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August 24, 2021

Assimetrias

 


Uma razão do estado de coisas actual no mundo percebe-se muito bem nesta série Chernobyl. As ciências naturais -física, química, biologia- atingiram um ponto nos conhecimentos de grande poder manipulador da natureza com a consequente vertente destruidora. São conhecimentos complexos, muitos deles ainda não dominados pelos próprios cientistas que, no entanto, não se coíbem de construir tecnologia de grande poder. Esta força tremenda está, no entanto, nas mãos dos políticos, pessoas em geral ignorantes e dos militares que não têm, nem sequer a intuição das forças que estão em jogo na investigação científica e tomam decisões como quem brinca. Nesta série, por exemplo, resolvem não evacuar a cidade por respeito à memória de Lenine...Também cortam os custos da central nuclear e dão-lhes equipamentos de terceira categoria, o que, em parte, leva ao desastre. Sabem de falhas mas não as divulgam ou reparam para não pôr em causa o nome da URSS. São como as crianças que disparam as armas dos pais, a brincar: sabem que são armas e que disparam, mas não têm a consciência da realidade da morte que elas provocam. Nesta pobre metáfora, os cientistas são os pais que deixam as armas à solta junto de pessoas -os políticos- que não as percebem nem as respeitam. 


May 15, 2021

Salário, propriedade e liberdade

 


O Estado comporta-de da seguinte maneira: tira-nos o dinheiro, gasta-o mal (25 mil milhões só para banqueiros o perderem em vidas de luxo) e não devolve ao povo em benefícios, melhorias, benfeitorias. O dinheiro perde-se entre os gabinetes ministeriais de governos faraónicos geridos por incompetentes.


O seu salário e a sua liberdade

Lídia Pereira

Bem sei que muitos não gostam de ver a narrativa socialista confrontada com factos e com a verdade, mas, também por isso, nunca como hoje os factos foram importantes em política, enredados que vivemos em meias verdades e silêncios cúmplices.

Como soubemos recentemente por um estudo da OCDE, a carga fiscal sobre o trabalho, repito, sobre o trabalho é hoje, com o Governo socialista, a maior de sempre, com 41,3%, contra uma média da OCDE de 34,6%. Vivemos e trabalhamos para entregar uma parte cada vez maior do que produzimos ao Estado apenas para que quem nos governa a distribua mal, de forma centralista e mais em função da capacidade reivindicativa de algumas clientelas eleitorais do que em função do que é justo e correto fazer.

Vivemos praticamente vinte anos governados por uma Esquerda que diz privilegiar os rendimentos do trabalho sobre os rendimentos de capital, mas que na hora da verdade decide deixar aos trabalhadores cada vez menos do seu rendimento, já de si muito pequeno. Recordo que 60% dos portugueses ganham abaixo dos 800€.

Na verdade, este esbulho fiscal aos portugueses vem na senda de outras decisões que demonstram pouco respeito pela propriedade privada, como a alteração legislativa para facilitar a expropriação (ou espoliação) da propriedade privada, ou o mais recente caso de Odemira, onde ninguém fica bem numa fotografia da qual o surreal ainda-ministro Cabrita é personagem principal.

A propriedade privada é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.o 17.o) porque dela depende também a liberdade dos cidadãos. Quem nada tem de seu está mais dependente de terceiros e as dependências são, por definição, opostas a uma liberdade plena. As violações ao direito de propriedade devem ser encaradas com preocupação e só permitidas em casos absolutamente excecionais.

Um modelo económico que cria dependência do Estado a empresas e cidadãos reduz a liberdade porque nos torna dependentes de vontades ou benesses de políticos. Precisamos que uma fatia maior do trabalho dos portugueses fique nos seus bolsos, para que possam ter uma vida melhor, com mais poder de decisão sobre a sua vida, e assim, mais liberdade. Em Portugal, como em Espanha, socialismo ou liberdade.

April 12, 2021

A petição contra o juiz Rosa foi um aviso. Este é outro

 


São avisos de que vemos a impunidade da corrupção e dos corruptos. Era bom que os políticos levassem os avisos a sério. Quando as pessoas se vêem encostadas à parede o único caminho que lhes resta é o de avançar para cima de quem está à frente.


March 14, 2021

Um questionário de Bruno Latour para a vida pós-pandemia

 


