Pode ser vista na totalidade seguindo este link: https://www.rtp.pt/play/p13650/a-entrevista-lucilia-gago
A PGR começa por falar na intenção de ser útil ao MP para resolver os seus problemas. Portanto, reconhece que há problemas a ser resolvidos, ao contrário do que li, i.e., que ela é arrogante e não reconhece nenhum problema no MP.
De seguida reconhece que não avaliou bem a maneira como foi vista -como arrogante- por não dar entrevistas, apesar de ter dotado de mais meios o gabinete de imprensa.
Relativamente ao famoso parágrafo, o que diz é que entendeu que devia dizer o que estava a acontecer, para que não se pensasse -quando se soubesse- que o MP tentou proteger o PM - que aos olhos da Lei, é uma pessoa como outra qualquer, não tem um estatuto privilegiado. De resto, o MP não tem que deixar de fazer o seu trabalho por cálculos sobre as consequências políticas da sua actuação - desde que a actuação seja correcta e legal.
Penso que tem razão, pois em Portugal há uma deferência excessiva da Justiça para com os políticos e homens do poder que chega a raiar a inimputabilidade, com as consequências que sabemos: ou roubos da banca, o caso Salgado, o caso Sócrates e muitos outros que quando chegam à Justiça já desfalcaram o país em milhares de milhões de euros e prejudicaram dezenas ou milhares de pessoas.
O entrevistador confunde factos já apurados com investigação. Pergunta-lhe se o inquérito devia ter sido aberto, uma vez que ainda não havia factos, só interpretações. Ora, o apuramento de factos (que estão sempre sujeitos a interpretações) tem necessariamente uma investigação prévia. Por exemplo, se alguém é apanhado a referir-se a outro como tendo facilitado um crime, o facto do outro ter (ou não) facilitado um crime, ainda não é certo e apurado, apenas suspeitado. Daí que se abra um inquérito e é no inquérito que se apuram (ou não) os factos.
De resto, a frase bombástica de ter havido um golpe de Estado só se percebe pela bolha em que o PS e outros do género viviam e ainda vivem. Depois de 14 ministros e SE terem-se demitido ou terem sido afastados por questões de Justiça, alguns com casos de mortes, ainda assim o PS acha estranho que alguém pudesse suspeitar de ilícitos entre os membros do governo. Estou em crer que se acham todos "pessoas de bem acima de qualquer suspeita".
Se olharem para os EUA, por exemplo, um dos candidatos a Presidente está condenado na Justiça, o seu assessor está na cadeia, o actual Presidente viu processos contra o seu filho serem levados a tribunal e viu-se ele próprio acusado. A Presidente da Comissão Europeia está sob inquérito por causa de sms que terá enviado e recebido no tempo da pandemia com laboratórios de vacinas... nenhum deles acusou a Justiça de golpe de Estado ou amuou e foi-se embora. António Costa foi-se embora quando se tornou público que o seu assessor era um Escobar e que o seu gabinete oficial era um esconderijo de dinheiro de bandidagens... em que lugar do planeta dezenas de milhar de notas vivas escondidas em caixas de vinho nos gabinetes do PM não é algo suspeito...?
Há uma resposta da PGR que me parece falhar. Quando lhe perguntam se é responsável pelas investigações do MP ela diz que não o é completamente porque não conhece todos os processos em minúcia. Não me parece que esse argumento seja válido. Ela é a responsável pelo MP e, portanto, pelos inquéritos e pela sua actuação. Pode não conhecê-los todos em minúcia, mas é ela que define critérios de actuação e os modos de avaliar as situações que levam a inquéritos, etc. Se o argumento dela fosse válido, então os políticos que usam esse argumento para se desresponsabilizarem do que se passa nos seus ministérios também seriam válidos e nenhum líder era responsável por coisa alguma que não fosse feita directamente por si.
