relação às 250 horas permitidas anteriormente. A lei também permite que os empregadores atrasem os pagamentos aos trabalhadores por até três anos.

Entretanto, Orbán transformou o Estado num veículo para os seus próprios interesses, com os contratos públicos financiados pela UE a criarem uma nova classe de oligarcas conviviais. Veja-se o caso do amigo de infância de Orbán, Lőrinc Mészáros, que se tornou o homem mais rico da Hungria em 2018. Mészáros tinha trabalhado como instalador de tubos durante décadas, mas nesse ano, as suas empresas ganharam os concursos públicos mais financiados pelos contribuintes no país. O valor dos contratos ascendeu a um total impressionante de 826 milhões de euros, 93% dos quais provenientes da União Europeia. Também nomeou aliados para posições-chave do Estado e manteve um controlo total sobre o Ministério Público, assegurando que ele e os seus associados podem ser protegidos do escrutínio

E embora Orbán se afirme defensor da Europa cristã, o número de pessoas que se identificam como religiosas na Hungria desceu a pique: mais de 50% dos húngaros dizem não praticar uma religião ou recusam-se a nomear a sua fé. 
(...)
Apesar do seu comércio retórico com o nacionalismo e o conservadorismo, isto revela uma vacuidade essencial no projeto de Orbán. Tal como Vladimir Putin, a estratégia cultural de Orbán consiste sobretudo em atacar moinhos de vento, transformando em inimigo uma “wokeness” retirada das guerras culturais anglo-americanas que têm pouca ou nenhuma ressonância doméstica; previsivelmente, os seus alvos incluem drag queens e departamentos de Estudos de Género. A sua fixação no “anti-wokeness” na homogénea Hungria pode dar a impressão de que prefere lutar com estudantes universitários americanos do que confrontar-se com a realidade económica punitiva do seu país, onde a inflação atingiu um pico de mais de 25% em 2023 - a mais elevada de toda a UE - e onde os preços dos alimentos subiram mais de 45% ao longo do ano. 
(...)
Orbán também tem de lidar com a sua própria guerra cultural sexual. Em fevereiro, foi revelado que a Presidente Katalin Novak tinha perdoado um homem preso por encobrir abusos sexuais de crianças por parte do diretor de um orfanato estatal. 
(...)
O escândalo tornou-se ainda mais significativo com a deserção de Peter Magyar, o ex-marido de Varga e antigo membro do Fidesz, que, em março, publicou uma gravação de Varga em que este detalhava até que ponto os membros do círculo íntimo da elite de Orbán interferiram no processo de um caso de corrupção. Desde então, Magyar tem-se apresentado como o novo rosto da oposição, onde espera recuperar o centro político.
(...)
Nisso, talvez Orbán não seja assim tão diferente da UE, com a qual há muito está em desacordo: vazio e politicamente maleável, invocando “valores europeus” supostamente férreos para mascarar um núcleo espiritual empobrecido.

Nada disto é para minimizar a dimensão da sua ambição. Na Conferência CPAC da Hungria, realizada no mês passado, Orbán sugeriu que uma “ordem mundial soberanista” poderia substituir a atual ordem liberal, e que isso poderia acontecer este ano, com eleições críticas em ambos os lados do Atlântico. “Que venha finalmente a era dos soberanistas”, afirmou. “Tornar a América grande de novo, tornar a Europa grande de novo, força Donald Trump, força soberanistas europeus!” A ordem mundial soberanista, sublinhou, não terá ideologia, e podemos deduzir que a China, com quem a Hungria mantém relações calorosas, também será incluída. Seja qual for o resultado das eleições para o Parlamento Europeu, esta competição pós-ideológica, que os liberais progressistas enquadram como uma competição entre autocracias e democracias, veio para ficar.
(...)
Se os evangelistas da “europeização” da Europa perguntassem às pessoas de fora do Ocidente quem melhor representa os “valores europeus” - eles próprios ou Orbán - talvez não gostassem da resposta. Por muito que possa assustar os liberais esclarecidos dos liberais de Bruxelas, o tipo de nacionalismo excludente de Orbán é parte integrante da história da Europa - e fará certamente parte do seu futuro também.

Lily Lynch in https://unherd.com

May 07, 2024

Rússia - PFEC (Processo Fascizante Em Curso)

 


Está lá tudo: a sagração da Pátria, da família, da pureza dos valores russos, a missão de cruzada contra o mal que é o Ocidente (a substituir os judeus), a endoutrinação das crianças, a militarização da sociedade, o governo pelo medo, a prisão dos livres e a libertação dos criminosos.

Lemos este artigo e percebemos que Putin está perdido. Perdido, derrotado. Não é uma questão de 'se', mas apenas de 'quando'. E a resposta é: depende do Ocidente querer ajudar a Ucrânia ou acobardar-se como Scholz (ou vender-se como Macron.) Quanto mais depressa melhor. O mundo precisa de uma Rússia saudável, não de uma Rússia carcinómica.


