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January 30, 2025

Comprimidos mágicos

 


O problema de termos montes de medicamentos complicados para doenças complicadas é não termos nada para as outras coisas, quando precisamos. Um dos meus desejos de magia é o de um comprimido mágico com o meu nome que trate de tudo ao mesmo tempo. Daqui a bocadinho já acordo.

January 02, 2025

"Pensar é dizer não" (Alain)

 


Está a passar na TV um dos meus filmes preferidos de sempre, A Hidden Life. A simplicidade com que desvenda verdades profundas sobre a alma humana, as suas misérias e píncaros, com uma linguagem bela como um poema. Tudo no filme é belo, até o horrível, porque vemos nele a verdade. Está aqui tudo o que precisamos saber sobre nós mesmos, sobre a natureza e a vida.


December 28, 2024

A tortura de uma vida não filosófica

 


A diferença entre uma vida filosófica e uma vida ensaística é que a primeira visa o conhecimento, enquanto a segunda visa a novidade.


A tortura de uma vida não filosófica

A mente merece uma tarefa digna dos seus poderes

Agnes Callard

Mesmo que não tenha lido a obra-prima modernista inacabada de Robert Musil, O Homem Sem Qualidades, provavelmente concorda que tem um ótimo título. Se o leu, tenho a certeza de que concorda, porque o romance volta obsessivamente ao tema de como a sua personagem principal, Ulrich, não consegue fazer a sua acção ou, mais fundamentalmente, a sua personalidade, ser consistente. Mas eu arranjei um título ainda melhor. Penso que Musil deveria ter chamado ao seu romance O homem sem filosofia.

Ao propor este melhoramento, reconheço que, ao longo do romance, Ulrich adopta explicitamente uma filosofia de vida; além disso, até cria o seu próprio nome para essa filosofia, “ensaísmo”. O ensaísmo é um modo de vida cuja expressão caraterística é uma extensão de reflexão inovadora e perspicaz, “explorando uma coisa de muitos lados sem a englobar”. 

O ensaísta vive uma vida de observações ponderadas. Ulrich vive essa vida, tal como Musil, que está muito mais interessado em encher o seu romance de observações reflectidas do que em qualquer dos habituais artifícios de enredo ou desenvolvimento de personagens. Ulrich não quer ser “uma pessoa definida num mundo definido” e, em vez disso, aproveita a capacidade infinita de reavaliação da sua mente para imitar a infinita mutabilidade de “uma gota de água dentro de uma nuvem”. Ulrich descreve a sua relação com as ideias: “elas sempre me provocaram para as derrubar e colocar outras no seu lugar”.

Para Ulrich, tal como para Musil, “só havia uma questão em que valia a pena pensar, a questão da forma correcta de viver”. Não é isso, na sua essência, um projeto filosófico? Sim. Mas há boas razões para insistir que Ulrich é um homem sem filosofia, nomeadamente o facto de tanto Musil como Ulrich insistirem nela, uma e outra vez. 

Ulrich reconhece que, na sua situação difícil, “só podia ter-se voltado para a filosofia”, mas o problema é que a filosofia “não o atraía”. E repete: “Não era filósofo”. Tinha uma “visão algo irónica da filosofia”, porque, décadas antes do início do romance, já tinha perdido a esperança de encontrar a forma correcta de viver: “não se pode esperar que os nossos pensamentos se mantenham em sentido indefinidamente, tal como não se pode esperar que os soldados se mantenham em parada no Verão; se se mantiverem demasiado tempo em sentido, cairão desmaiados”.

Pensar muito faz sentido se quisermos respostas; faz menos sentido se a maior recompensa que esperamos dos nossos esforços intelectuais é a surpresa. A diferença entre uma vida filosófica e uma vida ensaística é que a primeira visa o conhecimento, enquanto a segunda visa a novidade. A resposta positiva caraterística a um ensaio é: “Nunca tinha pensado nisso dessa forma”; o principal inimigo do ensaísta é o tédio. Ulrich “fazia sempre algo diferente daquilo que lhe interessava fazer” para garantir a sua imprevisibilidade, mesmo para si próprio. O ensaísta é uma criatura reactiva.

