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January 23, 2023

Onde está a oposição?




Como é que num quadro de total desnorte de governação e multiplicação de casos de prevaricação com dinheiros públicos o maior partido da oposição não consegue capitalizar votos? E os outros partidos, também, com excepção do Chega. Que vento de mediocridade varreu a política portuguesa? 


Maioria absoluta do PS esfumou-se, PSD também perde, Chega ganha força


22 de Janeiro

Um ano depois das legislativas, o Bloco Central apresenta sinais de desgaste, a Direita deixa a Esquerda a sete pontos de distância, e os liberais multiplicam-se por dois.

Um ano depois das últimas legislativas, o PS de António Costa voltaria a vencer umas eleições, mas longe da maioria absoluta (27,1%). Não conseguiria sequer liderar uma maioria parlamentar à Esquerda, porque ela desaparece. De acordo com a sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF, o PSD de Luís Montenegro não consegue afirmar-se como alternativa (25,1%). A Direita teria primazia, mas à custa do crescimento de Chega (12,9%) e Iniciativa Liberal (9,5%). O BE também recupera, mas pouco (6,6%), enquanto a CDU parece estagnada (4,8%). Livre (3,4%) e PAN (3,1%) deixariam de ser partidos de deputado único. E o CDS ficaria fora do Parlamento.

August 28, 2022

Os países não podem ser governados como se fossem empreendimentos comerciais



A segurança nacional continua a ser a função irredutível do Estado. Ao assistir ao ocaso da ideologia globalista, espero que tenhamos aprendido de uma vez por todas que o comércio pode tornar-se uma vulnerabilidade estratégica se as corporações e os governos o desvincularem de considerações de segurança nacional.

Andrew A. Michta


August 25, 2022

Gostei de ler este artigo

 


Olhar para trás

Percorrer por estes dias o fio da história do desastre de Chernobyl na série que passa diariamente na RTP 3, ou revisitar a tragédia na reconstituição apresentada pela HBO em 2019, é convocar a inquietude da fragilidade dos dias que vivemos. Mas vale a pena fazê-lo, mesmo arriscando a que o sono nos abandone, porque o pesadelo dos outros não pode deixar de nos sobressaltar e até pode vir a ser o nosso. Está lá tudo.

A hipocrisia dos regimes despóticos, a vacuidade da política - e como precisamos hoje de homens de fibra -, a ganância de uns poucos que levam à condenação de tantos, a persistência da mentira sobre a verdade. De como de tantas vezes contamos a mentira até acreditarmos nela. Está também o lado bom dos bons, mesmo que eles já tenham pactuado com o mal, a seriedade e a coragem desses poucos que salvam tantos. 

Seis meses depois da invasão da Rússia à Ucrânia, aumentam as sombras sobre a aparente luz que separava o bem do mal. O que sabemos, na verdade, é que permanecem por esclarecer as razões que levam às atrocidades que vimos e vemos serem cometidas, à pulverização de cidades inteiras, à morte de crianças, idosos, pais, mães e avós, à separação de famílias, e ao prolongamento de um conflito que, hoje, não só está a alterar drasticamente a geopolítica mundial, como se faz sentir nas ações mais básicas do dia a dia. 
 As ameaças à Humanidade com a eventualidade de uma guerra nuclear, sempre presentes no gatilho das palavras, ou a incerteza face ao que se passa em centrais nucleares como a de Zaporíjia, obrigam a que os detentores de cargos políticos sejam pessoas de bem, empenhadas em encontrar soluções mais eficazes do que aquelas que se jogam na praça pública. Porque essas não parecem surtir efeito. Mas também, e sobretudo, que nós, todos nós, não nos deixemos adormecer pelas raízes que alimentam o mal. 

Domingos de Andrade, *Diretor-Geral Editorial

July 08, 2022

O que é preciso é mudar esta TINA

 


Acabar com os penetras.



June 13, 2022

A instrumentalização política da educação só tem feito degradar os sistemas

 


E não é só cá, é em todo o lado, e não é só nas escolas, é nas universidades também. Políticos nas universidades a subverter o sistema, políticos a comprar teses de mestrado e doutoramento, sistema de verificação de pares tão selecto que só com a cunha certa se consegue ser revisto, políticas educativas moldadas aos interesses eleitoralistas dos políticos ou às pedagogia dos donos de empresas de explicações, escolas privadas, gestão escolar salazarenta para controlo micro-totalitário... 

Em França chegou-se ao cúmulo de subir por decreto um ou dois valores das notas que os júris atribuíram nas provas do 'bac'. Depois das notas atribuídas os professores viram, com estupefacção, que o júri nacional tinha mandado subir um valor a todas as notas, de modo totalmente arbitrário. Isto depois do próprio sistema informático estar programado para fazer ajustes internos às notas lançadas na plataforma. Para quê todo este trabalho de classificar?

As provas do bac que nos anos 90 tinha uma taxa de sucesso de 75%, agora têm de 90%. É como cá faz este ex-SE, agora ministro: manda que se passe todos e depois gaba-se que reduziu muito a taxa de abandono e de insucesso.

A responsabilidade desta degradação é dos políticos que querem instrumentalizar a educação e os professores, mas também dos seus facilitares, entre os quais se contam a maioria dos professores universitários (quem faz os currículos escolares e forma professores) que em vez de se informarem do que passa realmente nas escolas só querem chamar nomes aos professores e espalhar mentiras para... não sei... sentirem-se mais importantes ou assim. Em vez de ajudarem a resistir a esta decadência reforçam-na e são coniventes com estas manhas de fazer parecer que o trabalho da educação está bem pensado pelas suas cabeças.

Não tarda muito para que esta decadência dos níveis de qualidade do ensino chegue à produção científica e comece a ser difícil a inovação científica e tecnológica como as conhecemos. Neste momentos beneficiamos dos que foram educados há, pelo menos, quinze anos ou mais, antes desta falência intelectual que assola os políticos e satélites. Mas daqui a vinte anos, o que é já ao virar da esquina, o panorama será muito diferente. Talvez já se tenha posto as máquinas a fazer o que não saberemos fazer.


Controvérsia sobre as notas do bac, aumentadas de forma autoritária

Por Marie-Estelle Pech

Embora a taxa de sucesso do bac tenha subido de 75% nos anos 90 para 90% em 2021, os professores-correctores estão muito pressionados a corrigir as provas. E estão ainda mais exasperados porque o software que têm de utilizar faz pequenos ajustes internos muito mais visíveis do que antes.

Centenas de professores testemunharam isto durante os últimos dois dias. As notas do bac nos nos testes da sua especialidade foram aumentadas sem aviso. "As minhas notas foram sistematicamente aumentadas. Eu tinha uma média de 11,3 no meu pacote de provas. A média foi aumentada para 12,5. A pior nota era 5, agora é 7/20. É um escândalo", disse uma professora de história à Marianne. "Todas as minhas notas subiram um valor. Qual é, então, o objectivo da classificação? O descontentamento aumenta ainda mais porque estes pequenos remendos nas notas estão agora acessíveis através da plataforma de correcção online do ministério: Santorin. A associação de professores de história foi a primeira a expressar a sua exasperação. "Segundo numerosas fontes que foram cruzadas e verificadas, esta plataforma aumento todas as médias de todos os testes nas academias de Versalhes, Paris e Créteil, entre outras", disse a associação.

DECISÃO "OPACA E ARBITRÁRIA

Os professores que tinham sido responsáveis pela correcção "ficaram muito surpreendidos ao descobrir que as suas notas tinham sido alteradas quando quiseram registar as suas notas para sua própria informação". Manifestámos repetidamente a nossa preocupação sobre a organização deste bac, "mas em momento algum poderíamos imaginar que a prerrogativa de classificação por um júri soberano pudesse ser posta em causa, mais uma vez de uma forma totalmente opaca e arbitrária". A associação denuncia uma atitude casual "em relação às suas funções de avaliação". Há muito que há instruções orais a aconselharem a benevolência nas reuniões de harmonização, mas sempre deixando à "responsabilidade dos professores, enquanto que neste caso, foi simplesmente uma decisão arbitrária, tomada sem qualquer transparência".

February 15, 2022

Não era suposto os Jogos Olímpicos serem acerca de desporto?