do site de Bruno Latour: http://www.bruno-latour.fr/node/852


Where to land after the pandemic? A paper and now a platform

Posted: March 29, 2020
Um pequeno exercício para garantir que as coisas não recomecem após o confinamento, tal como antes*.
Quanto ao 1 de Maio de 2020, abrimos uma plataforma para facilitar a resposta às perguntas e possivelmente para ligar as pessoas entre si.
Proposta por @BrunoLatourAIME na sequência dos argumentos propostos em Down to Earth Politics in the New Climatic Regime (Polity, 2018).
Aproveitemos a suspensão forçada da maioria das actividades para fazer um balanço das que gostaríamos de ver suspensas e das que, pelo contrário, gostaríamos de ver desenvolvidas.
Sugiro que os leitores tentem responder por si próprios a este pequeno questionário. Será especialmente útil uma vez que se baseará numa experiência pessoal que foi vivida directamente. Este exercício não é uma questão de expressar uma opinião, mas de descrever a sua situação e pode estar a ser investigado. Só mais tarde, se nos dotarmos dos meios para compilar as respostas de muitos inquiridos e depois compor a paisagem criada pelos seus cruzamentos, se poderá encontrar uma forma de expressão política - mas desta vez encarnada e situada num mundo concreto.
Responder às seguintes perguntas primeiro individualmente e depois, se possível, com outros:
Pergunta 1: Quais são as actividades agora suspensas que gostaria de ver não retomadas?
Pergunta 2: Descreva por que razão pensa que esta actividade é prejudicial/ supérflua/perigosa/inconsistente e como o seu desaparecimento/suspensão/substituição tornaria as actividades que favorece mais fáceis/ mais consistentes. (Faça um parágrafo separado para cada uma das actividades listadas na pergunta 1).
Pergunta 3: Que medidas recomenda para assegurar que os trabalhadores/empregados/agentes/empresários que já não poderão continuar nas actividades que está a remover sejam ajudados na sua transição para outras actividades.
Questão 4: Qual das actividades agora suspensas gostaria de desenvolver/resumir ou mesmo criar a partir do zero?
Questão 5: Descreva por que razão esta actividade lhe parece positiva e como a torna mais fácil/ harmoniosa/consistente com outras actividades que favorece e ajuda a combater aquelas que considera desfavoráveis. (Faça um parágrafo separado para cada uma das actividades listadas na pergunta 4).
Pergunta 6: Que medidas recomenda para ajudar os trabalhadores/ trabalhadores/ agentes/ empresários a adquirir as capacidades/meios/ rendimentos/ instrumentos para assumir/ desenvolver/criar esta actividade favorecida.
Agora, encontre uma forma de comparar as suas descrições com as dos outros participantes. Compilar e depois sobrepor as respostas deverá gradualmente produzir uma paisagem feita de linhas de conflito, alianças, controvérsia e oposição. Este terreno pode proporcionar uma oportunidade concreta para criar as formas de expressão política que estas actividades requerem.

March 13, 2021

Intervenção

 


“ O que podemos dizer é que todos aqueles que têm consciência do carácter terrivelmente grave do que está em jogo devem tentar falar, devem criticar esta corrida para o abismo, devem procurar despertar a consciência dos seus concidadãos”. (Castoriadis - A ascensão da Insignificância)

March 03, 2021

Pragmatismo e verdade

 


The absence of commonly held truths is all too compatible with a less democratic society dominated by an aristocracy of the successful and politically connected. They’re only too happy to manufacture their own truths. (Fred Siegel)


(nenhum sinal só por si exclui o caminho da opressão, como muitos querem fazer crer)

October 22, 2020

É por isto que só temos incompetentes em tudo quanto é cargo

 


O princípio deste artigo, que é de ontem, penso, diz que Cavaco Silva fez uma coisa bem feita e boa (obrigar a acordo entre os partidos da geringonça) mas como o autor é contra Cavaco Silva concluiu que ele fez o bem sem querer, quer dizer, a intenção era má mas foi incompetente na execução e resultou em competência - veja-se lá a complicação; depois diz que Marcelo fez de modo diferente e mal (não obrigar a acordo entre os partidos da geringonça) e no fim do artigo exorta-o a fazer o que Cavaco fez (embora não diga por estas palavras) e conclui que Marcelo fez mal, foi incompetente mas como foi com boa intenção, há competência, de modo que Marcelo foi um incompetente, competente, com resultado incompetente - ao contrário de Cavaco que foi um competente, incompetente, com resultado competente.

A política em Portugal é isto: se és da direita, tudo o que a esquerda faz é mal intencionado e se és da esquerda, todos que são da direita são mal intencionados. Não interessa que façam bem e sejam competentes, interessa é que sejam da esquerda (neste caso, porque podia ser o inverso se o articulista fosse da direita). 

Ou as pessoas como são calculistas e dão sempre passos a calcular o efeito e não a pensar no bem, assumem que os outros são todos iguais.




October 02, 2020

Coisas preocupantes

 


Temos aqui um recurso que pode ser um instrumento de salvação ou de perdição. Seria prudente a cautela, passe o pleonasmo, na distribuição de fundos porque sabemos o que aconteceu com os fundos nos últimos dez anos - da parte que se sabe foram 2,3 mil milhões de euros desviados e, não estando a contabilizar os desvios de fundos no tempo de Cavaco, com as formações fictícias aos milhares de milhares. 

Ora, sabendo disso tudo (e dos Bes, BPNs e quejandos) e sabendo que os governos não têm incentivos à responsabilização dos corruptos (quem não se lembra das tentativas de calar o relatório do ex-ministro da economia e quem não vê membros dos governos chamar corruptos para o integrarem?) é evidente que estamos já com grande preocupação e a ver tudo o que vai correr mal. As autarquias fazem muita obra....  quem é que quer os tectos de obras de muitos milhões a desabar por erros grosseiros ou menos grosseiros, como ontem no metro? Ou a derrapar muitos milhões?

Hoje mesmo alguém do governo, calculo, já mandou o soba dizer que 'agilizar' os contratos é uma questão de eficiência. Pois claro... é com essa ideia de agilização que hoje lemos que Vieira -convidou-22-juizes-(magistrados da relação e do supremo tribunal de justiça) para-assistir-a-jogo-na-tribuna-presidencial?




as imagens não são minhas


September 30, 2020

A frase política mais interessante que li nos últimos tempos

 


Não li este artigo porque não tenho acesso ao Público de modo que não sei, nem o contexto nem o desenvolvimento desta frase mas só por si já vale a pena e até acrescentaria (se é que a jornalista não acrescentou já),  que 'a causa dos seus eleitores existirem também fica e enquanto ficar, a tendência é para que aumentem'. O problema principal aqui são as causas que levam as pessoas a votar em aldrabões e ser capaz de revertê-las ou alterá-las antes que seja tarde demais: veja-se a Húngria, a Polónia, a Turquia e por aí fora. Nós aqui tivémos o Sócrates que desmantelou o Estado de direito até onde pôde e este governo que lá está, que é constutuído, mais ou menos, pelos seus companheiros e seguidores, está a alicerçar esse desmantelamento com a ajuda do Presidente e da AR. Logo, podemos concluir que Sócrates perdeu mas que os seus eleitores cresceram e estão agora a engordar o Chega, seu sucessor natural.