Sob Putin, uma nova Rússia militarizada surge para desafiar os EUA e o Ocidente


By Robyn Dixon

Enquanto Vladimir Putin persiste na sua campanha sangrenta para conquistar a Ucrânia, dirige uma transformação igualmente importante a nível interno - re-estruturando o seu país numa sociedade regressiva e militarizada que vê o Ocidente como seu inimigo mortal.

A tomada de posse de Putin, na terça-feira, para um quinto mandato, não só marcará os seus 25 anos de domínio do poder, como também mostrará a transformação da Rússia naquilo a que os comentadores pró-Kremlin chamam uma “potência revolucionária”, decidida a subverter a ordem global, a fazer as suas próprias regras e a exigir que a autocracia totalitária seja respeitada como uma alternativa legítima à democracia num mundo dividido pelas grandes potências em esferas de influência.

“Os russos vivem numa realidade completamente nova”, escreveu Dmitri Trenin, [uma] transformação mais ampla que está a ocorrer na economia, política, sociedade, cultura, valores e vida espiritual e intelectual da Rússia”.

Em Russia, Remastered, The Washington Post documenta a escala histórica das mudanças que Putin está a levar a cabo e que acelerou a uma velocidade estonteante durante dois anos de guerra brutal, mesmo quando dezenas de milhares de russos fugiram para o estrangeiro. É uma cruzada que dá a Putin uma causa comum com Xi Jinping da China, bem como com alguns apoiantes do antigo presidente Donald Trump. E levanta a perspetiva de um conflito civilizacional duradouro para subverter a democracia ocidental e - Putin avisou - ameaça mesmo uma nova guerra mundial.

Para levar a cabo esta transformação, o Kremlin está a:

* Forjar uma sociedade ultra-conservadora e puritana, mobilizada contra as liberdades e especialmente hostil aos homossexuais e transgéneros, na qual a política da família e as despesas com a segurança social reforçam os valores ortodoxos tradicionais.

* Reformulação da educação a todos os níveis para doutrinar uma nova geração de jovens turbo-patriotas, com manuais escolares re-escritos para refletir a propaganda do Kremlin, currículos patrióticos estabelecidos pelo Estado e, a partir de setembro, aulas militares obrigatórias dadas por soldados, denominadas Noções básicas de segurança e proteção da pátria, que incluirão formação sobre o manuseamento de espingardas de assalto Kalashnikov, granadas e drones.

* Esterilizar a vida cultural com listas negras de actores, realizadores, escritores e artistas liberais ou anti-guerra, e com novos mandatos nacionalistas para museus e realizadores de cinema.

* Mobilizar o activismo zeloso pró-guerra sob o brutal símbolo Z, que foi inicialmente pintado no lado dos tanques russos que invadiram a Ucrânia, mas que desde então se espalhou para edifícios governamentais, cartazes, escolas e manifestações orquestradas.

* Retirada dos direitos das mulheres através de uma torrente de propaganda sobre a necessidade de dar à luz - frequentemente - e da restrição da facilidade de acesso ao aborto, e acusação de activistas feministas e jornalistas liberais de terrorismo, extremismo, descrédito das forças armadas e outros crimes.

* A reescrita da história para celebrar Joseph Stalin, o ditador soviético que enviou milhões de pessoas para o gulag, através de pelo menos 95 dos 110 monumentos na Rússia erguidos durante o tempo de Putin como líder. Entretanto, o Memorial, um grupo de defesa dos direitos humanos que denunciou os crimes de Estaline e partilhou o Prémio Nobel da Paz de 2022, foi encerrado e o seu co-presidente pacifista, Oleg Orlov, de 71 anos, foi preso.

* Acusar cientistas de traição; equiparar as críticas à guerra ou a Putin a terrorismo ou extremismo; e construir uma nova elite militarizada de “guerreiros e trabalhadores” dispostos a pegar em armas, redesenhar fronteiras internacionais e violar as normas globais por ordem do governante homem forte da Rússia.

Segundo Andrei Kolesnikov, do Carnegie Russia Eurasia Center, 
Estão a tentar desenvolver este Putinismo científico como base de propaganda, de ideologia e de educação histórica. Precisam de uma nova geração obediente - robots doutrinados num sentido ideológico - que apoie Putin, que apoie as suas ideias, que apoie esta militarização da consciência. Precisam de carne para canhão para o futuro.
Pouco antes de ordenar o que acreditava ser uma guerra curta e de choque contra a Ucrânia, Putin publicou um decreto pouco noticiado, considerado vital para a segurança nacional da Rússia. Apelava a medidas urgentes para proteger os “valores espirituais e morais tradicionais russos” e apontava os Estados Unidos como uma ameaça direta. Um dos principais objectivos, disse, era “posicionar o Estado russo na cena internacional como guardião e defensor dos valores espirituais e morais universais tradicionais”.
As descrições de Putin do Ocidente como “satânico” e da guerra como “sagrada” são, cada vez mais, repetidas por funcionários e pela Igreja Ortodoxa Russa.

