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March 19, 2024

American Fiction - uma sátira que acerta em cheio

 

Uma aluna universitária critica o professor de Literatura por escrever no quadro um título de um clássico com a palavra nigger. Diz que se sente incomodada com a ofensa. O professor, que é negro, explica à aluna, que é branca, que não é possível estudar a Literatura Clássica do Sul americano sem dar com palavras, frases e expressões ofensivas mas que devem ser tomadas no contexto em que foram escritas. Ela não aceita a explicação. O professor diz-lhe, "se eu as aguento, com certeza também as podes aguentar". Ela pergunta porquê 😁 É assim que começa o filme.

O professor, a quem todos chamam Monk (porque o seu primeiro nome é Thelonious, mas também porque evoca a sua misantropia), é logo chamado à direcção onde lhe explicam que já há várias queixas de alunos que se sentem ofendidos com ele e mandam-no tirar uma licença para refrescar as ideias. 

Ele é um escritor respeitado mas pouco popular porque não escreve livros 'negros' que são os livros que as editoras querem, porque vendem: ambientes violentos de afro-americanos que falam em vernáculo e passam a vida a entrar e a sair da prisão. Monk irrita-se porque nas livrarias os livros dele aparecem sempre na secção dos livros afro-americanos e ele, que nem acredita na raça, escreve obras universais e não étnicas.

Também se irrita por as editoras terem essa expectativa esteoretipada do que deve ser um livro de um escritor negro, porque praticam, sem sequer perceberem, um racismo igual ao racismo de não os publicarem por serem negros, que é o de julgarem que um indivíduo, se nasceu com pele escura, é unidimensional e vive exclusivamente por, e para, essa questão.

Vai a Boston visitar a família. A mãe está com os primeiros sintomas de Alzheimer a progredir muito rapidamente, a irmã, que vive com ela e é médica, morre passados uns dias de ele lá chegar e o outro irmão, que também é médico, está com problemas porque a mulher apanhou-o na cama com um homem, expulsou-o de casa, ficou com os filhos e com mais de metade dos doentes -também é médica- sendo que vivem numa pequena cidade. 

Monk resolve escrever um livro, exageradamente estúpido e mau, de acordo com o gosto idiota e estereotipado das editoras. Escreve-o mesmo ridículo para ser uma espécie de bofetada satírica nas editoras. Ninguém percebe a ironia e o livro é logo um sucesso - quanto pior ele fala e mais estúpido é o seu comportamento, mais sucesso tem 😁 

Escreve o livro sob pseudónimo e nunca aparece em pessoa nas entrevistas. Inventa que fugiu da cadeia e é perseguido: as editoras e o público adoram. 😁

Porém, as coisas complicam-se comicamente quando ele faz parte de um júri literário sério e os outros membros brancos querem dar o prémio àquele livro estúpido que escreveu sob pseudónimo. Ele começa a tenta livrar-se do livro -aquilo era para ser um gozo- mas já não consegue porque está no top das vendas. 😁

Entretanto acompanhamos o drama da sua família, uma família normal com os problemas e as complexidades normais das famílias que nada têm que ver com a raça mas com o ser-se humano.

Muito bom o filme. Uma sátira ao absurdo a que se chegou na sociedade, em termos de comportamentos e linguagem que em vez de acabar com as desigualdades de direitos, substitui-as por outras desigualdades de direitos e preconceitos.

March 12, 2024

Filmes - acerca da consciência

 

Ontem estive a analisar com uma turma a questão da ação humana. O que tem a acção humana que a diferencia de acções de outros animais ou de pessoas incapacitadas, mentalmente, por exemplo. Uma das dimensões da acção humana é a consciência - mas o que é isso da consciência? 
Quando falamos em acções do ponto de vista ético, faz muita diferença o sentido em que se fala de consciência. 

A consciência na acção moral diz-se em dois sentidos: um é o sentido de se saber se a acção está de acordo ou nega as leis e costumes bem como as consequências da quebra desse dever: é um sentido normativo, formal; outro sentido muito diferente é um sentido que corresponde a uma repulsa interna por fazer certas acções (mesmo que não neguem leis ou que se tenha a certeza de não se ser apanhado) e uma obrigação interna de fazer outras (mesmo que neguem leis ou se tenha a certeza de ser apanhado - Navalny, por exemplo). Chamo a este segundo sentido interno, um pouco estético. Há um sentimento tão grande e profundo de transgressão da ordem humana em certas acções que a ideia de as fazer causa repulsa, náusea. 

Não me refiro a empatia, um conceito que está na moda mas que a mim me parece superficial - emoções à flor da pele - se não são acompanhadas de consciência, são voláteis e inconsequentes. Tanta gente empática que se emociona com o sofrimento de gatinhos mas que não hesita em actos de grande maldade e crueldade contra pessoas...

Este filme é brutal. Mostra um mundo com empatia e capacidade emocional mas sem consciência, a não ser naquele sentido normativo, formal. E o resultado é brutal. 

É um filme inglês sobre o mundo nazi ou sobre o que foi o nazismo ou o que o mundo nazi fez às pessoas: deu-lhes permissão de verem a vida como um jogo de ganhar e perder e de o jogarem com as características mais cruéis da pior versão de si mesmas. Ditadores depravados e brutais têm esse efeito de incentivar o povo a fazer vir ao de cima a sua pior versão possível: Hitler, mas também Putin, como Mao, Estaline e outros do género. 

É um filme diferente do que costumam ser os filmes sobre o nazismo que, geralmente, tentam mostrar o horror pela imagem brutal de pessoas perseguidas, emaciadas pela fome, torturadas, etc. Mas este filme não tem uma única imagem de judeus, embora se passe em Auschwitz. O horror do filme está na falta de horror que é a falta de consciência e a brutalidade anti-semita dos campos, que não se vê, nunca, mas é o pano de fundo do filme: ouve-se o tempo todo.

O filme passa-se durante a Segunda Guerra Mundial, na casa do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, que está separada do campo de Auschwitz, por um muro alto. Outros oficiais das SS moram ali atrás do muro, como eles. Höss vive ali com a mulher, Hedwig e os 5 filhos. A casa deles tem um jardim enorme, meio idílico, todo florido, com caramanchões, uma piscina. Hedwig organiza festas para as famílias dos oficiais no jardim da residência. Ela é a perfeita esposa alemã-nazi e floresce nesse papel. Adora a sua vida. Vemo-la juntar-se com as mulheres dos outros oficiais nos dias em que chegam comboios com judeus e os guardas dos campos vão lá levar os pertences mais caros que roubaram aos judeus: um casaco de vison, combinações de seda, jóias, etc. Ela fica sempre com o melhor, por ser a mulher do comandante. Ela é de uma brutalidade gelada. Tem uma empregada doméstica polaca, não judia. Um dia a empregada engana-se e ela diz-lhe, 'Vê lá o que fazes, sabes que posso pedir ao meu marido e ele transforma-te em cinza".

Quase todas as cenas do filme são filmadas como um palco de teatro em que o fundo é o muro que separa a casa do campo de extermínio. Então, por exemplo, estamos a vê-los numa festa no jardim e o fundo é o muro e, por detrás, a torre do campo, com guardas com metralhadoras, as chaminés com colunas grossas de fumo dos judeus a serem incinerados, a par com os sons que são constantes: gritos de guardas, tiros de pistola e de espingarda, crianças a chorar, pessoas aos gritos. Há uma cena em que ela leva o filho bebé para cheirar as dálias acabadas de florir no jardim (o adubo das flores do jardim são as cinzas e pedaços mortos dos judeus) e vemos as colunas de fumo a erguerem-se no céu atrás do muro e sabemos que o cheiro das pessoas queimadas deve ser insuportável, mas aquilo não a perturba. Ela é feliz ali...

