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December 05, 2025

"Trump's entire "peace plan" is just a $400 billion mafia deal"

 

A Rússia soviética

 

December 04, 2025

4 drones militares tentaram atacar o avião de Zelensky no momento da aterragem em Dublin



ÚLTIMAS NOTÍCIAS - De acordo com a imprensa irlandesa, na noite de segunda-feira, no aeroporto de Dublin, quatro drones militares não identificados tentaram atacar o avião do presidente Zelensky no momento da aterragem. Eles não conseguiram realizar a operação apenas porque o avião aterrou vários minutos antes do previsto. Ao que parece, no momento em que a aterragem estava prevista, os quatro drones violaram a zona de exclusão aérea e voaram ao longo da trajetória de aproximação prevista do avião presidencial. Felizmente, o avião de Zelensky já estava em terra há vários minutos nessa altura. A polícia local iniciou uma investigação. Além disso, os mesmos drones também foram detetados sobre um navio militar irlandês que participava na operação de segurança de Zelensky e que estava posicionado secretamente ao largo da costa. As forças de segurança irlandesas estão a determinar se os drones foram lançados a partir de terra ou secretamente a partir de um navio localizado no mar. 
Veja as últimas atualizações connosco: @visionergeo

"Alguém ser nosso aliado, não significa estar do nosso lado"

 

A declaração inicial de Michael Shannon na cena do julgamento de Nuremberga, no filme que estreou há dias (Nuremberg) é retirada quase palavra por palavra do discurso real proferido pelo juiz Robert H. Jackson em 21 de novembro de 1945, o segundo dia em que o tribunal começou oficialmente.
A declaração é tão actual que podia ser dita hoje que imediatamente a aplicávamos à Rússia. Este filme serve para lembrar os EUA que passar por cima dos crimes de guerra contra a Ucrânia (ontem tivemos a notícia que a Rússia enviou algumas das crianças ucranianas roubadas para campos militares na Coreia do Norte) e crimes contra a paz no mundo é contrário ao Direito Internacional que eles mesmos ajudaram a alicerçar. E que fazê-lo por comércio e enriquecimento é imoral.
"Alguém ser nosso aliado, não significa estar do nosso lado", é uma frase de Goering que se aplica, tristemente, à actual administração americana.




Quem é Bart De Wever, líder do país que acolhe tanto o Parlamento Europeu como a sede da NATO e que afirmou explicitamente que «nem sequer é desejável que (a Rússia) perca (na Ucrânia)». É uma história comprida que pode ler no site de:


O primeiro-ministro da Bélgica, Bart De Wever, desempenha um papel central no debate sobre a utilização dos activos congelados do banco central russo, uma vez que a maioria destes fundos se encontra na Euroclear, a central de valores mobiliários com sede na Bélgica. 

Estima-se que a Bélgica detenha entre 185 e 210 mil milhões de euros destes activos.

Bart De Wever, que actualmente está a bloquear a utilização de fundos russos para a Ucrânia, manteve relações estreitas com altos funcionários russos antes e muito depois da anexação da Crimeia em 2014.
O próprio De Wever enfatizou que visitava São Petersburgo desde 1988 como turista, profissionalmente e com a sua família, conforme explicou durante uma reunião na Rússia.

Em abril de 2018, no meio de sanções cada vez mais severas, o político de Antuérpia Bart De Wever visitou Moscovo. Durante essa visita, De Wever e o prefeito Sergey Sobyanin assinaram um programa abrangente de cooperação. Ele também levou uma grande delegação de cerca de 100 representantes empresariais e organizações para aprofundar o intercâmbio com seus homólogos russos.

O principal objetivo da viagem e da reunião com Sergey Sobyanin era expandir a cooperação na economia e nas atividades portuárias.
Em 2018, a mídia russa observou que Bart De Wever apoiava uma aliança com a Rússia. A postura pró-Rússia dos populistas europeus já proporcionava ao Kremlin a legitimidade política tão necessária naquela época.

Enquanto Bart De Wever expandia as suas atividades de cooperação e investimento com Alexander Beglov, Yevgeny Prigozhin, fundador do Grupo Wagner, também trabalhava intensamente com Beglov em paralelo. Mais tarde, surgiu uma disputa entre Prigozhin e Beglov porque Prigozhin foi afastado desses projetos, que Beglov e o seu sistema assumiram. Isso também envolveu investidores estrangeiros.

A sua abertura ao contacto com a Rússia atinge o seu auge na sua posição atual: Bart De Wever bloqueia a utilização de milhares de milhões russos congelados sob o pretexto de «incerteza jurídica», protegendo assim claramente os interesses de Moscovo em detrimento da ajuda à Ucrânia. Tendo em conta todas as suas reuniões anteriores naquele país, esta postura já não parece acidental, mas sim uma decisão política com um benefício evidente para o Kremlin.


(excertos)

***

A questão é: os activos russos pertencem aos belgas? A UE vai ficar parada a ver os belgas ajudarem com os russos contra os próprios interesses europeus?

Von der Leyen diz que a alternativa aos activos russos é um empréstimo comum europeu  ????

November 20, 2025

Três notícias para ler em sequência e mais uma

 

O pesadelo recorrente do plano de paz de Trump para a Ucrânia
O presidente dos EUA impôs sanções e adotou uma postura dura, mas, nos bastidores, negociava com Putin. 
telegraph.co.uk


Trump anuncia Arábia Saudita como "aliado importante" externo da NATO. Trump adiantou que a sua Administração apoiará a venda de caças F-35 a Riade, uma medida que durante anos gerou reservas em Washington devido ao possível impacto no equilíbrio estratégico no Médio Oriente. noticiasaominuto. 


Comissão avança para «espaço Schengen militar» e transformação da indústria da defesa. Com este pacote de mobilidade militar que prevê a criação de um espaço de mobilidade militar à escala da UE até 2027, a UE fica mais perto de cumprir o objetivo de um «espaço Schengen militar».  portugal.ec.europa.eu/


A reabilitação de Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, de pária global a patrono global, a troco US$ 600 milhões em investimentos prometidos em empresas americanas é um grande perigo. Há umas semanas já tinha sido noticiado que a Arábia Saudita iria ter equipas em formação, dentro das forças aéreas americanas e do Pentágono! Mohammed bin Salman foi quem mandou assassinar de modo particularmente ignóbil,  Khashoggi, de 59 anos, residente permanente nos Estados Unidos. Atraiu-o ao consulado saudita em Istambul com a promessa de lhe dar documentos necessários para poder casar e uma vez lá dentro nunca mais saiu. Uma equipa saudita assassinou-o e desmembrou o seu corpo com uma serra de ossos. O esquadrão da morte, composto por 15 elementos, incluía sete membros da equipa de elite de protecção pessoal do príncipe herdeiro e funcionários do Centro Saudita de Estudos e Assuntos dos Media, dirigido por Saud al-Qahtani, um conselheiro próximo do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman. A Arábia Saudita esteve sob sanções por causa deste crime e agora é o parceiro preferencial dos EUA. Isto traz um perigo para Israel, mas também para a Europa e o mundo.

Trump tem como aliados, a Arábia Saudita, um dos maiores investidores nos Estados Islâmicos, o Afeganistão e... Putin. De maneira que a notícia da Comissão avançar para um «espaço Schengen militar» e a transformação da indústria da defesa é uma boa e urgente notícia que se espera seja levada a sério porque os EUA fazerem um acordo, não às escondidas, mas às claras e formal com a Rússia, está a um curto passinho de acontecer. Trump quer muito fazer parte de uma cúpula de poderosos com zonas de influência e quer muito ser amigo de Putin a quem respeita acima de tudo e todos. É o seu role model político e pessoal.

Uma outra notícia diz que Cristiano Ronaldo foi como acompanhante de luxo do príncipe Mohammed bin Salman ao jantar da Casa Branca. Foi dar glamour e normalidade a uma monarquia brutal, patrocinadora de terrorismo, onde não há liberdade de expressão e de vida e onde as mulheres são tratadas como pets dos homens, na melhor das hipóteses e, como escravas, na mais comum. Onde se é assassinado e desmembrado com uma serra se se desagradar ao governo de sua majestade. 

Há urgência em a Europa se tornar uma potência militar se se quiser defender da liga de malfeitores que Trump está a formar. Se a Ucrânia cair, o apetite de Putin aguça-se.

