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October 26, 2025

Anne Applebaum em entrevista



"... é muito importante que os europeus tenham os olhos bem abertos, percebam o que está a acontecer e compreendam o impacto que isso tem para eles e para a sua segurança. Pode haver um Presidente diferente daqui a três anos, talvez. Uma grande parte dos americanos ainda gosta da NATO, quer continuar a ser membro da alian­ça e quer ter aliados, entre outros. Mas também há uma parte significativa da população americana que não quer aliados, que não gosta especialmente da Europa e que não quer ter nenhuma relação especial. Espero que os europeus compreendam isso e comecem a tirar conclusões. Conclusões para a sua segurança, claro, mas também para a economia."

Grande entrevista a Anne Applebaum: “Na Administração Trump há quem veja a Europa como o principal inimigo”

Cristina Margato

É disso que dá conta em “O Crepúsculo da Democracia” e “Autocracia, Inc.”, e é sobre essas práticas autocráticas que tem escrito e falado, nos últimos anos, também a propósito da política do seu país, os Estados Unidos.  (...) é das poucas pessoas que expõem de modo claro o que se está a passar nos Estados Unidos. 
(...)
Enquanto terminava a transcrição da conversa li o último artigo de Applebaum na “The Atlantic”, desta vez sobre María Corina Machado, Prémio Nobel da Paz de 2025, título que Trump tanto desejava. Fixei a atenção neste parágrafo: “Neste momento, quando os cidadãos das democra­cias mais liberais e mais bem-sucedidas desistiram, questionando-se sobre se a sua participação na política tem algum valor, os venezuelanos lutam contra a violência com não violência, opondo-se à corrupção com coragem.”

Há um ano, ainda antes da eleição de Trump, iniciou um podcast intitulado “Autocracy in America” [com Peter Pomerantsev]. Vou citá-la: “Já existem táticas autoritárias em ação nos Estados Unidos. Para as erradicar, é preciso saber onde as procurar.” Continua a procurar nos mesmos lugares?
Naquela altura estava a descrever a mudança cultural pela qual o país estava a passar. Agora, essa mudança é evidente. Os instintos autoritários, que antes podiam ser observados em governos estaduais, estão agora presentes ao nível do Governo Federal. Parte da Administração está a usar regulamentações contra os órgãos de comunicação social, militarizou o serviço federal de alfândega e transformou-o numa força paramilitar. Tropas de diferentes partes do país foram colocadas em estados e cidades contra a vontade de governadores e presidentes de Câmara. Atualmente, Trump persegue e processa abertamente os seus inimigos políticos, mesmo que não tenham cometido qualquer irregularidade.

Hoje, Trump anunciou que quer enviar a Guarda Nacional para Chicago, contra a vontade do governador do Illinois e do presidente da Câmara de Chicago...
Sim, e isso é algo sem precedentes. A Guarda Nacional já foi usada em emergências, após furacões ou outros desastres naturais, e até, num passado mais distante, em grandes motins, mas sempre com aprovação do governador ou das autoridades locais.

Já disse várias vezes que Trump segue um manual usado por outros ditadores. Em que é que a sua atuação difere?
A única coisa que é diferente daquilo que Putin ou Viktor Orbán fizeram é a velocidade. Tudo está a acontecer de modo muito rápido, e essa aceleração é o que confunde e surpreende as pessoas. Muitas coisas estão a ser feitas de uma só vez. Tradicionalmente, é o Congresso que controla o dinheiro, os orçamentos e os impostos. Historicamente, é o Congresso que serve para limitar o poder do Presidente, pois é para isso que existe. No entanto, para grande surpresa, o Congresso tem-se recusado a travá-lo. As tarifas, por exemplo, são da competência do Congresso, não do Presidente. No entanto, a liderança deste Congresso tem permitido que Trump faça o que quer.

Desde a eleição de Trump que os democratas parecem apáticos, desorganizados e confusos. Isso também é um problema...
Não é bem assim. Há vários democratas que estão ativos online e que estão a ser bastante claros sobre o que está a acontecer. E há democratas que decidiram promover o debate sobre a suspensão do Governo, através de uma conversa focada nos cuidados de saúde, que é a razão pela qual o Governo está paralisado. Parece-me errada a expectativa de que haverá um democrata como contraponto a Trump, alguém do outro lado que seja o seu adversário direto. Isso não vai acontecer. Quer dizer, pode acontecer quando chegarmos à campanha presidencial, mas não é assim que funciona o nosso sistema político. Não temos um líder da oposição. Por outro lado, sempre que há uma tomada de poder autoritária — como aconteceu na Rússia, na Polónia ou no Irão — dá-se uma fragmentação da oposição. As pessoas têm de compreender as novas regras.

É como se não tivessem um mapa para o caminho...
E não têm, porque na verdade nunca tivemos um Presidente que desrespeitasse abertamente a lei e depois desafiasse os tribunais a impedi-lo de o fazer. Isso não é algo que tenha acontecido antes. Pelo menos que eu me lembre na história recente dos EUA.


Passei três meses em Nova Iorque após a eleição de Donald Trump. Nas conversas que fui tendo ao longo desse tempo percebi que, apesar de alguma apatia, as pessoas continuavam a acreditar que o sistema ia funcionar, que os tribunais iam agir, que o Congresso ia ter uma palavra a dizer...
Sim, as pessoas assumiram que o sistema ia funcionar como sempre funcionou. E muitas pessoas, incluindo muitos democratas, não conseguiram reconhecer que o que Trump estava a fazer era diferente. Ainda assim, há quem não reconheça. Em Washington, um advogado muito conceituado, que trata de casos importantes no Supremo Tribunal, com quem discuti, dizia-me: “Não te preocupes. Não fiques perturbada. Eles não podem fazer essas coisas, porque o Tribunal vai impedi-los.” Acho que ele estava enganado. As pessoas que estão habituadas a um certo tipo de política têm este tipo de reações. Se os democratas não perceberam, os republicanos também não. Sei disso porque os republicanos falam, nos bastidores, sobre o assunto; e dizem, fora do registo oficial, que muitos senadores estão incomodados com o comportamento de alguns membros da Administração e com certas decisões que estão a ser tomadas; mas nenhum deles encontrou ainda uma estratégia. Diria que a maioria dos americanos — e não é só uma opinião minha — se opõe ao que Trump está a fazer. As sondagens confirmam-no. Opõe-se, por exemplo, ao envio de tropas para as cidades. Ou à utilização de um regulador federal contra uma estação de televisão para despedir um comediante [Jimmy Kimmel]. Neste último caso, a ação foi particularmente impopular. Portanto, a maior parte destas ações é mal recebida.