Estou a ler a biografia de Salazar de Tom Gallagher e uma coisa que ele diz na Introdução é que Portugal se tornou um democracia parlamentar mas que os partidos (nestes dias) não se diferenciam muito uns dos outros a não ser na maneira de chegar ao poder, por assim dizer. Ora aí está uma das causas dos eleitores dos aldrabões permanecerem e aumentarem, apesar dos próprios caírem em desgraça.


Trump pode perder, mas os seus eleitores ficam

Maria João Marques


August 20, 2020

A Svetlana Tikhanovskaya é inexperiente e o BHL é só parvo

 


Ela tem desculpa por ser inexperiente e não ter, calculo, conselheiros, pois foi projectada para a vida política de repente e pelas circunstâncias da vida. Agora ele... ele não tem desculpa nenhuma, é só vaidade. É evidente que Putin vai interpretar isto como ela estando, se não ao serviço, pelo menos manipulada pelo Ocidente. Isso só vai ajudar o ditador que lá está e a ela só a prejudica.

Nos meses antes de sairmos do Alentejo a meio de Julho do Verão Quente de 75, à meia-noite e meia, depois de um julgamento popular com o COPCON de metralhadoras apontadas, acontecia todas as semanas trabalhadores da herdade ligarem para nossa casa às escondidas e anonimamente a avisar que o PCP estava a preparar qualquer coisa em grande para aparecer nas notícias e até ao último dia, em que soubemos, também às escondidas que estavam a reunir e industriar centenas de pessoas de terras à volta para vir fazer mal. 

Nesses últimos meses em que estávamos vigidos pelo PCP, telefone com escutas, com ameaças, assédio do COPCON e prisões frequentes, um dia, já em finais de Junho, saí de casa, passei pelo senhor J., que tratava dos cavalos (uma pessoa com quem nos dávamos desde miúdos) e falei-lhe, disse-lhe bom dia, perguntei pela M. que era a filha, que tinha a minha idade e com quem me dava. Ele respondeu. O meu pai estava por ali e disse-me, 'nunca mais fale ao senhor J. nem a nenhum outro trabalhador a não ser que tenha a certeza que ninguém está a ver e ouvir'. Perguntei-lhe porquê e ele respondeu-me que ao cumprimentar obrigava as pessoas a responderem-me e que isso as prejudicava porque eram logo identificadas como fascistas pelos comunistas e depois, quando viessem ocupar a herdade, haviam de ser prejudicadas ou até despedidas. Tinha 14 anos, era inexperiente. O BHL já tem muitos anos em cima.



August 11, 2020

Que país é este em que vivemos?



Olavo Bilac: “Devo uma explicação a toda a gente. Percebo que errei. Nunca pretendi apoiar o Chega”

Olavo Bilac pede desculpas aos fãs e aos seus “pares da indústria”, assumindo que foi “atuar profissionalmente a um jantar privado” do Chega mas que, enquanto cidadão, defende “valores bem diferentes daqueles apregoados por este partido”. Leia o comunicado do artista, motivado por uma selfie partilhada por André Ventura.
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Então um artista já não pode trabalhar? Se for contratado para actuar num partido de direita tem de pedir desculpa à esquerda e se for actuar num partido de esquerda tem de pedir desculpa à direita? E o serviço de catering? Deve recusar um cliente se for do Chega? E o médico? Deve recusar tratá-lo? E o professor? Deve recusar ensinar o filho dele? E o hotel? Deve recusar a marcação dele? E a companhia aérea? Deve recusar-lhe um lugar? E o restaurante? Deve recusar servi-lo? E na praia? O concessionário deve recusar-lhe um chapéu de sol?

Vivemos num país que não apoia as artes e a cultura. Os artistas estão numa situação desesperada e um homem já não pode ir trabalhar para ganhar sustento sem ter que pedir desculpa? Isto não é a mesma coisa que as Bioncés irem aos comícios de campanha política apoiar o seu candidato. Isto é um homem a tentar sustentar-se, fazendo o seu trabalho. 

April 07, 2020

Não nos podemos dar ao luxo de continuar a não ter bons políticos



Hoje gostei de ler a Mariana Mortágua (Como vão sobreviver?). Os noticiários, que já nem consigo ver por mais de 5 minutos, bombardeiam-nos massivamente com as notícias do Coronavirus Li Wenliang seguidas de discussões intermináveis sobre coisa nenhuma ou histórias de vida dos jornalistas onde choram com música operática como dizia a minha colega, mas não nos dizem nada sobre o que se passa no mundo das decisões políticas. Não sabemos se alguém anda a trabalhar para melhorar a vida política do país.

Eu, por mim, queria muito saber o que andam os deputados a fazer nesta altura. Tenho esperança que haja gente nova nos partidos que não esteja completamente agalambada aos cargos e que neste momento pense em mudanças que têm que haver no estado de coisas que nos trouxeram aqui, não à pandemia, mas aos seus efeitos que puseram a nu a estrutura precária que nos sustenta : a falta de médicos ou o excesso de médicos como tarefeiros, a faltas de enfermeiros e a precariedade do seu trabalho, bem como a falta dramática de material e de capacidade para o produzir, a precariedade económica das famílias que não têm dinheiro para um computador com internet para os filhos, num tempo em que ter um computador é como ter um par de sapatos, o preço escandaloso da internet neste país (em França paga-se 1 euro por mês, aqui 20 euros, pelo mesmo serviço), a falta de apoio à cultura, a condição precária de milares de professores que os impede de ter um computador e internet... enfim, as condições de vida precárias da maioria dos portugueses em comparação com o fausto de 70 ministros e secretários de Estado, 3 ou 4 sociedades de advogados opulentas com os dinheiros públicos, a corrupção generalizada, os desperdícios criminosos da banca, etc., etc., etc.