À medida que vai fracturando os laços globais e preparando a sua nação para uma guerra eterna com o Ocidente, a polícia de choque russa faz rusgas em clubes noturnos e festas privadas, bate nos convidados e processa os proprietários de bares gay. Os russos foram presos ou multados por usarem brincos de arco-íris ou exibirem bandeiras de arco-íris. Dissidentes que estiveram presos nos tempos soviéticos estão de novo atrás das grades - desta vez por denunciarem a guerra.

O Kremlin defendeu a repressão como uma resposta à procura popular.

Para este artigo, The Post enviou perguntas ao porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que respondeu a algumas delas, mas não a todas. O Post também solicitou uma entrevista com Putin. Esse pedido foi recusado.

Se não é aceite pela sociedade, então a polícia tem de tomar medidas para a equilibrar com as exigências da sociedade", escreveu Peskov na sua resposta. “A sociedade é agora menos tolerante com essas festas e clubes noturnos.”

Há muito obcecado com o declínio populacional da Rússia, Putin está a incitar as mulheres russas a terem oito ou mais bebés, ao mesmo tempo que se apodera à força de partes da população da Ucrânia. A Rússia emitiu mais de 3 milhões de passaportes no leste da Ucrânia desde 2019, de acordo com o Ministério do Interior russo.

Na Ucrânia ocupada, é praticamente impossível trabalhar, conduzir ou obter cuidados de saúde, ajuda humanitária, benefícios ou outros serviços sem ter um passaporte russo - uma potencial violação das Convenções de Genebra, que afirmam que “é proibido obrigar os habitantes do território ocupado a jurar fidelidade à potência hostil”.

Na Crimeia, a Rússia emitiu mais de 1,5 milhões de passaportes depois de invadir e anexar ilegalmente a península em 2014.

Em termos de ambição e escala, o esforço de Putin para moldar uma nova identidade nacional é “tão profundo como a Revolução de outubro russa”, disse um membro da elite moscovita com contactos no Kremlin, referindo-se a 1917, quando os bolcheviques de Vladimir Lenine tomaram o poder. “Ele subverte todos os valores”, disse essa pessoa. “Corta todos os laços habituais”.

Tal como muitas pessoas mencionadas neste artigo, esta pessoa falou sob condição de anonimato por receio de represálias do governo russo, que tem prendido e até morto os seus críticos. Algumas das pessoas entrevistadas para este artigo receberam avisos explícitos, incluindo o congelamento de contas bancárias e de bens e duas foram presas.

Estão a tentar criar uma nova forma de ideologia para as massas", disse Mikhail Zygar, um jornalista e escritor russo que vive atualmente em Nova Iorque. “Não se trata de uma guerra com a Ucrânia. É uma guerra com a América, uma guerra com o Ocidente ou com Satanás, com todas essas forças de decadência moral.” O Putinismo tem as marcas do fascismo, disse Zygar. “Está a usar a guerra e o ódio como instrumento para fazer uma lavagem cerebral ao povo russo”, disse. “Isso é tudo o que sabemos sobre o fascismo”.
Depois de ter sido entrevistado pelo The Post, Zygar foi acusado de difundir “notícias falsas” e recebeu um mandado de captura.

O objetivo de Putin não é novo, mas o confronto da Rússia com o Ocidente por causa da Ucrânia permitiu-lhe acelerar o seu plano. O líder russo, que herdou o seu cargo em 31 de dezembro de 1999, começou imediatamente a reduzir as instituições democráticas e aprovou um ataque à NTV, a principal estação de televisão independente, poucas semanas depois de ganhar as suas primeiras eleições em março de 2000.

Durante as suas duas primeiras décadas de governo, Putin viveu a crista da onda dos preços do petróleo e do gás, mas nunca teve uma ideologia mobilizadora para convencer os cidadãos de que o seu caminho era melhor do que as liberdades democráticas e a maior riqueza económica do Ocidente. A sua reengenharia da Rússia foi concebida para fornecer essa filosofia unificadora. O seu símbolo - a letra Z pintada de forma grosseira nos tanques invasores em 2022 - adorna agora os edifícios públicos e os cartazes.


A visita de Putin a Kiev para apoiar o candidato presidencial Viktor Yanukovych, pró-Kremlin, sai pela culatra, preparando o terreno para a Revolução Laranja, em que os cidadãos ucranianos protestaram contra a fraude eleitoral e exigiram novas eleições, que o homem de Putin perdeu.
A invasão da Ucrânia foi o passo mais destrutivo no plano mais longo e grandioso de Putin para restaurar a grandeza da Rússia como a superpotência que foi durante o período soviético e como um império durante 200 anos antes disso. Mas a sua transformação da Rússia começou muito antes da invasão da Ucrânia, utilizando a homofobia e os chamados valores tradicionais para perturbar as sociedades ocidentais e angariar apoio no Sul Global. Também projectou o seu poder militar ao invadir a Geórgia em 2008 e ao enviar tropas russas para a Síria e África.