Na narrativa de Musil, a vida de um ensaísta é uma vida torturada, porque é a vida da qual a filosofia está, não só ausente, mas, muito mais especificamente, desaparecida. Quando se olha para Ulrich, tudo o que se vê, a princípio, é um intelectual que sorri das suas próprias reflexões inteligentes; mas acaba-se por perceber que ao lado deste homem alegre e auto-confiante caminha, como lhe chama Musil, “um segundo Ulrich que está “à procura de uma fórmula mágica, de uma pega possível para agarrar, da verdadeira mente da mente, da peça que falta”, mas fica mudo, incapaz de encontrar palavras para se exprimir. Musil diz que este homem “tinha os punhos cerrados de dor e raiva”. Ulrich, o filósofo, está preso dentro de Ulrich, o ensaísta.

O próprio Musil recusou um trabalho académico em filosofia, para desgosto da sua família, em favor de escrever um livro de observações ponderadas. O livro, e a personagem de Ulrich, mostram-nos o que é ser um pensador sem uma missão: perpetuamente ocioso, apesar de toda a sua atividade intelectual incessante e inquieta.

Ulrich é um mulherengo em série, cuja relação com as mulheres é análoga à sua relação com as ideias e, por conseguinte, nos dá uma ideia da mesma. No início do romance, descreve uma noite com uma das suas amantes recorrendo a duas imagens: a primeira é uma “página arrancada” de um livro. A noite, embora agradável, não está ligada a uma narrativa mais alargada. 
Ulrich não está à procura de uma mulher, nem de uma família; gosta apenas de estar com elas, até não o fazer - o que faz com que as suas noites românticas sejam apenas como uma série de férias, sem nada de consistente que as ligue. 

Quando se corta o amor humano, ou o pensamento humano, em pedaços, o efeito é semelhante ao de cortar um corpo humano em pedaços: horrível.

Musil combateu na Primeira Guerra Mundial; durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis proibiram os seus livros e ele viveu no exílio com a sua mulher judia na Suíça. Morreu em 1942, deixando inacabado O Homem Sem Qualidades, que tinha estado a rever obsessivamente durante décadas. Um facto notável sobre o romance é que Ulrich, o alter ego de Musil, não entra em nenhuma das guerras. 

O romance começa em agosto de 1913 e, em mais de mil páginas, nunca consegue atravessar os 11 meses que faltam para o início da Primeira Guerra Mundial. Musil conhecia algo das atrocidades da guerra moderna desumanizada e da brutalidade da opressão totalitária, mas não eram o seu objeto de estudo. Em vez disso, queria relatar, em primeira mão, o que tinha visto antes, quando os tempos eram supostamente bons, uma constatação tão perturbadora que nem mesmo duas guerras mundiais subsequentes o conseguiram distrair: “há qualquer coisa que falta em tudo”. Nos maus momentos, os objectivos a curto prazo enchem o nosso campo de visão; é precisamente quando os tempos são bons que estamos em posição de dar um passo atrás e perceber que o grande objetivo a longo prazo, aquele que é suposto manter tudo unido, é o que desapareceu.

Li O Homem sem Qualidades pela primeira vez quando estava a tirar o curso de Clássicos e, no espaço de um ano, abandonei esse curso e mudei para Filosofia. Porque é que, tendo em conta que devorava textos filosóficos desde o liceu, não me formei em filosofia na faculdade, ou não a segui depois? Na altura, acho que não o poderia ter dito desta forma, mas..: Tinha medo. O medo era, em parte, uma insegurança em relação a mim própria - que não estaria à altura, que não tinha nada para contribuir, que não era digna de percorrer os estimados corredores da filosofia - mas a outra parte, a mais profunda, era um medo em relação à filosofia. 

Tinha medo de que, se olhasse com atenção, descobrisse que não havia realmente respostas. Desde que nunca tentasse encontrar a forma correta de viver, não podia dizer definitivamente que não existia. Não estou a afirmar que Musil me tenha assegurado que existia. Não, o que O Homem Sem Qualidades me deu foi um vislumbre vívido e aterrador da vida de observações ponderadas; Musil foi o meu fantasma do futuro. 

Teria de, de alguma forma, encontrar em mim os recursos para acreditar que a investigação era possível, tanto para os seres humanos em geral, como para mim em particular, porque, por mais assustadora que fosse a perspetiva de fracasso, tinha acabado de ver algo mais assustador.