November 19, 2025

O lastro invisível que Zelensky arrasta atrás de si

 


Hoje foi isto:16 mortos. 64 feridos, incluindo 14 crianças. Pessoas que estavam a dormir em casa, algures no meio de um bairro residencial na zona oeste.



Ontem foi isto: Karyna Bakhur, 17 anos, campeã ucraniana de kickboxing assassinada pelos russos.

Para todos os europeus e americanos perceberem o lastro que Zelensky arrasta de cada vez que vem a uma cidade da Europa pedir apoio era necessário que trouxesse atrás de si todos os mortos, todos os que foram ceifados da vida como esta rapariga, antes de poderem vivê-la; todos os que ficaram estropiados para o resto da via, sem pernas sem braços, sem olhos... Todos os que perderam um filho ou um irmão, todas as crianças que ficaram órfãs, todas as raparigas violadas, torturadas; todas as crianças raptadas e educadas para se voltarem contra os pais e o país. 
Se Zelensky arrastasse consigo estas dezenas de milhar de pessoas talvez os europeus e os americanos parassem de falar no cansaço da guerra e percebessem seriamente o que está a acontecer num país da Europa, para que todos nós possamos dormir descansados nos nossos países sem bombas que nos destruam as famílias e as cidades.

 

November 16, 2025

Os safaris humanos de civis ucranianos pelos russos

 

Precisamos de ter uma conversa sobre a Rússia

 



Ser anti-Putin não significa ser anti-imperialista. A romantização dos dissidentes russos é enganosa

No debate alemão sobre os 'anti-Putin' na Rússia, os aspectos problemáticos desse meio são frequentemente ignorados. A perspectiva russa continua a ser priorizada em detrimento da perspectiva dos povos colonizados.

Franziska Davies 

Três das figuras mais proeminentes da oposição russa no Ocidente — Yuliya Navalnaya, Vladimir Kara-Murza e Ilya Yashin — convocaram uma «Marcha Anti-guerra» para este domingo, em Berlim. O seu apelo a outros russos para se juntarem à marcha é mais um exemplo de como a oposição russa, frequentemente adulada no Ocidente, tenta absolver a sociedade russa — os «russos comuns» — de qualquer responsabilidade pela guerra genocida da Rússia contra a Ucrânia. T
endo em conta as atrocidades diárias cometidas pelos russos na Ucrânia e o facto de que pelo menos uma parte substancial da sociedade russa apoia a guerra travada em seu nome ou é indiferente a ela, esta perspectiva é absurda.

Navalnaya e os seus colegas activistas não só negam essa realidade, como demonstram mais solidariedade com a sua imaginária «maravilhosa Rússia do futuro» do que com a Ucrânia, que está actualmente sob o seu ataque. 

No seu apelo, exigem que Putin retire as tropas russas da Ucrânia (boa sorte com isso), mas não pedem que mais armas sejam enviadas para a Ucrânia. Na verdade, os três têm sido, na melhor das hipóteses, ambíguos sobre a questão do fornecimento de armas à Ucrânia.

Por último, a escolha de Berlim como local para a marcha é curiosa. Porquê Berlim? Porque a cidade está associada à derrota do fascismo pelos soviéticos, que a Rússia continua a reivindicar como uma vitória exclusivamente russa? Ou talvez porque os alemães ainda se sintam culpados pelos crimes cometidos pelos seus antepassados na União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial e, muitas vezes, projectem essa culpa mais na Rússia do que na Ucrânia ou na Bielorrússia? Ou será por causa do tradicional «complexo da Rússia» da Alemanha, que também pode ser visto na admiração acrítica de figuras proeminentes da oposição? Será que Navalnaya, Kara-Murza e Yashin veem isso como um trunfo potencial para sua reivindicação de legitimidade discursiva no debate ocidental sobre a Rússia e a Ucrânia?

Neste ensaio, argumento que é hora de fazer uma avaliação crítica dos auto-proclamados líderes da oposição russa no Ocidente.

Neste Outono, as memórias do opositor do Kremlin, Alexei Navalny, foram publicadas na Alemanha. O incansável combatente contra a corrupção do regime de Putin foi assassinado num campo penal russo em fevereiro de 2024. 

Nas resenhas de suas memórias (com algumas excepções, como as de Nikolai Klimeniouk no Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung e Ulrich Schmid no Neue Züricher Zeitung), repete-se um padrão que já podia ser observado em vários obituários nos jornais alemães após sua morte: a estilização de Navalny como um herói, um lutador pela democracia e pela liberdade, enquanto, ao mesmo tempo, o seu racismo, nacionalismo e imperialismo bem documentados são minimizados ou mesmo completamente ignorados. O discurso da mídia na Alemanha sobre Navalny e também sobre a sua viúva, Yulia Navalnaya, que quer continuar o seu legado, é exemplar da romantização acrítica do campo anti-Putin russo no Ocidente.

Ao mesmo tempo, há um desequilíbrio entre o interesse nas (supostas) luzes de esperança da Rússia e os ucranianos que actualmente lutam pela sobrevivência da Ucrânia e da sua democracia. 

Por exemplo, mais ou menos na mesma altura da publicação das memórias de Navalny, foi anunciado, a 18 de outubro, que o activista dos direitos humanos e soldado Maksym Butkevych tinha sido libertado após quase dois anos de prisão na Rússia. O tageszeitung foi o único grande jornal alemão que considerou esta notícia digna de destaque. Este é apenas um dos muitos exemplos de que os «bons russos» (uma descrição irónica dos críticos de figuras problemáticas do campo anti-Putin russo) gozam de maior presença nos meios de comunicação ocidentais do que os ucranianos que lutam pela sua liberdade, mesmo durante a guerra de agressão da Rússia. 

A idealização romântica da Rússia, que o historiador Gerd Koenen descreveu acertadamente como um «complexo da Rússia» num dos seus livros, ainda não é coisa do passado, apesar da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro de 2022. A nível analítico, isto é insatisfatório e do ponto de vista político, é problemático. Foi, em grande parte, a avaliação completamente errada da situação actual da Rússia que, pelo menos, facilitou a invasão em grande escala da Ucrânia.

É digno de nota que a romantização de Navalny também pode ser observada em círculos profissionais. Por exemplo, Kerstin Holm, correspondente cultural de longa data do Frankfurter Allgemeine Zeitung em Moscovo, vê em Navalny uma «personalidade de enorme curiosidade, capacidade de aprendizagem e criatividade», que «desde cedo procurou o diálogo com pessoas fora da sua bolha (como nacionalistas, pelo que muitos democratas o criticaram)». 
Esta última afirmação está simplesmente errada. Navalny não procurou o diálogo com nacionalistas; ele próprio era nacionalista e nunca fez segredo disso - mesmo não fazendo parte da cena militante de extrema-direita organizada, Navalny chamou a atenção com declarações racistas extremistas, especialmente na fase inicial da sua biografia política. 

Um exemplo é um vídeo publicado pelo Movimento de Libertação Nacional Russo em 2007, no qual Navalny, um auto-proclamado «nacionalista certificado», se refere a pessoas não brancas, rotuladas como «alienígenas» e muçulmanas no vídeo, como «moscas e baratas»(...)

É indubitavelmente verdade que se pode observar uma evolução na biografia de Navalny, no sentido em que ele fez da luta contra a corrupção na Rússia o seu tema principal.

No entanto, continuou a ver-se como um nacionalista e apenas suavizou o seu tom ao longo do tempo, mas as exigências anti-imigrantes e a retórica xenófoba continuaram a fazer parte do seu programa político, tanto como candidato às eleições para a Câmara Municipal de Moscovo em 2013, como na sua tentativa (mal sucedida) de ser nomeado candidato à presidência em 2018. 

Nunca se distanciou nem um pouco, mesmo das suas declarações mais desumanas. Esta foi uma decisão deliberada de um homem que se via como a antítese de Vladimir Putin e queria tornar-se presidente da Rússia. Como afirmou a historiadora Kimberly St. Julian-Varnon no seu obituário de Navalny, «O futuro da Rússia de Navalny não incluía toda a gente».

A marginalização deste aspeto de Navalny e do seu programa político pode estar relacionada com o facto de o foco de Navalny na corrupção ter conseguido atrair os jovens para protestar contra o regime de Putin. O grande reconhecimento de que Navalny goza no Ocidente também tem origem nisso. Afinal, segundo esse argumento, alguém conseguiu organizar uma pequena resistência a Putin nas ruas. 