Na Rússia, a morte em fevereiro do mais forte rival de Putin, Alexei Navalny, foi um sinal claro deste novo caminho. Putin ignorou a morte de Navalny, sem mostrar simpatia, muito menos remorsos. “Acontece”, disse ele, apoiando a conclusão oficial de que Navalny morreu de causas naturais. A viúva de Navalny, Yulia Navalnaya, acusou Putin de o ter mandado matar.
Putin “decide tudo”, disse o membro da elite russa, e embora o seu novo mandato vá até 2030, espera-se que ele permaneça no poder o tempo que quiser.

Num discurso sobre o Estado da Nação, em fevereiro, Putin descreveu o seu esforço para que as mulheres tenham mais filhos e para criar uma nova elite de trabalhadores e soldados.
“Podemos ver o que está a acontecer em alguns países onde os padrões morais e a família estão a ser deliberadamente destruídos e nações inteiras são empurradas para a extinção e decadência”, afirmou. “Nós optámos pela vida. A Rússia tem sido e continua a ser um bastião dos valores tradicionais em que assenta a civilização humana”.
Proclamando um novo “tempo de heróis”, Putin disse que a velha elite oligárquica estava “desacreditada”.
“Aqueles que não fizeram nada pela sociedade e se consideram uma casta dotada de direitos e privilégios especiais - especialmente aqueles que se aproveitaram de todos os tipos de processos económicos nos anos 90 para encher os bolsos - não são definitivamente a elite”, afirmou. “Aqueles que servem a Rússia, trabalhadores e militares, pessoas fiáveis e dignas de confiança que provaram a sua lealdade”, acrescentou, “são a verdadeira elite”.


Peskov, o porta-voz do Kremlin, em respostas escritas a perguntas do The Post, disse que o objetivo era “encorajar o nosso povo a dar à luz o maior número de crianças possível”, para aumentar a população da Rússia.

“E, neste contexto, a difusão dos valores tradicionais é extremamente importante para nós e, neste contexto, não temos nada em comum com este liberalismo extremista em termos de abandono dos valores humanos e religiosos tradicionais a que estamos a assistir atualmente nos países europeus. Isto não corresponde ao nosso entendimento do que é correto", acrescentou.

Peskov disse que o Kremlin “vai continuar a fazer propaganda com isto, no bom sentido da palavra”, acrescentando: “Especialmente agora que temos uma consolidação extrema da nossa sociedade em torno desta ideia de valores tradicionais e em torno do Presidente, é mais fácil para nós fazer isso”.

Numa reunião em janeiro, Putin apresentou-se rigidamente com um grupo de famílias vestidas com trajes nacionais brilhantes. Foi a última iteração da sua imagem, há muito moldada por actividades encenadas, como andar a cavalo de peito nu. Agora, exaltando os valores tradicionais, é o patriarca avô, recordando retratos de Estaline com pessoas de toda a União Soviética.

"Nas famílias russas, muitas das nossas avós e bisavós tinham sete ou oito filhos, e até mais. Vamos preservar e reavivar estas tradições maravilhosas", disse Putin num discurso de novembro dedicado a "uma Rússia milenar e eterna".

A tónica é colocada num Estado especial e poderoso dominado por Putin, na auto-suficiência e estoicismo russos seculares e no sacrifício dos direitos individuais em prol do regime. Os homens dão a vida na guerra ou no trabalho. As mulheres devem dar o seu corpo dando à luz os seus filhos.

A visão do mundo de Putin inspira-se nos vikings do século IX, nos príncipes antigos e nos czares expansionistas, mas a sua pedra angular é a Segunda Guerra Mundial, ou a Grande Guerra Patriótica, em que a Rússia ajudou a derrotar a Alemanha nazi. O orgulho russo nessa vitória, fulcral para a sua identidade nacional, está presente na mitologia de Putin sobre a União Soviética.

Estaline, que supervisionou a morte de milhões de pessoas em fomes, purgas e no gulag, tem sido promovido como um líder forte em tempo de guerra, com 63% dos russos a expressarem uma visão positiva dele numa sondagem realizada em 2023 pela agência de sondagens Levada Center, e 47% a expressarem respeito por ele.

A admiração de Putin por ele remonta a décadas. Em 2002, quando o Presidente polaco Aleksander Kwasniewski se encontrou com o líder russo durante quase cinco horas a sós, Putin manifestou uma forte admiração por três líderes - Pedro o Grande, Catarina a Grande e Estaline - e o desejo de reconstruir a "Grande Rússia".

