February 08, 2020

Acerca da intervenção política VI - precisamos de uma ínclita geração




3. O terceiro caminho é um caminho de influência/resistência baseado na lei mas fora do sistema partidário político, uma vez que as oposições partidárias já são peças do jogo.Se queremos fortalecer a democracia ou, pelo menos, impedir a sua decadência, temos de intervir na raíz que enfraqueceu e fortalecê-la: ora, as Leis são a raíz da democracia.

Não quero dizer com isso que deve-se desistir do sistema partidário ou até de constituir um partido que rejuvenesça o sistema; o que quero dizer é que neste momento isso não é possível porque o sistema foi sendo fechado a forças novas que preconizem uma maior participação da população nas decisões.

Hoje em dia está na moda um modelo de chefia autoritária que assenta em nenhum pressuposto válido de gestão mas apenas na recuperação da ideia de hierarquias fortes. Se isso já é problemático num empresa no Estado é calamitoso. O facto de elegermos um partido para chefiar os assuntos do país não implica, de modo nenhum, que lhe demos um cheque em branco ou que aceitemos que os governantes sejam nossos tutores. Não precisamos, nem queremos, tutores, somos emancipados.

É por isso que me parece mais urgente, neste momento, construir uma cultura de resistência e, ao mesmo tempo, influência.

Então, é necessária uma dupla acção:

1. de influência na preservação do Estado de Direito e melhoramento de Leis. Impedir activamente que a produção de Leis seja feita por grupos privados com fitos que servem interesses particulares; isto implica constante vigilância da produção de Leis: quem está a fazer o quê e com que fim.

2. de resistência, na exigência do cumprimento das Leis. Enquanto formos um Estado de Direito, a força da Lei estende-se ao poder executivo e podemos, devemos, obrigá-lo a cumprir a Lei.

O meu pressuposto é: Sendo este problema, o de travar a decadência das democracias, um problema muito difícil de resolver, isso não significa que tenhamos que ficar à espera de grandes soluções revolucionárias ou, pior, fazer nada e esperar por um milagre.
Muita coisa pode ser reformada, muito passo pode ser dado e cada passo abre caminho.

Precisamos de uma ínclita geração constituída por grupos de pessoas/instituições que se organizem e tomem iniciativas, seja de denunciar o que está mal, seja de sugerir o que pode fazer-se para melhorar.

Algumas coisas já são feitas. Há cidadãos que constituíram um grupo que defende a melhoria da democracia e têm tentado mudar a legislação da eleição dos deputados ao Parlamento; há ainda jornais que resistem às pressões e publicam notícias sobre tentativas de abuso, de corrupção, etc. Alguns jornais publicam fascículos de esclarecimento de legislação na área da economia, das finanças, outras dos direitos dos consumidores, por exemplo. Há iniciativas de denuncia, na Justiça, de abusos de políticos, há procuradores do MP que fazem o seu trabalho.

Há muitas ideias que podem ir buscar-se a outros países: na eleição dos deputados, à Alemanha, por exemplo, na representação à Inglaterra; na participação dos cidadãos, à Suíça que tem um nível muito elevado de auscultação à população. Hoje em dia é fácil fazer votações online. 

Devia usar-se mais o referendo e não apenas para questões como o aborto, porque os partidos, por terem sido eleitos, não nos representam em tudo. Por exemplo, a questão da eleição de deputados nominais, devia ser objecto de referendo. E ao argumento de que as pessoas não percebem o suficiente dos assuntos para se pronunciarem, respondemos, promovam discussão pública que é assim que as democracias amadurecem, porque para amadurecer é preciso crescer e não morrer jovem.
Por exemplo, os conselheiros de Estado deviam ser outro tipo de pessoas independentes dos partidos políticos. Aquilo é um orgão de fachada.

Precisamos de juristas e advogados capazes de elaborar propostas legislativas de melhoramento do sistema e de denunciar o que está a ser mal feito (como está a acontecer agora na questão das ordens ao MP). Precisamos de começar a usar a Justiça para obrigar os governantes a agir dentro da Lei. Quando se levam os casos à justiça, muito frequentemente o Estado é condenado e obrigado a cumprir os deveres. É urgente começar a responsabilizar os políticos. É necessário que se pressione por uma justiça que seja acessível a todos e não apenas a quem tem dinheiro ou é indigente.

Para isto precisamos de uma ínclita geração: um grupo de pessoas com boa vontade, com recursos técnicos e outros, e conhecimentos, que se organize num ou vários grupos com finalidade de contribuir para o melhoramento da democracia através do melhoramento das Leis e das práticas. Muita gente haveria de contribuir, apenas não sabe como porque falta iniciativa de liderança independente dos partidos.

Cada um tem que fazer a sua parte: se pode denunciar, denuncia; se pode resistir, resiste; se pode influenciar, influencia; se pode organizar, organiza; se pode mudar, muda. O país é de nós todos.

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