A ideia de haver divergências e vozes próprias dentro dos partidos é-lhe totalmente estranha. O seu hábito é: assim que se elege um líder para o partido, os outros imediatamente se perfilam atrás dele e trabalham para o futuro tacho, de maneira que haver quem saia da fileira e discorde é-lhe incompreensível e pensa logo que a pessoa quer protagonismo.
A ideia de que um indivíduo que foi ministro das finanças e primeiro-ministro, com sucesso, como ele mesmo reconhece no artigo, não tem nada de útil a dizer ao país e deve ficar calado no seu canto em vez de intervir e participar na vida pública, para não contrariar o chefe do seu partido, mostra o que são os partidos de pendor comunista e, é triste dizer, hoje-em-dia também o socialista. É claro que tem interesse, mesmo que não sejamos seus fãs, por assim dizer.
Em segundo lugar alega que tendo Cavaco Silva tido os seus sucessos há muitos anos, as suas palavras não interessam porque os problemas de hoje são outros. Ora, de facto interessam, porque António Costa fala constantemente em levar-nos para a frente e o que a realidade mostra é que, estando mais de 30 anos à frente de CV no tempo, estamos atrás de onde estávamos quando CV esteve no seu lugar. Uma vez que António Costa se queixava de ter as mãos atadas por maiorias relativas, o ex-primeiro ministro exorta-o a aproveitar a maioria absoluta para cumprir as suas promessas, que recentemente desenterrou num ataque ao ex-primeiro ministro CV.
Chamamos a isto cidadania (e direito de resposta): participar na vida pública, cada um com as suas possibilidades. Ora CV tem mais possibilidades, por conta dos seus conhecimentos e experiência governativa que a maioria de nós, incluindo Louçã que, creio, se não escrevesse um artigo num jornal nacional (pela sua própria lógica, por protagonismo) já estaria completamente esquecido. Já CV, está tão esquecido de todos que na tomada de posse António Costa foi lá atacá-lo.
Cavaco-Silva-e-a-alegria-de-Antonio-Costa
Como seria de esperar, o efeito da investida comunicacional de Cavaco Silva dissipou-se como trovoada de verão e, uns dias depois, ninguém se lembrará do seu recado, se é que havia outro que não fosse a reclamação de um lugar na história. Mas a forma como alguns protagonistas políticos se moveram é interessante e reveladora das suas forças e fraquezas.
O entusiasmo da direita por estas palavras, ou pelo menos de alguns dos seus ideólogos mais pesados, que se deslumbram por pouco (que palavras tão certeiras, que gosto ouvir o nosso chefe), deve ter do mesmo modo confortado a alma do governo, o que até permitiu algum excesso de zelo por parte de uma ministra mais confrontacional. De facto, é óbvio que, se Cavaco Silva se ocupa de castigar lideranças do PSD e se apresentar como o seu oráculo de Delfos, menos sobra para Montenegro, cuja ascensão foi logo eclipsada pelo timing fatal do seu mentor; do mesmo modo, se aquilo que a direita tem para apresentar são os êxitos cavaquistas de há quarenta anos, no tempo em que começaram a vir os dinheiros da União, que até tinha outro nome, e era Ronald Reagan quem governava a Casa Branca, então nada terá para dizer aos problemas de hoje. Viver no passado pode ser um divertimento, mas um programa político é que não é, e falar para o espelho pode ser uma fábula, mas não é decerto uma liderança para o país. Ou seja, essa conversa é irrelevante.
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Ao ouvir Cavaco Silva, Costa confirmou o que já sabia: esta é mesmo a direita de que gosta e que tão bem o serve. Em S. Bento, abrem-se garrafas de champanhe de cada vez que o ex-presdidente atropela o líder do PSD que está em funções.