Porém, o que é esquecido é que o foco restrito na questão da corrupção também foi o grande fracasso político de Navalny. Na Chechénia, na Síria e na Ucrânia, pode-se ver que não é a corrupção que torna a Rússia tão perigosa e destrutiva, mas a violência e o colonialismo, aliados ao nacionalismo extremo.

A mentalidade colonial do campo anti-Putin russo

Navalny não é de forma alguma o único representante do campo anti-Putin russo a ser elevado acriticamente no discurso da mídia alemã a um símbolo de uma Rússia diferente e melhor. 

O mesmo se aplica, por exemplo, ao ex-político russo Vladimir Kara-Murza, que foi preso e encarcerado em Moscovo em Abril de 2022 por se opor à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia. Embora esteja muito longe do racismo extremo de alguém como Alexei Navalny, a sua atitude também revela uma postura generalizada no meio anti-Putin russo: uma relutância em responsabilizar a sociedade russa pelo desenvolvimento da Rússia.

Pouco depois de Kara-Murza ter sido libertado da prisão em Agosto de 2024, no âmbito de uma troca de prisioneiros, afirmou que, no futuro, concentraria os seus esforços em pôr fim às sanções abrangentes contra a Rússia. Afinal, apenas Putin e o seu grupo são responsáveis por esta guerra e, consequentemente, apenas eles deveriam ser afectados pelas sanções. 

Ao fazê-lo, declarou efectivamente que o sofrimento e as mortes na Ucrânia e a sua vitória eram uma questão secundária: afinal, o objectivo das sanções ocidentais é enfraquecer a economia de guerra russa e, assim, tornar mais provável a derrota de Moscovo. Kara-Murza fez uma distinção nítida entre Putin e a Rússia e falou — tal como Navalny e a sua esposa Yulia Navalnaya antes dele — absolvendo a sociedade russa de qualquer responsabilidade por esta guerra, chegando mesmo a afirmar que a maioria dos russos era contra a guerra.

Os opositores de Putin, Ilya Yashin e Andrey Pivovarov, que também foram libertados como parte da troca de prisioneiros, fizeram declarações semelhantes. Mesmo após a invasão em grande escala da Ucrânia, Navalny, ainda na prisão, continuou a negar que a Rússia seja um país imperialista. 

A linha de argumentação de Navalny: fez a pergunta (retórica) sobre se todos os russos teriam uma «consciência imperial». Escusado será dizer que a resposta a esta pergunta só pode ser negativa: seria impossível afirmar que todos os cidadãos de qualquer país, sem excepção, têm a mesma atitude em relação a qualquer questão. 

O segundo argumento de Navalny foi ainda mais revelador: se a Rússia é imperialista, então a Bielorrússia também deve ser imperialista, uma vez que o ataque à Ucrânia também teve origem em solo bielorrusso. O absurdo dessa afirmação é óbvio, já que a degradação da Bielorrússia a um estado vassalo é consequência da política imperialista de Moscovo.

Talvez fosse lógico, portanto, que a equipa de Navalny se abstivesse de arrecadar dinheiro para a Ucrânia e continuasse a concentrar-se na corrupção de Putin e sua comitiva e na produção de vídeos no YouTube sobre esse tema. Recentemente, a sua viúva, que também foi estilizada pela mídia como uma heroína, disse que a questão de se a Ucrânia deveria receber armas para sua defesa era difícil, uma vez que essas armas poderiam acabar sendo usadas contra os russos.

Este é o cerne do fracasso de muitas figuras proeminentes da oposição russa no Ocidente: elas imaginam uma sociedade russa inocente que só precisa ser libertada de Putin, e a Rússia democrática e livre do futuro terá início. 

Este sonho de uma «Rússia maravilhosa do futuro» e as (supostas) vítimas russas do presente são os principais destinatários da sua solidariedade, e não a Ucrânia, que luta pela sua própria sobrevivência. 

Mas de onde virá essa Rússia melhor, quando a maioria dos que se apresentam como representantes dessa Rússia não só não têm influência política no seu país natal, como também não demonstram qualquer vontade de criticar a sua sociedade? Se são incapazes até de chamar pelo nome a violência colonial que caracteriza a política e a sociedade russas, no passado e no presente?

O oposicionista russo como mártir

É impressionante que tal análise crítica da oposição russa na Alemanha muitas vezes provoque reflexos defensivos emocionais. A tradicional priorização das perspectivas russas é uma das razões para isso. Outra está relacionada com a forma de resistência de figuras proeminentes da oposição russa. Essa forma é personificada por Navalny, Kara-Murza e Yashin: todos estavam dispostos a ir para a prisão por suas convicções e a pagar com suas vidas por defendê-las. 

Pode-se tirar a conclusão moral de que criticar essas pessoas é inadequado, tendo em vista a sua disposição pessoal de fazer tais sacrifícios. No entanto, do ponto de vista analítico, isso seria o fim de qualquer exame crítico da agência em ditaduras, pelo menos para todos aqueles que trabalham em democracias. O silêncio inspirado pelo temor e a admiração silenciosa substituiriam a análise. Mas essa também seria a abordagem errada do ponto de vista político. Não estaríamos a fazer nenhum favor aos membros da oposição russa ao rotular qualquer crítica ao seu destino como inadequada. Somente por meio de discussões difíceis há uma chance de que algo mude nesse meio.

Como devem ser interpretadas as formas de resistência de Navalny, Kara-Murza e Yashin contra o regime de Putin no contexto histórico-cultural russo? É que, nestes casos, foi realmente uma escolha: Navalny poderia ter ficado na Alemanha após a tentativa de envenenamento, e Kara-Murza, que também tem cidadania britânica, poderia ter deixado a Rússia. O facto de tanto Kara-Murza como Navalny terem aceitado a – esperada – detenção num campo na Rússia e, consequentemente, a sua própria morte, também tem a ver com um modelo tradicional russo, fortemente carregado de religiosidade, do opositor ao regime, que na sua resistência ao poder assume o martírio pelo povo e retira a sua autoridade moral desse acto de sacrifício. 

Nikolai Klimeniouk apontou para uma segunda tradição, originária dos dias da ditadura soviética, que pode explicar essa decisão: a ideia de que, como opositor do regime, só assim você só pode permanecer credível como actor político dentro da Rússia, mesmo que isso signifique esperar pela morte ou pelo resgate do exterior como prisioneiro.

No caso específico de Kara-Murza e Yashin, o caminho do sacrifício tinha algo de passivo e fatalista. Afinal, após a invasão russa em grande escala da Ucrânia, teria havido formas mais activas e eficazes de resistência: alistar-se no exército ucraniano, por exemplo (o que alguns russos, muito menos conhecidos no Ocidente, fizeram) ou usar os seus contactos internacionais para pressionar por apoio militar à Ucrânia. 

No entanto, isso teria significado romper com o culto russo ao martírio e, talvez mais importante, reconhecer que a oposição mais eficaz a Putin e ao seu regime não está na Rússia, mas na Ucrânia — um país que, entre todos os lugares, muitos russos tradicionalmente trataram com arrogância colonial.

O culto quase religioso que se desenvolveu em torno de Navalny desde a sua morte, no qual ele aparece como um revenant de Jesus Cristo, pertence ao contexto do culto mais antigo ao martírio. 

Este culto ao martírio de indivíduos, por sua vez, tem um elemento passivo no qual o culto ao luto substitui uma crítica abrangente e honesta da sociedade russa actual. Mas sem uma reflexão crítica sobre a sociedade russa, essa Rússia melhor do futuro simplesmente não se concretizará. 

Actualmente, os russos que reconhecem a responsabilidade da sociedade russa e alertam contra o culto a Navalny – o escritor Sergei Lebedev é um exemplo – são amplamente marginalizados no discurso russo do campo anti-Putin e também são muito menos procurados para entrevistas no Ocidente.

O apagamento das experiências dos colonizados

Por mais compreensível que seja, a nível emocional, o desejo de uma Rússia diferente daquela que actualmente comete genocídio na Ucrânia, esse desejo é problemático. 

Em primeiro lugar, já é hora de o Ocidente abandonar as suas ideias românticas sobre a Rússia. A reacção surpresa de muitos no Ocidente à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia é um forte lembrete de que ouvir as pessoas erradas pode ter consequências políticas fatais. 