Ela vive ali como num paraíso. Quando o marido é nomeado inspector-chefe dos campos e tem de mudar-se, ela diz que não vai com ele, porque tem ali a vida de sonho que sempre quis: tem tudo o que possa desejar, vem-lhe tudo ter à porta, todas a tratam com deferência, é admirada por todos, os filhos estão felizes, etc. Os filhos não estão felizes. Um deles, que brinca muito sozinho no quarto, no 1º andar, de vez em quando vai à janela porque o barulho é insuportável e olha para o campo com um ar muito perturbado.

Entretanto, o marido só pensa em tornar o campo mais eficiente. Reune-se com engenheiros para pensarem como arrefecer uns fornos enquanto outros trabalham para poderem queimar judeus 24 horas por dia. Nos dias em que chegam comboios, liga aos outros para eles irem lá escolher quem querem. Quando é nomeado inspector, vai à conferência de Wannsee e depois vai a uma festa. Em vez de divertir-se passa o tempo a pensar se seria fácil ou difícil gasear todos os presentes dada a altura do tecto do salão de baile.

A mãe dela vai lá passar uma semana com eles. Admira o jardim dela e a piscina. Pergunta-lhe se os judeus estão do lado de lá do muro e interroga-se se a ex-patroa dela, uma judia, estará lá a trabalhar. A mulher não faz idea do que lá se passa. Na primeira noite, não consegue dormir com o barulho dos tiros, da gritaria e vemo-la ir à janela e ficar perturbadíssima. No dia seguinte a família descobre que ela foi-se embora a meio da noite sem dizer nada a ninguém e percebemos que ela percebeu a extensão do horror que ali se passa e 'viu' a filha na sua realidade: uma pessoa brutal, sem consciência. E fugiu dali.

A atriz que representa Hedwig, a mulher de Höss, é a Sandra Hüller, uma alemã, que é uma excelente atriz (é a actriz de Anatomia de Uma Queda). Também o que representa Höss é alemão. Mas o papel dela é mais difícil e o filme centra-se nela. Tem de ser muito difícil representar um papel destes, sendo alemã... e o que mostra é uma consciência muito apurada e desenvolvida do que foram todas as transgressões humanas dessa época em que a maioria dos alemães eram nazis e conviviam muito bem com o nazismo. 

Isso é o que vemos no filme: uma sociedade, que esta família representa, brutal e depravada que se sente feliz e à vontade com a escravidão e a subjugação e exterminação dos outros seres humanos. Estão todos muito bem na vida e o que fazem está de acordo com as novas normas e leis.

Podíamos transferir esta ausência de consciência das transgressões humanas para o tempo da escravatura nos EUA em que as famílias almoçavam e faziam festas de estrondo enquanto no quintal se amarravam negros aos postes para os chicotear, ou matar e se separavam famílias, se violavam as raparigas e as mulheres, etc. Ou para o que se passa com os russos que vão para a Ucrânia matar, torturar civis e têm conversas ao telefone com as famílias a gabar-se do que fizeram; ou o que fizeram os do Hamas no dia 7 de Outubro. 

Todos estes casos são casos de sociedades onde os líderes são pessoas brutais, sem consciência dos limites da acção humana e que incentivam o povo, com o seu exemplo de ausência de consciência, a serem a pior versão possível de si mesmos. Trump também faz isso de incentivar os outros a serem a pior versão de si mesmos, embora não seja do calibre de Putin e muito menos de Hitler, que está noutra categoria a parte de todos.

Educar a consciência, mais do educar a empatia, é o que me parece verdadeiramente importante para a acção ética e moral.


March 06, 2024

Por falar em filmes: Das Lehrerzimmer (A Sala de Professores)




Vi este este filme, alemão, que em português se chama, A Sala de Professores. O filme passa-se numa escola normal alemã, à volta de uma professora de Matemática e da sua turma de 7º ano. Acontece que há um roubo e desconfiam de um aluno que se vem a saber que não é culpado. Depois descobre-se a pessoa culpada mas essa descoberta gera uma crise grande, na turma, entre os alunos, entre a turma e a professora -que também é DT-, entre os alunos e a direcção da escola, entre os pais e a professora e entre os pais e a direcção da escola. 

E o filme é sobre a fragilidade do equilíbrio de uma turma, a dificuldade de manter os alunos nas condições óptimas de se poder criar situações de aprendizagem e não perder de vista o que importa, em termos pedagógicos, nos momentos de crise. É um trabalho muito complexo porque os alunos estão numa fase difícil da vida, uma fase de crises constantes, próprias do desenvolvimento da adolescência - psicológico, fisiológico e cognitivo.

A professora, e os professores em geral são vistos, na sua relação com as turmas, como maestros diante das suas orquestras: têm de criar uma visão de conjunto em que todos possam participar e contribuir sem que as suas vozes individuais se percam no conjuntos, tal como acontece numa orquestra em que cada instrumento tem voz própria mas tem que trabalhar para a harmonia do conjunto - uma turma não é uma explicação individual para cada um dos 20 e tal alunos (o tamanho daquela turma), mas também não pode ser uma sopa em que todos se perdem e perdem a voz. 

No filme, os pais não colaboram com os professores e muitas vezes não trabalham para ajudar os filhos - o que também é verdade. Não vou contar o filme porque ele está em cartaz. É um filme muito bom e que sai fora dos clichês do que costumam ser os filmes passados em escolas.

Coisas em que fui reparando no filme: os alunos no 7º ano sabem quem foi Tales de Mileto e a sua importância na Matemática a propósito de aprenderem os Teoremas de Mileto (também cá isso era do currículo, não sei se ainda é); os alunos aprendem e sabem usar um computador para fazer uma apresentação oral, mas as aulas são com cadernos e livros de papel; os testes são manuscritos; a professora aproveita a matéria para pôr problemas aos alunos e incentivá-los a encontrar respostas por si (acho que isso é universal); manda trabalhos para casa; as aulas são participadas e discutidas, embora sejam sempre os mesmos a intervir - isso é universal. O que me passou pela cabeça foi: ninguém ali defende a infantilização e o atraso de aprendizagem dos alunos para poupar dinheiro em professores.

Enfim, penso que vale muito a pena ver o filme, não só para professores, mas especialmente para professores. Aquela professora fez-me lembrar uma série de colegas, na maneira como encaram a educação, como não comprometem o carácter pedagógico e a exigência das aulas para agradar a ministros idiotas e sem deixar de dar primazia à relação com os alunos. 

Ainda esta semana estava à conversa com duas colegas que são mais ou menos da minha idade. Estávamos a concordar em que basta um encarregado de educação mal-formado ou ignorante mas pensando que sabe mais que os professores, para estragar a relação de um professor com uma turma. Os pais nem percebem o estrago geral que fazem. Isso é uma das vertentes do filme, mas que não vou contar.

Uma das colegas contava que há uns anos teve uma turma no 7º ano com um par de gémeos e, num trabalho que mandou fazer, eles copiaram e ela disse-lhes que percebia que eles tinham copiado e pediu para eles reconhecerem. Não só não reconheceram como a mãe, em vez de educar os filhos, foi à escola chamar nomes à professora e dizer que ela não tinha provas e que era uma péssima professora, etc. É claro que os alunos têm sempre, dentro da turma, colegas cuja lealdade é para com eles, por muito que gostem do professor. O que é normal, mas divide a turma e estraga o ambiente, sendo que o professor vê mas não não pode fazer nada porque não vai pôr os alunos uns contra os outros, evidentemente. Resultado: o ambiente de confiança e bom espírito necessários a que as aulas decorram bem que a professora tinha com a turma modificou-se e nunca mais foi o mesmo. Ela levou os alunos até ao 12º ano, como acontece muito com professores que têm disciplinas em que podem fazer isso. Cria-se uma relação afectiva entre a turma e o professor porque são muitos anos e a pessoa acompanha o crescimento e as crises dos miúdos.