O que significa que, a partir de agora, já não há recuo. Face à impopularidade, Trump fará tudo para se manter no poder.
Sem dúvida. O que diz é verdade. E depois vem aí a próxima fase. O governador Pritzker, do Illinois, acredita que a militarização das ruas de Chicago, com forças e equipamento militar, serve para habituar os americanos à ideia antes das eleições intercalares do próximo ano. Estou apenas a citar o governador do Illinois. Não fui eu que o disse. Em seguida serão feitos enormes esforços para manipular as eleições. Tenho a certeza de que isso vai acontecer. Se conseguirão ou não, isso já é outra questão. Os Estados Unidos têm um sistema eleitoral muito descentralizado. Cada estado gere as suas próprias eleições, e todos os estados têm regras diferentes. Neste momento estou a trabalhar nessa área.

Fala de uma forma muito direta e frontal sobre o que está a acontecer, e isso é o que vejo acontecer, de modo geral, na “The Atlantic”. Mas não me parece que o “The New York Times”, por exemplo, seja tão claro, e há muita gente que partilha esta opinião.
Para ser justa com o “The New York Times”, é preciso dizer que o jornal tem a tradição de tentar manter-se politicamente neutro, e, neste momento, isso não lhes serve muito bem, porque torna mais difícil explicar o que está a acontecer. Ser politicamente neutro, num sistema democrático, implica dizer que a política deste lado é X e a política daquele lado é Y. Depois podemos analisar essas políticas e dizer, por exemplo: “Esta seria boa para este grupo de pessoas e aquela seria melhor para outro.” Há uma análise a fazer. Mas o que está a acontecer agora é muito diferente: trata-se de uma tentativa de mudança na natureza das instituições americanas, nos meios de comunicação, nas universidades, na ciência e até no próprio meio empresarial. E isso não se consegue descrever através da abordagem tradicional de “um lado versus o outro” usada por norma no jornalismo político. É importante evitar ser hiperbólico ou exagerado e não dar às pessoas a impressão de que as coisas foram mais longe do que realmente foram. Na verdade, os jornalistas são frágeis, estão bastante expostos em muitos aspetos e são impopulares. Mas também não me parece que a maioria dos americanos queira ver homens mascarados a sair de carrinhas e a prender pessoas depois de as arrastar pelo chão.

Era disso que eu estava a falar... Ainda assim, evita a palavra fascismo. Porquê?
Não gosto da palavra fascismo, porque faz com que as pessoas pensem nos nazis e comecem a lembrar-se de imediato dos filmes que viram sobre a Segunda Guerra Mundial ou Auschwitz, como “A Lista de Schindler”... Sei que a palavra fascista tem uma tradição histórica mais antiga e que, na verdade, foi Mussolini quem a inventou, não Hitler. É certo que algumas das táticas que estão a ser usadas, neste momento, podem ser facilmente comparadas às de Mussolini ou até às de Hitler, nos seus primeiros tempos. Mas também me parece que, se eu usar a palavra fascista, as pessoas começam a pensar numa imagem distante ou errada. Além disso, é uma palavra que, pelo menos em inglês, foi muito banalizada. Há muitos anos que as pessoas se chamam fascistas umas às outras. Mas isso não quer dizer que não haja outras pessoas que a usem. Tenho amigos que defendem que se devia usar essa palavra, porque há aspetos... Quer dizer, alguma da linguagem que Trump usou durante a campanha eleitoral foi — e presumo que tenha sido alguém da sua equipa que sabia o que estava a fazer — literalmente retirada do “Mein Kampf”. Literalmente. Aquela frase sobre “os imigrantes envenenarem o sangue da nação”. Sim, é do Hitler. Não sei se o próprio Trump sabia, mas alguém sabia. É difícil dizer se fizeram isso para alarmar as pessoas ou por outra razão. Mas não acho que usar a palavra fascismo ajude alguém a perceber o que se está a passar. E o objetivo não é chamar nomes. O objetivo é fazer com que as pessoas compreendam o que está a acontecer.

Sente-se mais segura na Polónia ou nos Estados Unidos [Anne Applebaum é casada com um político]?
Sinto-me segura na Polónia, nos Estados Unidos e em Portugal. Sinto-me muito segura aqui, em Lisboa. Não sei... O que devia fazer: preocupar-me? Quer dizer, não.

A revista “The Atlantic” decidiu dar um passo nesta luta, recusando a neutralidade...
Não é bem assim que a revista descreve o que está a fazer. “The Atlantic” é uma revista muito antiga. É anterior à Guerra Civil. Foi fundada por abolicionistas e teve, desde o início, bons e maus editores, mas nunca perdeu o foco nas ideias e nos ideais da América, na interpretação e compreensão da revolução americana e da história dos Estados Unidos. É isso que estamos a fazer agora. Não somos de direita. Não somos de esquerda. Estamos interessados na democracia e no Estado de Direito. Estou lá desde o ano 2000, portanto, há 25 anos, e, sempre que há uma grande reunião, é disto que se fala e é isto que o atual editor defende. Esta é a ideia central da revista. Não somos a resistência, não somos a esquerda. Estamos a defender os ideais dos documentos fundadores dos Estados Unidos.

Se Trump está a seguir o manual dos regimes autoritários, como diz, nalgum momento os meios de comunicação social serão atacados, como aliás já está a acontecer. Por quanto tempo será possível manter essa liberdade?
Não vamos exagerar o poder deles. Eles não têm controlo total. Quer dizer, não controlam o dono da “The Atlantic”, nem têm forma de controlar o “The New York Times”. Além disso, há mecanismos que também funcionam contra eles. Por exemplo, quando usaram a Federal Communications Commission (FCC) para pressionar uma estação de televisão, como a Disney, para retirar do ar um comediante que os satirizava, o Jimmy Kimmel, centenas de milhares de pessoas cancelaram as suas assinaturas do Disney Channel e deixaram de ir aos parques, em todo o mundo. Isso tornou-se um grande problema para a Disney. Este é um dos exemplos de como estas coisas podem funcionar nos dois sentidos.

O poder está nos consumidores?
Nem sempre vai depender dos consumidores. Mas, sim, o que é preciso reter é que há mais pessoas que desaprovam o que eles estão a fazer do que pessoas que os apoiam.

Até que ponto o “excecionalismo americano”, a ideia de que os Estados Unidos é um país diferente de todos os outros, facilitou a eleição de Trump, apesar de os sinais serem claros? Há aquela ideia de que um regime autocrático “nunca poderia acontecer aqui”...
Sim, acho que isso é muito importante, e já o dissemos. Fiz aquele podcast, “Autocracy in America”, por exemplo, e escrevi bastante durante a campanha eleitoral. Passei muito tempo a alertar as pessoas. Mas sabe o que percebi? Que as pessoas não queriam ouvir o que eu estava a dizer.

E algumas delas continuam a não querer ouvir...
Não, não querem ouvir. Veem tudo como se se tratasse de política partidária normal e dizem: “Bem, os democratas também fizeram coisas más.” Há vários tipos de resposta.

É muito claro: existem duas realidades. Caminhamos lado a lado na mesma direção, mas as pessoas veem coisas diferentes. Há uma dissonância cognitiva que nos separa.
Isso é verdade em todo o lado. Quer dizer, é verdade em todas as sociedades. Não temos uma realidade partilhada.