Podemos pensar que a mente tem um botão que normalmente está muito baixo, excepto nas ocasiões em que precisamos de resolver um problema específico, mas mesmo assim, só o aumentamos um pouco. O que aconteceria se a colocássemos no máximo, a toda a hora? Ela roeria tudo - através das nossas habituais auto-justificações, através do conceito de inevitabilidade que se liga aos nossos hábitos e costumes, através do fino andaime da razão que mantém a vida unida. 

Uma mente assim tornar-se-ia, como Ulrich uma vez se descreveu, “uma máquina para a desvalorização implacável da vida”. A única maneira de evitar este resultado é dar à mente uma tarefa digna dos seus poderes, apresentando-lhe o tipo de questões sobre as quais se pode, sem timidez, refletir. Mas isso implica alguma esperança de chegar a respostas. Esta é uma forma de pensar a filosofia: um espaço seguro para o funcionamento livre da mente.

December 17, 2024

Sinais de esperança: polícias poetas

 


Encontrei na poesia algo que me dá imenso prazer’


São cada vez mais os polícias que escrevem e que partilham com o mundo outras paixões além da de estar no terreno a proteger e «a assumir-se como guardiões da verdade e dos direitos», afirma Bruno Pereira, o subintendente e presidente do Sindicato Nacional de de Oficiais de Polícia (SNOP). 

Em julho deste ano, o Montepio da PSP de Lisboa abriu portas para o I Encontro de Polícias Escritores, um momento cultural que «reflete a importância de olhar para a classe de polícias como escritores e ativos culturais», segundo o presidente da direção do Montepio da PSP de Lisboa, Álvaro Marçal. A iniciativa – que prometeu voltar em novas edições –, foi um sucesso e contou com a participação do comissário Carlos Anes Fernandes com a obra Heróis Imperfeitos (que está a editar o seu terceiro romance); a agente principal Lucília Ribeiro com a Leveza das Palavras; o subintendente Bruno Pereira com o livro Fragmentos da Madrugada; o Dr. Manuel João com Filhos da Nação Rural (que já tem 23 obras publicadas) e, por fim, o chefe Miguel Rodrigues com o trabalho Os Polícias Não Choram.

Polícias, escritores e escultores

Álvaro Marçal conta ao Nascer do SOL que a ideia surgiu no âmbito de dinamizar a vertente cultural do Montepio da Polícia que tem 97 anos. «Temos um grande legado social e histórico. Por esta instituição passaram milhares de pessoas e, portanto, estas instituições estão sempre cheias de história. Mas depois é preciso ter noção de que o Montepio, estando situado dentro da própria Polícia de Segurança Pública, a própria Polícia – como as demais instituições –, tem os recursos humanos altamente qualificados. Pessoas que, além da sua profissão, investem na sua carreira pessoal, académica. Além de polícias são escritores, pintores, escultores, dando um contributo à sociedade importante e que, muitas vezes, é subestimado ou nem chega a ser conhecido», lamenta.
«Às vezes os nossos colegas, estão ao nosso lado, são pessoas com um enorme talento e capacidade e nós nem sabemos», frisa.

De acordo com o responsável, com estes encontros a instituição quer dar relevo, visibilidade e valor a essa dimensão humana dos polícias que além do exercício da sua função, deixam essas obras. «Claro que isso valoriza a própria instituição. O Montepio quis ir ao encontro desses colegas e dar dimensão aos seus trabalhos. Queremos estimular», acrescenta.

Para o II Encontro de Polícias Escritores, Álvaro Marçal adianta que já existem mais polícias interessados em participar. «Aliás, vamos ter também pintores e escultores», revela. «Claro que também acabamos por desmistificar aquela ideia da Polícia apenas virada para o investimento da sua ação. Aquele polícia musculado que só vê ação, rigor. É um mítico. O polícia não é apenas uma pessoa que está ali hirto. É uma pessoa como outra qualquer que tem as suas paixões. É também um sinal de transmissão para dentro. É bom termos conhecimento e estimularmos os nossos colegas», aponta.