Em segundo lugar, a persistência de hierarquias culturais em relação aos povos e países da Europa Oriental, nas quais a Rússia ainda ocupa frequentemente o primeiro lugar, mostra que ainda estamos longe de uma descolonização da visão ocidental da Europa Oriental e Central. Para as pessoas na Ucrânia, Cazaquistão, países bálticos e outros países e regiões que sofreram o colonialismo russo, a glorificação acrítica de muitos representantes do campo anti-Putin no Ocidente, ignorando as suas mentalidades coloniais e a sua defesa da Rússia, também contém uma mensagem fundamental: as perspectivas russas ainda são mais importantes para nós do que as suas.

Nos países e regiões historicamente e actualmente afetados pelo colonialismo russo, não se encontra a romantização de Navalny e de outros proeminentes opositores russos de Putin. Pelo contrário, a adulação ocidental de indivíduos como Navalny é recebida com consternação.

Devemos levar a sério os apelos dos países colonizados pela Rússia, como a Ucrânia, para nos afastarmos de uma romantização acrítica do campo anti-Putin russo. 

Talvez muitos alemães tenham dificuldade em fazê-lo porque a perspectiva do agressor lhes é muito familiar devido ao seu próprio passado. 

Em última análise, o egocentrismo das figuras da oposição russa, a tendência para ver Putin e o seu grupo como os únicos responsáveis e para conceber a sociedade russa como vítima e não como cúmplice, lembra fortemente os discursos da Alemanha Ocidental após 1945. 

Descolonizar o próprio pensamento pode, sem dúvida, ser um processo doloroso que muitas vezes afecta directamente a própria vida – seja na Academia, na política ou no jornalismo. Terá ignorado factos, teve ilusões, talvez os heróis da sua própria vida não fossem tão irrepreensíveis como supunha...? 

A romantização da Rússia, o auto-engano sobre o caminho que o país está a seguir, a arrogância colonial em relação à Ucrânia, foram decisivos para a desastrosa política oriental dos governos alemães das últimas décadas e a sua aceitação social comparativamente elevada. Os povos da Chechénia, Geórgia, Síria e agora Ucrânia pagaram o preço por isso. 

November 14, 2025

O feudo hereditário russo



(aqui também já tivemos um feudo destes embora em ponto muito mais pequeno -mas também somos muito mais pequenos- no governo primista do senhor Costa)

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Durante séculos, as diferentes reencarnações da Rússia foram governadas por um líder todo-poderoso e uma elite muito unida, com a maioria da população tendo pouco ou nenhum poder. Czares e boiardos, imperadores e nobres, líderes soviéticos e nomenclatura do partido — sempre foi um pequeno grupo no topo.

Vladimir Putin reviveu com sucesso essa tendência. Sob Putin, a nova elite também é hereditária.

Olá, o meu nome é Oleksiy Sorokin, sou o editor-chefe adjunto do Kyiv Independent.

O meio de comunicação independente russo Proekt publicou uma grande investigação na semana passada: uma base de dados sobre nepotismo.

Analisando os laços familiares e amizades dos 1.329 altos funcionários da Rússia — de ministros a chefes de empresas estatais —, concluiu que 76% deles empregaram pelo menos um parente.

Cerca de 85% dos legisladores russos têm parentes em cargos importantes. A maioria dos juízes, governadores, funcionários regionais e chefes de empresas estatais garantiu que o Estado empregasse seus cônjuges, filhos e outros parentes.

Pelo menos 24 parentes de Putin conseguiram empregos ligados ao governo.

O sobrinho de Putin, Viktor Khmarin, é o chefe da RusHydro, a segunda maior produtora de energia hidroelétrica do mundo. A sobrinha de Putin, Anna Tsivileva, é vice-ministra da Defesa. O seu marido, Sergey Tsivilyov, é ministro da Energia da Rússia.

Putin isolou-se durante meses na sua residência em Novo-Ogaryovo com o bilionário Yury Kovalchuk, conhecido como o homem que gere as finanças de Putin e os dois homens terão mergulhado profundamente em deliberações históricas. De acordo com o jornalista russo Mikhail Zygar, foi nessa altura que Putin tomou a decisão final de conquistar a Ucrânia.

Mikhail Putin, outro sobrinho, é o vice-presidente da Gazprom.

O filho de Tsivileva, Dmitry, é co-proprietário de várias empresas lucrativas do sector energético. O filho de Mikhail Putin, Denis, tem 29 anos. Também ele é proprietário do centro de negócios Sheremetyevo.

As filhas do presidente Putin — Katerina Tikhonova e Maria Vorontsova — ajudaram os seus maridos actuais e antigos a tornarem-se influentes. O ex-marido de Tikhonova, Kirill Shamalov, por exemplo, tornou-se co-proprietário da empresa petroquímica Sibur. O seu pai, Nikolai Shamalov, confidente de Putin, é o segundo maior accionista do Rossiya Bank, uma corporação financeira usada para lavagem de dinheiro e financiamento de projectos em territórios ocupados pela Rússia.

A namorada de longa data de Putin, Alina Kabaeva, 30 anos mais nova, passou de ginasta a senadora russa. A lista de propriedades que ela possui é demasiado longa para ser mencionada neste boletim informativo.

As ex-amantes conhecidas de Putin, Svetlana Krivonogikh e Alisa Kharcheva, não receberam cargos no governo, mas obtiveram propriedades e acções em empresas controladas por amigos de Putin. Os amigos de Putin fizeram o mesmo — deram cargos importantes e negócios lucrativos a membros da família. 

O assessor do presidente Nikolai Patrushev, o CEO da Rostec Sergey Chemezov, o banqueiro pessoal de Putin Yury Kovalchuk e outros têm os seus filhos em cargos importantes.

Patrushev trabalhou com Putin na KGB soviética e mais tarde liderou o serviço de segurança russo FSB. O seu filho, Dmitry Patrushev, é agora vice-primeiro-ministro da Rússia e é visto por muitos como um potencial sucessor ao trono de Putin.

O principal concorrente de Dmitry Patrushev é Boris Kovalchuk, chefe da Câmara de Contas do país. Boris Kovalchuk, como já deve ter adivinhado, é filho do banqueiro Yury Kovalchuk.

Sergey Kiriyenko, ex-primeiro-ministro e vice-chefe de gabinete de Putin, que supervisiona os territórios ocupados pela Rússia, tem um filho que governa o VK Group, a maior rede social russa. Outro ex-primeiro-ministro, Mikhail Fradkov, tem dois filhos, Petr e Pavel — um é presidente da Federação Russa de Atletismo, o outro é vice-ministro da Defesa.

Os amigos de Putin parecem ter filhos muito talentosos.

Falando sério, faz todo o sentido que Putin transforme a Rússia num feudo hereditário. Putin e a sua comitiva têm mais de 70 anos. As suas famílias precisam de manter a sua riqueza e o controlo do poder a longo prazo. E não podem confiar em ninguém.

Em 2014, muitos dos amigos de Putin foram alvo de sanções ocidentais na sequência da guerra da Rússia contra a Ucrânia. E todos eles foram atingidos por sanções em 2022, na sequência da invasão total. Não têm uma via de fuga.

Em 1917, os bolcheviques tomaram o poder na Rússia. Os nobres russos, ou dvorianstvo, foram esmagados. Muitos dos que ficaram foram mortos e os que fugiram perderam uma fortuna considerável. Muitos viram-se subitamente forçados a adoptar um estilo de vida ao qual não estavam habituados.

Em seu lugar vieram os funcionários do partido, que logo se tornaram a nova elite. Eles também passaram riqueza e poder para seus filhos e netos. Desfrutaram de privilégios até a dissolução da União Soviética, quando de repente se viram devorados pela nova realidade.

Não posso deixar de me perguntar se a elite atual da Rússia às vezes pensa nesses acontecimentos. Se sim, ficaria curioso para saber como planeiam permanecer no poder após a morte de Putin. A sua sobrevivência depende completamente da sua capacidade de o fazer.

November 09, 2025

November 02, 2025

A fronteira da China com a Alemanha

 


 

October 26, 2025

Anne Applebaum em entrevista



"... é muito importante que os europeus tenham os olhos bem abertos, percebam o que está a acontecer e compreendam o impacto que isso tem para eles e para a sua segurança. Pode haver um Presidente diferente daqui a três anos, talvez. Uma grande parte dos americanos ainda gosta da NATO, quer continuar a ser membro da alian­ça e quer ter aliados, entre outros. Mas também há uma parte significativa da população americana que não quer aliados, que não gosta especialmente da Europa e que não quer ter nenhuma relação especial. Espero que os europeus compreendam isso e comecem a tirar conclusões. Conclusões para a sua segurança, claro, mas também para a economia."