 


Pois era, mas não não são. São também sobre política. Kamila Valieva, a patinadora de 15 anos favorita ao título foi testada com doping de uma substância que potencia o desempenho e decidiram que vai à mesma competir, "porque seria uma pena que não pudesse competir". Porém, Sha’Carri Richardson, favorita nos 100 metros corrida foi impedida de participar nos Jogos Olímpicos de Tóquio por ter testado positivo à canabis, que não é uma droga de desempenho. Sha’Carri Richardson queixa-se de racismo, mas talvez seja apenas o factor amizade actual Rússia-China a funcionar.



Sha'Carri Richardson Wants To Know Why She Was Banned From The Olympics When A Russian Skater Who Failed A Drug Test Was Allowed

"The only difference I see is I'm a black young lady."




January 26, 2022

Muro anti-Rússia

 


Mais do que anti-migrantes...


Polónia dá início à construção de muro na fronteira com Bielorrússia


Até junho deve estar concluído o muro na fronteira da Polónia com a Bielorrússia para bloquear a passagem de migrantes.

Com 186 quilómetros de extensão, quase metade dos 418 km da fronteira, a vedação, feita em metal, terá cinco metros e meio de altura e vai custar cerca de 353 milhões de euros, devendo estar concluída em junho.

January 23, 2022

Filmes - «Munique, The Edge Of War» (Munique, À Beira Da Guerra)

 


Este filme gira à volta da assinatura do acordo de paz de Munique, em 1938, entre Chamberlain, primeiro-ministro inglês e Hitler, em vésperas da Segunda Grande Guerra. O filme tem duas histórias paralelas a correr em simultâneo: uma é a da assinatura do acordo e do papel de Chamberlain nesse processo -que o filme defende ter sido positivo pela razão de ter dado um ano de paz à Inglaterra e aos aliados para se preparem para a guerra; outra é uma tentativa de impedir a assinatura do acordo por parte de dois diplomatas, um inglês, secretário de Chamberlain e outro alemão, secretário de Hitler, que se conheciam e eram amigos desde os tempos de Oxford, que ambos tinham frequentado. 

O filme está bem feito. Sabemos a história e, mesmo assim, ficamos presos ao suspense da situação. Somos levados a questionar-nos se, chegado o momento que não tem retorno, o saberíamos reconhecer e, reconhecendo-o, se estaríamos à altura do momento. Esta é uma questão importante no filme.

É difícil não traçarmos um paralelo com a situação actual, salvas as devidas distâncias, naturalmente, pois Putin não é Hitler, mas a situação geopolítica tem os mesmos contornos. 

Estamos num momento de autoritarismo crescente nos regimes do mundo, de crise económica com muito populismo, muita revolta e temos a Rússia de Putin a exigir que o Ocidente feche os olhos e permita o sacrifício de uma parte grande da Ucrânia e da sua possibilidade de sucesso económico, bem como de outros países da esfera da ex-URSS, a troco de paz. Na altura do acordo de Munique, em 1938, também se estava numa grande crise económica, com autoritarismos crescentes no mundo, populismos e revoltas e com a Alemanha de Hitler a exigir que o Ocidente fechasse os olhos à anexação dos Sudetos da Checoslováquia a troco de paz.

Tal como na época, também hoje há acordos secretos entre o líderes da minoria separatista e o ditador invasor. Então como hoje, o ditador que faz exigências a troco de paz não é pessoa capaz de honrar compromissos ou acordos e tem a mão leve para o assassinato. Então como hoje o Ocidente tem, acima de tudo, desorientação e medo do ditador.

(publicado também no blog delito de opinião)



January 08, 2022

Uma questão em duas perguntas

 

Se as pessoas que escrevem programas políticos que já deram mau resultado no passado e as que executam programas políticos com maus resultados são as mesmas, não será uma loucura confiarmos nelas e nas suas políticas? Não cabem na definição atribuída a Einstein, segundo a qual, "Loucura é fazer a mesma coisa vezes sem conta, mas esperando resultados diferentes"?


January 01, 2022

O Carlos Moedas tem ideias

 


Estou a ver um programa de conversa informal na SIC com opinadores que teve como primeiro convidado do ano o presidente da Câmara de Lisboa. Tem estado a responder a perguntas e algumas provocações dos outros participantes e na verdade, tem respostas que mostram, não só estar dentro dos assuntos, mas já ter pensado neles na óptica das soluções. Boas perspectivas, portanto. 


December 24, 2021

Há fome de competência no rectângulo

 


Tanta, tanta que um tipo organiza um processo de vacinação com sucesso e já se pensa que pode ser o próximo Presidente da República.

Percebemos que o PS quer ir à boleia de Gouveia e Melo que está com a cotação em alta, e percebemos que o próprio viu isso como uma oportunidade de acção política. 

A pressa do PS pôs o almirante Calado a falar e não foi bonito, mas não é nada que surpreenda da parte de um partido político, isso de comprometer pessoas para caçar votos.

Quanto ao Gouveia e Melo... vamos ver o que ele é capaz de fazer. Estamos sempre a dizer que precisamos de gente diferente dos moços dos partidos nos cargos, agora aí está um. Vamos ver o que ele faz.


Vamos ver




Se ele conseguir de facto fazer essa «revolução» a mim convence-me que é capaz de outras coisas.

Gouveia e Melo toma posse segunda-feira como chefe do Estado-Maior da Armada


O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo foi o responsável pela task force de vacinação contra a covid-19.

A "revolução" que o vice-almirante tem assumido querer fazer na Marinha, tornando este Ramo das Forças Armadas numa espécie de catalisador para novas políticas de valorização do mar como ativo estratégico nacional, é conhecida de António Costa e encaixa na perfeição na "ambição" declarada do primeiro-ministro de transformar os oceanos numa "grande causa e missão global".

December 18, 2021

"I thought those gains meant something"

 


Olha, enganaste-te. A única coisa que conta são: os votos e o dinheiro.


December 07, 2021

Dizer que os anti-vacinas são todos estúpidos é uma visão simplista de um problema complexo




Esta, 'comunicadora de ciência' reduz todos os que não estão de acordo com as vacinas e com a comunidade científica e médica a estúpidos a quem é preciso repetir muitas vezes a mesma mensagem até que entre na cabeça e a gente ignorante da 'verdade', dominados que estão pela ansiedade. Farta-se de falar na verdade: a verdade da ciência, a verdade da comunidade científica. As pessoas são todas gente ignorante com um filtro de crenças e sistemas de valor -como se ela não fosse também uma pessoa com o seu filtro de crenças e sistemas de valor- que não lhes permite ver o óbvio. Para ela a ciência é obviamente verdadeira e  se os outros não vêem essa verdade são todos idiotas.

Esta é uma postura dogmática, simplista e, por essa razão, com poucas probabilidades de mudar a visão que os anti-vacinas têm da ciência. Ela queixa-se que as pessoas ao dizer as suas opiniões dizem «achismos», mas o que é a opinião dela sobre os que rejeitam vacinas senão um «achismo»? Ela é licenciada em farmácias com doutoramento em química. Que sabe ela acerca dos sistemas dos condicionalismos valorativos e de crença dos diversos sistemas sociais e políticos? O mesmo que a maioria dos outros todos que dizem opiniões. Ao mesmo tempo que argumenta contra as opiniões pseudo-científicas de não-especialistas vai aduzindo argumentos contra os sistemas de crenças e valores sociais com opinião pseudo-científica, pois que não tem nenhum formação nessa área.

Thomas Kuhn, aquele que cunhou o termo, «paradigma» aplicado à ciência e às revoluções científicas dizia que, "a ciência não pensa, o cientista não sabe pensar". Logo no início da pandemia vi uma entrevista com o virologista que agora está sempre na TV em que ele dizia mais o menos o seguinte, "as pessoas confiem em mim porque a ciência pode ter opiniões contraditórias mas a certa altura chegamos à verdade." Nunca mais liguei um átomo ao que ele diz porque a idea de um cientista vir, como um padre, pedir fé e clamar que tem a verdade consigo é tão pouco científica que caiu logo ao chão, no meu sistema de avaliação de credibilidade.