Para Bruno Pereira, foi «uma iniciativa muito gira», principalmente para que «outros pudessem ver e sentir que têm exemplos a seguir». «Não nos devemos coibir ou hesitar em fazer as coisas que gostamos. Tenho conhecido várias pessoas que também escrevem. Há um camarada nosso que tem uma posição de bastante relevo na Polícia, que me disse há uns meses que gostava muito de escrever. Tanto o chateei que ele agora até criou um blogue», conta o subintendente. «Isso ajuda imenso a que outros possam fazê-lo. Mesmo que escrevam apenas para si próprios. É um exercício importante», frisa. Segundo o mesmo, a partilha neste convénio foi muito boa. «Havia áreas de escrita muito diferentes: poesia, prosa, romance policial e outro sobre algo mais técnico. Foi uma abordagem eclética muito interessante», garantiu.
«Eu acho que cada um de nós não é apenas uma coisa, não tem apenas uma versão. Não temos várias caras, mas podemos fazer várias coisas. Um polícia pode ser médico, agricultor, ator… Temos tantos exemplos na nossa sociedade civil de pessoas que singraram em vários campos ao mesmo tempo. Um polícia tem exatamente o mesmo direito de seguir os seus sonhos», acredita Bruno Pereira.

Brincar com as palavras

Já tinha escrito alguns textos soltos ao longo da vida, mas nunca tinha descoberto o gosto em escrever. «Encontrei na poesia algo que me dá imenso prazer», afirma. «Não deixa de ser curioso, porque partiu de uma emoção negativa».
Em 2021, estava em Espanha a dar formação à Frontex, quando apanhou covid. «Tive de ficar em quarentena num quarto de hotel durante 10 dias. No primeiro dia, estava a deambular no meu computador e encontrei um ficheiro em Word. Não me recordava o que era aquilo… Quando abri encontrei um poema que tinha escrito uns meses antes em inglês – acabou por ser o segundo poema do livro –, quando estava chateado com uma questão profissional. Entretanto disse para mim: ‘Vou estar aqui fechado durante 10 dias, vou ter imenso tempo para preencher, por isso vou desafiar-me e tentar escrever um poema por dia’». E escreveu. Depois disso, foi partilhando com algumas pessoas do seu círculo de amigos e família e «eles gostaram imenso». «Mais do que isso encontrei um amigo que precisava naquela altura. Desde então que nunca mais parei de escrever», garante.

Homem dos sete ofícios

Outra coisa que gosta muito de fazer é aceitar sugestões de temas das pessoas. «Ainda agora estive em Angola, naquela que foi a minha primeira experiência profissional em África, e enquanto lá estive senti a necessidade de escrever sobre o que estava a viver e a sentir».
Segundo o subintendente da PSP, os colegas reagiram bastante bem a esta sua vocação e este não tem problemas nenhuns em expor-se. «A democracia permite-nos isto. Como não sou um bandido, não tenho qualquer problema em sujeitar-me àquilo que pode ser o escrutínio popular e a opinião pública (risos). Ainda por cima associada a alguma notoriedade. Vivo bem com isso. Este ano comecei a olhar de uma forma diferente para a área da comunicação. Gosto muito de comunicar. Isso também me permitiu melhorar as minhas competências comunicacionais».

Bruno Pereira é o rosto da luta sindical das forças da autoridade. Além disso, é comentador regular do TVI – Em Cima da Hora, formador e aluno do curso de Direito. E claro que não é fácil gerir tudo. No entanto, é «desafiante» e o trabalho nunca o fez parar de escrever. Apesar de neste momento não ter os seus textos organizados e já lhes ter perdido a conta, deseja escrever um livro em prosa. «É preciso tempo, porque tem de se ser mais disciplinado. Enquanto um poema podemos escrever em 15 minutos, aqui é mais complexo. E com os poemas é curioso. Às vezes parece que já estão escritos na minha cabeça. Abro o computador e deixo-me ir. Parece que a coisa sai como se já estivesse qualificada na minha mente. A prosa obriga a um guião, orientadores, etc. Mas vou tentar. Não gosto de apenas sonhar. Acho que os sonhos não devem ficar apenas sonhos, temos de dar-lhes corpo», remata.


November 29, 2024

O passado encontra o presente

 

Vinte anos após a Segunda Grande Guerra, a Holanda ainda vive, em parte, os hábitos desse passado de dificuldades mas, simultaneamente, já vive a paternidade do presente.


Um pai holandês de bicicleta com os filhos, em 1966 - por Herzog


October 30, 2024

Temos tanto para aprender...

 


Um grupo de elefantes pára junto das ossadas da anterior matriarca que morreu com um raio e fazem um minuto de silêncio, digamos assim. Temos tanto para aprender e estamos presos em guerras porque há homens gananciosos, narcisistas e sedentos de poder e morte que condicionam o decursos do mundo. Eles e os seus rebanhos de servos que são multidão. 