De modo que gostei de ler este artigo e de saber que há políticos que continuam a trabalhar e pensam nos que, neste momento, mais precisam.

Quero crer que há pessoas políticas preocupadas e dispostas a mudar este estado de coisas decadente em que estamos e gostava de saber o que pensam fazer e o que andam a fazer, de facto, porque não podemos dar-nos ao luxo, como se fossemos um país rico, de continuar a não ter bons políticos.

February 22, 2020

Portugal não é isto mas é esta gente que manda no país e, portanto, Portugal é isto II



O futebol enquanto organização precisa, urgentemente, de despenadeiras. Depois pode-se construir outra coisa que tenha a ver com desporto mas isto que existe, esta promiscuidade entre futebol, justiça, política e crime tem de acabar. E se quem pode fazê-lo, não o faz, é cúmplice.


February 08, 2020

Acerca da intervenção política VI - precisamos de uma ínclita geração




3. O terceiro caminho é um caminho de influência/resistência baseado na lei mas fora do sistema partidário político, uma vez que as oposições partidárias já são peças do jogo.Se queremos fortalecer a democracia ou, pelo menos, impedir a sua decadência, temos de intervir na raíz que enfraqueceu e fortalecê-la: ora, as Leis são a raíz da democracia.

Não quero dizer com isso que deve-se desistir do sistema partidário ou até de constituir um partido que rejuvenesça o sistema; o que quero dizer é que neste momento isso não é possível porque o sistema foi sendo fechado a forças novas que preconizem uma maior participação da população nas decisões.

Hoje em dia está na moda um modelo de chefia autoritária que assenta em nenhum pressuposto válido de gestão mas apenas na recuperação da ideia de hierarquias fortes. Se isso já é problemático num empresa no Estado é calamitoso. O facto de elegermos um partido para chefiar os assuntos do país não implica, de modo nenhum, que lhe demos um cheque em branco ou que aceitemos que os governantes sejam nossos tutores. Não precisamos, nem queremos, tutores, somos emancipados.

É por isso que me parece mais urgente, neste momento, construir uma cultura de resistência e, ao mesmo tempo, influência.

Então, é necessária uma dupla acção:

1. de influência na preservação do Estado de Direito e melhoramento de Leis. Impedir activamente que a produção de Leis seja feita por grupos privados com fitos que servem interesses particulares; isto implica constante vigilância da produção de Leis: quem está a fazer o quê e com que fim.

2. de resistência, na exigência do cumprimento das Leis. Enquanto formos um Estado de Direito, a força da Lei estende-se ao poder executivo e podemos, devemos, obrigá-lo a cumprir a Lei.

O meu pressuposto é: Sendo este problema, o de travar a decadência das democracias, um problema muito difícil de resolver, isso não significa que tenhamos que ficar à espera de grandes soluções revolucionárias ou, pior, fazer nada e esperar por um milagre.
Muita coisa pode ser reformada, muito passo pode ser dado e cada passo abre caminho.

Precisamos de uma ínclita geração constituída por grupos de pessoas/instituições que se organizem e tomem iniciativas, seja de denunciar o que está mal, seja de sugerir o que pode fazer-se para melhorar.

Algumas coisas já são feitas. Há cidadãos que constituíram um grupo que defende a melhoria da democracia e têm tentado mudar a legislação da eleição dos deputados ao Parlamento; há ainda jornais que resistem às pressões e publicam notícias sobre tentativas de abuso, de corrupção, etc. Alguns jornais publicam fascículos de esclarecimento de legislação na área da economia, das finanças, outras dos direitos dos consumidores, por exemplo. Há iniciativas de denuncia, na Justiça, de abusos de políticos, há procuradores do MP que fazem o seu trabalho.

Há muitas ideias que podem ir buscar-se a outros países: na eleição dos deputados, à Alemanha, por exemplo, na representação à Inglaterra; na participação dos cidadãos, à Suíça que tem um nível muito elevado de auscultação à população. Hoje em dia é fácil fazer votações online. 

Devia usar-se mais o referendo e não apenas para questões como o aborto, porque os partidos, por terem sido eleitos, não nos representam em tudo. Por exemplo, a questão da eleição de deputados nominais, devia ser objecto de referendo. E ao argumento de que as pessoas não percebem o suficiente dos assuntos para se pronunciarem, respondemos, promovam discussão pública que é assim que as democracias amadurecem, porque para amadurecer é preciso crescer e não morrer jovem.
Por exemplo, os conselheiros de Estado deviam ser outro tipo de pessoas independentes dos partidos políticos. Aquilo é um orgão de fachada.

Precisamos de juristas e advogados capazes de elaborar propostas legislativas de melhoramento do sistema e de denunciar o que está a ser mal feito (como está a acontecer agora na questão das ordens ao MP). Precisamos de começar a usar a Justiça para obrigar os governantes a agir dentro da Lei. Quando se levam os casos à justiça, muito frequentemente o Estado é condenado e obrigado a cumprir os deveres. É urgente começar a responsabilizar os políticos. É necessário que se pressione por uma justiça que seja acessível a todos e não apenas a quem tem dinheiro ou é indigente.