Estudou a história da Rússia e da Ucrânia, os gulags, as autocracias. Viu alguma coisa a este nível?
O desejo de criar uma realidade falsa que seja útil ao líder é algo muito antigo. Provavelmente, já existia na Roma Antiga. Nos Estados Unidos, até por ser um país muito grande, sempre existiram diferentes correntes de pensamento político e sempre houve uma imprensa que retratava o mundo de forma diferente. Isso não é assim tão novo. O que é diferente agora é a rigidez destas divisões, o facto de já não estarmos apenas perante opiniões diferentes. Porque as pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Algumas achavam que os impostos eram bons, outras que eram maus. Agora temos conjuntos de factos completamente distintos. Por exemplo, estava a ler um relato sobre o que aconteceu após o horrível assassínio de Charlie Kirk. Uma mulher estava a conversar com uma amiga que era admiradora dele e falava sobre a sua vida e de como Kirk era maravilhoso, mas nunca, literalmente nunca, o tinha visto ou ouvido. Quando percebeu que ele tinha feito várias declarações a atacar mulheres negras, a mesma mulher ficou chocada. Portanto, ela conhecia uma versão da vida de Kirk e outras pessoas conheciam uma versão completamente diferente. Tinham visões opostas sobre quem ele era, dependendo dos vídeos que tinham visto. E isso marca uma diferença profunda em relação ao passado.

A única solução passa por regular as redes sociais?
As redes sociais causaram e continuam a causar um dano enorme. Parte do problema prende-se com o facto de esta polarização ser muito útil a algumas das empresas de redes sociais. Tudo o que agravou a situação, como o uso de bots, contas falsas, etc., é comercialmente vantajoso para essas empresas, que não tiveram incentivos externos para controlar ou melhorar a situação. Podiam fazê-lo, porque, na verdade, é tecnicamente possível. Da mesma forma que é possível escrever um algoritmo que favoreça a indignação, a raiva, a polarização ou o envolvimento, também se pode escrever um que favoreça o consenso e a aproximação entre pessoas. Portanto, nem sequer estamos a falar de verdade ou mentira. Estamos a falar do tipo de emoções que queremos que as mensagens suscitem. Acontece que estas empresas decidiram que, comercialmente, é do seu interesse dividir as pessoas, e nós permitimos que isso acontecesse. Os europeus permitiram que empresas americanas e chinesas de redes sociais influenciassem o debate político. Se pensarmos nisso agora, é inacreditável.

Devemos pensar em regulamentação?

Sim, mas seria preciso ser muito claro sobre o que se está a fazer e porquê. Estas empresas não querem ser reguladas, e agora aliaram-se à Administração Trump, embora nem todas o tenham feito. É preciso percebermos que há pessoas dentro da Administração Trump que veem a Europa como o principal inimigo, o rival mais importante, pessoas que procuram enfraquecer ou acabar com a União Europeia e que tentam eleger líderes de extrema-direita por toda a Europa. Elon Musk e J. D. Vance fizeram campanha pelo AfD [partido de direita radical populista alemão]. Talvez as pessoas decidam que não se querem importar com isso ou que conseguem ultrapassar essa realidade — mas é muito importante reconhecer que é isso que está a acontecer e que muitas empresas de redes sociais também fazem parte disso. Os algoritmos são escritos de forma a favorecer a extrema-direita. Não há dúvida de que é o que acontece no X [ex-Twitter].

É conhecido o fim que tem sido dado aos oligarcas que se juntaram a Putin. Vai acontecer o mesmo com Trump? Acha que há risco de começarem a desaparecer ou a “cair” das varandas?
Quer dizer, é uma tradição diferente, e esse tipo de repressão também demorou muito tempo a acontecer. Não sei. Não consigo prever o que vai acontecer, mas não acho que eles vão desaparecer. Pode ser que Trump tente usar o poder do Estado para controlar tudo o que é nosso.

O que pensa que levou Musk a sair do DOGE?
Musk decidiu afastar-se porque descobriu que estar envolvido na política era mau para a Tesla. Mas é preciso dizer que continua a ser um grande beneficiário de financiamento do Governo dos EUA e que, no final de contas, causou grandes danos a cerca de 20 ou 30 instituições diferentes que estavam a investigá-lo, assim como às suas empresas. Por isso — embora os danos sofridos pela Tesla tenham sido enormes e a empresa tenha começado a perder dinheiro —, o episódio acabou por lhe ser bastante benéfico.

Estará a guardar os dados sobre os contribuintes que obteve durante esse tempo?

Talvez.

Quando foi a primeira vez que se apercebeu da relação entre Trump e o dinheiro russo?
Há 30 anos, antes de Putin chegar ao poder. Trump já estava interessado em ter uma relação com a Rússia antes do fim da União Soviética. Há um momento famoso em que Trump vai a Moscovo, no final dos anos 80, e no regresso manda publicar grandes anúncios em três jornais americanos, a dizer que as alianças dos EUA são muito más, que nos enfraquecem e que devíamos estar mais próximos da União Soviética. Com o colapso da União Soviética, o sector do imobiliário comercial foi — e não sei se ainda é — particularmente atrativo para o crime organizado e para o branquea­mento de capitais, porque permitia que determinadas empresas adquirissem propriedades de modo anónimo. Nessa altura, havia muito dinheiro oriundo do mundo pós-soviético e muitas pessoas à procura de sítios para o guardar. Sabemos que parte desse dinheiro acabou por entrar no universo Trump, através de transações comerciais e negócios que ele fez com pessoas russas ou com os seus representantes em Nova Iorque. Portanto, essa relação já vem de longe. Um dos filhos de Trump chegou a mencionar a entrada de dinheiro russo nas suas propriedades e uma grande parte dos apartamentos vendidos nos edifí­cios de Trump foi comprada anonimamente. Depois, a imagem mental que Trump tem da Rússia é a de que é um bom lugar para os negócios, e é isso que ele aprecia.

Qual a responsabilidade que atribui a Administrações como a de Obama e Biden nesta relação com o dinheiro corrupto das autocracias?
É verdade que, desde o início dos anos 90, tivemos um sistema financeiro internacional — e isto não é só culpa dos americanos, mas também dos europeus e de outros países — que facilitou a saída de dinheiro roubado de países como a Rússia, escondido em paraísos fiscais, ou movimentado através do Chipre e Luxemburgo. Parte desse dinheiro acabou por ser investido em imobiliário em Nova Iorque, Londres, Miami e, provavelmente, também aqui, em Lisboa. Esse dinheiro teve impactos diferentes e alterou os mercados imobiliários. No caso de Londres, penso que terá literalmente mudado a cidade, porque foram construídos edifícios especificamente para acomodar esse tipo de investimento. Ao mesmo tempo, houve uma explosão de dinheiro sujo, ou “dinheiro obscuro”, como chamamos nos EUA, na política americana. Culpo todos os Presidentes americanos, desde os anos 90, por permitirem que isto acontecesse, assim como os líderes europeus. Ganhou-se muito dinheiro com estas práticas em cidades como Londres ou Nova Iorque. Bancos, advogados, consultores fiscais... Todos lucraram. Mas foi muito prejudicial politicamente. Primeiro, porque permitiu que muitos líderes autocráticos se mantivessem no poder, não só na Rússia, mas também em África, na Ásia e noutros lugares. Além disso, corrompeu o nosso próprio sistema financeiro.