August 30, 2024

Como ser verdadeiramente livre segundo Pepe Mujica

 


Como ser verdadeiramente livre: Lições de um presidente filósofo

Pepe Mujica, antigo presidente espartano do Uruguai e filósofo de expressão simples, oferece a sabedoria de uma vida rica enquanto luta contra o cancro.

Há uma década, o mundo teve um breve fascínio por José Mujica. Era o presidente popular do Uruguai que tinha evitado o palácio presidencial do seu país para viver numa pequena casa de telhado de lata com a mulher e o cão de três patas.

Em discursos a líderes mundiais, entrevistas a jornalistas estrangeiros e documentários na Netflix, Pepe Mujica, como é universalmente conhecido, partilhou inúmeras histórias de uma vida digna de um filme. Assaltou bancos como guerrilheiro urbano de esquerda; sobreviveu 15 anos como prisioneiro, inclusive fazendo amizade com um sapo enquanto era mantido num buraco no chão; e ajudou a liderar a transformação da sua pequena nação sul-americana numa das democracias mais saudáveis e socialmente liberais do mundo.

Mas o legado do Sr. Mujica será mais do que a sua história colorida e o seu empenhamento na austeridade. Tornou-se uma das figuras mais influentes e importantes da América Latina, em grande parte devido à sua filosofia de expressão simples sobre o caminho para uma sociedade melhor e uma vida mais feliz.

(...)

(Sem ser solicitado.)

Penso que a humanidade, tal como está a evoluir, está condenada.

Porque é que diz isso?

Perdemos muito tempo inutilmente. Podemos viver de forma mais pacífica. Veja-se o caso do Uruguai. O Uruguai tem 3,5 milhões de habitantes. Importa 27 milhões de pares de sapatos. Fazemos lixo e trabalhamos com dor. Para quê?

És livre quando escapas à lei da necessidade - quando gastas o tempo da tua vida naquilo que desejas. Se as tuas necessidades se multiplicam, gastas a tua vida a cobrir essas necessidades.

O ser humano pode criar necessidades infinitas. O mercado domina-nos e rouba-nos a vida.

A humanidade precisa de trabalhar menos, de ter mais tempo livre e de estar mais assente na terra. Porquê tanto lixo? Porque é que temos de mudar de carro? Mudar o frigorífico?

Só há uma vida e ela acaba. Há que lhe dar um sentido. Lutar pela felicidade, não apenas pela riqueza.

Acredita que a humanidade pode mudar?


Pode mudar. Mas o mercado é muito forte. Gerou uma cultura subliminar que domina o nosso instinto. É subjetivo. É inconsciente. Tornou-nos compradores vorazes. Vivemos para comprar. Trabalhamos para comprar. E vivemos para pagar. O crédito é uma religião. Por isso, estamos um bocado lixados.

Parece que não tem muita esperança.

Biologicamente, tenho esperança, porque acredito no homem. Mas quando penso nisso, sou pessimista.

No entanto, os seus discursos têm muitas vezes uma mensagem positiva.

Porque a vida é bela. Com todos os seus altos e baixos, eu amo a vida. E estou a perdê-la porque chegou a minha hora de partir. Que sentido podemos dar à vida? O homem, comparado com os outros animais, tem a capacidade de encontrar um objetivo.

Ou não. Se não o encontrar, o mercado fá-lo-á pagar contas para o resto da sua vida.

Se o encontrares, terás algo pelo que viver. Os que investigam, os que tocam música, os que gostam de desporto, qualquer coisa. Algo que preencha a vossa vida.

Porque é que escolheu viver na sua própria casa como Presidente?

Os vestígios culturais do feudalismo permanecem. O tapete vermelho. A corneta. Os presidentes gostam de ser elogiados.

Uma vez fui à Alemanha e puseram-me num Mercedes-Benz. A porta pesava cerca de 3.000 quilos. Puseram 40 motas à frente e outras 40 atrás. Fiquei envergonhado.

Temos uma casa para o Presidente. Tem quatro andares. Para tomar chá é preciso andar três quarteirões. É inútil. Deviam fazer dela uma escola secundária.

Como é que gostaria de ser recordado?

Ah, como aquilo que sou: um velho louco.

É só isso? Fez muito.

Eu tenho uma coisa. A magia da palavra.