Um dos gémeos, no 10º ano, veio pedir desculpa e confessar que o tal trabalho tinha sido todo copiado e que tinha até tido a mão da mãe... Isto é cada vez mais comum: um EE ignorante mas arrogante ou desonesto, estragar uma turma inteira com as suas intrigas e estupidez, sem sequer perceber o que está a fazer. A nós o que nos custa é o prejuízo que isso causa à turma em geral.

Outra colega, que lecciona Biologia e Geologia, dizia que começou este ano com uma turma do 7º ano, mas que já não vai poder acompanhá-los até ao 12º ano porque se reforma antes disso, de maneira que, por um lado está contente porque quer sair disto em que transformaram a profissão, mas por outro, sente muita pena de largar os miúdos a meio do percurso. 

Muitos colegas fazem lembrar a professora de matemática do filme - todos os ignorantes que por aí falam mal dos professores, a começar pelo ministro e seus capangas, gente sem tino, e a acabar na nossa pseudo-elite de pedagogos da moda, são uns ignorantes que não percebem nada do que se passa dentro de uma sala de aula, da relação entre os alunos e professores, de como tudo é um equilíbrio necessário mas difícil de manter, que se desfaz facilmente com o maior prejuízo para os miúdos. 


February 01, 2024

Filmes - Anatomia de uma queda

 


O título do filme tem um sentido duplo. Por um lado trata-se de saber o que se passou para que um homem, que vive com a sua mulher e filho, isolados numa montanha dos Alpes na fronteira entre a França e a Alemanha, tenha morrido de uma queda de uma janela do segundo andar da casa mas, por outro, trata-se de dissecar a queda da relação conjugal deles.

Após a descoberta do corpo, pelo filho, é aberto um inquérito e a mulher é suspeita porque a queda dele é suspeita e ela era a única pessoa em casa. No decorrer do inquérito a sua vida conjugal é totalmente exposta.

A certa altura damos por nós menos interessados em saber se a morte dele foi acidente, suicídio ou homicídio e mais interessados na complexidade da relação entre eles.

Ninguém sabe o que se passa dentro de uma relação conjugal, mas as relações decaem, mesmo as melhores, por um acumular de falta de comunicação, falta de respeito e consideração e muito ressentimento engolido. Falta de comunicação. O filme faz mais perguntas que dá respostas.

O casal conheceu-se em Londres -ele é francês, ela alemã- quando ela estava na faculdade e ele escrevia e era aí professor. Tiveram uma ligação imediata e tinham uma relação de grande cumplicidade e intimidade intelectual e emocional, para além de física. Tiveram um filho. Um dia o filho é atropelado à porta da escola e fica cego e o pai culpa-se, porque devia ter ido buscá-lo e não foi. 

O filho ser cego é uma metáfora, penso, da situação de ninguém saber o que se passa dentro de um casamento, mesmo que viva na mesma casa e partilhe a vida dessas pessoas.

A partir dessa altura a relação deles começa a decadência. A mulher ressente-se da culpa obsessiva dele porque pensa que isso marca negativamente o filho - como se fosse menos pessoa por ter ficado cego; ele isola-se na culpa e isola-a, afasta-a; resolve ficar a trabalhar o mínimo de horas como professor e deixar de escrever para se dedicar inteiramente ao filho; o dinheiro deles vai-se nos tratamentos do filho; ela, que também é lésbica, gere o caos em que se tornou o casamento com um affair com uma rapariga; como quer ser honesta, conta ao marido e diz-lhe que foi só uma coisa sexual; claro que ele sabe que isso de ser só sexual não existe e leva a traição muito a mal - fica muito ressentido; ele propõe irem viver na sua casa de infância, nos Alpes franceses, para poupar dinheiro e porque quer o afastamento dela de tentações; ela aceita; dado que ele desistiu de escrever para se dedicar ao filho, ela pede para usar uma ideia dele num livro; o livro tem um enorme sucesso e ela torna-se uma escritora de grande sucesso; ele ressente-se com isso; ela não é uma mulher de se acomodar às inseguranças do marido, não pede desculpa de ser quem é.

Enfim, como se inquina uma relação de amor (eles ainda sentem amor um pelo outro) com muita areia que se deixa entrar na engrenagem e nunca se limpa. Eles são ambos íntimos mas, ao mesmo tempo, estranhos. Estão sempre desconfortáveis na sua comunicação, dado que ele não fala o alemão e ela fala pouco o francês. Encontram-se em inglês, Isso dá-nos a impressão da infinita distância que há entre as pessoas, mesmo duas pessoas que estão numa relação íntima de amor e de como tem que estar sempre a traduzir-se para o outro.

As cenas no tribunal reforçam essa ideia de que o que se sabe de fora, no que respeita a um casamento, mesmo quando toda a vida é exposta, é uma pequena fresta da realidade que não diz nada de verdade das pessoas e das situações. Como tirar uma frase de um livro que não se leu e pensar que se percebeu a verdade da obra a partir daquela pequena fatia.

A interpretação dela é excelente. Muito contida, sem emocionalismos, com uma grande ansiedade que vai crescendo mas sem nunca descair para uma simplificação do que era complexo. Mantém a lealdade ao marido e tenta preservar a sua memória para o filho. O filho é um rapaz memorável e de uma grande inteligência: sendo cego, vê muito mais do que parece. Muito bom no filme, capaz de uma grande tensão emocional e de passar do registo de criança assustada pela morte do pai a pré-adulto a decidir a sua posição (curiosidade: o actor é filho de uma portuguesa emigrada de Famalicão). O marido nunca se vê, a não ser numa cena em retrospectiva em que assistimos a uma discussão entre eles que acaba em grande violência verbal (como acontece entre casais que acumulam tensões sem as resolver) e não só. Belíssimos diálogos. Um filme que nos deixa a pensar.

O filme é muito grande com duas horas e meia, mas essa demora parece necessária para entrarmos gradualmente em todos os interstícios psicológicos da relação deles.

Não vou contar o que se passa e a conclusão a que chegam, mas posso dizer que o filme não é uma americanada e isso, só por si, já diz muito.


January 10, 2024

There are not nice people

 


Este filme -Saltburn, que se refere ao nome de uma propriedade- pode-se classificar como comédia negra ou gótica ou burlesca ou sátira... não sei bem, mas é sobre não haver pessoas boazinhas. É verdade que há, nos extremos, alguns que são miseravelmente maus e que há alguns outros extraordinariamente motivados pelas coisas certas, digamos assim, mas no meio desses há uma miríade de gente que, em diversos graus, não são pessoas boazinhas. Todos são capazes de actos de crueldade, de hipocrisia, de cobardia, de maldade, etc.

Este filme é sobre um jovem rapaz e aquilo de que é capaz para ter o que quer, mas ao mesmo tempo nenhuma das suas 'vítimas' é propriamente uma vítima porque, lá está: There are not nice people - esta foi uma frase que ouvi a realizadora dizer a propósito do filme.

O filme está carregado de simbolismos e cheio de pormenores significantes que a música acompanha de modo admirável - é incómoda nas cenas incómodas (que são muitas), gloriosa para sublinhar o desadequado, religiosa nas cenas mais eróticas... 