Para isto precisamos de uma ínclita geração: um grupo de pessoas com boa vontade, com recursos técnicos e outros, e conhecimentos, que se organize num ou vários grupos com finalidade de contribuir para o melhoramento da democracia através do melhoramento das Leis e das práticas. Muita gente haveria de contribuir, apenas não sabe como porque falta iniciativa de liderança independente dos partidos.

Cada um tem que fazer a sua parte: se pode denunciar, denuncia; se pode resistir, resiste; se pode influenciar, influencia; se pode organizar, organiza; se pode mudar, muda. O país é de nós todos.

February 03, 2020

Acerca da intervenção política V




A democracia, penso, está a entrar em decadência porque o mundo do trabalho está a desumanizar-se e o mundo do trabalho está a desumanizar-se por causa da IA.

A palavra robô vem de uma palavra das línguas eslavas, rabota. Rabota significa trabalho não pago próprio do servo. Tradicionalmente o trabalho que os camponeses deviam ao senhor feudal, 6 meses em cada ano, para poderem viver nas suas terras.

Os robôs, o que hoje chamamos IA já são neste momento uma força de trabalho que substitui os seres humanos em inúmeras tarefas. Começaram por ser usados nas fábricas e nas universidades como auxiliares dos seres humanos mas neste momento invadem quase todo o espectro profissional e substituem os seres humanos. Na china há fábricas gigantescas que só têm 2 seres humanos a trabalhar. Tudo é feito com robôs. Em áreas como a educação ou a saúde, muitos procedimentos já são feitos com recurso à IA e em muitos casos já substituem os profissionais. Na arquitectura, nos militares e, em geral, em tudo que seja profissão científica a IA substitui-os de modo mais barato. Não fazem o trabalho com melhor qualidade que os seres humanos mas fazem-no com menos erros e mais barato e isso é o que interessa aos fazedores de dinheiro.

A questão é que as profissões estão a ser desvalorizadas e os profissionais ajustados ao valor dos rabotas que os podem substituir e, de facto, substituem, cada vez mais. Se juntarmos a isto o excesso de população que de si é um factor de desvalorização da individualidade, temos a tempestade perfeita para a desumanização do mundo do trabalho (os trabalhadores encarados como meras unidades de custo nivelados por baixo, pelo custo das máquinas ou menos, até. Em certas profissões as máquinas são muito caras e para as obter diminuem-se os custos humanos), consequente desvalorização social dos seres humanos e, por arrasto, das sociedades humanas.

Neste momento assiste-se, portanto, a uma divisão entre as grandes corporações que decidem e administram o mundo do trabalho e do entretenimento (uma cultura de prazer é essencial para domesticar as massas) mais os seus cúmplices, os políticos, que fortalecem o Estado para poderem ter nas suas mãos os instrumentos da repressão dos direitos sociais e, por outro lado, todos os outros trabalhadores, cada vez mais iguais, nivelados.

Exemplo: há muitos anos, quando a Lurdes Rodrigues destruiu intencionalmente a profissão de professor, assistiu-se a um triste espectáculo de menorização da profissão por parte dos professores universitários. Tinham grande prazer em denegrir os professores como se fossemos um batalhão de faltistas incompetentes - isto quando todos sabemos que o ensino universitário tem lá um ror de gente incompetente com cabecinha de alfinete- mas enfim... ainda hoje sofremos esse preconceito que nunca mais desapareceu. E era indiferente que lhes disséssemos que estavam a cavar a própria sepultura porque não só os alunos com que teriam de lidar também seriam vítimas desta desqualificação do ensino (como aconteceu) como a seguir seria a vez do ensino universitário ser desqualificado, como aconteceu. Mas as pessoas gostam sempre de considerar-se mais dignas que as outras.

O ser humano ter tendência a considerar que os outros têm menos dignidade que eles.  Se nos fazem mal e nos tratam com injustiça ou desconsideração temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós; se fazem um trabalho onde se ganha menos, temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós; se fazem um trabalho que suja as mãos, temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós; se fazem um trabalho que qualquer máquina pode fazer, temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós; se têm pressupostos políticos diferentes dos nossos, temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós; se cometem erros que nós não cometemos, não vemos os nossos próprios e temos a tendência a pensar que são menos dignos que nós...

Nós nunca somos os outros, estamos acima deles (como se dizia da Grécia). Ora, neste momento, nós quase todos somos 'os outros', esses desvalorizados profissionalmente e, por extensão, socialmente. Essa horizontalidade pode, pelo menos, ter a vantagem de unir as pessoas (?)

No entanto, enquanto vivermos num Estado de Direito, podemos fazer valer os nossos direitos com as leis e melhorá-las de modo a obrigar os representantes políticos a melhorar as suas práticas.

Como?

(continua)












andróide

February 01, 2020

Acerca da intervenção política II




3. O terceiro caminho é um caminho de influência/resistência baseado na lei mas fora do sistema partidário político, uma vez que as oposições partidárias já são peças do jogo.

É que os partidos são ideias e forças mas também são pessoas com ambições, umas de raíz, outras do próprio exercício do poder que é gerador de vaidades e cegueiras, e é isso que sempre estraga os partidos e arrasta as pessoas com eles.
Veja-se os Macrons, cheios de ideias quixotescas de chegar lá e mudar tudo para muito melhor e cada vez enterra mais a França nos lobbies das grandes corporações internacionais. Nem sequer se preparou para ter que lidar com os problemas das pessoas reais e reage mal às críticas e à oposição, com autoritarismo e com a força das balas, como aconteceu no mês passado.
França é uma espécie de último reduto nesta luta da democracia: o país da liberdade, igualdade e fraternidade. Estão em luta feroz há meses e meses e as notícias não chegam aqui ao cantinho... há um boicote às notícias, não vá as pessoas aqui terem ideias.