O livro é a maior invenção do homem. É uma pena que as pessoas leiam tão pouco. Não têm tempo.

Hoje em dia, as pessoas lêem muito no telemóvel.

Há quatro anos, deitei o meu fora. Dava comigo em doido. Todo o dia a dizer disparates.

Temos de aprender a falar com a pessoa que está dentro de nós. Foi ela que me salvou a vida. Como estive sozinho durante muitos anos, isso ficou-me na memória.

Quando estou no campo a trabalhar com o trator, às vezes paro para ver como um passarinho constrói o seu ninho. Ele nasceu com o programa. Já é um arquiteto. Ninguém o ensinou. Conheces o pássaro hornero? São perfeitos pedreiros.

Eu admiro a natureza. Quase tenho uma espécie de panteísmo. É preciso ter olhos para a ver.

As formigas são um dos verdadeiros comunistas que andam por aí. São muito mais velhas do que nós e sobreviver-nos-hão. Todos os seres das colónias são muito fortes.

Voltando aos telemóveis: Está a dizer que eles são demais para nós?

A culpa não é do telemóvel. Nós é que não estamos preparados. Fazemos uma utilização desastrosa do telemóvel.

As crianças andam por aí com uma universidade no bolso. Isso é ótimo. No entanto, avançámos mais em tecnologia do que em valores.

No entanto, é no mundo digital que se vive atualmente grande parte da vida.

Nada substitui isto. (gesticula para nós os dois a falar). Isto é intransmissível. Não estamos a falar apenas com palavras. Comunicamos com gestos, com a nossa pele. A comunicação direta é insubstituível.

Não somos tão robóticos. Aprendemos a pensar, mas antes somos seres emocionais. Acreditamos que decidimos com a cabeça. Muitas vezes a cabeça encontra os argumentos para justificar as decisões tomadas pelo instinto. Não somos tão conscientes quanto parecemos.

E isso é ótimo. Esse mecanismo é o que nos mantém vivos. É como a vaca que segue o que é verde. Se há verde, há comida. Vai ser difícil deixar de ser quem somos.

Já disse no passado que não acredita em Deus. Qual é a sua visão de Deus neste momento da sua vida?

Sessenta por cento da humanidade acredita em alguma coisa, e isso deve ser respeitado. Há perguntas sem resposta. Qual é o sentido da vida? De onde viemos? Para onde é que vamos?

Não aceitamos facilmente o facto de sermos uma formiga no infinito do universo. Precisamos da esperança de Deus porque gostaríamos de viver.

Tem algum tipo de Deus?

Não. Respeito muito as pessoas que acreditam. É como uma consolação perante a ideia da morte.

Porque a contradição da vida é que ela é um programa biológico concebido para lutar para viver. Mas a partir do momento em que o programa começa, estamos condenados a morrer.

Parece que a biologia é uma parte importante da vossa visão do mundo.

Somos interdependentes. Não poderíamos viver sem os procariontes que temos no nosso intestino. Dependemos de uma série de insectos que nem sequer vemos. A vida é uma cadeia e ainda está cheia de mistérios.

Espero que a vida humana seja prolongada, mas estou preocupado. Há muitos loucos com armas atómicas. Muito fanatismo. Devíamos estar a construir moinhos de vento. Mas gastamos em armas.

Que animal complicado é o homem. É ao mesmo tempo inteligente e estúpido.

Jack Nicas in nytimes.com

November 29, 2023

Aqui, vinte e cinco anos depois




Aqui, vinte e cinco anos depois, retomo os episódios da minha vida em África e uma figura, erecta, sincera e muito agradável de se ver, ergue-se como porteiro para todos eles: o meu criado somali, Farah Aden. Se algum leitor objectar que poderia ter escolhido uma personagem de maior importância, responder-lhe-ia que isso não seria possível.

Farah veio ao meu encontro em Aden em 1913, antes da Primeira Guerra Mundial. Durante quase dezoito anos, ele geriu a minha casa, os meus estábulos e os safaris. Falei com ele sobre as minhas preocupações e sobre os meus sucessos, e ele sabia de tudo o que eu fazia ou pensava. Farah, quando tive que abandonar a fazenda e deixar a África, despediu-se de mim em Mombasa. Enquanto observava a sua figura escura e imóvel no cais ficar cada vez menor e, finalmente, desaparecer, senti como se estivesse perdendo uma parte de mim mesma, como se estivesse partindo a minha mão direita e nunca mais pudesse cavalgar um cavalo ou disparar uma espingarda, nem escrever de outra forma que não fosse com a minha mão esquerda. Desde então, nunca mais cavalguei ou disparei.