Grande entrevista a Anne Applebaum: “Na Administração Trump há quem veja a Europa como o principal inimigo”

Cristina Margato

É disso que dá conta em “O Crepúsculo da Democracia” e “Autocracia, Inc.”, e é sobre essas práticas autocráticas que tem escrito e falado, nos últimos anos, também a propósito da política do seu país, os Estados Unidos.  (...) é das poucas pessoas que expõem de modo claro o que se está a passar nos Estados Unidos. 
(...)
Enquanto terminava a transcrição da conversa li o último artigo de Applebaum na “The Atlantic”, desta vez sobre María Corina Machado, Prémio Nobel da Paz de 2025, título que Trump tanto desejava. Fixei a atenção neste parágrafo: “Neste momento, quando os cidadãos das democra­cias mais liberais e mais bem-sucedidas desistiram, questionando-se sobre se a sua participação na política tem algum valor, os venezuelanos lutam contra a violência com não violência, opondo-se à corrupção com coragem.”

Há um ano, ainda antes da eleição de Trump, iniciou um podcast intitulado “Autocracy in America” [com Peter Pomerantsev]. Vou citá-la: “Já existem táticas autoritárias em ação nos Estados Unidos. Para as erradicar, é preciso saber onde as procurar.” Continua a procurar nos mesmos lugares?
Naquela altura estava a descrever a mudança cultural pela qual o país estava a passar. Agora, essa mudança é evidente. Os instintos autoritários, que antes podiam ser observados em governos estaduais, estão agora presentes ao nível do Governo Federal. Parte da Administração está a usar regulamentações contra os órgãos de comunicação social, militarizou o serviço federal de alfândega e transformou-o numa força paramilitar. Tropas de diferentes partes do país foram colocadas em estados e cidades contra a vontade de governadores e presidentes de Câmara. Atualmente, Trump persegue e processa abertamente os seus inimigos políticos, mesmo que não tenham cometido qualquer irregularidade.

Hoje, Trump anunciou que quer enviar a Guarda Nacional para Chicago, contra a vontade do governador do Illinois e do presidente da Câmara de Chicago...
Sim, e isso é algo sem precedentes. A Guarda Nacional já foi usada em emergências, após furacões ou outros desastres naturais, e até, num passado mais distante, em grandes motins, mas sempre com aprovação do governador ou das autoridades locais.

Já disse várias vezes que Trump segue um manual usado por outros ditadores. Em que é que a sua atuação difere?
A única coisa que é diferente daquilo que Putin ou Viktor Orbán fizeram é a velocidade. Tudo está a acontecer de modo muito rápido, e essa aceleração é o que confunde e surpreende as pessoas. Muitas coisas estão a ser feitas de uma só vez. Tradicionalmente, é o Congresso que controla o dinheiro, os orçamentos e os impostos. Historicamente, é o Congresso que serve para limitar o poder do Presidente, pois é para isso que existe. No entanto, para grande surpresa, o Congresso tem-se recusado a travá-lo. As tarifas, por exemplo, são da competência do Congresso, não do Presidente. No entanto, a liderança deste Congresso tem permitido que Trump faça o que quer.

Desde a eleição de Trump que os democratas parecem apáticos, desorganizados e confusos. Isso também é um problema...
Não é bem assim. Há vários democratas que estão ativos online e que estão a ser bastante claros sobre o que está a acontecer. E há democratas que decidiram promover o debate sobre a suspensão do Governo, através de uma conversa focada nos cuidados de saúde, que é a razão pela qual o Governo está paralisado. Parece-me errada a expectativa de que haverá um democrata como contraponto a Trump, alguém do outro lado que seja o seu adversário direto. Isso não vai acontecer. Quer dizer, pode acontecer quando chegarmos à campanha presidencial, mas não é assim que funciona o nosso sistema político. Não temos um líder da oposição. Por outro lado, sempre que há uma tomada de poder autoritária — como aconteceu na Rússia, na Polónia ou no Irão — dá-se uma fragmentação da oposição. As pessoas têm de compreender as novas regras.

É como se não tivessem um mapa para o caminho...
E não têm, porque na verdade nunca tivemos um Presidente que desrespeitasse abertamente a lei e depois desafiasse os tribunais a impedi-lo de o fazer. Isso não é algo que tenha acontecido antes. Pelo menos que eu me lembre na história recente dos EUA.


Passei três meses em Nova Iorque após a eleição de Donald Trump. Nas conversas que fui tendo ao longo desse tempo percebi que, apesar de alguma apatia, as pessoas continuavam a acreditar que o sistema ia funcionar, que os tribunais iam agir, que o Congresso ia ter uma palavra a dizer...
Sim, as pessoas assumiram que o sistema ia funcionar como sempre funcionou. E muitas pessoas, incluindo muitos democratas, não conseguiram reconhecer que o que Trump estava a fazer era diferente. Ainda assim, há quem não reconheça. Em Washington, um advogado muito conceituado, que trata de casos importantes no Supremo Tribunal, com quem discuti, dizia-me: “Não te preocupes. Não fiques perturbada. Eles não podem fazer essas coisas, porque o Tribunal vai impedi-los.” Acho que ele estava enganado. As pessoas que estão habituadas a um certo tipo de política têm este tipo de reações. Se os democratas não perceberam, os republicanos também não. Sei disso porque os republicanos falam, nos bastidores, sobre o assunto; e dizem, fora do registo oficial, que muitos senadores estão incomodados com o comportamento de alguns membros da Administração e com certas decisões que estão a ser tomadas; mas nenhum deles encontrou ainda uma estratégia. Diria que a maioria dos americanos — e não é só uma opinião minha — se opõe ao que Trump está a fazer. As sondagens confirmam-no. Opõe-se, por exemplo, ao envio de tropas para as cidades. Ou à utilização de um regulador federal contra uma estação de televisão para despedir um comediante [Jimmy Kimmel]. Neste último caso, a ação foi particularmente impopular. Portanto, a maior parte destas ações é mal recebida.

O que significa que, a partir de agora, já não há recuo. Face à impopularidade, Trump fará tudo para se manter no poder.
Sem dúvida. O que diz é verdade. E depois vem aí a próxima fase. O governador Pritzker, do Illinois, acredita que a militarização das ruas de Chicago, com forças e equipamento militar, serve para habituar os americanos à ideia antes das eleições intercalares do próximo ano. Estou apenas a citar o governador do Illinois. Não fui eu que o disse. Em seguida serão feitos enormes esforços para manipular as eleições. Tenho a certeza de que isso vai acontecer. Se conseguirão ou não, isso já é outra questão. Os Estados Unidos têm um sistema eleitoral muito descentralizado. Cada estado gere as suas próprias eleições, e todos os estados têm regras diferentes. Neste momento estou a trabalhar nessa área.

Fala de uma forma muito direta e frontal sobre o que está a acontecer, e isso é o que vejo acontecer, de modo geral, na “The Atlantic”. Mas não me parece que o “The New York Times”, por exemplo, seja tão claro, e há muita gente que partilha esta opinião.
Para ser justa com o “The New York Times”, é preciso dizer que o jornal tem a tradição de tentar manter-se politicamente neutro, e, neste momento, isso não lhes serve muito bem, porque torna mais difícil explicar o que está a acontecer. Ser politicamente neutro, num sistema democrático, implica dizer que a política deste lado é X e a política daquele lado é Y. Depois podemos analisar essas políticas e dizer, por exemplo: “Esta seria boa para este grupo de pessoas e aquela seria melhor para outro.” Há uma análise a fazer. Mas o que está a acontecer agora é muito diferente: trata-se de uma tentativa de mudança na natureza das instituições americanas, nos meios de comunicação, nas universidades, na ciência e até no próprio meio empresarial. E isso não se consegue descrever através da abordagem tradicional de “um lado versus o outro” usada por norma no jornalismo político. É importante evitar ser hiperbólico ou exagerado e não dar às pessoas a impressão de que as coisas foram mais longe do que realmente foram. Na verdade, os jornalistas são frágeis, estão bastante expostos em muitos aspetos e são impopulares. Mas também não me parece que a maioria dos americanos queira ver homens mascarados a sair de carrinhas e a prender pessoas depois de as arrastar pelo chão.