Aqui em Portugal, apesar de sermos um povo manso, qualquer crítica é esmagada pela máquina de sicofantas às ordens de Costacenteno.

Nem falo de países como os EUA, onde o povo passou a ser o Presidente e não o contrário ou da Rússia de Putin onde se muda a Constituição para se perpetuar no poder. A América Latina... enfim, está a espalhar-se como um vírus.

De modo que tem que se agir de outro modo. Parece-me que há pressupostos ou princípios ou fundamento racional para um modo diferente de agir com vista à mudança ou, melhor à inversão deste caminho que leva a lado nenhum que nos interesse. Vou ter que pensar um bocadinho como escrevê-lo.

(continua)

December 21, 2019

Vejo tudo errado nesta análise política




O que têm em comum Greta Thunberg e Donald Trump? Ambos conectam com as pessoas a um nível emocional. A capacidade de promover ideias políticas, boas ou más, está cada vez mais dependente de uma adesão emocional mais do que racional. Greta conseguiu o que o consenso científico não tinha conseguido: fazer do clima o principal tema político. O sucesso de Trump não depende dos factos, mas da identificação daqueles que o suportam com os sentimentos que transmite. A crescente radicalização política é filha desta política das emoções. O desafio para os políticos sérios? Conseguir a empatia emocional com os cidadãos sem dispensar (nem os dispensar) do uso da razão. O desafio para a sociedade? Preservar as condições que permitem a procura de um bem comum num contexto crescentemente polarizado.
Greta Thunberg e Donald Trump têm em comum despertarem uma adesão emocional e não racional? Todas as pessoas desencadeiam nos outros uma adesão emocional, positiva ou negativa. Por exemplo, António Costa, quando se candidatou contra PPC, transmitiu um sentimento de respeito pelo povo, que agora se percebe que era uma encenação eleitoral, com os seus discursos de contrariar a austeridade e devolver a dignidade ao povo. Foi por acreditarem nesse discurso que as pessoas aderiram positivamente ao seu discurso e votaram nele. 
Entretanto, viram que era mentira e nestas eleições, apesar da oposição estar entretida a canibalizar-se e apesar do PS ter conseguido controlar quase todos os meios de comunicação para lhe serem favoráveis, não lhe deram maioria absoluta, o que mostra que vêem bem o que ele andou a fazer. 

Aliás a maioria nem foi votar. E essa deve ser a questão a fazer-se. Porque é que as pessoas já nem votam ou votam em Trumps? Porque a vida política está dominada pelos partidos políticos que agem como famiglias e as pessoas sabem que não têm voz nem importância nas decisões políticas desde que os políticos deixaram de as representar (ontem discutiu-se na AR a hipótese de reforma do sistema eleitoral e dedicaram 3 minutos para cada partido se pronunciar, o que mostra bem a importância que dão à representação democrática do povo) e humilham os que as tentam representar - os partidos proibiram os novos partidos que só têm 1 deputado de assistirem às reuniões da conferência de líderes, mesmo apenas como observadores. Estão excluídos do processo (não) democrático.

As pessoas votaram em Trump porque se vêem não representadas e ele lhes pareceu ser uma voz exterior e independente das famiglias da política, fechadas à voz do povo. E, de facto, é.
Só que é um comerciante sensível à voz de oligarcas e nisso é igual aos políticos.

Da mesma maneira as pessoas seguem Greta Thunberg porque ela parece ter conseguido furar esse muro que os políticos, que na maioria deixaram de ser sérios, são apenas profissionais de cargos e de poder, gente muito ignorante que pensa que isto do clima é uma tontice, embora não o digam com medo de perder votos, mas mostram-nos nas suas políticas desastrosas. A questão é que a maioria dos políticos já não consegue empatia porque já conseguem enganar as pessoas, as demagogias já não passam. Nem procuram um bem comum, como alega o autor do artigo, todos vemos que só procuram o bem do partido que lhes assegura lugares de poder e, o contexto está polarizado e radicalizado pelos próprios políticos que transformaram tudo em esquerda e direta, populistas, não populistas, etc.


O Mundo está hoje muito melhor do que alguma vez na história: da expectativa de vida ao número de pobres, praticamente todos os indicadores revelam melhorias. Mas não é isso que muitos sentem. Só isso explica a multiplicação dos conflitos sociais a que assistimos este ano.

Poiares Maduro, Três lições políticas de 2019


O Mundo não está melhor equitativamente. Por exemplo, o índice de pobreza a diminuir deve-se, em grande parte, à China, bem como o repovoamento florestal, bem como o indíce de desenvolvimento. Também à Índia. Esses dois países são um terço do mundo e todas as suas mudanças têm grande peso nos indicadores mundiais.

Na Europa e nos EUA as desigualdades estão a crescer, a pobreza a aumentar. Por exemplo, nos EUA o índice de mortes de adolescentes e de grávidas está a aumentar assustadoramente. O índice de mortes à nascença aumentou imenso em Portugal.

É verdade que os pobres têm a sopa dos pobres e não morrem à fome como no Yemen mas as pessoas têm menos recursos, vidas mais exploradas e têm menos acesso aos serviços públicos. Todos os dias é notícia as grávidas andarem de hospital em hospital porque ninguém as recebe: ou não há médicos ou não há camas. E isto num país que precisa de nascimentos como de pão para a boca.

Talvez, em de dizer que as pessoas votam neste e naquele por serem pouco racionais e estarem radicalizadas, fosse melhor perceber porque é que na Europa e nos EUA, as mesmas pessoas racionais que votavam nos partidos tradicionais tenham deixado pura e simplesmente de votar e muitas se tenham voltado para outras alternativas.