Li um artigo com dados sobre a percentagem de pessoas que não querem vacinar-se e porquê: na Rússia, quase um quarto da população não quer vacinar-se; nos EUA, 20%; na Alemanha, 10%; na África do Sul, pediram para deixarem de mandar vacinas porque têm stock para 150 dias, que não conseguem gastar, à beira de passar o prazo de validade - nos países de Leste que viveram em ditadura comunista a desconfiança nas instituições científicas e médicas é muito superior aos da UE. Talvez porque durante muito tempo a ciência foi usada para pseudo-legitimar a ideologia comunista e as malfeitorias que fizeram aos povos.

A hesitação de vacinar-se parece ser um aspecto de uma quebra mais vasta de confiança entre alguns sectores da população, por um lado, e as elites e especialistas, por outro. Essa quebra de confiança é que é explorada nas redes sociais e não o oposto, quer dizer, não são as redes sociais que criam a hesitação, ela existe, é um problema complexo que e é anterior à pandemia. Portanto, vir dizer que é um problema de as pessoas serem ignorantes e não verem o óbvio por estarem dominadas pelas redes sociais, é uma visão, ela mesma, ignorante e simplista. 

"Se os decisores políticos quiserem limitar os danos que a Omicron e as variantes futuras fazem, terão de compreender melhor porque é que as pessoas rejeitam as vacinas. Algo tão complexo como a hesitação vacinal é susceptível de ter muitas causas, mas a investigação sugere que um instinto fundamental o impulsiona: a falta de confiança. Para que as pessoas superem a sua hesitação, será necessário restaurar a sua confiança na ciência, nos seus líderes, e, muito possivelmente, uns nos outros. A crise de hesitação vacinal e a crise de confiança nas instituições são uma e a mesma coisa."

A literatura médica mostra que há um forte relação entre a desconfiança na indústria farmacêutica e a desconfiança nas vacinas. Entre os sul-africanos negros, por exemplo, o cepticismo em relação aos médicos pode surgir do facto de os argumentos pró-apartheid, até há pouco tempo, terem estado frequentemente enraizados em crenças e propaganda, pseudo-científicas, sobre as diferenças entre as raças.

Jonathan Kennedy, um sociólogo da Queen Mary University of London, destaca um factor para a erosão da confiança no governo e na ciência: a narrativa do otimismo e do progresso do pós-guerra não se ter concretizado para muitos, "Há grandes quantidades da população que não beneficiaram economicamente da globalização. Muitas pessoas sentem-se cada vez mais marginalizadas pela política; sentem-se como se os políticos não estivessem interessados neles". Populismo e sentimento anti-vacinas "parecem ser uma espécie de rejeição desta narrativa de progresso civilizacional ... um grito de impotência".

A Rússia, e a Europa de Leste em geral, têm um nível de confiança extremamente baixo nas instituições relativamente à Europa Ocidental - a Roména e a Bulgária vacinaram pouquíssimas pessoas. Os russos têm tentado espalhar o caos com desinformação profissional relativamente à eficácia produzidas pela BioNTech-Pfizer, Moderna, e AstraZeneca e compararam os confinamentos com a ocupação nazi e o apartheid.

Também estamos a pagar caro o desinvestimento, em termos globais, nos sistemas de saúde e na desvalorização da profissão, para poupar dinheiro, desde que os hospitais viraram empresas geridas por investidores sem interesse nenhum na medicina. Existe agora uma desconfiança nos médicos que não havia. São tratados como se fossem mercenários. 
As farmacêuticas recusam investir em medicamentos se o retorno em lucros for abaixo de não sei quantos milhões de dividendos para os acionistas. Isto não ajuda à confiança. 

Em cima disto temos que a ciência hoje em dia já não é praticada como antigamente. Dantes um artigo científico sobre inovações só era publicado depois de muitos estudos feitos e era lido apenas por especialistas, que eram poucos. Quando chegava ao público já vinha depurado de todas as imprecisões e erros grosseiros. Porém, hoje em dia, os cientistas são na ordem dos milhões. Um doutoramento hoje em dia é algo frequente entre a comunidade universitária das ciências. As universidades obrigam os doutorandos a publicar artigos científicos em catadupa sob pena de serem postos de lado, de maneira que muitos milhares de cientistas publicam papers a torto e a direitos, sobre tudo e o seu contrário que chegam aos jornais, nesses termos contraditórios. A maioria do público, hoje-em-dia, já não aceita petições de princípio baseadas em apelos à autoridade: querem argumentos. Vivemos em sociedades de comunicação. A comunicação científica não pode ser constantemente contraditória.

Acresce a tudo isto que os comunicadores científicos, ou são como Graça Freitas e Fauci nos EUA que mentem e distorcem os factos porque têm uma ideia de gestão de informação baseada na crença de que as pessoas são estúpidas e têm de ser manipuladas ou são como esta comunicadora de ciência nesta entrevista que diz que a solução, dado as pessoas serem idiotas e não verem a verdade óbvia é repetir muitas vezes a informação, até que lhes entre na cabeça, calculo que seja o que quer dizer. Só que os anti-vacinas são uma larga comunidade que vai desde os próprios médicos e cientistas ao homem vulgar. Não são uma massa informe de analfabetos e são aos milhões. Não se pode querer mudar a visão das pessoas chamando-lhes, dogmaticamente, estúpidas.

Vai ser difícil restaurar a confiança nas instituições universitárias, médicas e científicas, dados que estão politizadas e algumas capturadas por grandes empresas multinacionais (o que reforça a desconfiança), mas de certeza que isso não se faz chamando estúpidas às pessoas. O problema é um bocadinho mais complexo, não? Esta comunicadora de ciência fala como se a ciência, os laboratórios dos cientistas e a comunidade médica fosse tudo gente nobre do lado da verdade, desligados do dinheiro e da política. Isto é ingenuidade, não? Quer dizer, eu não sou especialista em comunicação de ciência e aqui em um quarto de hora encontrei artigos e dados para perceber um poucochinho a complexidade do problema.



“A EVIDÊNCIA A FAVOR DAS VACINAS É TÃO AVASSALADORA QUE A COMUNIDADE CIENTÍFICA ACHOU QUE OS ANTIVACINAS ACABARIAM POR SE CALAR. O QUE NÃO SE PREVIU É QUE A VERDADE NÃO INTERESSA NADA”

A comunicadora de Ciência Joana Lobo Antunes, em entrevista à VISÃO

Como se deve comunicar a incerteza inerente à Ciência sem causar demasiada ansiedade nas pessoas?
Quando comunicamos a incerteza ao nível da saúde é impossível não causarmos alguma ansiedade. As pessoas têm de aprender a viver com uma certa dúvida, um certo risco, também é isso que nós vivemos na investigação científica. E é exatamente essa adrenalina de entrar num terreno inexplorado que é entusiasmante na Ciência. Consigo perceber que, para as outras pessoas, essa ansiedade seja má, mas a única maneira de ajudá-las a lidar com isso é repetindo, muitas vezes, que enfrentar o desconhecido para procurar respostas faz parte do processo científico.

A pandemia parece ter exacerbado o discurso contra a Ciência. Qual a origem desse fenómeno?
O discurso anticiência já existia, e vai continuar a existir, não tenho a veleidade de achar que vamos acabar com ele. O que aconteceu foi que, de repente, teve mais espaço. O movimento antivacinas não apareceu com a Covid-19. O seu grande impulsionador foi um artigo falso, hoje completamente desacreditado, que tentou provar uma relação de causa e efeito entre as vacinas e o aparecimento de autismo nalgumas crianças. Isso era tão absurdo que os cientistas nem se deram ao trabalho de desmentir. A evidência científica a favor das vacinas é tão avassaladora que a maior parte da comunidade científica achou que, mesmo que não fizesse nada, os antivacinas acabariam por se calar. O que não se previu é que a verdade não interessa nada, o que importa é o que tem melhor marketing e vai ao encontro das ansiedades das pessoas.

Que ansiedades são essas?
Os cientistas dizem: “a ansiedade não vai deixar de existir e temos de aprender a viver com ela”; enquanto os anticiência afirmam: “nós podemos tirar-vos a ansiedade”. Além disso, usam palavras e conceitos que as pessoas conhecem e que estão de acordo com o seu sistema de crenças e de valores. Por isso, emocionalmente, é muito mais fácil acreditar neles, sem perceber que se está a cair num logro. A única maneira de ajudarmos as pessoas a lidar com a ansiedade é fazendo muita divulgação de Ciência e obrigando a comunidade científica a ajudar a desmontar a desinformação.