E está a ajudar a destruir o sistema político democrático, não só porque permite que os autocratas sobrevivam e se mantenham no poder mas também porque destrói a confiança dos cidadãos nos países democráticos.
Sim, provavelmente é verdade.

Acredita que as pessoas percebem quando há corrupção. É isso que as mobiliza, como aconteceu na Ucrânia, com Maidan, e na Rússia, com Navalny?
É importante que, quando se faz campanha contra a corrupção, se ligue essa luta à experiência das pessoas. Navalny, na Rússia, fez uma campanha muito eficaz contra a corrupção, ligando-a aos russos comuns. Dizia: “Eles construíram palácios e estão a roubar dinheiro. E é por isso que não tens estradas, que as escolas são más e os hospitais também.” Era uma mensagem muito eficaz, não só porque era verdadeira mas porque a corrupção, a injustiça e a sensação de desigualdade motivam muitas vezes as pessoas a querer mudança.

Agora que Navalny já não está cá, o que pensa dele? Muitas pessoas tinham receio de que ele também fosse de extrema-direita, um protoditador.
Acho que isso foi um erro. Já quase não importa, mas uma das últimas coisas que ele fez foi escrever um artigo em que descrevia a sua visão para a Rússia: uma democracia parlamentar. Foi também muito claro ao dizer que a guerra era um desastre. É verdade que, na vida, passou por várias fases e que tentou várias abordagens. Navalny estava interessado em mobilizar os russos e em chegar à população em geral. Não só em Moscovo e São Petersburgo, mas em todo o país, incluindo os trabalhadores. Fez várias experiências. Algumas com sucesso, outras não. Mas era uma pessoa criativa e interessante, e até agora foi o mais bem-sucedido a enfrentar Putin. Mas, infelizmente, isso já não importa...

Tal como a Anne, o seu amigo Garry Kasparov, dissidente russo, diz que uma sociedade como a russa não tem de ser eternamente antidemocrática. Mas, se recuarmos na história deste país, é difícil encontrar a democracia. É possível imaginar uma democracia na Rússia?
Houve momentos mais liberais ou mais abertos na história da Rússia, e também existe uma longa tradição de russos liberais que remonta ao século XIX. Os russos têm os mesmos instintos de justiça e equidade que as outras pessoas. Nenhum país está geneticamente determinado a ser de uma forma ou de outra. Portanto, consigo imaginar uma Rússia diferente. Tivemos uma Rússia diferente nos anos 90.

A Ucrânia e a Rússia sempre foram diferentes economicamente. Não pensa que a economia pode determinar o sistema político?
É verdade que países fortemente dependentes de um ou dois tipos de recursos naturais tendem ao autoritarismo, porque pequenos grupos tentam controlar esses recursos. No entanto, há o exemplo da Noruega...

O que acha que vai acontecer nos próximos dias com a paralisação nos Estados Unidos? Os democratas decidiram ir à luta no momento certo?
Sinceramente, não sei o que vai acontecer. Não sou uma insider e não faço parte das conversas internas. Sei que os democratas no Congresso chegaram à conclusão de que não podiam continuar sem fazer nada. Escolheram focar-se nos cuidados de saúde. Algumas pessoas acham que foi uma má ideia, outras acham que foi boa. Podiam ter feito outras escolhas. Como consequência, as pessoas tomaram consciência de que a legislação de Trump poderá criar enormes problemas para quem depende de cuidados de saúde públicos, como a Medicaid ou o Affordable Care Act. Conseguiram chamar a atenção para isso.

Sim, e vai ser pior nas zonas onde Trump venceu, porque há mais pessoas a depender destes sistemas.
Sim, vai ser pior, sim.

É estranho, mas é verdade: as pessoas votam contra os seus próprios interesses. As pessoas que mais votaram em Trump são as que mais estão a sofrer com as suas medidas.
Também se pode dizer que as pessoas ricas que votaram nos democratas votaram contra os seus interesses.

Sem dúvida. Alguns dos que votaram nos democratas acabaram por ganhar muito dinheiro na Bolsa com a vitória de Trump.
Sim, é verdade. Isso prova algo importante: as pessoas não votam apenas com base na economia. Votam por muitas razões. É muito difícil dizer por que razão alguém vota, porque as pessoas são complexas. Se alguém soubesse realmente, saberia como agir — mas não é assim que funciona. As pessoas têm interesses económicos, ideológicos, pessoais, instintos. Há muitas razões diferentes que levam as pessoas a votar.

No fim de contas, os EUA poderão ter cerca de 30 milhões de pessoas sem qualquer cuidado básico de saúde. Como é que isto é compreensível?
Não é novidade na história americana. Não é a primeira vez que isso acontece... Concordo que é escandaloso. Não sei bem o que quer dizer com “compreensível”, mas é preciso recordar que há um partido político nos EUA com uma ideologia que diz que o Estado não deve ajudar as pessoas e que tem tentado cortar tudo o que o Estado faz pelas pessoas. É nisso que acreditam. E a Cristina tem razão: até agora, as pessoas têm continuado a votar neles.

Uma das pessoas que Trump contratou defende o corte total de despesas. No entender dele, não se deve gastar nada. Zero.
Sim, está a falar do Russell Vought. É verdade que ele defende isso, e anda a dizê-lo há vários anos. Está na política americana há muito tempo. Ontem tomei o pequeno-almoço com um ex-membro do Congresso que falava sobre Vought e sobre a forma como ele se comportava há alguns anos, quando trabalhava numa das comissões do Congresso — não como membro eleito, mas como assessor.

Há a ideia de que os republicanos foram capturados por esta política de Trump. Não o querem, mas têm medo. Medo de quê?
Depende. Alguns têm medo de serem desafiados nas primárias — ou seja, que Trump ou a sua equipa apresentem um candidato contra eles nas próximas eleições. Muitos têm medo disso. Outros têm medo de serem atacados nas redes sociais, especialmente no X, que é a plataforma que mais os preocupa. Alguns, especialmente senadores, podem até ter medo de que, ao desafiarem Trump, sejam atacados ou de que os seus filhos sejam atacados no seu estado. Isso foi tema de um episódio do meu podcast há um ano. Há uma variedade de medos. E não esquecer: alguns concordam com ele. Acham que o Governo Federal é demasiado pesado, que o défice é excessivo, que as pessoas devem cuidar de si próprias e que o Governo não deve interferir na vida das pessoas.