Era disso que eu estava a falar... Ainda assim, evita a palavra fascismo. Porquê?
Não gosto da palavra fascismo, porque faz com que as pessoas pensem nos nazis e comecem a lembrar-se de imediato dos filmes que viram sobre a Segunda Guerra Mundial ou Auschwitz, como “A Lista de Schindler”... Sei que a palavra fascista tem uma tradição histórica mais antiga e que, na verdade, foi Mussolini quem a inventou, não Hitler. É certo que algumas das táticas que estão a ser usadas, neste momento, podem ser facilmente comparadas às de Mussolini ou até às de Hitler, nos seus primeiros tempos. Mas também me parece que, se eu usar a palavra fascista, as pessoas começam a pensar numa imagem distante ou errada. Além disso, é uma palavra que, pelo menos em inglês, foi muito banalizada. Há muitos anos que as pessoas se chamam fascistas umas às outras. Mas isso não quer dizer que não haja outras pessoas que a usem. Tenho amigos que defendem que se devia usar essa palavra, porque há aspetos... Quer dizer, alguma da linguagem que Trump usou durante a campanha eleitoral foi — e presumo que tenha sido alguém da sua equipa que sabia o que estava a fazer — literalmente retirada do “Mein Kampf”. Literalmente. Aquela frase sobre “os imigrantes envenenarem o sangue da nação”. Sim, é do Hitler. Não sei se o próprio Trump sabia, mas alguém sabia. É difícil dizer se fizeram isso para alarmar as pessoas ou por outra razão. Mas não acho que usar a palavra fascismo ajude alguém a perceber o que se está a passar. E o objetivo não é chamar nomes. O objetivo é fazer com que as pessoas compreendam o que está a acontecer.

Sente-se mais segura na Polónia ou nos Estados Unidos [Anne Applebaum é casada com um político]?
Sinto-me segura na Polónia, nos Estados Unidos e em Portugal. Sinto-me muito segura aqui, em Lisboa. Não sei... O que devia fazer: preocupar-me? Quer dizer, não.

A revista “The Atlantic” decidiu dar um passo nesta luta, recusando a neutralidade...
Não é bem assim que a revista descreve o que está a fazer. “The Atlantic” é uma revista muito antiga. É anterior à Guerra Civil. Foi fundada por abolicionistas e teve, desde o início, bons e maus editores, mas nunca perdeu o foco nas ideias e nos ideais da América, na interpretação e compreensão da revolução americana e da história dos Estados Unidos. É isso que estamos a fazer agora. Não somos de direita. Não somos de esquerda. Estamos interessados na democracia e no Estado de Direito. Estou lá desde o ano 2000, portanto, há 25 anos, e, sempre que há uma grande reunião, é disto que se fala e é isto que o atual editor defende. Esta é a ideia central da revista. Não somos a resistência, não somos a esquerda. Estamos a defender os ideais dos documentos fundadores dos Estados Unidos.

Se Trump está a seguir o manual dos regimes autoritários, como diz, nalgum momento os meios de comunicação social serão atacados, como aliás já está a acontecer. Por quanto tempo será possível manter essa liberdade?
Não vamos exagerar o poder deles. Eles não têm controlo total. Quer dizer, não controlam o dono da “The Atlantic”, nem têm forma de controlar o “The New York Times”. Além disso, há mecanismos que também funcionam contra eles. Por exemplo, quando usaram a Federal Communications Commission (FCC) para pressionar uma estação de televisão, como a Disney, para retirar do ar um comediante que os satirizava, o Jimmy Kimmel, centenas de milhares de pessoas cancelaram as suas assinaturas do Disney Channel e deixaram de ir aos parques, em todo o mundo. Isso tornou-se um grande problema para a Disney. Este é um dos exemplos de como estas coisas podem funcionar nos dois sentidos.

O poder está nos consumidores?
Nem sempre vai depender dos consumidores. Mas, sim, o que é preciso reter é que há mais pessoas que desaprovam o que eles estão a fazer do que pessoas que os apoiam.

Até que ponto o “excecionalismo americano”, a ideia de que os Estados Unidos é um país diferente de todos os outros, facilitou a eleição de Trump, apesar de os sinais serem claros? Há aquela ideia de que um regime autocrático “nunca poderia acontecer aqui”...
Sim, acho que isso é muito importante, e já o dissemos. Fiz aquele podcast, “Autocracy in America”, por exemplo, e escrevi bastante durante a campanha eleitoral. Passei muito tempo a alertar as pessoas. Mas sabe o que percebi? Que as pessoas não queriam ouvir o que eu estava a dizer.

E algumas delas continuam a não querer ouvir...
Não, não querem ouvir. Veem tudo como se se tratasse de política partidária normal e dizem: “Bem, os democratas também fizeram coisas más.” Há vários tipos de resposta.

É muito claro: existem duas realidades. Caminhamos lado a lado na mesma direção, mas as pessoas veem coisas diferentes. Há uma dissonância cognitiva que nos separa.
Isso é verdade em todo o lado. Quer dizer, é verdade em todas as sociedades. Não temos uma realidade partilhada.

Estudou a história da Rússia e da Ucrânia, os gulags, as autocracias. Viu alguma coisa a este nível?
O desejo de criar uma realidade falsa que seja útil ao líder é algo muito antigo. Provavelmente, já existia na Roma Antiga. Nos Estados Unidos, até por ser um país muito grande, sempre existiram diferentes correntes de pensamento político e sempre houve uma imprensa que retratava o mundo de forma diferente. Isso não é assim tão novo. O que é diferente agora é a rigidez destas divisões, o facto de já não estarmos apenas perante opiniões diferentes. Porque as pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Algumas achavam que os impostos eram bons, outras que eram maus. Agora temos conjuntos de factos completamente distintos. Por exemplo, estava a ler um relato sobre o que aconteceu após o horrível assassínio de Charlie Kirk. Uma mulher estava a conversar com uma amiga que era admiradora dele e falava sobre a sua vida e de como Kirk era maravilhoso, mas nunca, literalmente nunca, o tinha visto ou ouvido. Quando percebeu que ele tinha feito várias declarações a atacar mulheres negras, a mesma mulher ficou chocada. Portanto, ela conhecia uma versão da vida de Kirk e outras pessoas conheciam uma versão completamente diferente. Tinham visões opostas sobre quem ele era, dependendo dos vídeos que tinham visto. E isso marca uma diferença profunda em relação ao passado.

A única solução passa por regular as redes sociais?
As redes sociais causaram e continuam a causar um dano enorme. Parte do problema prende-se com o facto de esta polarização ser muito útil a algumas das empresas de redes sociais. Tudo o que agravou a situação, como o uso de bots, contas falsas, etc., é comercialmente vantajoso para essas empresas, que não tiveram incentivos externos para controlar ou melhorar a situação. Podiam fazê-lo, porque, na verdade, é tecnicamente possível. Da mesma forma que é possível escrever um algoritmo que favoreça a indignação, a raiva, a polarização ou o envolvimento, também se pode escrever um que favoreça o consenso e a aproximação entre pessoas. Portanto, nem sequer estamos a falar de verdade ou mentira. Estamos a falar do tipo de emoções que queremos que as mensagens suscitem. Acontece que estas empresas decidiram que, comercialmente, é do seu interesse dividir as pessoas, e nós permitimos que isso acontecesse. Os europeus permitiram que empresas americanas e chinesas de redes sociais influenciassem o debate político. Se pensarmos nisso agora, é inacreditável.

Devemos pensar em regulamentação?

Sim, mas seria preciso ser muito claro sobre o que se está a fazer e porquê. Estas empresas não querem ser reguladas, e agora aliaram-se à Administração Trump, embora nem todas o tenham feito. É preciso percebermos que há pessoas dentro da Administração Trump que veem a Europa como o principal inimigo, o rival mais importante, pessoas que procuram enfraquecer ou acabar com a União Europeia e que tentam eleger líderes de extrema-direita por toda a Europa. Elon Musk e J. D. Vance fizeram campanha pelo AfD [partido de direita radical populista alemão]. Talvez as pessoas decidam que não se querem importar com isso ou que conseguem ultrapassar essa realidade — mas é muito importante reconhecer que é isso que está a acontecer e que muitas empresas de redes sociais também fazem parte disso. Os algoritmos são escritos de forma a favorecer a extrema-direita. Não há dúvida de que é o que acontece no X [ex-Twitter].

É conhecido o fim que tem sido dado aos oligarcas que se juntaram a Putin. Vai acontecer o mesmo com Trump? Acha que há risco de começarem a desaparecer ou a “cair” das varandas?
Quer dizer, é uma tradição diferente, e esse tipo de repressão também demorou muito tempo a acontecer. Não sei. Não consigo prever o que vai acontecer, mas não acho que eles vão desaparecer. Pode ser que Trump tente usar o poder do Estado para controlar tudo o que é nosso.