Se calhar chamar estúpidas e ignorantes às pessoas não é a melhor maneira de perceber o problema e muito menos recomendar que os políticos sejam mais demagogos do que já são para enganar as pessoas com empatia porque do que as pessoas precisam é de ver que estão a dar-lhes possibilidades de ter uma vida decente.

Uma pessoa pode não saber nada de corte e costura mas sabe ver se o fato lhe assenta bem e quem são os alfaiates e costureiras que deixam sempre tudo às três pancadas: tudo mal cortado e mal cosido. E isso não é ser emocional. Ser emocional é não ser capaz de pensar as causas do afastamento das pessoas dos partidos tradicionais e reagir chamando-lhes pouco racionais e radicais.

November 28, 2019

O afundamento da civilização já começou e as rebeliões são o seu sintoma e podem ser o seu antídoto salutar





Enfrentamos, hoje-em-dia, dois perigos mortais: a transformação da Terra numa fornalha e a violência dos Estados ineficazes para lhe fazer face.
O aquecimento climático já começou. O lago Tchad está praticamente seco e o Sahara avança 600 metros todos os anos. Os ciclones estão cada vez mais violentos, as tempestades tornaram-se um hábito em França e o Reno, com a sua falta de água já não é uma auto-estrada fluvial da economia europeia.

A inacção dos Estados ao mesmo tempo que o seu zelo em cumprir todas as exigências de um capitalismo destrutivo e é cada vez mais evidente e insuportável. Dizer que a justiça social e a justiça climáticas estão ligadas é um eufemismo. A injustiça social e a incúria climática são duas faces da mesma lógica de exploração devastadora do planeta e de tudo o que vive. A corrida para o abismo é ao mesmo tempo climática, ambiental, económica, social e política pois é o produto de um dispositivo global. O da governança pelos números de uma imensa máquina algorítmica e financeira.

Que importam os relatórios dos especialistas e as promessas nas cimeiras mundiais? Como diz Ken Loach, "já não é preciso um patrão para explorar as pessoas pois a tecnologia encarrega-se disso."
O capitalismo financeiro devasta o trabalho e o ser humano com a mesma aplicação com que devasta o planeta. E a cada minuto que passa nós próprios nos entregamos ao Leviatan numérico digital todas as informações necessárias para a nossa transformação em mercadoria.

A lógica da financeirização, por ser algorítmica, impõe-se a todos: ao Estados, prisioneiro dassuas dívidas soberanas que representam 75% do PIB mundial. É as mercados e não ao povo que os governos prestam contas. À medida que se reduz a sua margem de manobra e que a corrupção se torna mais visível, desesperam os povos de caminhos políticos colectivos possíveis e, esta desesperança é a mãe das rebeliões.

A rebelião é o momento em que o ser vivo se re-materializa exige o seu direito. Sem argumentos e sem legitimidade, a resposta dos governos é sempre a mesma: repressão cada vez mais feroz. Se a política é, como dizia Foucault, a guerra continuada por outros meios, a sua falência abre a possibilidade de uma guerra dos poderes contra os povos. No dia 21 de Outubro o Presidente do Chile, Piñera, disse, "Estamos em guerra contra um inimigo poderoso e implacável que não respeita nada nem ninguém e que se presta a fazer uso da delinquência e da violência sem limites." O mesmo dizia o ministro francês do Interior sobre a mobilização dos gillets jaunes. A violência da reacção dos governos às insurreições de 2019 é a medida do pânico que inspiraram.

Esse pânico foi visível em França, na Algéria, em Hong-Kong. Os governos vão alternando entre repressão e cedência.















Os povos gritam a sua cólera na Venezuela, no Sudão, no Haiti, no Senegal, na Algéria, no Chile, na Bolívia, nas Honduras, na Guiné Conakry, na Catalunha, em Teerão, como antes na Tunísia e n o Egipto. As semelhanças são idênticas. São rebeliões sem preparação, massivas e largamente populares, resilientes face à violência do Estado.
Surgem ligadas a práticas governamentais sentidas como ameaças à sobrevivência e ao modo de vida ou à liberdade das pessoas e famílias. Não têm, nem ideologia subjacente, projecto político conhecido ou estratégia revolucionária. São movimentos que exigem democracia, justiça, igualdade e moralidade pública.

Vivemos num tempo marcado pelo aumento das rebeliões civis no mundo que parecem ligadas à mundialização numérica e financeira e às suas três lógicas sócio-políticas dominantes: acentuação considerável das desigualdades, financeirização dos dispositivos de governança que alimentam a corrupção das elites e crise dos sistemas políticos, nomeadamente de representação. Este último ponto é essencial. Por culpa do falhanço do sistema de mediação, todas os sofrimentos, tensões sociais e conflitos se tornam potencialmente explosivos. É por isso que as rebeliões, em partes do mundo tão diferentes, se assemelham tanto.

O acentuar das desigualdades e a visibilidade crescente da corrupção minam irremediavelmente a legitimidade dos Estados que já só têm a violência para se fazer respeitar.