A pergunta acerca do MP dever um pedido de desculpas a António Costa se o inquérito der em nada, mostra mais uma vez a exigência de deferência subserviente da Justiça por parte de suas excelências intocáveis. Como se o MP pedisse desculpa a alguém por um inquérito sobre uma suspeita, afinal não ter dado em factos apurados.
Vejamos: por vezes pode ter havido erro, outras vezes não foi erro, foi uma interpretação válida mas que não era correcta. Por exemplo, o Presidente da República interpretou o facto da PGR ter falado com ele no mesmo dia em que o inquérito sobre o caso das gémeas foi tornado público, como uma acção intencional e maquiavélica o que, sabe-se agora, foi apenas uma coincidência. O Presidente cometeu um erro e devia ter falado com a PGR sobre isso antes de dizer publicamente que ela é maquiavélica. Outra coisa diferente seria ele ter desconfiado de intencionalidade, mas ter inquirido para saber se era esse o facto. Nesse caso, a sua inquirição não seria um erro, apenas uma interpretação -válida- não correcta e não há razão para pedido de desculpas.
O entrevistador pergunta-lhe à exaustão se não foi tudo um erro e quer que ela diga que o MP cometeu um erro grosseiro e que tudo foi uma perseguição ao PM.
Erro foi o caso das três pessoas no caso da Madeira terem ficados presas 22 dias e a PGR di-lo claramente e diz que o lamenta, porque não considera correcto que cidadãos fiquem nessa situação tanto tempo. Porém, as coisas não são simples, porque há greves dos oficiais de justiça a decorrer que interferem no bom andamento dos processos. Portanto, por vezes o que se atribui a mau funcionamento tem que ver com falta de condições e falta de funcionários na Justiça.
Os juízes terem leituras distintas dos mesmos eventos (que é uma pergunta do entrevistador), a mim parece-me normal, até certo ponto. Quer dizer que, interpretações muito díspares, onde uns entendem que há muita matéria para investigar e outros que não há ali nada de nada, não é normal, a não quer que uns juízes sigam uns princípios legais completamente opostos aos dos outros. Se o juiz segue os mesmos princípios e critérios da Lei para julgar os casos, há certamente uma margem para interpretar, dado que as pessoas são diferentes, mas a interpretação não pode ser totalmente extrema e oposta. Seria como dois professores usarem os mesmos critérios para classificar uma prova e um deles atribuir 20 valores e o outro 1. Isso já não me parece normal ou aceitável.
Quanto às palavras da ministra da Justiça, a filha de seu pai, também me parece óbvio que não lhe fica bem escavar o descrédito da Justiça por razões políticas - ou safar amigos do papá, digo eu.
Em suma, a entrevista dela não me parece nada arrogante. Pelo contrário, é uma pessoa com critérios racionais e fundamentos para a sua actuação que esclarece cabalmente. Respondeu com segurança e muita clareza às perguntas do entrevistador, que não foi meigo, antes pelo contrário, esteve sempre a tentar que ela se confundisse ou atrapalhasse e sempre a pressioná-la para tentar criar a ideia de que Costa e Galamba são uns coitados, vítimas da PGR. Pergunta-lhe porque não se demitiu...
Tenho pena que a PGR não tenha entendido, mais cedo, a importância de falar publicamente, em certas situações, para tirar a pressão dos políticos de cima do MP. Parece-me que teria sido importante para a opinião pública perceber a justeza do trabalho do MP, apesar dos seus constrangimentos, problemas e erros, como caso dos que estiveram presos três semanas de uma maneira abusiva..
De resto, percebo que no nosso universo político machista a considerem arrogante: ela não pede desculpa por ser uma pessoa que pensa, por ter critérios coerentes de actuação, por ser independente do poder político e por dizer o que pensa, sem subserviência. Onde já se viu uma mulher ser assim? Ofender Costas, Escárias e Galambas e não se demitir logo a bater no peito com gritos de mea culpa, mea maxima culpa?