Como devemos dialogar com alguém que nega factos científicos?
É preciso muita paciência. Alguém que nega a evidência científica, obviamente, não vai lá por os factos falarem por si. É preciso conhecer o contexto emocional, social e cultural dessas pessoas para perceber onde está o problema. Por que razão alguém tem um filtro que não lhe permite acreditar numa coisa óbvia? Temos de andar à volta para entender qual o conjunto de valores e de crenças que leva aquela pessoa a acreditar em coisas que não fazem sentido.

O risco de não conseguir dialogar com essas pessoas é grande?
Na comunicação de Ciência, usamos a expressão “pregar aos convertidos”, ou seja, o público das nossas iniciativas, habitualmente, já está interessado. Mas é fundamental irmos além dos convertidos. Temos de ser atraentes o suficiente para que mais gente queira dialogar connosco. Os cientistas não devem ser vistos apenas como pessoas que dão aulas mas também como bons ouvintes. Não conseguimos mudar a mentalidade das pessoas se não as ouvirmos. E essa parte ainda é difícil de se fazer.

É recorrente o argumento da censura, quando não se dá voz a quem nega a Ciência. Como responde a isso?
É preciso distinguir opiniões fundamentadas de opiniões pessoais. Durante a pandemia, houve pessoas que fizeram serviço público ao explicarem o melhor conhecimento científico até à data, mas outras limitaram-se a dar a sua opinião, um achismo que não era baseado na melhor evidência disponível. Os órgãos de comunicação social têm de ser capazes de avaliar se alguém está só a dizer asneiras. Dar palco só porque no dia seguinte vai dar que falar… Não pode valer tudo.

Mas é fundamental manter o espírito crítico. A Ciência já errou. Como se mantém esse equilíbrio entre confiança e ceticismo?
A Ciência, de facto, não é perfeita. E, sim, já errou, mas uma das grandes qualidades da Ciência é admitir correção. Se fosse escrita na pedra, nós nunca evoluiríamos, e a evolução da Ciência é o que a torna maravilhosa. Quando as pessoas se queixam de que num dia os cientistas dizem uma coisa e no seguinte dizem outra, a minha única resposta é: ainda bem que assim é, senão éramos fundamentalistas. Claro que depois há aquelas coisas parvas, às vezes a cafeína faz bem, outras faz mal, mas isso são fait-divers científicos. Às vezes, dá-se voz a artigos que não têm impacto na comunidade científica apenas porque são engraçados. Quem me dera que o chocolate emagrecesse, essas são as minhas notícias preferidas.

Como podem as pessoas proteger-se da desinformação que circula na internet?

Primeiro, é preciso saber de onde veio a informação, se uma fonte fidedigna verificou a sua veracidade ou se é uma coisa que uma pessoa qualquer pôs na internet. As fontes devem estar identificadas; se é alguém com nome, instituição, credibilidade, posso estar mais tranquila. Um dos fenómenos da pandemia foram mensagens a dizer “a minha tia trabalha num hospital e…”, que eram reencaminhadas por não sei quantas pessoas, sabia-se lá quem era a tia que, provavelmente, nem sequer existia. Contudo, como era um boato que ia ao encontro dos medos e das ansiedades das pessoas, ele era partilhado.

É inevitável perder a batalha contra a desinformação?
Não, mas temos de ser mais rápidos a pôr informação de qualidade e em massa cá fora, numa linguagem que as pessoas entendam. As autoridades de saúde foram muito cautelosas até decidirem dar informações fidedignas [sobre a pandemia], e isso deu imenso espaço para que houvesse milhares de informações paralelas não verdadeiras a circular. Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. E dá muito mais trabalho desmentir. Quando Graça Freitas vem dizer que, se calhar, se acaba com os boletins diários porque criam muita ansiedade, esse é o primeiro passo para começar a haver pseudoinformação sobre os números reais. Não acabem com a informação; não é ela que causa ansiedade às pessoas, é a ausência de informação fidedigna, verdadeira e transparente.

Os raros efeitos secundários das vacinas deviam ter sido esclarecidos mais rapidamente?

Acho que as autoridades de saúde não se chegaram à frente porque, para elas, essa questão era muito óbvia, mas a população esquece-se de que até um medicamento tão básico quanto o paracetamol tem efeitos adversos. As pessoas sabem, mas apagam essa informação da sua memória, porque é uma chatice viver com essa ansiedade. Ninguém tomava medicamentos se estivesse sempre a pensar em todos os efeitos secundários que podem acontecer. Na verdade, os efeitos secundários esperados com estas vacinas são muito mais improváveis do que os de outros medicamentos, como a pílula. Os benefícios de tomar a vacina são largamente superiores aos eventuais efeitos secundários que elas possam ter numa percentagem ínfima de pessoas.

Quais foram os principais erros de comunicação da Direção-Geral da Saúde (DGS)?

Não quero dizer mal porque tenho a certeza de que a DGS fez o melhor que conseguia. Um organismo do Estado tem muita dificuldade em criar rapidamente equipas; o problema não é apenas da DGS. É preciso perceber que condições podem ser criadas para termos estruturas mais ágeis, que possam lidar com estas situações de forma mais célere e com mais qualidade. A grande lição que tiramos daqui é a necessidade de a comunicação ser mais ágil e mais transparente para não dar espaço à desinformação.

Os cientistas estão mais conscientes da importância de comunicarem com a população?
Já temos muitos cientistas disponíveis para falar, mas temos de continuar a trabalhar a sua capacidade de ouvir. É absolutamente fundamental haver diálogo. A comunidade científica tem de perceber quais são as dúvidas e as inquietações das pessoas porque, se calhar, está a dar-lhes respostas que não são aquelas que elas precisam de ouvir. Temos de ouvir, senão vamos falhar.

A falta de financiamento é o principal problema da Ciência nacional?
Sim, sem dúvida. A percentagem do PIB atribuído à Ciência tem vindo a crescer, mas precisa de crescer mais. É ainda necessário que as carreiras científicas sejam valorizadas. Estamos a formar pessoas com doutoramentos, e nem todas vão ficar a trabalhar na academia. São profissionais com competências que devem ser valorizadas no mercado de trabalho. Os privados têm de perceber que existe uma mais-valia ao investir em parcerias com a Ciência. A vantagem de pôr os cientistas a dialogar não é apenas ensinar às crianças o que é a Ciência; é também influenciar decisores políticos, as empresas e todos os outros setores da sociedade.

Ainda é um desafio trazer as mulheres para a Ciência?
Portugal é o país da OCDE com mais mulheres na Ciência, mas os lugares de topo são maioritariamente ocupados por homens. Estamos a falhar às raparigas de alguma forma, porque a partir de certa altura passamos a mensagem de que há determinadas coisas a que só os rapazes podem aceder e de que há determinadas capacidades cognitivas que elas não têm. Isto é transmitido de um modo muito subtil, mas muito eficaz, e faz com que, em muitas áreas do conhecimento, as raparigas se excluam, enquanto os rapazes nunca consideram que determinada coisa não é para eles. Também está relacionado com os modelos de representatividade. Temos de criar um ambiente propício para termos mais exemplos femininos.

Tem uma grande paixão pelo teatro. É uma herança de família esta conjugação entre a Ciência e as Artes? O seu pai, António Lobo Antunes, é médico e escritor…

O teatro apareceu mais ou menos por acaso, mas foi um casamento que resultou muito bem, e também cantei num coro. Além de me dar prazer, passei a incorporar as ferramentas do teatro nas minhas formações para ajudar os cientistas a comunicar melhor. Cientificamente, a pessoa que mais me marcou foi o meu avô [paterno]; era médico, investigador, professor e um amante de tudo o que é belo, seja arte, pintura, escultura, música… Foi a pessoa a quem dediquei a minha tese de doutoramento e que deu nome ao meu primeiro filho [João]. O meu avô conseguia conjugar a paixão e o interesse pela Ciência com toda esta vertente humanista. Na nossa casa, não era possível alguém ser só técnico; esta vontade de olhar para o belo era muito natural para nós. Uma coisa muito curiosa é que ninguém fala de trabalho em família, falamos do resto.

De literatura?
Por acaso, sim.