Duas décadas de rebeliões:
    2001 : 19-20 décembre soulèvement en Argentine contre le FMI, la dette et l’austérité. « Que se vayan todos »16
  • 2005 : 27 octobre-17 novembre : émeutes en France après la mort de deux jeunes, Zyed et Bouna.
  • 2006 : Mars : mobilisation et blocages contre le Contrat Première Embauche en France.
  • 2008 : émeutes contre la vie chère au Burkina Faso, au Cameroun, au Mozambique (février), au Sénégal (mars), au Bangladesh, en Côte d’Ivoire, en Égypte, à Haïti (avril), en Somalie (mai).
  • Du 6 au 31 décembre : émeutes en Grèce après la mort d’Alexis Grigoropoulos tué par la police.
  • Mars : émeutes au Tibet Chinois.
  • 2009 : 13 juin jusqu’à fin juillet : soulèvement en Iran après la victoire annoncée de Mahmoud Ahmadinejad à l’élection présidentielle.
  • Janvier-mars : grève générale contre la vie chère aux Antilles françaises.
  • Juillet : soulèvement Ouïghours dans le Xinjiang (Chine)
  • 2011 : année du « printemps arabe » : soulèvements en Tunisie, en Égypte, en Libye, au Yémen, en Syrie, au Bahreïn, en Algérie, en Jordanie, au Maroc.
  • 15 mai : lancement du mouvement des Indignés en Espagne.
  • Juin : manifestation et émeutes contre la réforme constitutionnelle au Sénégal.
  • 6-11 août : émeutes en Angleterre (Londres, Birmingham, Leeds, Liverpool, Bristol, Salford, Manchester et Nottingham) après la mort de Mark Duggan, tué par la police.
  • Octobre : lancement d’Occupy Wall Street.
  • Septembre : début de la révolte contre la corruption de Wukan (Guangdong) en Chine.
  • 2012 : « Printemps érable » : mobilisation étudiante au Québec.
  • Janvier mars : révolte contre la corruption de la ville de Wukan  (Guangdong) en Chine.
  • Février-avril : révolte contre les projets hydroélectriques en Patagonie (Aysen).
  • 2012- 2015 : montée exponentielle des attentats djihadistes dans le monde.
  • 2013 : Mai-juin : occupation de la place Taksim à Istanbul et affrontements dans toutes les villes du pays.
  • 21 novembre : début de l’occupation de la place Maidan à Kiev.
  • Juin-juillet : mobilisation contre le prix du bus puis contre la corruption au Brésil.
  • 2014 : Janvier- février : occupation de la place Maidan à Kiev.
  • Mai à juillet : manifestations et émeutes contre le Mundial à Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Guarulhos, Brasília, Belo Horizonte, Salvador de Bahia, Fortaleza, Curitiba.
  • Novembre décembre : mouvement des Ombrelles à Hong Kong.
  • Août : émeutes à Ferguson après la mort de Michael Brown, tué par la police.
  • Octobre : soulèvement au Burkina Faso contre la réforme constitutionnelle et le cinquième mandat de Blaise Compaoré.
  • 2015 : Avril : émeutes à Baltimore après la mort de Freddie Gray, tué par la police.
  • 2016 : Mai : affrontements lors de la mobilisation contre la loi Travail en France. Nuit debout.
  • Émeutes contre la pénurie au Venezuela.
  • 2017 : Janvier : 69 émeutes au Mexique en raison du prix du carburant.
  • Avril à juin : 109 pillages et émeutes au Venezuela contre la pénurie et le régime.
  • 2018 : Janvier : 26 émeutes en Tunisie liées à la vie chère.
  • Janvier : 32 pillages et émeutes au Venezuela contre la pénurie.
  • Avril-mai : résistance de la ZAD de Notre-Dame-des-Landes
  • Mai-septembre : violente mobilisation contre Ortega au Nicaragua.
  • Juillet : violentes manifestations contre la corruption en Irak.
  • Novembre-décembre : soulèvement des Gilets Jaunes et mobilisation lycéenne.
Affrontements lors de mobilisations sociales, urbaines et écologiques
2014
2015
2016
2017
2018
Afrique
85
63
88
128
187
Amérique
131
140
187
200
161
Asie
56
52
35
51
49
Europe
88
31
140
36
174
Total
360
286
450
415
571
Estas vagas sucessivas de revolta não têm escatologia revolucionária nem vontade anarquizante de destruição das instituições. São rebeliões contra a corrupção e a incompetência. A corrupção não tem cor política e alimenta a desesperança global.

A crise profunda da governabilidade combina-se com a perda da visão de um futuro comum. A ameaça da guerra de todos contra todos já se manifesta na crise dos migrantes no Mediterrâneo. O medo das minorias como germes de destruição de uma identidade nacional. Germes de uma desagregação bélica da humanidade num momento em que mais necessitava de unidade. Como dia Harald Welzer, "É necessário um renascimento do pensamentos político enquanto crítica de todo o limite das condições de sobrevivência do outro."

O que faz a Humanidade é a consciência de si mesma e a sua consciência do tempo, da capacidade de sonhar, de esperar, de inventar e de se inventar. O consentimentos dos pobres alimenta-se de uma esperança ou de um medo. A mobilização política tanto capta os sonhos como as cóleras. Ora, os poderes não estão em condições de desenhar um futuro. Os chilenos gritam, "eles roubaram-nos tudo, até o medo." Se hoje-em-dia governar cada vez mais se assemelha à guerra é porque a abolição de um futuro está a tornar os povos ingovernáveis.











O desafio hoje não é o de salvar a democracia representativa mas o de reunir o povo na procura de um futuro comum, uma ética comum.

Ao contrário do que dizem os colapsólogos, o afundamento tanto anunciado não será um afundamento técnico-económico que, de um dia para o outro, porá fim à nossa civilização e, consequentemente, à política. O afundamento anunciado já começou. É no terreno político que ele se manifesta numa escala planetária e as rebeliões não são a causa desse afundamento. Elas são o seu sintoma e podem ser o seu antídoto salutar.

Alain Bertho in le-ffondrement-a-commence-il-est-politique/?
(tradução -sintetizada- minha)