O filme lembra-me, em parte, o Ripley de Patricia Highsmith; o Brideshead Revisited; o Gatsby, o Brutti, sporchi e cattivi... porém, não é nenhum deles. É muito mais mordaz e cru. Como se diz no filme, Oliver, a personagem principal, é uma traça sombria atraída pela luz das borboletas ao ponto de comê-las para ser 'elas'. 'Elas' nunca percebem a sua realidade sombria porque estão demasiado entretidas a serem borboletas caprichosas e algo cruéis, embora não o percebam.


January 01, 2024

Filmes - Stalker

 


Stalker é um filme de Tarkovsky, um realizador russo considerado um dos maiores realizadores de sempre. Foi o último filme que fez na URSS. Apesar de começar a sua carreira na era de Nikita Khrushchev, uma era de abertura ao Ocidente na literatura e arte, começou a ter sérios problemas com as autoridades na época de Brezhnev e saiu da URSS, vindo a fazer os seus dois últimos filmes no exílio. Só fez sete filmes. Depois, fez alguns documentários e outros trabalhos pequenos. Dele só tinha visto, Ivan's Childhood (1962) e Andrei Rublev (1966). Hoje de manhã estive a ver este filme, de longe o meu preferido agora. Este filme é para ver mais que uma vez porque é tão rico em imagem, diálogo e significado que à primeira vez não se consegue (ou eu não consigo) processar todos os pormenores. 

Tarkovsky morreu relativamente novo -54 anos- de cancro no pulmão. Igual morte prematura de cancro no pulmão tiveram outras pessoas que entraram no filme, como actores ou como equipa e pensa-se hoje que foi devido às filmagens serem quase todas numa antiga fábrica/estação hidroeléctrica desactivada, perto de uma fábrica de químicos que fazia descargas poluentes, tóxicas e cancerígenas para o ar e para o rio que ali passava, a que estiveram expostos meses a fio, sem nenhuma proteção. Parte do filme é algo premonitório, pois refere um colapso do 4º bunker da fábrica numa paisagem a lembrar Chernobyl, muitos anos antes do desastre do 4º tanque de Chernobyl.

Enfim, Stalker é um filme metafísico, mas também poético, embora possa ser lido como político, um manifesto anti-comunista, por exemplo. Isso tem piada porque a própria ideia do filme tem que ver com leituras da realidade subjectivas, de maneira que a interpretação do filme é uma meta-leitura de uma leitura da existência humana e da sua busca por sentido e pelo maravilhoso.

O nome do filme, Stalker, portanto, não se refere aqui ao sentido actual deste termo, que é o de alguém perseguir implacavelmente outra pessoa e trespassar agressivamente a sua privacidade. Stalker aqui é entendido no sentido anterior do termo, que no livro que serviu de base ao argumento significa indivíduos que caçam artefactos estrangeiros e vendem ilegalmente, mas que aqui no filme deriva dos guias de caça, pessoas que orientam os caçadores na pista da presa: sabem seguir o seu trilho e aproximar-se devagar, paciente e silenciosamente. Portanto, Stalker, neste filme, é entendido como o guia numa perseguição, numa busca, neste caso uma busca pelo sentido da existência e o desejo de transcendência, de uma vida, de outro modo, cinzenta. 

O filme dura quase três horas e é lento, com grandes planos e até pausas em que o realizador nos deixa  a contemplar uma cena belíssima e de silêncio só interrompido por uma chuva no interior de um edifício, para nos dar tempo de meditação sobre o acabado de dizer pelas personagens.

O filme é quase todo com 3 pessoas: o Stalker, o Professor (um físico) e o Escritor - nunca sabemos o nome deles, são arquétipos. Passa-se num país indeterminado da actualidade -industrializado e materialista, ambientalmente degradado. Este materialismo não será meramente soviético mas percebe-se que é uma referência à anti-religiosidade e anti-espiritualidade próprias dos regimes comunistas e os termos de 'Zona', 'moedor de carne' e outros usados são tirados do Gulag.

No filme o Stalker é uma indivíduo que leva pessoas à Zona, às escondidas, porque é ilegal e está guardada pela tropa, um sítio considerado misterioso e que tem a fama de dar a cada um aquilo que mais quer e procura. No filme nunca nos é dito ao certo o que é a Zona embora sejam mencionadas três razões para o aparecimento da Zona: foi deixada por extraterrestres, foi criada pela queda de um meteorito ou foi causada por uma avaria no quarto bunker.

(vou fazer um almoço - já venho escrever o resto)

O princípio do filme diz-nos logo muito sobre o filme. Enquanto espera pelo Stalker, o escritor diz a uma mulher que o mundo se tornou aborrecido e cinzento. Já não há o maravilhoso, o sobrenatural, o divino. Já não há poesia. Não há mistério, o triângulo das Bermudas não existe. Só existe o triângulo A,B,C com os seus ângulos matemáticos. Tudo é medido e pesado. A realidade limitou-se e limitou-os ao concreto material imediato. Quando chega o Professor e lhe pergunta sobre o que escreve, ele diz que escreve sobre os leitores porque não há mais nada para escrever e que quer ir à Zona porque perdeu a inspiração e espera ter lá uma experiência refundadora da criatividade. O professor há-de confessar que o que mais quer é ganhar o prémio Nobel e que espera ganhá-lo com o que encontrar na Zona. Vai para lá com uma mochila cheia de instrumentos de medir e pesar que não larga de maneira nenhuma. Leva a sua prisão consigo.

Stalker diz-lhes, no início da viagem, que têm de fazer tudo o que mandar, que o caminho até à entrada do campo onde se situa a Zona é perigoso, que vão ser perseguidos por guardas (os guardas não se atrevem a passar a fronteira para esse campo), que mesmo lá dentro o caminho não é directo, que tem armadilhas e que é difícil chegar à Zona - que é uma sala dentro de um edifício abandonado no meio do campo.

Todo o filme até eles passarem a fronteira do recinto é em tons de sépia e o ambiente é industrial decadente e abandonado: linhas de caminho de ferro abandonadas, carris, ferros, poças de líquidos, edifícios ruídos, cimento, correntes, etc. Assim que passam a fronteira do recinto, abre-se um plano de um campo verdejante com um rio ao fundo. Assim que chegam lá o Stalker deita-se no chão a cheirar e sentir a terra e as ervas, com um sentimento de reverência espiritual e religiosa. É o que busca: restaurar a fé no mundo levando até à Zona pessoas com coragem e desejo de mudar o mundo, de voltar a colori-lo. Ele nunca entrou na Zona propriamente dita. O último Stalker que lá entrou suicidou-se. Os Stalkers, fica-me a saber, têm filhos que nascem deformados - ele tem uma filha paralítica.

Enfim, depois de muitos perigos chegam à entrada da Zona mas nenhum deles entra, cada um com a sua razão e voltam para trás para a realidade sépia indiferenciada, embora voltem diferentes.

Perto do fim do filme o Stalker está desesperado porque os outros dois não entraram na Zona e não vão restaurar a fé e a poesia do mundo, sem reparar que a sua mulher abandonou tudo (percebemos desde o início) por amor e uma fé inabalável nele: ele -ou o amor a ele- é a Zona dela.