October 24, 2021

Luzes em vez de escuridão

 


Não é a aprender apenas o que é útil para a economia que se desenvolvem pessoas capazes de entender a História, de ter uma perspectiva filosófica do futuro e dos valores porque vale a pena lutar. A política e a governação não se reduzem a problemas de economia e contabilidade porque a economia e contabilidade não são fins em si mesmos, são instrumentos para outros fins. Humanos. Precisamos de pessoas esclarecidas, no sentido filosófico do termo: pessoas que acreditem na liberdade de pensamento e de expressão e na capacidade de melhorar o mundo através de uma educação completa e não apenas utilitarista/contabilistíca.

O valor da Europa e mesmo o seu sucesso tecnológico assentam numa cultura de discussão, de divergência, de debate, de ideias filosóficas, de luta contra os dogmatismos. 

Ontem, vinha no jornal a notícia de um estudo para tirar Portugal da armadilha económica em que caiu. Um dos pontos, relativos à educação, dizia: 1. Estabelecendo parcerias com empresas e instituições de ensino superior, introduzir competências digitais e de programação desde o 1.º ciclo de estudos, tornando mais atrativo o prosseguimento dos estudos no ensino secundários e superior nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM).

Não sou contra o ensino das ciências tecnológicas, antes pelo contrário, mas nós já temos uma grande maioria de alunos nessas áreas. As turmas e cursos de Letras e Humanidades estão já em vias de extinção e, no entanto, não é por isso que saímos do marasmo em que estamos. Que nos interessa ter excelentes matemáticos, engenheiros e economistas se os políticos são contabilistas sem pensamento nem Letras que sabotam os trabalhadores que têm? Não vemos o estado dos hospitais públicos, cheios de bons médicos e enfermeiros e incapazes de fazer o seu trabalho? Não se vê o estado da Justiça? Das escolas? Cheias de milhares e milhares de bons professores mas gerida como se fosse uma fábrica de parafusos? 

A redução da educação a técnicas contabilísticas/ultilitaristas só pode levar à contabilidade do desastre e à irrelevância da Europa no mundo. A ascensão da ignorância ao poder é o que precede a irrelevância: economistas que se pensam psicólogos dos povos, políticos contabilistas, pseudo-cientistas e engenheiros sociais, censores pedagógicos, negacionistas de liberdade. 

Precisamos de pessoas que vejam mais e não menos. 


Não há dúvida de que o conhecimento "útil" é muito útil, mas há muito a dizer sobre a redutora abordagem utilitária da educação. É indiscutível que algumas das piores características do mundo moderno poderiam ser melhoradas através de um maior encorajamento do conhecimento humanista e de uma busca menos impiedosa das competências utilitaristas.

Vivemos rodeados de fanatismos a cujo dogmatismo a instrução técnica não será um antídoto. O antídoto reside nos estudos que nos permitem ver a nós próprios na nossa verdadeira perspectiva. É necessário fornecer conhecimentos que inspirem uma concepção dos fins da vida humana como um todo, o poder de ver e conhecer, de sentir e de pensar e de compreender.

A cultura, conhecimento "inútil", não só torna as coisas desagradáveis menos desagradáveis, como torna as coisas agradáveis mais agradáveis. "Disse que achou os damascos mais saborosos, pois sabia que vinham da China e eram levados por prisioneiros, de onde se espalharam pela Pérsia, chegando ao Império Romano durante o século I, e é por isso que a palavra "damasco" deriva da mesma fonte latina que a palavra "precoce", pois o damasco amadurece cedo. E tudo isto, que pode não servir para nada, faz com que os damascos tenham um sabor muito mais doce.

Juan Gaitán


September 27, 2021

"O mundo está a preparar-se para a mudança climática, preparando-se para a guerra"






Amitav Ghosh em entrevista 

(excertos)


Um tema importante nos seus últimos livros é a crise ecológica. Como lidar com o mundo que está para vir, quando uma das suas personagens diz: "Sabemos o que está para vir"?

A forma como os especialistas, e em particular os técnicos e engenheiros, abordam as alterações climáticas é completamente errada; para eles, o problema é essencialmente tecnológico, enquanto que, na minha opinião, é essencialmente geopolítico. Enquanto não houver uma resposta geopolítica, a tecnologia não pode fornecer qualquer solução.


Como é que a mudança climática é um problema geopolítico?

Se perguntar a um ocidental sobre as alterações climáticas, ele dirá que se trata principalmente de um problema científico e tecnológico. Se for à Ásia e perguntar a um indiano, indonésio ou chinês, como tenho feito frequentemente, "Sabe que as alterações climáticas são uma ameaça real para o seu país. Está pronto para reduzir a sua pegada de carbono?" a resposta será: "Não, porque mudaríamos? O Ocidente está na raiz deste problema, enriqueceu à nossa custa quando estávamos fracos, monopolizou os recursos da Terra e esbanjou-os... Mas agora não estamos tão fracos, por isso está na altura de os apanharmos". Para os não-ocidentais, o conceito de alterações climáticas é visto como um problema de pós-colonialismo, desigualdade, geopolítica.



É como se o mundo fosse governado por um consumo estentatório.

Exactamente. Na Índia, os povos indígenas, que em tempos foram protegidos por leis, estão a ser expulsos das florestas para as disponibilizar às empresas carboníferas - ou melhor, a uma empresa em particular, a que está próxima do Primeiro Ministro e que nos últimos seis anos comprou metade da Índia. Estamos a testemunhar um capitalismo gangster desencadeado no mundo com uma violência sem precedentes.


Fala-se de capitalismo, mas em "A Grande Convulsão" diz-se que o imperialismo é mais importante do que o capitalismo para explicar o "status quo".

O capitalismo é um sistema contido num outro sistema ainda mais violento, o imperialismo. Quando falamos de emissões de gases com efeito de estufa, estamos a falar sobretudo de aviões, automóveis, têxteis, etc. Mas 25% das emissões globais são causadas pela utilização de combustíveis fósseis. No entanto, 25% das emissões mundiais provêm de actividades militares. Só o Pentágono é o maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo. Um único jacto supersónico, como o seu Rafale francês, produz mais emissões em poucas horas de voo do que toda uma cidade francesa.


O capitalismo de gangsters e o imperialismo baseado na militarização não são a mesma coisa?

Não é contraditório, mas a ênfase no capitalismo vem de uma certa mentalidade que poderia ser chamada de intelectual/académica, e que está relutante em falar de violência organizada, preferindo acreditar que a tecnologia é a força motriz predominante. O filósofo Jean-Pierre Dupuy diz que no mundo moderno somos completamente dominados pelo pensamento económico, que gostamos de pensar nas coisas em termos económicos, estatísticos. Muitas das pessoas que admiro, como Naomi Klein, ao querer dar ao capitalismo um lugar central, sucumbem de facto a esta tentação de analisar tudo em termos económicos, excluindo a geopolítica e a violência armada que lhe está subjacente. Tomemos o exemplo do Acordo de Paris, onde os países ricos se comprometeram a dar 100 mil milhões de dólares por ano para mitigar as perturbações climáticas. Ainda nem sequer vimos 10% disso. Durante o mesmo período, estes mesmos países encontraram mais de 1 trilião de dólares para investir em armas. A realidade é que o mundo está a preparar-se para a mudança climática, não procurando mitigá-la, mas preparando-se para a guerra. Isto é óbvio.
(...)
Quem são então os mestres?

Muitas das nossas acções são tão controladas por alguma forma de inteligência artificial que se torna parte do problema. Acreditamos que os seres humanos concebem políticas e que estas políticas são implementadas, mas a partir de Descartes, a partir do colonialismo, as coisas na Terra têm sido vistas como meros recursos, o que significa que são inertes, incapazes de escrever a sua própria história. Mas hoje, isto parece menos óbvio; os combustíveis fósseis, por exemplo, tornaram-se tão complexos nas nossas vidas que é difícil de compreender. Não é como se os Estados Unidos pudessem decidir hoje deixar de utilizar combustíveis fósseis. Não podem, até porque a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos se tornaram actores-chave na geopolítica global. Durante os ataques de 11 de Setembro, por exemplo, o próprio George Bush organizou a partida de funcionários sauditas, embora a maioria dos que atacaram os EUA fossem sauditas. Os americanos gostam de pensar que controlam a Arábia Saudita, mas já não é este o caso: uma parte considerável da política externa dos EUA está sob o controlo da Arábia Saudita, Abu Dhabi e Qatar. Assim, pode-se ver como os combustíveis fósseis se intrometeram na política global, é tão insidioso, é tão poderoso que é uma ilusão humana pensar que o controlamos.


Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita, Abu Dhabi e outros apoiam o Islão e o Islão tornou-se uma poderosa força geopolítica.

Sim, e mais uma vez, vemos que não é apenas através do poder das ideias, mas através do poder dos combustíveis fósseis, o dinheiro do petróleo que a Arábia Saudita gasta para encorajar a radicalização dos muçulmanos em todo o mundo. Assim que se vê um aumento do fundamentalismo, é possível ter a certeza de que o dinheiro saudita não está muito longe.


Qual é a estratégia da China? Como evitar uma crise ecológica quando a China continua a promover um crescimento económico de 6% ao ano, o que é enorme?

Deve saber-se que a China reservou 20% da superfície do país para a reflorestação o que representa uma área enorme, maior do que a França. E estão a fazê-lo com seriedade, o que não é o caso noutros países. Além disso, a China está muito à frente de outros países em termos de soluções de energia alternativa. Isto é político e é explicado pelo facto de a China não ter petróleo. A actual hierarquia mundial está completamente dependente dos combustíveis fósseis, que são a base do domínio do mundo anglo-saxónico, que inclui Austrália, Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos... Isto foi deliberadamente concebido desde o início. Churchill orquestrou-o, é um projecto anglo-americano a longo prazo para criar dependência dos combustíveis fósseis. A China, por outro lado, tem todos os motivos para se libertar.


Com o fim dos combustíveis fósseis, será que veremos o fim do mundo anglo-saxónico?

Sim, será um grande tumulto. E é por isso que o mundo anglo-saxónico está tão dividido; o mundo anglo-saxónico é o único lugar no mundo onde as alterações climáticas são disputadas. Estes países sabem muito bem que o seu poder, tal como o seu modo de vida, se baseia nos combustíveis fósseis. Mesmo aqui em França, onde estive em Hurigny, na Borgonha, uma aldeia de 200-500 pessoas. Não tem lojas nem mercado e para obter o essencial tem de conduzir trinta quilómetros até ao hipermercado. Isto é algo que me chocou enormemente: a França foi completamente transformada pela suburbanização ao estilo americano. Em Itália, não é assim, as aldeias ainda têm uma loja de massas, um açougueiro... lá pode encontrar comida, o que não é o caso na zona rural francesa.

(...)

O senhor disse que a guerra nos espera no futuro. Mas o que poderia resolver?

Os ocidentais estão relutantes em ver as alterações climáticas como um conflito geopolítico, mas tomemos o exemplo de um imigrante do Bangladeche. Primeiro chega à Líbia, onde é imediatamente encerrado num campo de escravos; depois, apesar de ter sido alvejado por gangsters líbios, consegue escapar. Milagrosamente, chega à fronteira, onde embarca num barco improvisado que quase afunda; depois atravessa os Balcãs, onde é alvejado, ou à Turquia, onde também é alvejado. Muitos migrantes acabam no Sinai onde, se não puderem pagar aos contrabandistas, os seus órgãos são removidos. As experiências destas pessoas são equivalentes às experiências de guerra. Assim, quer seja nas fronteiras da Europa ou dos Estados Unidos, quer gostemos ou não, a guerra já está aqui. Não queremos vê-lo, mas é realmente uma guerra. E cada vez mais, estamos a ver os efeitos das alterações climáticas transformarem-se em armas de guerra. Recentemente, o governo argelino acusou Marrocos de iniciar fogos florestais, de os utilizar como instrumentos de guerra. E o mesmo se passa entre a Turquia e a Grécia. O humanismo é apenas uma fantasma face ao mal infinito do qual os humanos são capazes.

La Déesse et le Marchand d’Amitav Ghosh, aux éditions Actes Sud, septembre 2021, 320 p., 22,50 €.

Le Grand Dérangement d’Amitav Ghosh, aux éditions Wild Project, janvier 2021, 250 p., 20 €.

September 23, 2021

Nuno Maulide em entrevista





"Como se transforma ar em pão", novo livro de Nuno Maulide

O piano e a química são paixões, mas fixou-se na segunda por ser menos solitária. É membro da Academia das Ciências da Áustria e recebeu o prémio de Cientista do Ano. Veio a Portugal apresentar o livro que simplifica o complicado.

Formou-se no Instituto Superior Técnico e depois seguiu pelo mundo até se fixar na Áustria, há oito anos. É professor de Química Orgânica na Universidade de Viena. Elegeram-no Cientista do Ano em 2019, recebeu depois o prémio Lieben e, em 2020, ascendeu à Academia das Ciências da Áustria. É o único estrangeiro não germanófono e o mais novo, tem 41 anos. Veio a Portugal para a apresentação do livro Como se Transforma Ar em Pão? Estas e Outras Questões a Que Só a Química Sabe Responder, que escreveu com a jornalista de Ciência Tanja Traxler. Na forja está um segundo, este sobre cozinha molecular. Mas com coisas simples.

Ao ler o livro, fica-se com a ideia de que tudo é química.
É a ideia correta. Mas quando se ouve a palavra "químicos", há uma reação negativa.

Há químicos bons e maus?
Não se deve dar uma conotação positiva ou negativa aos compostos químicos porque tudo depende do uso que lhes dermos. A água é um químico bom, nós somos 70% água, mas morremos se bebermos quatro litros numa hora, os órgãos começam a falhar. Muitos compostos químicos não são bons nem maus, dependendo do seu uso, podem ter consequências boas ou más.

Como o plástico, a descoberta do século XX e que caiu em desgraça?
E continua a ser a maior descoberta da química no século XX, revolucionou a sociedade e a maneira como olhamos para os materiais. Só tínhamos a madeira e o metal, hoje em dia, temos coisas que parecem madeira e metal mas que são polímeros [plásticos] e compósitos, e que são utilizados de formas muito diferentes. Não refletimos sobre os problemas que ocorreriam quando, depois de os utilizarmos, os deitamos fora sem pensar duas vezes.

A solução está na reciclagem.
Se pensássemos que não se decompõe tão facilmente, que não é biodegradável, teríamos evitado muitos problemas. Todo o plástico tem implicações no ambiente. Tem de ser reutilizável ou ter mecanismos de o reciclar de forma apropriada.

Sabia-se quando foi inventado?
Não se sabia porque não se quis estudar, queria fazer-se coisas rapidamente e ganhar dinheiro. Não houve pressão nem da sociedade civil nem das entidades reguladoras para se fazer um estudo sobre o que acontece ao plástico quando vai para o aterro sanitário. Sem as embalagens de plástico, dois terços da produção mundial de alimentos estragava-se sem chegar ao seu destino. Quando eu era mais novo não havia todos os dias arroz no supermercado, massa, todos os frutos, não havia capacidade para preservar esses alimentos e os fazer transportar. As pessoas estavam limitadas à produção local ou regional e hoje em dias os supermercados estão cheios porque há uma rede de transporte que precisava das embalagens de plástico para se poder colher, empacotar e transportar.


(...)

Sente que os cientistas portugueses são reconhecidos?
Portugal terá a suas limitações, o que também tem que ver com a falta de financiamento. Não se pode ter num financiamento de 1% do PIB para a ciência e querer ter o mesmo resultado do que num país com um financiamento de 3%, não há milagres. As barreiras têm diluído com a UE, somos todos cientistas europeus. Eu não insisto em ser considerado um cientista português, ou viver na Áustria, sou um cidadão do mundo.

Porque é que emigrou?
Emigrei muito antes, fui para a Suíça seis meses, depois para a Bélgica, os Estados Unidos e a Alemanha. Emigrei quando achei que me faltava estar num ambiente em que não soubesse muito. Quando se fica muito tempo num sítio tem-se a tendência para estagnar e a mim faz-me falta sair da minha zona de conforto. Saí na perspetiva de aprender.

(excerto)

Leituras pela manhã - AM/DM (antes de Merkel, depois de Merkel)

 



Será Suficiente?