O que pensa que levou Musk a sair do DOGE?
Musk decidiu afastar-se porque descobriu que estar envolvido na política era mau para a Tesla. Mas é preciso dizer que continua a ser um grande beneficiário de financiamento do Governo dos EUA e que, no final de contas, causou grandes danos a cerca de 20 ou 30 instituições diferentes que estavam a investigá-lo, assim como às suas empresas. Por isso — embora os danos sofridos pela Tesla tenham sido enormes e a empresa tenha começado a perder dinheiro —, o episódio acabou por lhe ser bastante benéfico.

Estará a guardar os dados sobre os contribuintes que obteve durante esse tempo?

Talvez.

Quando foi a primeira vez que se apercebeu da relação entre Trump e o dinheiro russo?
Há 30 anos, antes de Putin chegar ao poder. Trump já estava interessado em ter uma relação com a Rússia antes do fim da União Soviética. Há um momento famoso em que Trump vai a Moscovo, no final dos anos 80, e no regresso manda publicar grandes anúncios em três jornais americanos, a dizer que as alianças dos EUA são muito más, que nos enfraquecem e que devíamos estar mais próximos da União Soviética. Com o colapso da União Soviética, o sector do imobiliário comercial foi — e não sei se ainda é — particularmente atrativo para o crime organizado e para o branquea­mento de capitais, porque permitia que determinadas empresas adquirissem propriedades de modo anónimo. Nessa altura, havia muito dinheiro oriundo do mundo pós-soviético e muitas pessoas à procura de sítios para o guardar. Sabemos que parte desse dinheiro acabou por entrar no universo Trump, através de transações comerciais e negócios que ele fez com pessoas russas ou com os seus representantes em Nova Iorque. Portanto, essa relação já vem de longe. Um dos filhos de Trump chegou a mencionar a entrada de dinheiro russo nas suas propriedades e uma grande parte dos apartamentos vendidos nos edifí­cios de Trump foi comprada anonimamente. Depois, a imagem mental que Trump tem da Rússia é a de que é um bom lugar para os negócios, e é isso que ele aprecia.

Qual a responsabilidade que atribui a Administrações como a de Obama e Biden nesta relação com o dinheiro corrupto das autocracias?
É verdade que, desde o início dos anos 90, tivemos um sistema financeiro internacional — e isto não é só culpa dos americanos, mas também dos europeus e de outros países — que facilitou a saída de dinheiro roubado de países como a Rússia, escondido em paraísos fiscais, ou movimentado através do Chipre e Luxemburgo. Parte desse dinheiro acabou por ser investido em imobiliário em Nova Iorque, Londres, Miami e, provavelmente, também aqui, em Lisboa. Esse dinheiro teve impactos diferentes e alterou os mercados imobiliários. No caso de Londres, penso que terá literalmente mudado a cidade, porque foram construídos edifícios especificamente para acomodar esse tipo de investimento. Ao mesmo tempo, houve uma explosão de dinheiro sujo, ou “dinheiro obscuro”, como chamamos nos EUA, na política americana. Culpo todos os Presidentes americanos, desde os anos 90, por permitirem que isto acontecesse, assim como os líderes europeus. Ganhou-se muito dinheiro com estas práticas em cidades como Londres ou Nova Iorque. Bancos, advogados, consultores fiscais... Todos lucraram. Mas foi muito prejudicial politicamente. Primeiro, porque permitiu que muitos líderes autocráticos se mantivessem no poder, não só na Rússia, mas também em África, na Ásia e noutros lugares. Além disso, corrompeu o nosso próprio sistema financeiro.

E está a ajudar a destruir o sistema político democrático, não só porque permite que os autocratas sobrevivam e se mantenham no poder mas também porque destrói a confiança dos cidadãos nos países democráticos.
Sim, provavelmente é verdade.

Acredita que as pessoas percebem quando há corrupção. É isso que as mobiliza, como aconteceu na Ucrânia, com Maidan, e na Rússia, com Navalny?
É importante que, quando se faz campanha contra a corrupção, se ligue essa luta à experiência das pessoas. Navalny, na Rússia, fez uma campanha muito eficaz contra a corrupção, ligando-a aos russos comuns. Dizia: “Eles construíram palácios e estão a roubar dinheiro. E é por isso que não tens estradas, que as escolas são más e os hospitais também.” Era uma mensagem muito eficaz, não só porque era verdadeira mas porque a corrupção, a injustiça e a sensação de desigualdade motivam muitas vezes as pessoas a querer mudança.

Agora que Navalny já não está cá, o que pensa dele? Muitas pessoas tinham receio de que ele também fosse de extrema-direita, um protoditador.
Acho que isso foi um erro. Já quase não importa, mas uma das últimas coisas que ele fez foi escrever um artigo em que descrevia a sua visão para a Rússia: uma democracia parlamentar. Foi também muito claro ao dizer que a guerra era um desastre. É verdade que, na vida, passou por várias fases e que tentou várias abordagens. Navalny estava interessado em mobilizar os russos e em chegar à população em geral. Não só em Moscovo e São Petersburgo, mas em todo o país, incluindo os trabalhadores. Fez várias experiências. Algumas com sucesso, outras não. Mas era uma pessoa criativa e interessante, e até agora foi o mais bem-sucedido a enfrentar Putin. Mas, infelizmente, isso já não importa...

Tal como a Anne, o seu amigo Garry Kasparov, dissidente russo, diz que uma sociedade como a russa não tem de ser eternamente antidemocrática. Mas, se recuarmos na história deste país, é difícil encontrar a democracia. É possível imaginar uma democracia na Rússia?
Houve momentos mais liberais ou mais abertos na história da Rússia, e também existe uma longa tradição de russos liberais que remonta ao século XIX. Os russos têm os mesmos instintos de justiça e equidade que as outras pessoas. Nenhum país está geneticamente determinado a ser de uma forma ou de outra. Portanto, consigo imaginar uma Rússia diferente. Tivemos uma Rússia diferente nos anos 90.

A Ucrânia e a Rússia sempre foram diferentes economicamente. Não pensa que a economia pode determinar o sistema político?
É verdade que países fortemente dependentes de um ou dois tipos de recursos naturais tendem ao autoritarismo, porque pequenos grupos tentam controlar esses recursos. No entanto, há o exemplo da Noruega...

O que acha que vai acontecer nos próximos dias com a paralisação nos Estados Unidos? Os democratas decidiram ir à luta no momento certo?
Sinceramente, não sei o que vai acontecer. Não sou uma insider e não faço parte das conversas internas. Sei que os democratas no Congresso chegaram à conclusão de que não podiam continuar sem fazer nada. Escolheram focar-se nos cuidados de saúde. Algumas pessoas acham que foi uma má ideia, outras acham que foi boa. Podiam ter feito outras escolhas. Como consequência, as pessoas tomaram consciência de que a legislação de Trump poderá criar enormes problemas para quem depende de cuidados de saúde públicos, como a Medicaid ou o Affordable Care Act. Conseguiram chamar a atenção para isso.

Sim, e vai ser pior nas zonas onde Trump venceu, porque há mais pessoas a depender destes sistemas.
Sim, vai ser pior, sim.

É estranho, mas é verdade: as pessoas votam contra os seus próprios interesses. As pessoas que mais votaram em Trump são as que mais estão a sofrer com as suas medidas.
Também se pode dizer que as pessoas ricas que votaram nos democratas votaram contra os seus interesses.

Sem dúvida. Alguns dos que votaram nos democratas acabaram por ganhar muito dinheiro na Bolsa com a vitória de Trump.
Sim, é verdade. Isso prova algo importante: as pessoas não votam apenas com base na economia. Votam por muitas razões. É muito difícil dizer por que razão alguém vota, porque as pessoas são complexas. Se alguém soubesse realmente, saberia como agir — mas não é assim que funciona. As pessoas têm interesses económicos, ideológicos, pessoais, instintos. Há muitas razões diferentes que levam as pessoas a votar.