"A minha impressão é que vejo um homem que foi formado pelo KGB: a educação do KGB, os livros escolares do KGB e os livros sobre história, absolutamente falsificados", disse Kwasniewski a Zygar, o jornalista russo, em 2022, "mas muito a favor deste entendimento da Grande Rússia e do orgulho russo".

Putin há muito que está obcecado com a ideia de uma batalha civilizacional contra o Ocidente, distorcendo a história para afirmar que a Rússia está apenas a retomar as suas "terras históricas" na Ucrânia.

O primeiro primeiro-ministro de Putin, Mikhail Kasyanov, disse que ele e outros reformadores da década de 1990 assumiram que, tal como eles, Putin tinha abraçado a democracia e a reforma do mercado. "Mas ele não o fez", disse Kasyanov. "Ele fingiu." Kasyanov disse que ficou horrorizado com a abordagem de Putin a duas crises de reféns em 2002 e 2004 - ordenando que as forças invadissem o país, causando centenas de mortes.

"Isso já era uma demonstração da sua verdadeira natureza, a sua natureza KGB: nada de negociações, nada de compromissos, porque eles não podem chegar a um compromisso porque acreditam que serão vistos como pessoas fracas", disse. Em 2004, Kasyanov estava na oposição. "Compreendi que ele era a pessoa completamente errada", disse.

A primeira tentativa de Putin de dominar a Ucrânia em 2004 - visitando Kiev para apoiar o candidato presidencial Viktor Yanukovych, pró-Kremlin - saiu pela culatra e criou o cenário para a Revolução Laranja e para uma nova eleição, que o homem de Putin perdeu. Putin considerou-a um "golpe" e o apoio do Ocidente ao vencedor, Viktor Yushchenko, uma interferência. Foi o início da fixação de Putin no "problema ucraniano" e da sua convicção de que um vizinho independente e democrático era uma ameaça inaceitável para o seu próprio regime.

Abbas Gallyamov, redator de discursos de Putin de 2008 a 2010 e consultor político do Kremlin até 2018, disse que Putin invadiu a Crimeia em 2014 e conduziu um ataque militar em grande escala à Ucrânia em 2022, em parte para reverter o declínio do seu índice de aprovação. Segundo Gallyamov, depois de ter criticado francamente as decisões de Putin, os dirigentes do Kremlin ameaçaram cortar-lhe o contacto. "Depois disso, recebi ameaças", disse. "Vais passar fome. Não terás contratos".

Mudou-se para Israel com a família. No ano passado, foi colocado na lista de procurados da Rússia, de acordo com uma base de dados do Ministério do Interior, e o Ministério da Justiça russo declarou-o um "agente estrangeiro". Foi emitido um mandado de captura a 4 de março.

Na Rússia, os professores são utilizados para doutrinar as crianças e até para policiar as opiniões dos pais.
Os gastos com educação patriótica e organizações militarizadas estatais para crianças e adolescentes aumentaram para mais de US $ 500 milhões em 2024, de cerca de US $ 34 milhões em 2021, de acordo com estatísticas do orçamento federal relatadas pelo RBC, um diário de negócios russo.

2000
9.23
2021
65.9
2023
70
2024
118


A partir de setembro, todas as crianças em idade escolar receberão formação militar ministrada por soldados que combateram na Ucrânia; desde o ano passado, os estudantes universitários frequentam um curso obrigatório de patriotismo que transmite uma história distorcida e a ideia de que a Rússia não tem fronteiras quando se trata de "compatriotas" de língua russa.

Os estudantes de todas as idades são inundados com actividades a favor da guerra, incluindo palestras de veteranos de guerra vestidos com camuflagem e balaclavas pretas. Em Novosibirsk, as crianças fizeram drones para a frente e em Mamadysh, no Tartaristão, produziram barbatanas de cauda de drones. Outros fizeram muletas para soldados feridos ou meias de malha para os cotos de amputados militares.

As teorias supersticiosas da conspiração estão a ganhar força, com a ciência a recuar. Mais de uma dúzia de cientistas russos foram acusados de traição, milhares fugiram do país e a publicação de artigos científicos russos caiu mais de 14% em 2022, devido ao isolamento da Rússia após a invasão da Ucrânia, de acordo com a Scopus, uma importante base de dados independente de artigos de investigação revistos por pares.

Putin unge os heróis cujos actos mais chocam o Ocidente. Ele homenageou as tropas que a Ucrânia acusou de cometer atrocidades em Bucha em 2022; promoveu um alto funcionário da prisão russa dias após a morte de Navalny; e prestou homenagem à sua comissária para os direitos das crianças, Maria Lvova-Belova, que, junto com Putin, foi acusada pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra pela "transferência ilegal" e "deportação ilegal" de crianças ucranianas. O Kremlin rejeita as acusações.
Entretanto, a elite russa endureceu-se contra o Ocidente, segundo um bilionário que vive fora da Rússia.
"Toda a gente é muito anti-Ocidente; é só o que se ouve", disse o bilionário. "Anti-Ocidente, anti-Ocidente, anti-Ocidente. E isso vai aumentar, quanto mais esta guerra durar - e pode durar 10 anos ou mais."