Wolfgang Streeck


É Verão, Bruxelas finge estar de férias, mas ninguém acredita: as nuvens estão a acumular-se, não há qualquer forro prateado à vista, os nervos destroçaram-se por todo o lado. As florestas estão a arder, a chuva está a cair, os rios estão a ser inundados - a crise climática atingiu os lares, mais inegavelmente do que nunca. 
Dos 750 mil milhões de euros do "fundo de recuperação" Corona, ainda não foi gasto um único euro e a quarta vaga está a começar a desenrolar-se. Está na hora de dar um impulso fiscal - mas como pagar isso? 
A guerra francesa em África arrasta-se, os Estados falhados da Líbia, Síria, Iraque e Líbano continuam a falhar, as exigências alemãs para um regime europeu de asilo que proteja a Alemanha de ter de viver à altura da sua retórica moral são tão divisivas como sempre, a mudança de regime na Rússia tem de esperar, uma vez que Putin não se demite. 
E agora o Afeganistão: O bom tio Joe tornou-se o mau tio Joe, deixando a Europa em choque: unilateralismo! 
Na Alemanha e no Reino Unido, os governos estão a tentar desesperadamente evitar explicar por que razão, além de seguirem as ordens americanas, lutam há duas décadas uma guerra sem sentido num país distante e ingovernável. 
E no meio do desastre em todo o lado, Angela Merkel, a não nomeada mas ainda mais eficaz Super-Presidente da União Europeia, que dizem ter de alguma forma mantido tudo junto, vai deixar, para sempre, no próximo Outono, o seu gabinete como chanceler alemã.

Será que a "Europa", ou o "projecto europeu", encarnado na UE, sobreviverá a Merkel? Na Realpolitik de Bruxelas, isto traduz-se em saber se a Alemanha continuará a cumprir as suas obrigações como hegemonia oculta da UE após a sua partida, o que significa, antes de mais, se continuará a pagar. 
Isto pode ser feito de várias maneiras, muitas das quais são concebidas para serem maximamente obscuras: ao deixar aumentar as suas contribuições líquidas para o orçamento da UE; ao permitir que o Banco Central Europeu se envolva sub rosa no financiamento estatal, em violação dos Tratados; ao concordar em subscrever o "fundo de recuperação" do Corona, também fora dos Tratados; ao permitir que essa dívida seja servida por mais dívidas no futuro, deixando que os 750 mil milhões de euros, vendidos como medida de emergência única, se transformem num "avanço histórico" no sentido de uma "capacidade fiscal supranacional" à la française - enquanto, a fim de manter as taxas de juro baixas, deixa parecer aos mercados que, se o pior acontecesse, a Alemanha estaria disponível para oferecer "solidariedade europeia".

Poderá a "Europa" continuar a contar com a Alemanha, com uma eleição cujo resultado é mais incerto do que nunca na história da República Federal? 
Em finais de Agosto, parecia que o próximo governo alemão, o primeiro depois de Merkel, seria uma coligação de três em cada quatro partidos: CDU/CSU, SPD, Greens, e FDP - a AfD excluída do arco costituzionale, 'Die Linke' a lutar para ultrapassar o limite dos 5 por cento, e ambos, em todo o caso, profundamente divididos internamente. 
Qual dos três Kanzlerkandidaten pode acabar como Kanzler ninguém pode prever, o peso-leve Laschet e o sólido Scholz mais prováveis do que o candidato pop-up dos Verdes, Baerbock. 
Quem quer que seja não terá mais de um quarto dos votos e, qualquer que seja o governo tripartidário que se forme, incluirá invariavelmente pelo menos dois partidos mergulhados na ortodoxia política da República Federal. Pode o centrismo estar mais profundamente enraizado num sistema político?

Nações, organizadas em estados, desenvolvem ideias de interesse nacional que reflectem, entre outras coisas, a sua experiência histórica, localização geográfica e capacidade colectiva. 
Ensinados no senso comum político de um país e considerados óbvios pela sua classe política, os interesses nacionais só podem mudar gradualmente. Isto aplica-se na Alemanha de hoje, ainda que aí a ideia de um interesse nacional seja considerada estranha e deva ser envergada como um interesse geral europeu, ou mesmo humano. 
No seu centro está a preservação da União Europeia e, em particular, da União Monetária Europeia - esta última, por feliz acaso, sendo a fonte da prosperidade nacional alemã. 
Mesmo um interesse nacional tão profundamente enraizado como o "pró-europeuismo" alemão pode, contudo, ser pressionado à medida que as circunstâncias mudam, de modo que esforços contínuos parecem aconselháveis para manter vivo o consenso pró-UE. Por exemplo, dos quatro partidos que podem em diferentes combinações de três, formar o próximo governo alemão, dois, CDU/CSU e FDP, terão de ter cuidado com o seu novo concorrente de direita, a AfD, que oferece um conceito diferente, 'nacionalista' do que é bom para o povo alemão. Embora isto não seja suficiente para os tornar 'anti-europeus', poderá forçá-los a serem menos prestáveis a futuros apelos de Bruxelas para um maior europeísmo do tipo pecuniário.

Há já algum tempo que a Comissão Europeia se abstém de publicar informações sobre as contribuições líquidas dos estados membros para o orçamento da UE, de modo a não acordar os cães alemães adormecidos. 
Mas isto não impediu o Frankfurter Allgemeine Zeitung de comprimir os números em si, utilizando dados publicamente disponíveis. Constatou que em 2020, a Alemanha pagou a Bruxelas mais 15,5 mil milhões de euros do que recebeu de volta, com uma contribuição bruta de 26 mil milhões de euros, o que corresponde a 1,74 por cento das despesas federais. 
A Alemanha foi seguida pela Grã-Bretanha (uma contribuição líquida de 10,2 mil milhões de euros), França (8,0 mil milhões de euros) e, de todos os países, Itália (4,8 mil milhões de euros). Ainda não há informação oficial disponível em 2021; mas em Junho de 2020, a Comissão estimou que nesse ano, a contribuição líquida alemã aumentaria mais de 40 por cento, com pagamentos brutos a crescerem em 13 mil milhões de euros. Em parte, isto parece reflectir uma promessa do ministro das finanças alemão, Scholz, de preencher a maioria, se não todas, as lacunas infligidas ao orçamento da UE pela partida britânica.

À primeira vista, o que a Alemanha paga à UE não é mais do que uma ínfima parte das suas despesas federais. Contudo, tal como outros países, o orçamento estatal alemão deixa pouco espaço para despesas discricionárias, talvez tão pouco quanto 5%, pelo que qualquer aumento nas contribuições da UE é susceptível de ser dolorosamente sentido. 
Isto pode tornar-se um problema político, isto é, que os principais beneficiários das finanças da UE sejam as duas ovelhas negras, Polónia e Hungria, com receitas líquidas em 2010 de 13,2 e 4,8 mil milhões de euros, respectivamente. (Em segundo lugar, ultrapassando a Hungria, está a pequena Grécia com 5,7 mil milhões de euros, obviamente um bónus pela assinatura do Memorando de Entendimento de 2015 e a devida substituição do Syriza por um governo propriamente "pró-europeu", ou seja, pró-capitalista). 

Uma vez que o público alemão tende a considerar a UE como um empreendimento educativo e não económico ou geoestratégico, criado para ensinar aos europeus de Leste os valores neo-alemães da democracia liberal com especial ênfase na diversidade, o conservadorismo autoritário nos Estados membros de Leste pode deleitar o apoio fiscal a estes, especialmente em tempos de pressão fiscal. Pode mesmo lançar uma sombra sobre o projecto de "união cada vez mais estreita" como um todo.

Neste contexto, os processos por infracção que a Comissão iniciou contra a Polónia e a Hungria, a mando dos seus partidos de oposição liberal e dos seus aliados no parlamento da UE, podem ser úteis uma vez que envolvem uma ameaça de cortes nos subsídios da UE, a menos que os países em questão cedam em questões como o estatuto do seu poder judicial e a educação sexual nas escolas - os cortes fiscais que poupam o dinheiro dos alemães frugais são um método educativo especialmente apelativo para eles. 

Note-se também o processo por infracção iniciado contra a Alemanha por não reinar no seu tribunal constitucional, pois insiste no dever do governo alemão de impedir instituições europeias como o Banco Central Europeu de restringir a soberania alemã para além do que os Tratados permitem - um procedimento que foi exigido pelos membros Verdes alemães do Parlamento da UE e que não poderia ter sido activado sem a conivência secreta do governo federal alemão.