Só para terminar, porque temos de encerrar. Uma das ideias que tem evocado para o futuro é que as pessoas que defendem a democracia e o Estado de Direito e que estão contra Trump devem encontrar os pontos em comum e trabalhar em conjunto.
Sim, devem criar coligações a partir do que têm em comum. Mas, se isto é o fim da conversa, quero aproveitar para dizer uma coisa antes de acabar: é muito importante que os europeus tenham os olhos bem abertos, percebam o que está a acontecer e compreendam o impacto que isso tem para eles e para a sua segurança. Pode haver um Presidente diferente daqui a três anos, talvez. Uma grande parte dos americanos ainda gosta da NATO, quer continuar a ser membro da alian­ça e quer ter aliados, entre outros. Mas também há uma parte significativa da população americana que não quer aliados, que não gosta especialmente da Europa e que não quer ter nenhuma relação especial. Espero que os europeus compreendam isso e comecem a tirar conclusões. Conclusões para a sua segurança, claro, mas também para a economia.

Acho que alguns dos países europeus que, ao longo deste ano, saíram do Acordo de Otava e começaram a colocar minas terrestres nas fronteiras já perceberam isso. Acha que os europeus ainda não perceberam?
Acho que alguns perceberam e outros não.

Enquanto europeus, temos a perceção de que os americanos não estão a perceber que, de certa forma, já estão a viver num regime autoritário e que as coisas podem piorar.
Ele ainda não conseguiu criar um regime autoritário. Está a tentar criar um, mas ainda não conseguiu. É muito importante fazer essa distinção.

No seu podcast, “Autocracy in America”, estava sempre a dizer que não estava a falar do futuro, mas do presente, do que está a acontecer agora nos EUA.
Mas nunca disse que estamos numa ditadura da qual não podemos sair. Não penso isso. Só estou a dizer que há comportamentos e práticas autoritárias das quais devemos estar conscientes. Elas estão presentes. Isso é verdade.

É também importante perceber que já não estamos no chamado “mundo livre”, aquele que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial.
Sim, isso acabou. Acabou esse mundo, criado após a Segunda Guerra Mundial, essa ordem liberal baseada em regras, sustentada pelo poder e pela influência dos Estados Unidos. É muito importante que as pessoas compreendam isso, que interiorizem essa ideia e que tirem conclusões. Há muitas oportunidades para a Europa. A Europa tem o Estado de Direito. Tem educação não ideológica, em grande medida. Pode tornar-se o grande centro da ciência se os EUA abdicarem disso. Pode tornar-se o foco de investimento se for mais difícil investir nos Estados Unidos devido às constantes alterações na política comercial. A Europa tem sistemas estáveis. Tem regulamentação fiável que as pessoas compreendem. Tudo isso pode ser extremamente vantajoso para os europeus.

Muitas pessoas, mesmo aquelas que acreditam no excecionalismo americano, pensam que o caminho para a guerra civil está aberto. Tem receio de uma guerra civil nos Estados Unidos?
Não acho que vá haver uma guerra civil como no século XIX, com dois exércitos a combater em Gettysburg. Mas já há um nível muito elevado de violência política. E pode piorar.

Expresso

September 19, 2025

Assim não vamos lá, não

 

Oito países da UE que se acredita estarem a importar gás russo: Bélgica, França, Grécia, Hungria, Países Baixos, Portugal, Eslováquia, Espanha.
- The Guardian.

May 09, 2025

"A caminho de Kiev. Pela Ucrânia e pela Europa"



Acredito muito na UE. Espero que os líderes também acreditem e que este sacrifício da Ucrânia resulte numa UE diferente, mais unida, mais consistente e consequente. A situação da Ucrânia e a sua fortaleza deram à UE um novo ímpeto e uma nova razão para se reorientar. É preciso pensar em novas formas de funcionarmos com regras actualizadas que a tornem mais flexível, mais unida e mais consistente. Espero que a coragem da Ucrânia e dos ucranianos inspire os europeus para a coragem de dar os passos necessários para essa mudança. A UE não é o Club Med onde uns vêm gozar férias antes de voltarem às suas alianças com imperialistas. É um compromisso político de liberdade, de respeito pelos direitos humanos e pela democracia. 

Esta imagem, muito parecida com uma imagem de há uns tempos dos líderes dos países nórdicos a caminho da Ucrânia enche-me de esperança: que os líderes da Europa colaborem em vez de se minarem uns aos outros. Que se respeitem e não voltem aos tempos de Merkele onde a falta de respeito entre os países europeus era a norma. Se formos unidos temos a força. Somos um continente com milhões de pessoas capazes. Há muita razão para esperança se os líderes estiverem à altura dos acontecimentos, como parecem, neste momento, estar. 




May 08, 2025

"Segunda Guerra Mundial – 80 anos depois: foram as lições aprendidas?" - Maryna Mykhailenko





Segunda Guerra Mundial – 80 anos depois: foram as lições aprendidas?

Maryna Mykhailenko - Embaixadora da Ucrânia na República Portuguesa


Esta data não simboliza o triunfo dos vencedores, mas sim um alerta sobre uma catástrofe terrível, lembrando que não se podem resolver problemas internacionais complexos através de chantagens, ultimatos, agressões armadas ou anexações

No dia 8 de maio, a Ucrânia e o mundo assinalam o 80.º aniversário da vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial – o maior e mais devastador conflito da história da humanidade. Esta guerra foi a mais sangrenta e brutal alguma vez travada: envolveram-se nela 80% da população mundial e morreram entre 50 e 85 milhões de pessoas. Como resultado, foi estabelecida a chamada ordem do pós-guerra, com a ONU no centro, a sua Carta e uma série de documentos internacionais destinados a prevenir guerras e manter a paz e a estabilidade. Assim viveram o mundo e a Europa durante décadas – não sem desafios, mas sem tragédias de grande escala com milhares de vítimas e destruição – até que a Federação Russa iniciou a sua agressão injustificada e não provocada contra a Ucrânia. Neste Dia de Memória das inúmeras vítimas da Segunda Guerra Mundial, é oportuno recordar algumas das principais lições que a humanidade deveria ter aprendido com essa tragédia.

A primeira lição – a política de apaziguamento do agressor nunca funciona. Todos recordamos as palavras do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain – “trago-vos a paz” – ditas após o seu regresso de Munique em 1938, onde foi assinado o vergonhoso Acordo de Munique. Muitos na Europa acreditaram que, ao ceder os Sudetas da Checoslováquia a Hitler, estariam a saciar o apetite do agressor e a evitar uma grande guerra no continente. Hitler, por sua vez, declarou que essa era a sua última reivindicação territorial. Mas os acontecimentos subsequentes mostraram que esse ato de apaziguamento foi em vão: as ambições expansionistas dos regimes totalitários nunca se saciam. Trazendo isto para o presente, todas as conversas sobre possíveis concessões territoriais por parte da Ucrânia não passam de uma analogia direta com esses eventos históricos. 

Nenhuma concessão ucraniana satisfará o regime russo. Esta guerra não se trata de território, nem de língua ou pessoas. Estamos perante uma guerra de natureza neocolonial, baseada no revisionismo histórico. Os objetivos desta agressão são muito mais amplos do que cinco regiões ucranianas: visam o desmantelamento da ordem mundial baseada em regras, a destruição da unidade das democracias e o regresso do mundo à era dos impérios e das zonas de influência.