A última cena é com a sua filha a ler um poema, a deitar a cabeça na mesa e com o olhar fazer andar os três copos que lá estavam. À medida que os copos se mexem, ouvimos um comboio a aproximar-se e tudo na mesa começa a tremer, o que achei genial, pois é-nos dito quase no início do filme que "as crianças nascem suaves e flexíveis e crescem a tornar-se adultos fortes, mas duros e inflexíveis". Ao ver esta cena dela pôr os copos a mexer percebemos que as crianças, como a filha dele, têm a Zona dentro de si e para elas tudo é possível e maravilhoso, de maneira que não precisam de longas caminhadas como os adultos que já estão longe desse início, para procurar o maravilhoso, mas à medida que ouvimos o comboio e vemos tudo a tremer e os copos a mexer, somos levados a interpretar a telequinesia da criança como uma ilusão, cuja razão material é a vibração provocada pelo comboio e com isso o realizador obriga-nos a olharmo-nos como adultos que perderam a fé e já não ultrapassam a fronteira do material causal. É como se nos dissesse: e agora? Foi a criança que fez mexer os copos ou foi o comboio? Como interpretam a cena? Já pensaram se estão duros e inflexíveis, presos à realidade material, mensurável e quantificável como se ela abarcasse todas as possibilidades?

O filme tem muito que ver e perceber porque todos os pormenores têm significado - e são quase três horas. Este é um realizador que não deixa nada ao acaso. Visualmente o filme é muito poético e filosófico.


December 30, 2023

Ter voz própria

 


O que faz com que certas pessoas que nascem com um talento extraordinário para a pintura escolham ser falsários? Talvez não escolham.
Estive a ver um filme (The Last Vermeer) sobre o processo de Han van Meegeren -considerado o maior e melhor falsário de sempre- na Holanda, no pós-guerra. Quando se descobre entre a arte roubada por Goering, um Vermeer desconhecido, os holandeses vão à procura da pessoa que lho vendeu e vão dar com Han van Meegeren, um pintor holandês de terceira categoria e negociante de arte. Acusado de colaborar com os nazis e arriscando-se à pena de morte, Han van Meegeren pinta um Vermeer num espaço de meses, na prisão, para provar que o Vermeer que vendeu a Goering é uma fraude e que nunca vendeu tesouros artísticos aos nazis, mas apenas falsificações. O que consegue fazer e lhe devolve a liberdade, mas como consequência desse revelação temos que até hoje não sabemos quais as pinturas 'descobertas' e vendidas por ele no século XX (ele morreu seis semanas após a libertação)  são verdadeiras e quais são falsas. Muitos quadros 'descobertos' e vendidos por ele estão em grandes museus do mundo. Han van Meegeren falsificava variados estilos mas era especialista em Vermeer, um pintor que pintou pouquíssimas telas que valem, pela sua raridade, uma enorme fortuna.

Estava a ver o filme e a pensar o que faz com que uma pessoa nascida com um talento extraordinário para a pintura escolha ser falsária em vez de deixar o seu legado para a posteridade? Em parte, como lhe diz uma personagem no filme, faltou-lhe a força de vontade, a alma, para enfrentar os críticos e vencer as adversidades próprias dos artistas que têm que abrir caminho por si mesmos. 

Porém, isso só não basta para explicar essa renúncia de si mesmo: falta-lhes voz própria. 

"Conhece-te a ti mesmo" era uma máxima do Oráculo de Delfos, da Grécia Antiga, citada por Platão em vários dos seus diálogos, pela voz de Sócrates. Quem não se conhece a si mesmo, quem não mergulhou nas profundezas da sua alma e viu os recantos, as armadilhas, os abismos e todas as cores e texturas que encerra, não tem inspiração para criar porque não tem voz própria. É um copiador de imagens, de superfícies. Pode ter uma técnica muito sofisticada ou rigorosa, como uma mecânica do gesto, mas falta-lhe a visão que a técnica revela. A visão vem de dentro, pois mesmo o que nos inspira vindo de fora, só o faz porque ecoa e é reconhecido dentro e é de dentro que vem esse sopro criador.

Em cada uma das mil vozes de Pessoa, reconhecemos Pessoa.

Educar é, em grande parte, educar a voz para a individualidade, ensinando o processo da reflexão, da introspecção, da arqueologia interior, sem os quais as pessoas crescem imitadores desinspirados, altifalantes de vozes alheias, cidadãos tecnicamente amestrados, renúncias de si próprios.


December 26, 2023

Filmes - Maestro

 

Este é o 2º filme dirigido por Bradley Cooper. Não gostei do 1º -A Star Is Born- que achei uma americanada mas fiquei surpreendida com este filme e com o facto de ser apenas o seu 2º filme como realizador, tendo em conta que a sua formação é de actor e não de realizador. O filme é muito bom. O título engana porque não é uma biografia de Bernstein enquanto Maestro, nem sequer uma análise de como se tormou o Maestro Bernstein. É uma análise da sua persona vista através da anatomia da sua relação com Felicia Montealegre, uma atriz de teatro de origem chilena com quem esteve casado até à morte prematura dela, de cancro. Ela e ele tiveram uma conexão imediata desde o momento em que se conheceram e ela foi um factor da estabilidade da vida dele -um indivíduo exuberante mas depressivo- de compreensão e apoio para que ele se pudesse encontrar consigo mesmo, mas a sua relação era muito complicada porque ele também era homossexual e tinha, paralelamente, amantes jovens, coisa que nunca lhe escondeu. O filme é muito bom a dissecar esta relação à lupa, digamos assim e a mostrar o quão complexas e profundas podem ser as pessoas e as suas relações. 

No filme temos direito a 3 ou 4 excertos de concertos, em ensaio ou em performance que recriam performances de Bernstein que existem gravados e podem ver-se no YouTube (ele foi o maestro mais gravado de sempre - era o Sinatra da música clássica) dos quais o mais impressionante é o trecho da Ressurreição da 2ª sinfonia de Mahler, gravada numa catedral de Londres e que Bradley Cooper conduz in loco, diante de uma orquestra real a tocar o excerto. São mais de 6 minutos de uma única cena em que Bradley Cooper é, verdadeiramente, Berstein, com aquele modo exuberante, emocionado e apaixonado que ele tinha de conduzir. 

Bradley Cooper e Carey Mulligan, a atriz que representa Felicia Montealegre, fazem ambos uma representação extraordinária: ele porque olhamos para ele e vemos mesmo Bernstein e ela porque olhamos para ela e vemos o seu interior e o dele. Ela consegue exteriorizar o interior profundo de ambos. 


November 18, 2023

Filmes - The Old Oak

 


Um filme de encontro de culturas. Passado em Durham, no Norte de Inglaterra, uma localidade em declínio há 30 anos, pobre e envelhecida devido ao fecho das minas que empregavam a população local. É neste comunidade que instalam um grupo de famílias sírias fugidas à guerra. De início vistas com desconfiança e preconceito, acabam por ser aceites pelos locais por via da colaboração entre o dono do último pub local (The Old Oak) e de uma rapariga síria. O filme não lida com os problemas do multiculturalismo, que são complexos, não lida com o radicalismo, nem serve, penso, nenhuma política, apenas nos lembra que os estranhos, quando nos aproximamos deles, deixam de ser um grupo estereotipado e passam a ser seres humanos individuais, logo, compreensíveis nas suas particularidades.


October 13, 2023

Vice

 


Está a passar um filme na TV chamado «Vice», que não conhecia. «Vice» refere-se ao vice-presidente de Bush, Dick Cheney, o mais poderoso vice-presidente dos EUA, de sempre. O filme retrata Dick Cheney, como um patife-ladrão, cheio de negócios escuros com os tipos do petróleo, um ditador encapotado do género daqueles fazendeiros ricos de terras e gado dos filmes de cowboys que têm um gang de malfeitores a trabalhar para eles e a aterrorizar toda a gente, sendo que o seu gang de malfeitores era o aparelho do Estado, o pessoal da Casa Branca. George Bush aparece como um idiota chapado sem moral que não vê um boi à frente do nariz enquanto dá todos os poderes ao Vice que desfalca o país e cria a sua unidade de torturadores e bandidos. O homem tem 82 anos e vive na boa. Nunca ninguém o chateou, a ele e a Bush, pela invasão obscena do Iraque ou por Guantanamo. Como é que as pessoas comuns hão-de ter confiança nos políticos?