Para formar e constituir uma Unidade, em particular uma Unidade criativa, os componentes individuais precisam ser de natureza diferente, devem até ser, de certa forma, contrastantes. Duas unidades homogéneas nunca serão capazes de formar um todo, ou o seu todo, no máximo, permanecerá estéril. Homem e mulher tornam-se um, uma Unidade fisica e espiritualmente criativa, pela sua dissimilaridade. Um gancho e um olhal são uma Unidade, um fecho; mas com dois ganchos você não pode fazer nada. Uma luva de mão direita com a sua contraparte a luva de mão esquerda constitui um todo, um par de luvas; mas duas luvas de mão direita são descartadas. Um número de objetos perfeitamente semelhantes não constitui um todo, um par de cigarros pode muito bem ser três ou nove. Um quarteto é uma Unidade porque é composto por instrumentos diferentes. Uma orquestra é uma Unidade, e pode ser perfeita como tal, mas vinte contrabaixos tocando a mesma melodia são Caos.

Uma comunidade de apenas um sexo seria um mundo cego. Quando em 1940 estive em Berlim, contratada por três jornais escandinavos para escrever sobre a Alemanha nazi, a mulher - e todo o mundo feminino - estava tão enfaticamente subjugada que eu poderia de facto ter estado a andar numa comunidade de um só sexo. Senti um alívio então, ao ver os jovens soldados marchando para o oeste, para a fronteira, pois numa luta os adversários tornam-se um e os dois duelistas formam uma Unidade.

A introdução na minha vida de outra raça, essencialmente diferente da minha, em África, tornou-se para mim uma expansão misteriosa do meu mundo. A minha voz e a minha canção na vida, tiveram lá uma segunda parte, e tornaram-se mais plenas e ricas no dueto.


  Shadows on the Grass, by Isak Dinesen (pseudónimo de Karen Blixen)



October 24, 2023

Breve é toda a vida

 

"A morte chega cedo, pois breve é toda a vida" 

(Fernando Pessoa)

October 18, 2023

#MantraDeTodosOsDias

 


Nunca ser um elo da cadeia que farpa os outros. E o silêncio é conivência.




September 09, 2023

A sabedoria não vem só dos livros

 

Agora fui à florista comprar umas flores para alegrar a mesa e o espírito (as escolas, é preciso dizê-lo, estão cheias de Costas, Galambas e Cabritas - é a herança da Lurdes Rodrigues - e mesmo quando não precisam, saem da sua faixa de rodagem para atropelar, espezinhar, de preferência em frente de toda a gente...). A florista, que conheço há muito anos, estava quase sem flores e quando estranhei, disse-me, "É a mudança da estação, quando há a queda." Depois acrescentou, "trabalho neste ramo há 30 anos e nesta altura, fim de Setembro e Outubro, é quando há mais funerais. É quando encomendo mais flores e quando desaparecem todas, a fazer coroas." - Nesta altura? Mais do que em Janeiro na altura das gripes? "Sim, é a mudança da estação com a queda da folha. Vão-se as folhas e as pessoas também. Mais do que agora só no Verão, por causa dos acidentes."



August 08, 2023

Já pode ir ao Uffizi sem sair de casa

 


É aqui: /www.visituffizi.org. O Uffizi tem agora a possibilidade de visita virtual online 🙂


Caravaggio

(que premonizou a reacção dos portugueses quando abrem os jornais e lêem as notícias sobre o governo Costa)

July 26, 2023

Uma rúbrica de podcast chamada, "Geração 70"




Muito interessante porque conhecemos as pessoas como figuras públicas mas não sabemos dos seus contextos e da sua história e esta é uma maneira de conhecer outras dimensões dessas pessoas.

Ficam aqui os 3 primeiros da lista -os mais recentes- mas quem quiser ouvir os outros, este é o endereço: expresso.pt/podcasts/geracao-70/ 








July 23, 2023

Este artigo é -em primeiro lugar- para os homens

 


Give pee a chance: Why German men urinate sitting down

(está tudo muito bem mas ouvir a voz da Angela Merkel sair da retrete a dar instruções é um bocado sinistro...)