Segunda lição – a vitória é sempre um esforço e uma responsabilidade coletiva. Ninguém na Europa alguma vez pôs em causa a contribuição da URSS para a vitória sobre o nazismo. No entanto, a propaganda soviética – e mais recentemente a russa – tentou constantemente apropriar-se dessa vitória, diminuindo o papel dos outros povos e aliados da coligação anti-Hitler. Essa manipulação começou com a própria definição da data de início da guerra – 1941 em vez de 1939 – de forma a evitar menções ao vergonhoso Pacto Molotov-Ribbentrop, segundo o qual a URSS e a Alemanha dividiram a Polónia. Os manuais de história também apresentavam de forma extremamente limitada o vasto teatro de guerra do Pacífico ou o papel crucial do programa de apoio militar e económico dos EUA à URSS – o lend-lease. 

Desde o início da agressão russa em grande escala contra a Ucrânia, a campanha de desinformação e revisionismo histórico intensificou-se. A liderança russa afirma que a República Socialista Federativa Soviética da Rússia sofreu as maiores perdas durante a Segunda Guerra Mundial e que a vitória foi alcançada graças aos seus recursos humanos e industriais – o que não corresponde à realidade. A vitória foi coletiva. E o papel da Ucrânia nela foi, sem exagero, decisivo. 

A Ucrânia foi um dos principais teatros de operações militares. Ao contrário da Rússia, o seu território foi completamente ocupado e sofreu um regime brutal de ocupação e exploração. Cerca de 2,4 milhões de ucranianos foram deportados para trabalhar no Reich. Entre 1939 e 1945, o número de civis mortos chegou a 5 milhões, entre os quais 1,5 milhões de judeus ucranianos e 20 mil ciganos assassinados pelos nazis. As perdas materiais da Ucrânia representaram 45% do total soviético. Mais de 6 milhões de ucranianos combateram nas fileiras do Exército Vermelho e centenas de milhares participaram em movimentos de resistência ou nas forças armadas dos Aliados. Nenhum país pode reivindicar para si o mérito exclusivo da vitória sobre o nazismo. 

A vitória foi o resultado dos esforços titânicos de dezenas de nações e centenas de povos. Do mesmo modo, é inadmissível usar o estatuto de “vencedor da Segunda Guerra Mundial” para justificar políticas agressivas no presente. 

Hoje, a Rússia instrumentaliza a história da Segunda Guerra Mundial para criar um “culto da vitória”, mobilizando ideologicamente os seus cidadãos e manipulando-os para apoiar uma guerra ilegal contra a Ucrânia. Não é por acaso que, uma das justificações declaradas pela liderança russa para esta guerra em grande escala – que já dura mais de três anos e custou milhares de vidas de civis ucranianos – é a chamada “desnazificação”, que, na prática, significa o genocídio da nação ucraniana. Esta atividade propagandística da Federação Russa foi condenada pelo Parlamento Europeu na sua Resolução 2024/2988 (RSP) de 23 de janeiro de 2025, sobre a desinformação e falsificação histórica da Rússia para justificar a sua guerra de agressão contra a Ucrânia.

Lição três – responsabilizar todos os culpados pela agressão, promover o arrependimento e a expiação é parte essencial para evitar a repetição de tragédias como a Segunda Guerra Mundial no futuro. No caso da Alemanha nazi, isso concretizou-se através do Tribunal de Nuremberga e de um longo e minucioso processo interno. Como resultado, a sociedade alemã conseguiu passar da repressão da memória e do silêncio sobre o passado para a análise dos crimes cometidos e da culpa coletiva, sendo este processo considerado um dos fatores-chave para a democratização do país. 

Pelo contrário, após o colapso da URSS, a abordagem crítica ao regime totalitário soviético — marcado por repressões em massa, Holodomores, deportações forçadas de povos inteiros e uma política ativa de russificação — foi rapidamente abandonada na Rússia contemporânea. Sem dúvida, esta omissão está entre as causas dos inúmeros crimes cometidos pelo exército russo em território ucraniano, incluindo a deportação forçada em massa de crianças. Por isso, uma paz justa e duradoura é impossível sem a responsabilização plena e abrangente de todos os envolvidos. O crime de agressão — que está na origem de todos os crimes de guerra, crimes contra a humanidade e do crime de genocídio cometidos pelas forças russas contra a Ucrânia e o povo ucraniano — deve ser punido. 

É precisamente para encontrar os mecanismos jurídicos necessários à criação de um Tribunal Especial sobre o crime de agressão contra a Ucrânia que cerca de quarenta países têm trabalhado ao longo dos últimos dois anos. Nos próximos dias, a Ucrânia e os seus parceiros internacionais tencionam anunciar decisões concretas quanto à criação deste Tribunal Especial. Assim, a principal lição a reter dos trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial deve ser a capacidade de valorizar a paz e defendê-la por todos os meios razoáveis.

Esta data não simboliza o triunfo dos vencedores, mas sim um alerta sobre uma catástrofe terrível, lembrando que não se podem resolver problemas internacionais complexos através de chantagens, ultimatos, agressões armadas ou anexações.

A Ucrânia presta homenagem e expressa a sua gratidão a todos os que combateram o nazismo, honra a sua memória sob o lema “Nunca Mais”, e espera que as duras lições da Segunda Guerra Mundial sejam finalmente aprendidas.


Expresso

April 01, 2025

Trump está a ser enganado por Putin? Não me parece

 


Não compro, como dizem os anglo-saxónicos, a teoria de que Trump e os seus próximos estão a ser enganados por Putin. Não obstante serem todos uns bacocos privilegiados. Trump como Vance como Rubio como Musk sabem exactamente quem Putin é e os crimes que cometeu e continua a cometer. O que me parece é que se estão nas tintas. Querem que a Rússia transfira a amizade que tem com a China para os EUA, querem ser os bffs da Rússia contra a China. São pessoas imorais que estão a trabalhar para desmantelar as instituições que controlam o governo no seu país de maneira a permanecerem no poder para lá do termo constitucional que são 4 anos, sem terem que pegar em armas e assaltar o Capitólio como da última vez, porque há o risco de isso se voltar contra eles. Musk, que já comprou a presidência a Trump, está agora a tentar comprar uma eleição de um juiz para o Supremo no Wisconson. Já enfiou 25 milhões na candidata que lhe é leal para manipular a eleição. No entretanto, privatizam tudo para tomarem posse de todos os organismos e poderem controlá-los. Musk, Vance e Trump, prepararam a famosa emboscada na Sala Oval chamando nomes a Zelensky -ditador, estúpido, ladrão- durante uma semana, para depois poderem humilhá-lo publicamente e em directo na TV, para satisfazer o interesse de Putin e os seus intentos autocráticos. Que tipo de miseráveis faz uma coisa destas? Que tipo de pessoas tentam humilhar e desmoralizar o líder de um país que luta pela sobrevivência contra um país com um regime brutal que tem civis como alvos e está cheio de armas nucleares? Trump e os seus satélites são pessoas moralmente indigentes, gente gananciosa de poder total e imorais da pior espécie, gente sem escrúpulos e o que querem é formar uma liga de regimes ditatoriais no mundo, ao modo de Orban, da Turquia e da Rússia, cujo líder, Putin, Trump admira profundamente. E querem que as democracias europeias os aceitem como, a normalidade, uma alternativa à democracia, tal como Orban, Putin e Erdogan têm querido.