Enquanto Putin se insurge contra a decadência e a permissividade liberais para reunir a nação atrás de si, os patriotas russos exultam com a sua promessa de uma nova elite. Yekaterina Kolotovkina, a mulher do tenente-general Andrei Kolotovkin, comandante do 2º Exército de Guardas de Armas Combinadas, de Samara, desenvolveu um projeto chamado "Esposas de Heróis", que agora percorre o país, com retratos patrióticos de mulheres de soldados vestidas com os uniformes dos seus maridos.
Na Casa dos Oficiais de Samara, dirige um grupo de mulheres reformadas que cortam e dobram ligaduras para a guerra. A despensa está cheia de artigos para enviar para a frente de batalha: desenhos de crianças, velas para as trincheiras, pacotes de conforto com bolachas secas, rebuçados e amuletos caseiros.

"As pessoas que regressam da operação militar especial devem ser criadas como esta nova elite", disse Kolotovkina numa entrevista. "São pessoas que provaram o seu amor pela Rússia. São verdadeiros patriotas. É preciso dar-lhes empregos decentes nas instituições do Estado".

Kolotovkina acusa o Ocidente de enviar a sua "imundície" para a Rússia e de promover as pessoas LGBTQ+.
"A nova Rússia tem a ver com os valores da família, da mamã e do papá". "Os nossos filhos devem ser saudáveis e patriotas. Será uma sociedade forte e patriótica. Vamos livrar-nos de todos aqueles que começaram a destruir o nosso país. Penso que a nova Rússia não terá lugar para essas pessoas".

Para além da elevação de novos heróis, o esforço de Putin para refazer a Rússia é marcado pela perseguição de milhares de pessoas a quem chama "escumalha e traidores" - inimigos do Estado. 

Mais de 116.000 russos foram julgados com base em artigos repressivos de carácter penal ou administrativo durante o último mandato de Putin, o número mais elevado desde os tempos estalinistas, de acordo com um estudo do Proekt, um órgão de informação russo de investigação.
Entre eles conta-se Boris Kagarlitsky, um sociólogo de esquerda que foi preso em 1982 como dissidente soviético quando tinha apenas 20 anos.

Atualmente com 65 anos, Kagarlitsky foi novamente detido em julho pelo Serviço Federal de Segurança por promover o "terrorismo", algemado e forçado a entrar num SUV por guardas armados com balaclavas pretas, tendo depois sido conduzido durante 17 horas para Syktyvkar, no norte da Rússia, onde foi levado a tribunal.

"Kafka", disse ele simplesmente. "Toda a gente percebeu o absurdo." Foi multado e libertado em dezembro, mas voltou a ser preso em fevereiro, depois de o Ministério Público ter recorrido. Os seus dias a gerir um canal do YouTube a partir de um estúdio numa cave sombria de Moscovo terminaram. Numa entrevista durante o almoço, antes de ser mandado de volta para a prisão, The Post perguntou-lhe por que razão não deixava a Rússia. Ele encolheu os ombros e sorriu. A prisão, disse, era "um risco profissional".

Kagarlitsky disse que o esforço de Putin para reestruturar a Rússia é uma jogada de dados desesperada - e condenada -, desligada da realidade. "Não está apenas desfasado dos russos comuns. Está desfasado da própria elite", disse, antes de se apressar a dar de comer ao seu gato.

O regime também se esforça por desacreditar os críticos de Putin fora da Rússia, incluindo um adorado romancista policial, Grigory Chkhartishvili, que vive em Londres e é mais conhecido pelo seu pseudónimo, Boris Akunin, que foi acusado de "disseminar informações falsas sobre as forças armadas russas" e de "justificar o terrorismo" por se opor à guerra na Ucrânia.




As lojas russas proibiram os seus livros, os seus direitos de autor foram confiscados e foi-lhe emitido um mandado de captura à revelia. Segundo Chkhartishvili, Putin está a implementar a "sharia ortodoxa", recorrendo a clichés xenófobos, intolerantes, paranóicos, misóginos "e inevitavelmente anti-semitas" para mobilizar os russos. "Moscovo tem de se tornar uma meca de idiotas", disse. "É esse o plano.
Muitos dos entrevistados para este artigo fugiram da Rússia ou foram posteriormente presos, incluindo um excêntrico YouTuber, Askhabali Alibekov, que se auto-intitula o "Paraquedista Selvagem". Alibekov, de Novorossiysk, no sul da Rússia, foi preso três vezes por criticar Putin e a guerra. Estava em fuga quando falou com o The Post em dezembro.