Será realmente necessária muita cautela? Como Yanis Varoufakis fez saber ao mundo, "O que quer que diga ou faça, a Alemanha no final paga sempre" (embora não a todos, como ele teve de aprender). Isto, porém, foi em 2015, e embora o espírito ainda possa estar disposto, a carne pode entretanto ter-se tornado fraca, sendo uma, capacidade outra. 
Devido ao Corona, a dívida nacional alemã aumentou em 2020 de 60% para 70% do PIB e é provável que aumente em 2021 ao mesmo ritmo, para cerca de 80%. Não há indicações de que o próximo governo alemão, independentemente da sua composição, seja capaz, ou esteja mesmo disposto, a abolir o chamado "travão da dívida" inscrito na constituição em 2009, o que significa que a política fiscal nos próximos anos terá ainda de observar limites estreitos em matéria de novos empréstimos. (Poderá, no entanto, haver mais ondas Corona, causadas por variantes ou sucessores do SARS-CoV-19, o que justificaria mais despesas de emergência). 
Além disso, já antes da pandemia, as infra-estruturas públicas alemãs - estradas, pontes, o sistema ferroviário - tinham diminuído visivelmente nas últimas duas décadas, devido sobretudo à austeridade auto-imposta, destinada a ensinar a outros estados membros da UE que a poupança deve preceder a despesa. Agora o Corona chamou a atenção para outras deficiências nos cuidados de saúde, lares, escolas e universidades, que serão dispendiosas de voltar a colmatar.

E isto está longe de ser tudo. A "viragem energética" de Merkel exigirá, segundo as estimativas actuais, 44 mil milhões de euros em compensação para as regiões carboníferas e fornecedores de electricidade até 2038, e ainda mais se o próximo governo, tal como exigido pelos Verdes, dispensar o carvão mais cedo. Além disso, para reparar os danos causados pelas inundações de Julho de 2021, foi necessário criar um "fundo de reconstrução" de 30 mil milhões de euros, a ser gasto durante os próximos anos. 
Acrescente-se a isto que as inundações podem ter finalmente terminado os dias felizes em que a política climática poderia consistir em compromissos baratos de datas cada vez mais cedo e cada vez mais irrealistas para acabar com as emissões de CO2. 
Em vez de gestos de baixo custo, o que agora parece necessário é um investimento caro em barragens e diques, em florestas menos dadas a pegar fogo, em ar condicionado para hospitais e lares, em corredores de ar fresco para as cidades, e assim por diante. A par de tudo isto, a nova dívida alemã terá de ser servida, enquanto que a nova dívida da UE ("Next Generation EU") poderá vir a ser apenas uma gota de água no oceano.

Esta última provavelmente causará exigências em Bruxelas e nos estados membros mediterrânicos para uma outra onda de dívida da Próxima Geração, a ser subscrita por promessas alemãs, mais ou menos tácitas, de intervir como devedor de último recurso. 
E não se esqueça que todos os partidos políticos alemães de espírito responsável prometeram que a Alemanha aumentará o seu orçamento de "defesa" em nada menos que metade, para 2% do PIB, em euros, de cerca de 46 mil milhões de euros por ano para cerca de 69 mil milhões de euros e mais, dependendo do crescimento do PIB - tal como exigido tanto pelos Estados Unidos, para que a Alemanha possa assustar a Rússia em nome da América, como pela França, para que possa ser útil nas suas guerras do Sahel. 
Para além ou como parte disto, teve de ser prometido à França um sistema de caça franco-alemão, o FCAS, que, segundo estimativas realistas, custará cerca de 300 mil milhões de euros nos próximos dez anos - sendo o projecto oposto pelos militares alemães que acreditam tratar-se simplesmente de uma renovação, com dinheiro alemão, de um sistema francês existente mas difícil de exportar, o Rafale. Com tanta concorrência pelo pouco dinheiro discricionário do orçamento federal, será que o Sr. e a Sra. contribuintes alemães continuarão a defender a "Europa"?

Talvez esta questão esteja mal concebida e a questão já não é como pagar o que é necessário, mas sim o que fazer se o que é necessário se tiver tornado demasiado caro para ser pago. Como hipótese de partida, considerar a possibilidade de os custos colectivos de funcionamento do capitalismo já terem excedido de uma vez por todas o que as sociedades podem extrair do capitalismo para os cobrir - para pagar a paz social, a formação de trabalhadores pacientes e consumidores satisfeitos, a preparação e limpeza após a produção excedentária, a extensão e defesa dos mercados e direitos de propriedade em países distantes, etc., etc. 
O resultado seria, e de facto parece ser, uma gigantesca "crise fiscal do Estado", como evidenciado pelo aumento constante da dívida pública nas últimas décadas, tornado possível pelos Estados sob coacção fiscal, permitindo à indústria financeira criar e empacotar infinitas quantidades de "fiat money" em "produtos" atraentes. Ao pedir emprestado, os Estados podem, desde que tenham crédito, comprar um futuro ao capitalismo, criando simultaneamente fluxos de rendimentos generosos para aqueles que têm dinheiro suficiente para emprestar, os seus direitos passados para os seus filhos e netos. Estes são garantidos por obrigações igualmente generosas para as gerações vindouras daqueles com menos dinheiro, que serão forçados a trabalhar mais e durante mais tempo para pagar o que foi denominado como a sua dívida colectiva ao capital.

À medida que a dívida cresce mais rapidamente do que o capitalismo, o governo das economias políticas capitalistas está a tornar-se um jogo de confiança de uma variedade de Ponzi. O seu lema imortal é "Acredite-me, será suficiente" de Mario Draghi, originalmente emitido para uma audiência em que todos tinham interesse em não notar, e certamente não dizer em voz alta, que as roupas do Imperador há muito que aterraram numa loja de penhores - quanto mais não seja porque são a loja de penhores. 

Na União Europeia em particular, assegurar o futuro do capitalismo com capital fictício toma a forma de um jogo de sinalização a dois níveis: os governos do centro enviam sinais aos governos da periferia que ainda têm reservas, reais ou reputacionais, que podem partilhar - sinais que os governos periféricos transmitem depois aos seus constituintes, alimentando esperanças de mais do que uma "solidariedade europeia" simbólica, esperanças que em breve terão de ser refrescadas por outra injecção de promessas vazias. Nem todos são igualmente bons neste jogo, e entre as razões pelas quais Angela Merkel se tornou tão importante para a UE-Europa pode muito bem estar a sua inigualável capacidade de prometer credivelmente o impossível, o seu desprezo frio pela coerência na política, a sua espantosa capacidade de assumir compromissos incompatíveis e de fazer com que as pessoas acreditem que, a dada altura, ela de alguma forma os tornará compatíveis.

Evidentemente, Merkel foi ajudada por uma classe política "pró-europeia" que não via alternativa a confiar que o mágico alemão adiaria qualquer dia futuro de cálculo até ao fim, se não do próprio tempo, então pelo menos do seu tempo no cargo. Algures no fundo das suas mentes poderia ter residido a esperança de que os recursos necessários para que a Alemanha entregasse efectivamente os seus bens existiriam algures, talvez na cave do Bundesbank e que, com negociações habilidosas e mais pressão político-moral poderiam eventualmente ser extraídos. 
Mas além disso, pareciam suficientemente felizes para contemplar a actuação virtuosa de Merkel como artista Ponzi de desejo político, emissor de fiat trust, se não de fiat money, amante do pagamento adiado da dívida e campeã inigualável da disciplina, essencial em tempos de excesso de rigor fiscal, de impostura política - uma disciplina que eles próprios, confrontados com as suas próprias crises de estado subfinanciado sob o capitalismo global, devem dominar dia após dia.

Serão Laschet, Scholz ou Baerbock capazes de manter a magia viva, de seguir o acto de Merkel quando a periferia europeia da Alemanha precisar de outro adiamento do pagamento, de outra extensão do crédito barato - por exemplo, quando os juros da sua dívida nacional aumentarem apesar dos melhores esforços do Banco Central Europeu? No Verão de 2021 de descontentamento, isto parece realmente duvidoso.