April 12, 2023

A Bela Vida

 


(às vezes vai ao fundo) 

Ementa do dia 12 de Abril de 1912 no Titanic.



via Lucy Kennedy

April 10, 2023

L'ennui

 

Acordei cedo e vi um um filme enquanto tomava o pequeno-almoço. O filme é da Sofia Coppola e chama-se, “Some­where”. Começa com uma imagem de um Ferrari preto a entrar numa estrada movimentada de Los Angeles e acaba com o mesmo Ferrari a sair em direcção ao deserto, onde a personagem principal do filme, Johnny Marco, a certa altura pára o carro, sai e vai-se embora a pé. No meio destas duas cenas acompanhamos um pedaço da sua vida completamente vazia de actor famoso de Hollywood, onde o Ferrari representa o absurdo de ter um carro que anda velozmente para... lado nenhum.

Neste filme, Johnny Marco é um actor famoso que está hospedado no Chateau Marmont, um hotel para estrelas de Hollywood descansarem. Está com um braço engessado. A vida dele é completamente vazia e ele faz tudo mecanicamente, sem encontrar prazer em nada. Ele é uma pessoa sem recursos internos. Quando a publicista lhe liga e manda ir aqui ou ali dar uma entrevista ele vai e faz o que ela manda. A vida dele é esperar que a agente lhe diga que filme fazer, que a publicista lhe diga que entrevista dar e o que dizer, que lhe liguem a dizer que precisa de regravar uma cena para a qual fica quietinho, durante horas, enquanto o caracterizam, etc. De resto, fora ter um encontro com algum colega de trabalho aqui ou ali ou aparecer numa festa onde tudo é superficial e cheio de álcool, passa o tempo sozinho, apesar de ter sempre muitas mulheres a tentarem falar com ele, mas que não o vêem a ele, só vêem o actor famoso e o suposto glamour que o rodeia. De maneira que ocupa o tempo a beber, a tomar drogas ou com prostitutas, streepers que contrata para irem ao hotel fazer performances particulares. O sexo é como a vida dele: mecânico, vazio e sem significado e as pessoas com quem mais fala são os empregados do hotel. O mais que ele faz é fumar e olhar para as paredes.

É divorciado e a filha adolescente de 11 ou 12 anos anos vai passar uns tempos com ele. Durante esse período anima-se e cria uma relação positiva com ela, mas que vemos ser temporária, porque ela vive com a mãe. Ela acompanha-o a Milão para receber um prémio e dar entrevistas e observa a vida desligada dele. Compreendemos que a própria Sofia deve ter observado muitos actores em hotéis a viver estas vidas de glamour, vazias e extremamente infelizes, como a de Johnny Marco.

A certa altura Johnny Marco vai pôr a filha num campo de férias e volta àquela vida de profundo vazio. Liga à ex-mulher e chora, desabafa, diz-lhe que não é ninguém e que a vida dele é nada. Pede-lhe que vá ter com ele. Percebemos que lhe falta uma relação humana profunda e significativa com alguém, que vislumbrou essa realidade naquele período em que esteve com a filha e que depois disso o vazio é ainda pior. Não sabemos o que se passou entre eles antes do divórcio, mas ela diz que não pode ir ter com ele. Então, ele sai do hotel, diz ao empregado que não vai voltar, acelera o Ferrari em direcção ao deserto -que é a vida dele- onde abandona o carro na berma, com a chave lá dentro e, percebemos, abandona aquela vida vazia.

Gosto muito dos filmes da Sofia Coppola e sobretudo dos intimistas, como este, que são uma espécie de trabalho de relojoeiro onde todo o interior das personagens fica à vista, provavelmente por ele mesmo ter vivido uma vida de hotéis de famosos quando era nova e acompanhava o pai nas filmagens e ter passado horas infindas a observar os bastidores do universo cinematográfico. 

Ter uma vida de sucesso ocupada com muitas tarefas e ter uma vida com sentido são duas coisas diferentes e a primeira sem a segunda leva àquilo que os franceses chamam, l'ennui.

April 08, 2023

Coisas universais/supratemporais - Saída da última aula antes das férias



Escola Comandante Correia da Silva no tempo que era Lourenço Marques (não sei quem é o autor da fotografia - encontrei-a no FB)

March 05, 2023

Passion

 


Lady and Her Horse on a Snowy Day by Félix Thiollier - 1899