Khrushchev (1956-1961)
4,883
Khrushchev (1962-1967) 
1,016
Brezhnev (1968-1973)
1,057
Brezhnev (1974-1979)
519
Brezhnev (1980-1985)
642
Putin (2018-2023)
5,613



Cresceu num orfanato e ganhou a alcunha de "Lobo Pequeno", lutando contra os rufias, sempre com vontade de dar o último soco. Mas ao lutar contra Putin, disse sentir "total impotência, impotência, desamparo".
"O país está a transformar-se num Estado absolutamente totalitário. Há uma total ausência de lei", disse Alibekov. "Não há democracia. Há pessoas ricas e há escravos, nada mais." Em 20 de fevereiro, a polícia arrastou-o para fora de um comboio e ele foi detido, aguardando julgamento por alegada agressão à polícia.

O Ministério do Interior da Rússia não respondeu a um inquérito sobre as acusações contra Gallyamov ou sobre os processos contra Zygar, Akunin e Alibekov.

O valor chocante da caça aos inimigos na Rússia é suficiente para reprimir a maioria dos dissidentes. Em janeiro, Yevgenia Maiboroda, 72 anos, uma reformada solitária e profundamente religiosa, foi acusada de extremismo e presa durante 5 anos e meio por duas publicações nas redes sociais contra a guerra. Em fevereiro, uma mulher de Nizhny Novgorod, Anastasia Yershova, foi presa durante cinco dias por exibir "símbolos extremistas" - brincos com um sapo e um arco-íris - que um tribunal considerou serem pró-LGBTQ+.

Num vagão partilhado de um comboio noturno de longa distância, uma mãe de uma cidade do sul da Rússia confidenciou as suas preocupações sobre os filhos e o seu futuro.
A sua família adora passar férias em Itália, Espanha, Egipto e Turquia. Mostrou fotografias e vídeos de férias na praia e de uma festa de Ano Novo em Sharm el-Sheikh, no Egipto, repleta de russos que, segundo ela, desejavam que a guerra acabasse.
A filha, de 15 anos, sente-se atraída pela Europa e quer ser jornalista. O filho, de 10 anos, adora jogos. Ambos são viciados nos seus iPhones e iPads. Tal como os seus amigos, utilizam redes privadas virtuais (VPN) para aceder a sítios proibidos, como o Instagram.

As autoridades russas estão a aumentar a tecnologia para reduzir a dissidência. As autoridades assinalaram a proibição das VPN e os analistas consideram inevitável a proibição do YouTube.
A nova Rússia tem um carácter distópico. Activistas da paz, jovens e velhos, estão atrás das grades, enquanto assassinos condenados, violadores e outros criminosos violentos foram libertados - perdoados por Putin para combater na Ucrânia. Alguns estão a regressar da guerra e a cometer crimes horríveis.

Muitos liberais, incluindo Kagarlitsky e Gallyamov, duvidam que Putin e a sua linha dura possam ser bem sucedidos. "As sociedades nunca se des-modernizam", disse Kagarlitsky.

Gallyamov disse que muitos russos estão "realmente com medo" e acabarão por repudiar o governo de Putin, tal como a Alemanha rejeitou os nazis.

"A população russa em geral está cansada do seu militarismo, da guerra, desta histeria patriótica e anti-ocidental", disse Gallyamov. "Eles querem drasticamente apenas a normalização".

Talvez o cansaço seja murmurado demasiado baixinho para ser ouvido pelo Kremlin. No comboio da noite, a mulher teve o cuidado de não falar de política, um assunto que teme. E, no entanto, o seu desespero transbordou.

"Só queria que estes tempos conturbados acabassem", disse, em voz baixa e amarga.


April 13, 2024

Hoje é o aniversário de Kasparov - Congrats 🎂

 

Talvez o maior campeão de xadrez de sempre. Tem uma lista de vitórias e recordes impressionantes, foi durante muito tempo o mais jovem campeão de xadrez de sempre (neste vídeo seguinte o momento desse feito), jogou contra grandes campeões e teve uma rivalidade histórica e interessante com Karpov, outro campeão. 

Nessa altura o xadrez era uma modalidade desportiva que acompanhávamos nas notícias. Os jogos de Kasparov contra Karpov, muitos deles disputados até quase ao último minuto (e Kasparov não gosta de perder, nem a feijões), apareciam todos os dias nos jornais, que tinham uma rubrica dedicada ao xadrez. Lembro-me de ir ao jornal, lá pelos anos 80 e 90, ver a evolução dos torneios entre eles e seguir as jogadas, que eram muito comentadas - apesar de eu saber muito pouco de xadrez, embora saiba jogar.


Um dos jogos mais famosos da história do xadrez a que chamam, Kasparov's imortal, contra Topalov pode ver-se neste vídeo.