October 01, 2023

Filmes - Golda



Golda é um filme sobre a guerra do Yom Kippur, em 1973, em que Sírios e Egípcios invadem Israel no dia do feriado religioso, em grande parte para se vingarem da derrota humilhante da coligação árabe na guerra dos seis dias, uns anos antes, que envolveu oito países árabes contra Israel. 

O filme mostra o exercício do poder por Golda Meir durante esses 20 dias em que assume o comando da guerra e gere aquele Estado militarizado. O filme é sobre ela enquanto líder e é através da gestão do gabinete de guerra que temos acesso ao seu estilo de liderança. Vemo-la gerir e manobrar com mestria, Moshe Dayan e os outros militares, cheio de hubris devido à recente vitória esmagadora da guerra dos seis anos, todos galos a defender, cada um o seu poleiro, e Kissinger, de cujo apoio depende, naqueles tempos em que não se via uma mulher assumir os destinos da guerra.

Quem representa o papel de Golda Meir é Helen Mirren que encarna perfeitamente o espírito, os modos, a tenacidade e a capacidade de decisão que caracterizavam Golda Meir. 
Claro que nesta época de idiotas houve logo quem criticasse não ser uma judia a representar o papel de uma judia, mas o filho de Golda Meir, ele mesmo, louvou o trabalho dela. 
Golda Meir era ucraniana de nascimento, num tempo em que a Ucrânia estava dominada pela Rússia e emigrou para os EUA e depois para a Palestina, em 1917. Era uma sionista convicta e apaixonada. Morreu passados poucos anos desta guerra, de cancro. Fumava barbaramente - vejo-a a fumar e vejo-me a mim, há 20 anos, a acender uns cigarros nos outros.

Vale muito a pena ver, sobretudo para quem se interessa por personagens da História que marcaram épocas. Golda Meir e antes dela, Indira Gandhi, abrem caminho para que Margaret Teacher e outras mulheres pudessem vir a ser primeiras-ministras nos anos 80.


September 17, 2023

Lisboa Antiga versão Hollywood

 


Fui dar com este filme de 1956, com a Maureen O'Hara, passado em Lisboa (chama-se Lisbon) e a música de abertura que acompanha os créditos iniciais sobre uma imagem da Torre de Belém, é o fado, Lisboa Antiga, mas em versão música romântica de Hollywood. Vou ver se o filme vale a pena.

A Torre de Belém ainda está na areia da praia. Diz-se no filme que o fado Lisboa Antiga, que Anita Guerreiro aparece a cantar, "é uma espécie de home, sweet home para os brasileiros". AHAH E bebem Mateus rosé, claro. O Palácio da Pena foi construído pelos mouros :))
Não tem interesse nenhum, o filme.


September 07, 2023

Filmes antigos a preto e branco

 


Está a passar um filme de cowboys num daqueles canais abertos. É um western psicológico de 1947, realizado por Raul Walsh. Chama-se, Pursued. O filme não é nada de especial -o típico homem atormentado por um passado sombrio sempre metido em sarilhos- mas, para além de bons actores, Robert Mitchum e Teresa Wright, tem uma fotografia e uma cinematografia deslumbrantes. O filme tem pouco mais de hora e meia e imensas cenas parecem uma pintura. Nos últimos 15 minutos, uma cena de perseguição de cavalos ao lusco-fusco, filmada de uma maneira que os homens e os cavalos aparecem como autênticas figuras rupestres ou picassianas, em movimento, os contornos iluminados de prata contra enormes montanhas sombrias e céus de nuvens como almofadas de formas estranhas, é de uma grande beleza. Nos filmes antigos a preto e branco sabiam filmar uma cena nocturna, de maneira que se visse a cena, na noite, cheia de vida, com todas aquelas figuras de sombras que fazem da noite um cenário denso, tenso e palpitante, coisa que hoje em dia não sabem e põem o ecrã a negro e não se percebe nada do que se passa nem tem interesse. O filme está todo no YouTube. Não é o mesmo que ver num ecrã grande, claro.


August 28, 2023

Dois filmes - pessimismo, optimismo




Na semana passada vi dois filmes, um que nunca tinha visto, chamado, The Ticket e outro que tinha visto há vinte anos quando estreou mas que não tinha voltado a ver, The Pianist

The Ticket é um filme pessimista. O filme apresenta-nos um homem cego, que por ser cego, é extraordinariamente atento ao que o rodeia, vê as qualidades das pessoas e aproveita o melhor de tudo o que tem. Tem uma mulher fantástica e um filho que o adora. Tem um grande amigo que também é cego. Um dia, contra todas as expectativas, começa a ver - o nome do filme vem deste acontecimento que é o equivalente a ganhar a grande lotaria. A questão é que, assim que começa a ver, passa a ser cego. Primeiro vê-se ao espelho e descobre que é um homem bonito e de repente começa a ver tudo pelas aparência, pela superfície e perde a habilidade que tinha de ser atento, de ver as qualidades das pessoas e entender o seu valor. Começa a progredir no emprego, mas com um tal entusiasmo pelo sucesso que se degrada moralmente e engana clientes. Um manipulador sem escrúpulos. Não tarda muito deixa a mulher por uma fulana qualquer do emprego que lhe traz mais glamour e aparente sucesso. Sai de casa, zanga-se com o amigo porque este diz-lhe a verdade sobre aquilo em que se transformou e ele pensa que o amigo tem é inveja dele. Acha-se extraordinário. Quando se farta daquela vida fútil, a cegueira começa a voltar e ele começa de novo a ver para além das futilidades, do glamour que tanto queria e do poder. Quer voltar para a mulher mas já não há maneira de reconstruir o que tinha com ela e o filme acaba com ele a ir-se embora, já meio cego, mas vendo de novo muito bem, triste e sozinho. O que faz um bilhete da lotaria, por assim dizer, às pessoas. O poder e o dinheiro cegam e corrompem. Um filme, muito pessimista.


O segundo filme, The Pianist, é um filme extraordinário de Roman Polanski (um sobrevivente do gueto de Varsóvia) baseado nas memórias do pianista e compositor polaco, Szpilman, que sobreviveu no gueto de Varsóvia depois da sua família toda ter sido deportada para os campos e de, já na plataforma de embarque, um amigo tê-lo reconhecido e tê-lo puxado para fora da multidão e mandado esconder. No filme, vamos acompanhando a degradação da vida em miséria: as pessoas do gueto ficarem sem comida, as crueldades bárbaras dos nazis, as execuções, as deportações. 
Szpilman fez vários trabalhos e foi ajudado por amigos, porque ele era um músico conhecido entre os polacos. Quando o gueto já não tinha praticamente ninguém, viveu a esconder-se de ruína em ruína e a comer o que encontrava. A certa altura encontra uma casa que tem um bom esconderijo. A casa tem um piano que ele não pode tocar, naturalmente. A paixão dele pela música é tão grande que ele toca peças inteiras na sua cabeça e é esse "Verão Invencível" que lhe dá força para viver. 
Mesmo no fim do filme, um dia em que procura uma maneira de abrir uma lata de comida que encontra, de repente vê um comandante nazi a olhar para ele. Foi descoberto, depois de tantos cuidados e sofrimento e vê-se na cara dele que tem a certeza que vai ser executado. O alemão pergunta-lhe o que faz ali e ele diz que se esconde. Pergunta-lhe pela profissão e ele diz que é pianista. Então o comandante nazi diz-lhe para tocar e ele toca um Nocturno de Chopin, um polaco. Toca como quem se despede da vida e recorda todas as emoções. E acaba de tocar e fica à espera que venha o tiro. Só que não. O alemão não o mata e começa a trazer-lhe comida regularmente para ele sobreviver.
Esta situação aconteceu mesmo e até se sabe quem era o alemão e que veio a morrer num campo de prisioneiros soviético porque Szpilman nunca soube o nome dele para o ajudar no fim da guerra. Só muitos anos depois se veio a saber quem era. É uma cena muito forte e extraordinariamente optimista. No meio daquele Inverno de morte que foi essa guerra e da vida impossível no gueto de Varsóvia, um judeu e um alemão têm uma cena de humanidade comum através da música. Reconhecem-se como humanos, como se a cegueira de um e o ódio/medo do outro tivessem desaparecido e tivessem reparado um no outro como seres humanos, por cima de toda a miséria moral da guerra, por detrás de todos os véus que cobrem os seres que as pessoas são. Uma visão muito comovente e extraordinariamente optimista da vida. 
Este vídeo tem uma parte dessa cena entre eles.