March 31, 2025

Bucha. Never forget. Never forgive.

 

February 28, 2025

Estamos numa bifurcação

 


A Europa tem de enviar à Ucrânia absolutamente tudo. Os alemães que enviem os tauros ou que os vendam à Suécia que ela há-de enviá-los. É preciso retirar todas as restrições às armas. Os russos todos os dias destroem a Ucrânia sabendo que ninguém lhes toca, Têm que começar a ser tocados.
É preciso pensar que estamos numa guerra, porque Putin já está. É preciso aplicar e acrescentar mais sanções contra a Rússia. Restringir a exportação através de países terceiros. Deixar de comprar petróleo e GNL russos. Investir na indústria de armamento ucraniana. Aumentar a produção. Agarrar os 300 biliões congelados, dá-los à Ucrânia para comprar armas.


"A Europa não pode ser vassala dos EUA"

 


🇫🇷🇺🇦 
"A recusa da Europa em enviar tropas para a Ucrânia no início da invasão foi um erro.
A estratégia europeia não é um fracasso, dada a série de derrotas russas e a entrada da Finlândia e da Suécia na NATO.
É por isso que temos de resistir. É por isso que devemos ajudar os ucranianos a colocarem-se na melhor situação possível para negociar uma paz forte e duradoura.
Após chegar a um acordo de paz, a Europa deve garantir a segurança da Ucrânia.
A Europa não pode ser vassala dos EUA"
    -   Macron


"Consider here in America that after 9/11 you would have sat down with Osama bin Laden and said, 'OK, what else do you want?' I mean, it's unimaginable." — Kaja Kallas, regarding Ukraine peace talks, speaking at the Hudson Institute in Washington.


February 27, 2025

Estive a ler o texto do acordo entre a Ucrânia e os EUA

 

Pode ler-se aqui.  

A Ucrânia entrega metade de todos os seus recursos naturais sem uma única garantia de defesa do seu território, por parte dos EUA. A única frase que há sobre defesa é esta e é muito ambígua:

Os Participantes reservam-se o direito de tomar as medidas necessárias para proteger e maximizar o valor dos seus interesses económicos no Fundo.
De resto, nem uma palavra sobre os EUA se comprometerem a defender a Ucrânia, a enviarem tropas, a aceitarem a Ucrânia na NATO, a declararem a Rússia como um Estado invasor... nada. Nada de nada.

O que impede os EUA de irem sacar os recursos naturais à Ucrânia enquanto fazem acordos com a Rússia e a financiam nas suas costas? Como Putin fez com a Alemanha? Nada. No mínimo deviam estar escritas as condições em que acções dos EUA podem desencadear a denúncia do acordo por parte da Ucrânia, imediata e unilateralmente. Por exemplo, se os EUA fizerem um acordo com a Rússia que a Ucrânia encare como um ataque à sua soberania e integridade territorial ou como um financiamento à guerra contra o seu país.

E o que é que a Rússia tem de deixar? O que é que Trump garante? Que eles saem da Ucrânia? Ou não garante nada a não ser is sacar recursos à Ucrânia?

E se os minerais estão na parte ocupada agora pela Rússia, como vão extraí-los? Vão expulsar a Rússia? Ou vão fazer um acordo paralelo com a Rússia para entrar lá? Não percebo, mas talvez eu não saiba ler as entrelinhas de acordos destes. Mas não devia estar tudo claro? Não percebo.

Se não há nada a não ser uma troca comercial, o que acontece é os EUA lucrarem a troco da Ucrânia desistir de 20% do seu território para a Rússia. Que tipo acordo é este em que uma das partes dá e a outra só saca? Trump diz que a sua parte é dar à Ucrânia o direito de se defenderem... os EUA é que dizem se a Ucrânia tem direito a defender-se? A Ucrânia está a defender-se há três anos. Não precisa da autorização dos EUA. Faz parte do Direito Internacional.

Até agora, a Ucrânia:

Libertou 7% dos 27% do seu território invadido pela Rússia.

Forçou a frota russa do Mar Negro a abandonar o território da Ucrânia.

Dizimou o exército russo.

Prejudicou significativamente o sector do petróleo e do gás da Rússia.

Resistiu a 3 campanhas de bombardeamento russos no Inverno

A Rússia não está a ganhar a guerra e não consegue fazê-lo sem a ajuda dos EUA. Sobretudo se a Europa se unir a sério e cair em força na Ucrânia com ajuda de dinheiro (há 300 biliões para usar imediatamente), com armas e pessoas.

February 25, 2025

Em que site do governo podemos ver o que já enviámos à Ucrânia?

 


Ando à procura e não encontro. Sei que em 2022 enviámos 25 mil euros e uma Nossa Senhora de Fátima... o que parece uma piada, mas não é. Quero crer que de lá para cá já enviámos mais qualquer coisa, não? É que se falamos mas não fazemos nada em termos de assitência de dinheiro, géneros, armas ou o que seja, então estamos alinhados com Trump. Como estamos numa democracia e o governo nos deve explicações e informações, gostava de saber o que já enviámos à Ucrânia. Qual é a nossa posição actual. Gostava que alguém interpelasse o governo. Se nada se passar vou começar a escrever aos deputados do partido do governo -votei neste governo- até que alguém me responda.


February 24, 2025

Acelerar a adesão da Ucrânia à UE

 


“A segurança da Europa depende da segurança da Ucrânia. Por isso, vamos acelerar a adesão da Ucrânia à UE. Proponho 1 de janeiro de 2030. O primeiro agrupamento pode ser aberto nas próximas semanas. Vamos tornar irreversível o caminho da Ucrânia para a UE. A 
UE deve fornecer urgentemente à Ucrânia armas modernas e capacidades de ataque de longo alcance." 

-  Gitanas Nauseda, Presidente da Lituânia.

February 23, 2025

Para os que preferem os factos à demagogia




Quem prefere os factos à demagogia, pode ler aqui a situação da Ucrânia: 






Do Departamento da Defesa dos EUA:


Só para pôr as coisas em perspectiva: desde a eleição de Trump, portanto, um mês e uns dias, Musk já lucrou 170 biliões (americanos) de dólares. Nos últimos três anos, os EUA enviaram à Ucrânia armas no valor de 46,6 biliões (americanos) de dólares e 35,1 biliões (americanos) em ajuda orçamental.

February 17, 2025

Trump não vendeu os afegãos aos talibãs?

 


Nas costas deles? Agora está a vender os ucranianos aos russos. A diferença é que os ucranianos e os europeus podem dizer: NÃO!