No fim de contas, os EUA poderão ter cerca de 30 milhões de pessoas sem qualquer cuidado básico de saúde. Como é que isto é compreensível?
Não é novidade na história americana. Não é a primeira vez que isso acontece... Concordo que é escandaloso. Não sei bem o que quer dizer com “compreensível”, mas é preciso recordar que há um partido político nos EUA com uma ideologia que diz que o Estado não deve ajudar as pessoas e que tem tentado cortar tudo o que o Estado faz pelas pessoas. É nisso que acreditam. E a Cristina tem razão: até agora, as pessoas têm continuado a votar neles.

Uma das pessoas que Trump contratou defende o corte total de despesas. No entender dele, não se deve gastar nada. Zero.
Sim, está a falar do Russell Vought. É verdade que ele defende isso, e anda a dizê-lo há vários anos. Está na política americana há muito tempo. Ontem tomei o pequeno-almoço com um ex-membro do Congresso que falava sobre Vought e sobre a forma como ele se comportava há alguns anos, quando trabalhava numa das comissões do Congresso — não como membro eleito, mas como assessor.

Há a ideia de que os republicanos foram capturados por esta política de Trump. Não o querem, mas têm medo. Medo de quê?
Depende. Alguns têm medo de serem desafiados nas primárias — ou seja, que Trump ou a sua equipa apresentem um candidato contra eles nas próximas eleições. Muitos têm medo disso. Outros têm medo de serem atacados nas redes sociais, especialmente no X, que é a plataforma que mais os preocupa. Alguns, especialmente senadores, podem até ter medo de que, ao desafiarem Trump, sejam atacados ou de que os seus filhos sejam atacados no seu estado. Isso foi tema de um episódio do meu podcast há um ano. Há uma variedade de medos. E não esquecer: alguns concordam com ele. Acham que o Governo Federal é demasiado pesado, que o défice é excessivo, que as pessoas devem cuidar de si próprias e que o Governo não deve interferir na vida das pessoas.

Só para terminar, porque temos de encerrar. Uma das ideias que tem evocado para o futuro é que as pessoas que defendem a democracia e o Estado de Direito e que estão contra Trump devem encontrar os pontos em comum e trabalhar em conjunto.
Sim, devem criar coligações a partir do que têm em comum. Mas, se isto é o fim da conversa, quero aproveitar para dizer uma coisa antes de acabar: é muito importante que os europeus tenham os olhos bem abertos, percebam o que está a acontecer e compreendam o impacto que isso tem para eles e para a sua segurança. Pode haver um Presidente diferente daqui a três anos, talvez. Uma grande parte dos americanos ainda gosta da NATO, quer continuar a ser membro da alian­ça e quer ter aliados, entre outros. Mas também há uma parte significativa da população americana que não quer aliados, que não gosta especialmente da Europa e que não quer ter nenhuma relação especial. Espero que os europeus compreendam isso e comecem a tirar conclusões. Conclusões para a sua segurança, claro, mas também para a economia.

Acho que alguns dos países europeus que, ao longo deste ano, saíram do Acordo de Otava e começaram a colocar minas terrestres nas fronteiras já perceberam isso. Acha que os europeus ainda não perceberam?
Acho que alguns perceberam e outros não.

Enquanto europeus, temos a perceção de que os americanos não estão a perceber que, de certa forma, já estão a viver num regime autoritário e que as coisas podem piorar.
Ele ainda não conseguiu criar um regime autoritário. Está a tentar criar um, mas ainda não conseguiu. É muito importante fazer essa distinção.

No seu podcast, “Autocracy in America”, estava sempre a dizer que não estava a falar do futuro, mas do presente, do que está a acontecer agora nos EUA.
Mas nunca disse que estamos numa ditadura da qual não podemos sair. Não penso isso. Só estou a dizer que há comportamentos e práticas autoritárias das quais devemos estar conscientes. Elas estão presentes. Isso é verdade.

É também importante perceber que já não estamos no chamado “mundo livre”, aquele que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial.
Sim, isso acabou. Acabou esse mundo, criado após a Segunda Guerra Mundial, essa ordem liberal baseada em regras, sustentada pelo poder e pela influência dos Estados Unidos. É muito importante que as pessoas compreendam isso, que interiorizem essa ideia e que tirem conclusões. Há muitas oportunidades para a Europa. A Europa tem o Estado de Direito. Tem educação não ideológica, em grande medida. Pode tornar-se o grande centro da ciência se os EUA abdicarem disso. Pode tornar-se o foco de investimento se for mais difícil investir nos Estados Unidos devido às constantes alterações na política comercial. A Europa tem sistemas estáveis. Tem regulamentação fiável que as pessoas compreendem. Tudo isso pode ser extremamente vantajoso para os europeus.

Muitas pessoas, mesmo aquelas que acreditam no excecionalismo americano, pensam que o caminho para a guerra civil está aberto. Tem receio de uma guerra civil nos Estados Unidos?
Não acho que vá haver uma guerra civil como no século XIX, com dois exércitos a combater em Gettysburg. Mas já há um nível muito elevado de violência política. E pode piorar.

Expresso

October 23, 2025

"Vou morrer?", pergunta uma das crianças de um infantário bombardeado por Putin

 

Putin tem de ser derrotado, julgado pelos crimes e fechado a sete chaves para o resto da vida. A Rússia desmilitarizada. Desagregada. A história da Rússia é uma história de continuo terrorismo: invasão, morte e destruição. São como um psicopata que não consegue evitar a crueldade e o assassínio. Têm um país enorme e rico mas vivem para invadir e matar outros povos.


October 20, 2025

Uma das coisas que Putin conseguiu com esta guerra foi unir mais os europeus

 

Os serviços secretos holandeses estão a deixar de partilhar informações com os Estados Unidos e a trabalhar mais estreitamente com os seus parceiros europeus, afirmaram o diretor da AIVD, Erik Akerboom, e o diretor da MIVD, Peter Reesink, numa entrevista conjunta ao jornal Volkskrant.

A sua cautela em relação a Washington está relacionada com o que descrevem como a trajectória cada vez mais autocrática do presidente Trump, que demitiu altos funcionários por serem leais ao país e não a si e recorreu a processos judiciais para pressionar jornalistas, juízes e universidades.

Os diretores afirmaram que esta é a primeira vez que os eventos nos EUA moldam diretamente as relações dos serviços secretos holandeses com eles, marcando uma ruptura com décadas de estreita cooperação com a CIA e a NSA.

Ao mesmo tempo, a cooperação dentro da Europa aumentou. 

Akerboom disse que um grupo líder de serviços de inteligência do norte da Europa — incluindo os Países Baixos, Grã-Bretanha, Alemanha, os serviços escandinavos, França e Polónia — agora troca mais informações, incluindo dados brutos, impulsionado pela guerra da Rússia na Ucrânia.

Os directores também alertaram que a Rússia está por trás de dezenas de ataques cibernéticos bem-sucedidos na Holanda todos os anos, «em áreas onde causa perturbações reais», enquanto a China está a tornar-se uma ameaça digital ainda maior.

Akerboom alertou os viajantes holandeses na China sobre as chamadas operações de «acesso próximo», nas quais computadores portáteis e smartphones pertencentes a jornalistas, altos funcionários e especialistas técnicos são copiados fisicamente ou sem fios.

«As pessoas precisam realmente de estar cientes de que os seus dispositivos são vulneráveis», disse ele, acrescentando que mesmo os dados encriptados podem ser armazenados e posteriormente desencriptados usando inteligência artificial.

Ambos os chefes de inteligência disseram que a Holanda precisa de poderes mais amplos para agir mais rapidamente contra os ciberataques russos e chineses. «Queremos ser capazes de agir mais rapidamente quando vemos um ataque. O procedimento agora é muito demorado», disse Akerboom.


Problemas internos na Rússia

 


Uma coisa é Putin deitar todos os dias mil homens do campo e das prisões para o lixo, outra é ir mexer nos jovens de São Petersburgo.


October 16, 2025

Reciprocidade

 

Não percebo porque é que a Ucrânia não responde na mesma moeda: por cada ataque da Rússia a instalações eléctricas ucranianas que deixam as pessoas às escuras e sem aquecimento, às portas do Inverno, ponham Moscovo às escuras. É a maneira dos russos pararem com isso.



 

A UE não precisa de mais cavalos de Tróia

 


October 13, 2025

A Rússia é uma imensa máquina podre de problemas políticos, técnicos e morais

 

Um submarino russo diesel-elétrico, o B-261 Novorossiysk, emergiu perto da costa da Bretanha, França, alegadamente devido a graves problemas técnicos. Uma fragata da Marinha francesa foi enviada para monitorizar a embarcação. A NATO confirmou o incidente.

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