August 10, 2023

Uma fotografia surpreendente

 


Estamos habituados a ver Marlon Brando como pai dos outros três no filme, O Padrinho, mas na realidade ele era pouco mais velho do que eles e aqui, sem a caracterização e com um ar não muito mais velho que os outros (estão na casa dos 30 e ele na dos 40) damo-nos conta do bom trabalho que ele fez no filme porque nunca nem uma única vez o apanhamos a não ser o pai deles.



Lady Shylock

August 06, 2023

Filmes - Barbie

 


Aviso prévio: não pertenço à geração barbie, em minha casa nunca houve barbies, nem bonecas (uma ou duas que eram logo desmembradas), nem nunca me lembro da minha mãe ter alguma peça de roupa cor-de-rosa ou de nos vestir, alguma vez, de cor-de-rosa, nem mesmo em miúdas e somos cinco irmãs. Portanto, tudo no filme me é estranho e extremamente difícil de ver porque é tudo rebuçado: as pessoas, as coisas são rebuçados em fundo cor-de-cosa shoking. Confesso que fui passando para a frente e saltei grandes pedaços do filme porque percebe-se tudo na mesma e aquela excesso de cor berrante e artificialidade são agressivas. O filme é uma crítica social à barbização das mulheres e depois à censura das mulheres barbies pelos mesmos que as induzem a terem as barbies como ideal. Em jeito de paródia vão fazendo críticas à sociedade machista e à desumanização das mulheres e dos seus direitos: as mulheres têm que ser magras em certos sítios, gordas noutros, ser superficiais e, em geral, acomodar os interesses dos homens e não ter ambições fora da 'sua condição'. Só que o filme é uma americanada: tudo tão pouco subtil e no fim ainda temos que levar com uma explicação do filme, não vá sermos idiotas. Gostava de saber se as bonecas aumentaram as vendas.


August 05, 2023

Filmes - "Enemy at the Gates"

 


Está a passar este filme num canal da TV. O filme é uma espécie de óculo apontado para dois soldados atiradores furtivos, com o cenário da Batalha de Leninegrado a correr por detrás - as cenas de bombardeamentos e destruição de Leninegrado lembram as imagens actuais de Bucha, Mariupol e outras cidades ucranianas. Os russos deviam por os olhos nesta batalha porque os alemães foram lá para quebrar o espírito aos russos, mas quem se quebrou foram eles - mas os russos não aprenderam nada com a lição e estão agora eles a fazer o mesmo na Ucrânia: foram lá para quebrá-los e saiu-lhes o tiro pela culatra.

Neste filme, Vassily Zaitsev interpretado por Jude Law é o sniper russo e o Major Koenig, interpretado por Ed Harris, é o alemão. Vassily foi um grande herói da URSS e Koenig terá mesmo existido e sido um rival do outro lado. Enfim, eles dois, mais Danilov, o superior de Vassily e Tania, uma sniper russa por quem ambos os soldados russos se apaixonam são o motor da história que se passa nas ruínas dos prédios de Leninegrado. O cenário de ruínas de fábricas, de prédios e o entulho por todo o lado com mortos espalhados é fantástico porque consegue passar a atmosfera de uma cidade bombardeada, toda esventrada.

No filme não se valoriza muito Tania como sniper o que é pena porque as soldados snipers russas foram grande heroínas dessa batalha. Desses quatros actores, Rachel Weisz, que faz de Tania (e não consegue representar abaixo do nível bastante bom, mesmo que tentasse) e Ed Harris, o alemão, constroem personagens que se impõe e nos cativam, porque são muito bons actores, mas os outros dois, sendo actores com menos recursos, não conseguem envolver-nos e emocionar-nos. Uma pena.

Já vi este filme e o que gostei nele foi a ideia de que, mesmo no meio do horror e do caos que é a guerra, se as pessoas se mantêm dentro dos limites da decência humana, há espaço para os adversários se respeitarem mutuamente. 
O resto é a guerra e a política soviética e alemã a manipular os simples e a chupá-los até ao tutano antes de os deitarem fora como ossos a cães.


July 29, 2023

Fui ver o filme Oppenheimer

 


Não sei bem o que dizer. Não é que o filme seja mau, mas bom também não é. Se não fosse estar cheio de bons actores não se aguentava. A minha amiga dormiu ao meu lado uns bons 45 minutos. Vários casais, mais novos, foram-se embora com os seus baldes de 10L de pipocas e as coca-colas, ao fim de duas horas.

O filme dura 3 horas. Se durasse 2.15h estava muito bem. O filme é, ao mesmo tempo, um meio para limpar o nome de Oppenheimer (que a seguir à guerra ficou muito manchado) e uma mensagem, à americana, contra a votação em populistas e em pessoas com muito desejo de poder. Quer explicar todos os aspectos da época, do homem e da política, tudo ao mesmo tempo e acaba por falhar em alguns.

A parte melhor do filme, quanto a mim, é a da formação de Oppenheimer e depois, em Los Álamos, a construção da bomba. A colaboração científica entre departamentos e as discussões sobre o átomo, o entusiasmo dos cientistas, as ideias sociais e políticas que atravessavam os meios académicos. Isso está muito bem feito. Também o controlo dos militares sobre a ciência e o produto final do projecto Manhattan em Los Álamos. Os espiões e toda a paranóia de segredos, de controlo, de poder, a pressão para compartimentar a informação para que não se soubesse ao certo o que estavam a fazer.

Em meu entender, há dois aspectos do filme que o estragam muito. 

Um tem que ver com as acusações que fizeram a Oppenheimer quando ele se opôs, já no pós-guerra, ao desenvolvimento da bomba de hidrogénio com o argumento de que isso iria dar origem a uma corrida às armas. Esse processo, que existiu e foi uma humilhação para ele e depois do qual lhe retiraram a confiança para ser conselheiro na Comissão da Agência Atómica, foi um processo que partiu de pessoas do meio científico, nomeadamente de Strauss, um físico amador, Presidente da Comissão e que tinha grandes diferendos com Oppenheimer acerca da bomba H. e da política americana relativamente aos russos, no que respeita às armas nucleares.
Strauss foi um indivíduo que teve sucesso junto de Truman e levou a sua avante - no filme Truman aparece como uma espécie de Trump, um pragmático populista sem ética - muito bem representado por Gary Oldman. Strauss aparece como um conservador, um político manhoso e sem ética e até se diz que, mais tarde, Kennedy opôs-se à sua nomeação para o governo de Eisenhower, como se isso fosse um selo de vergonha.