É indiferente que o palhaço russo na ONU ande a dizer que a Ucrânia ocupada é deles. Também pode ir para lá cantar o fado ou cantar Rap que ninguém quer saber. Guterres já devia tê-los tirado do Conselho de Segurança mas é um cobarde e não abre o bico. Adiante... não é ele nem o outro palhaço Lacrov que dizem condições. Lá porque Trump é um merdas que se vende por três tostões, daí não se segue que a palavra dele seja a lei do mundo. Não é.

Quem podia estar calado é Scholz. Sim, ninguém esperava que um dia os EUA se juntassem à Rússia contra a Europa. Que deixassem de ser defensores da liberdade no mundo, de uma governança internacional baseada em leis e no respeito pelo outro e se tornassem nestes merceeiros que vão ter com países democráticos no meio de uma guerra, pressioná-los a darem os valores que têm a troco de irem para a cama com o inimigo.

Sim, ninguém esperava. Porém, foi o que aconteceu e não vale a pena chorar e vir dizer como o alemão que sem o papá americano não fazem nada. As coisas são o que são. Temos que criar uma defesa comum para antes de ontem, fechar os céus da Ucrânia, enviar armas em doses astronómicas e enviar tropas. E temos que fazê-lo independentemente dos EUA. Aliás, partindo do princípio que os EUA vão estar sempre a criar obstáculos, como já estão a fazer. Esta é a realidade.

A Europa tem de acreditar em si mesma e tornar os dois palhaços da Casa Branca irrelevantes nos destinos da Europa. Tem de pensar em fontes de energia alternativas aos EUA. O Canadá, por exemplo. Tem de fazer muita coisa urgentemente e tem de fazê-lo em unidade e não com o alemão a sair das reuniões sempre a choramingar.

Hoje saí do trabalho e fui ler as medidas práticas que tinham saído da reunião em França, para Putin perceber que as conversas com os palhaços que mandam nos EUA são uma ilusão. Quem ficou desiludida fui eu. Palavras de apoio.. não chega. Têm que agir como se estivessem em guerra. Porque estão. Desbloquear os 200 biliões russos para dar à Ucrânia e para comprar armas, é uma urgência. Sim, todos percebemos que vamos ter que pagar estas coisas do nosso bolso, mas antes pagar agora em dinheiro do que mais à frente em vidas.

E quando o palhaço fala em ajudas em dinheiro, os factos são estes.

E tanto quanto sabemos, dos 114 biliões de dólares dos americanos, só 70 chegaram à Ucrânia. Os outros ficaram nos lobbistas americanos.

Não me parece que a Europa tenha dado este dinheiro para aceitar agora ficar de fora de qualquer acordo.

February 15, 2025

A europa tem de responder aos factos e não apenas às palavras

 

Recuperar os territórios ocupados da Ucrânia é uma tarefa para antes de ontem.


February 14, 2025

Este é o único caminho possível

 

A Ucrânia juntamente com a Europa dizem as condições em que estão dispostos a negociar com Putin e em que moldes e não o contrário. E se os EUA estão do lado, não dos seus parceiros mas da Rússia que o digam claramente e saiam de cena. A ideia de Zelensky ou a Europa esperarem pelas condições e exigências de Putin e de Trump é um caminho para o desastre. Putin e Trump só respeitam a força e a força das circunstâncias. É preciso ser firme com Trump nisso porque ele já mostrou que se o deixarem falar vende-se a Putin.


February 13, 2025

@kajakallas - A independência e a integridade territorial da Ucrânia são incondicionais

 


@kajakallas

A independência e a integridade territorial da Ucrânia são incondicionais.

A nossa prioridade deve agora ser o reforço da Ucrânia e o fornecimento de garantias de segurança sólidas.

Em qualquer negociação, a Europa deve ter um papel central.

A nossa declaração Weimar+ ↓



January 18, 2025

Merkele saiu da Alemanha soviética mas a Alemanha soviética não saiu dela

 


Merkel diz que a Ucrânia não sobreviverá como Estado independente sem o apoio dos EUA.

Ukrainska Pravda em inglês

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A confiança de Merkele na Europa é zero e a confiança na capacidade de Putin é total. Isto explica muita coisa do que foi o seu mandato à frente da Europa.

December 03, 2024

Passam 30 anos do Memorando de Budapeste

 


A conclusão óbvia: a Rússia não respeita acordos. Outra conclusão óbvia: a Ucrânia não deve entregar a decisão acerca do seu destino a mãos estrangeiras.


November 30, 2024

Os 'media' portugueses querem muito que Putin vença a guerra

 


Zelensky admite cessar-fogo em troca de adesão à NATO, mesmo sem territórios ocupados pela Rússia
 
Expresso
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Na realidade, o que Zelensky disse foi:

Zelenskyy afirma que o território ucraniano deveria estar sob a “alçada da NATO” para travar a guerra. O Presidente sugere que a inclusão do território controlado por Kiev no pacto militar ocidental poderia travar a “fase quente” da guerra.

Volodymyr Zelenskyy sugeriu que o território ucraniano sob o seu controlo deveria ser colocado sob o “guarda-chuva da NATO” para tentar travar a “fase quente” da guerra com a Rússia.

Em declarações à Sky News, o presidente ucraniano afirmou que tal proposta “nunca foi considerada” pela Ucrânia porque nunca foi oferecida “oficialmente”.

“Se quisermos parar a fase quente da guerra, devemos colocar sob a alçada da NATO o território da Ucrânia que temos sob o nosso controlo. É isso que precisamos de fazer rapidamente e, depois, a Ucrânia pode recuperar a outra parte do seu território diplomaticamente.

“Esta proposta nunca foi considerada pela Ucrânia porque nunca ninguém no-la ofereceu oficialmente.”

Na mesma entrevista, Zelenskyy afirmou também que qualquer convite deveria ser feito “dentro da sua fronteira internacionalmente reconhecida, não se pode convidar apenas uma parte de um país”.



É completamente diferente de dizer que a Ucrânia troca os territórios pela adesão à NATO. Não troca nada. Aliás, no caso de haver este convite e de se parar esta fase da guerra, os territórios que a Ucrânia conquistou à Rússia, em Kursk, fariam parte da negociação diplomática da devolução de territórios. 
A questão é que os nossos media -jornais e TV- desde a invasão da Ucrânia há quase 3 anos falam como se fosse evidente que Putin ganhou a guerra e que a Ucrânia é irrelevante. 
Há um par de dias, por acaso, passei pelo canal da SIC Notícias e ouvi, " A Ucrânia está cada vez mais debilitada e já se diz que a Rússia vendeu o Ocidente". Isto, apesar da economia russa estar nas lonas, apesar de perderem 1200 homens por dia, apesar da indústria do petróleo ter prejuízos brutais, apesar de estarem isolados internacionalmente, apesar de terem que ir pedir ajuda a talibãs, etc. 
Não sei. Quem manda nos canais e jornais tem uma espécie de atracção homoerótica, como diz Boris Johnson de Trump e Musk, por homens autoritários, como Putin? É por isto que não vejo a TV portuguesa. Falam sempre com uma 'agenda', como dizem os americanos.

November 03, 2024

Tomamos como garantido que outros morram para defender o nosso modo de vida