Kasparov, que nasceu na URSS, é conhecido pelo apelido da mãe: Kasparova. Adoptou-o depois do pai ter falecido quando era criança, talvez para se proteger dos pogroms da URSS contra judeus, de que foi vítima com a família - o apelido do pai era, Weinstein.

Kasparov não é apenas um campeão de xadrez, é também um campeão da democracia, um activista político, por agora exilado nos EUA, por ter o nome na lista negra de Putin, devido à oposição que lhe fez, na tentativa de organizar um partido político que desviasse a Rússia do caminho fascista em que Putin a enfiou. Foi espancado e exilou-se nos EUA em 2013.

Kasparov escreveu, Winter is Coming, em 2015, dois anos depois de se exilado, a avisar o mundo acerca do perigo que Putin representa para os países próximos, para a NATO e para o mundo - tudo o que tem acontecido desde 2014 está lá no seu livro. Aqui, numa entrevista no ano passado, mostra a sua frustração com a lentidão do Ocidente em compreender o que está em jogo no tabuleiro do mundo que Putin quer conquistar.


Todos queremos uma vida com significado. Significado positivo. Uma vida que tenha impacto positivo nos outros. Bem, esse campeonato, Kasparov também já o ganhou! Congrats 🎂 🍾

March 10, 2024

Uma entrevista importante com Mikhail Khodorkovsky

 

Para perceber a mentalidade de Putin, a disposição da Rússia e o perigo que espreita os ocidentais medrosos ou de fraco juízo político.


March 02, 2024

Não é segredo que a Alemanha está infiltrada por espiões russos e que os serviços de informação deles são uma anedota

 


No ano passado pus aqui no blog uma entrevista com Nathalie Vogel, uma alemã, investigadora do Centro de Estudos Intermédios do Instituto de Política Mundial em Washington, D.C., especialista em respostas dos serviços de informação às ameaças híbridas. Ela diz tudo: como Putin capturou o partido de Schröder, como recruta deputados, a incompetência dos serviços secretos alemães - a Alemanha está cheia de ex-alemães-do-Leste... a entrevista é chocante. Quem a ouviu não se admira de agora saber que  a conversa [dos oficiais alemães, gravada] não foi feita através de uma linha segura, mas sim via plataforma de videoconferência WebEx, enquanto um dos participantes se ligava por telemóvel. 

A maneira como recrutam espiões entre os alemães, por exemplo, é escolherem um arrogante qualquer ambicioso, mas sem grande categoria e arranjam maneira de ele subir na carreira: cozinham-lhe um doutoramento, umas vitórias profissionais e depois é fácil induzir a sua escolha para lugares-chave nos partidos. Uma vez nos lugares-chave, eles fazem o serviço. A preparação desses tipos para chegarem aos cargos pode durar 20 anos.

Onde é que os russos recrutam altos-quadros e governantes? No Valdai Fórum, que Nathalie Vogel chama um Shopping Mall.

Putin tem crescido em arrogância, também porque ouve em directo a cobardia de Scholz...

Alemanha investiga fuga de informação no exército sobre guerra na Ucrânia e que chegou à Rússia

O Ministério da Defesa alemão assume que o áudio é autêntico e não foi manipulado com ferramentas de inteligência artificial.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou hoje que a Alemanha está a conduzir uma investigação aprofundada sobre uma fuga de informação de oficiais do exército que discutiram assuntos confidenciais relacionados com a guerra na Ucrânia.

As palavras de Scholz surgiram depois de um porta-voz do exército alemão ter indicado que as Forças Armadas germânicas estão a investigar uma suposta escuta de uma conversa entre vários oficiais de alta patente da Força Aérea, tornada pública na sexta-feira pela imprensa russa, temendo-se de que este pode não ser caso único.

A emissora estatal russa RT (antiga Russia Today) publicou na sexta-feira uma gravação áudio de 30 minutos em que o chefe da força aérea alemã, Ingo Gerhartz, é alegadamente ouvido a falar com vários oficiais de alta patente sobre a possibilidade de fornecer mísseis Taurus à Ucrânia.

A publicação da conversa surge num momento particularmente sensível para o Governo do chanceler Olaf Scholz, que esta semana causou controvérsia ao afirmar que Berlim não pode entregar o Taurus à Ucrânia, sob o risco de se tornar um participante directo no conflito.

Scholz argumentou que Kiev não poderá operar estes sistemas sem a ajuda de soldados alemães — uma “linha vermelha” para Berlim — mas o áudio divulgado pela RT parece contradizer esta afirmação.

De acordo com as fontes da Spiegel, o Ministério da Defesa alemão assume que o áudio é autêntico e não foi manipulado com ferramentas de inteligência artificial.

Aparentemente, a conversa — que, de acordo com a RT, decorreu em 19 de Janeiro — não foi feita através de uma linha segura, mas sim via plataforma de videoconferência WebEx, enquanto um dos participantes se ligava por telemóvel.