Mas o que não se diz no filme é que todo esse processo foi influenciado, e talvez nem tivesse sequer existido, sem a era Macarthista, esse período de caça às bruxas, que atirou milhares de pessoas de grande qualidade para o desemprego ou para trabalhos de assentar chulipas nas linhas do caminho de ferro, como foi o caso de alguns dos cientistas que estiverem no projecto Manhattan. Oppenheimer não foi entregar pizzas mas ficou com a reputação e a carreira destruídas e foi depois uma pálida sombra do que era. 

Enfim, o filme descreve as audições desse processo quase ipsis verbis, com todas as testemunhas e o que cada uma disse... são 40 minutos escusados e que dão ideia que a queda de Oppenheimer se deve a um único homem (Strauss) e ao seu desejo de vingança, como se os políticos, os militares e Hoover não tivessem sido a grande influência nessas políticas. As querelas entre cientistas acerca de lançarem as bombas no Japão quase não aparecem, embora tenham existido. No fim do processo, não vá nós todos sermos estúpidos e não termos percebido o que é uma corrida às armas, põem imagens de mísseis e do planeta a ser destruído por armas nucleares.

O outro aspecto que me chateia no filme é a descrição da sua relação com Jean. Oppenheimer conheceu Jean em Berkeley, nos anos 30. Essa foi uma época em que as ideias socialistas e comunistas estavam em voga nos EUA entre académicos, nomeadamente porque pareciam opôr-se à ascensão do nazismo. Jean era comunista, filiada no partido. Ele tinha uma obsessão enorme por ela e ela por ele. Ele pediu-a em casamento e ela rejeitou-o. Ele acabou por casar com uma bióloga com uma carreira, que foi atrás dele para Los Álanmos fazer de mãe e de esposa e que acabou metida na bebida - apesar de ele ser o seu 4º marido. 

No entanto, Oppenheimer continuava obcecado por Jean e ela, de vez, em quando, ligava-lhe e chamava-o. Ele largava tudo e ia ter com ela à Califórnia, passava uma noite ou duas com ela. A relação deles era uma paixão intensa, mas não era apenas física. Eles discutiam ideias e sabemos que liam muita poesia em conjunto. Ora, na altura da construção da bomba atómica, o governo estava muito preocupado com o facto de ele manter relações com uma comunista (ele andava sempre vigiado) sendo que os russos tinham espiões a tentar sacar informações de todo o lado. O que é certo é que, dois meses após ele ter ido ter com ela, uma das vezes que ela lhe ligou, Jean apareceu morta em circunstâncias estranhas e suspeita-se que tenha sido eliminada.  Porém, no filme conta-se a história entre eles como sendo uma coisa puramente sexual.

Robert Downey jr. que interpreta Lewis Strauss tem um desempenho absolutamente notável. De resto, o filme é só bons actores e actrizes, a começar por Cillian Murphy, que representa Oppenheimer e cada um é melhor que o outro. Josh Hartnett que recria muito bem o entusiasmo contagiante de Ernest Lawrence, o inventor do ciclotrão. É sobretudo isso, estas belíssimas representações, que tornam possível ver todas as suas três horas com interesse mas fica-se com a impressão que há algum desperdício de bons actores num filme que podia ser excelente se fosse mais subtil e contido ou económico.



July 23, 2023

Filmes - O Sangue e o Ouro

 


Um Western Spaghetti... alemão... só que em vez de ser passado no deserto do Oeste americano é passado na floresta alemã, na Primavera de 1945. De resto, tem o Bom (um soldado alemão desertor); o Mau (um soldado nazi) e o Feio (o tenente-coronel das SS). 

O filme passa-se numa pequena vila alemã onde os nazis entram para roubar o ouro de um alemão-judeu que morreu nos Campos, mas quando lá chegam descobrem que os nativos (quem queimou a casa ao judeu e enviou a família para os Campos) já tinham roubado e escondido o ouro - o Mayor e mais alguns, não todos - se bem que entre esses, todos se traíram para roubar o ouro uns aos outros, o que dá origem a umas cenas cómicas. 

No fim, quando os alemães estão todos mortos, menos o soldado Bom, a rapariga que o esconde e salva dos nazis e uma da vila que ia a fugir com o ouro, os americanos chegam, rebentam com o carro da fugitiva, descobrem o ouro e sugerem dividi-lo entre eles.

Mas desde a primeira cena do incompetente enforcamento do soldado bom, que vemos o The Good, the Bad and the Ugly, praticamente em todas as cenas. Até a música de fundo, em grande parte do filme, evoca a música de Morricone desse filme. Tem, também como esse filme, cenas cómicas e outras de burlesco. Por exemplo, quando o Tenente das SS, que tem metade da cara destruída e anda com uma máscara a tapar essa metade da cara tira a máscara, enfia o dedo no buraco do olho e tira de lá uma aliança de casamento ou quando a que foge no fim com o ouro é posta knockout no meio de uma luta, por uma perna que voa no meio de uma explosão. 

O filme é, literalmente, um Western Spaghetti. Não sei se era mesmo essa a intenção nem sei o propósito de recriar um filme desses. É que tem diálogos e cenas muito sérias outras completamente burlescas e outras de puro chiché assumido. Os actores são bons, a cinematografia impecável, a realização também.


July 22, 2023

Filmes - True Spirit


Jessica Watson, 2010

Um filme inspirador para crianças, jovens e adultos, igualmente. É a história de Jessica Watson, uma australiana que decidiu, pelos 11 anos de idade, que aos 16 anos iria fazer a circum-navegação da Terra, sozinha, sem paragens e sem assistência.

Desde muito miúda uma apaixonada pela vela, traçou um plano, um horário de treinos e de estudo -é disléxica- e nada a fez desistir. Teve a sorte de ter ajuda de muitas pessoas e uma família extraordinária que a apoiou. 

O caso dela deu muito que falar e o governo australiano quis impedi-la de fazer a viagem porque na viagem de treino que fez, foi abalroada por um navio paquete. (Isto foi há uns 15 anos. Se fosse agora até prendiam os pais...)

Completou oficialmente a viagem a 15 de Maio de 2010. Apanhou duas tempestades muito grandes, uma no Atlântico que durou 12 horas e outra já na costa da Austrália onde 3 tempestades se juntaram numa gigante.

Quando lhe perguntaram porque fez a viagem, disse: 

"Queria desafiar-me e conseguir algo de que me orgulhasse. E sim, queria inspirar as pessoas. Detestava ser julgada pela minha aparência e pelas expectativas das outras pessoas sobre o que uma "menina" era capaz de fazer. Já não é apenas o meu sonho ou a minha viagem. Cada marco aqui não é apenas uma conquista minha, mas uma conquista de todos os que dedicaram tanto tempo e esforço para me ajudar a chegar aqui."

É preciso muita bravura e um espírito formidável para se fazer um empreendimento destes e aos 16 anos de idade, mas é este o espírito que têm todos os grandes exploradores de mundos. Nós é que já não estamos habituados porque vivemos num mundo todo regulado ao milímetro.

Também é preciso uma grande mestria como marinheiro para sobreviver a uma aventura destas. Jessica Watson tinha um blog de viagem à maneira de um diário de bordo, de maneira que é possível ir ao YouTube e ver como foi a sua viagem real. Vemo-la a atravessar o estreito de Magalhães com o Cabo Horn à vista.

A actriz que a interpreta faz um trabalho muito bom e o filme tem cenas de tempestade muito realistas e assustadoras. Um filme muito giro para ver em família.


Neste vídeo vê-se a verdadeira Jessica Watson chegar ao porto de Sydney.