November 28, 2019

O afundamento da civilização já começou e as rebeliões são o seu sintoma e podem ser o seu antídoto salutar





Enfrentamos, hoje-em-dia, dois perigos mortais: a transformação da Terra numa fornalha e a violência dos Estados ineficazes para lhe fazer face.
O aquecimento climático já começou. O lago Tchad está praticamente seco e o Sahara avança 600 metros todos os anos. Os ciclones estão cada vez mais violentos, as tempestades tornaram-se um hábito em França e o Reno, com a sua falta de água já não é uma auto-estrada fluvial da economia europeia.

A inacção dos Estados ao mesmo tempo que o seu zelo em cumprir todas as exigências de um capitalismo destrutivo e é cada vez mais evidente e insuportável. Dizer que a justiça social e a justiça climáticas estão ligadas é um eufemismo. A injustiça social e a incúria climática são duas faces da mesma lógica de exploração devastadora do planeta e de tudo o que vive. A corrida para o abismo é ao mesmo tempo climática, ambiental, económica, social e política pois é o produto de um dispositivo global. O da governança pelos números de uma imensa máquina algorítmica e financeira.

Que importam os relatórios dos especialistas e as promessas nas cimeiras mundiais? Como diz Ken Loach, "já não é preciso um patrão para explorar as pessoas pois a tecnologia encarrega-se disso."
O capitalismo financeiro devasta o trabalho e o ser humano com a mesma aplicação com que devasta o planeta. E a cada minuto que passa nós próprios nos entregamos ao Leviatan numérico digital todas as informações necessárias para a nossa transformação em mercadoria.

A lógica da financeirização, por ser algorítmica, impõe-se a todos: ao Estados, prisioneiro dassuas dívidas soberanas que representam 75% do PIB mundial. É as mercados e não ao povo que os governos prestam contas. À medida que se reduz a sua margem de manobra e que a corrupção se torna mais visível, desesperam os povos de caminhos políticos colectivos possíveis e, esta desesperança é a mãe das rebeliões.

A rebelião é o momento em que o ser vivo se re-materializa exige o seu direito. Sem argumentos e sem legitimidade, a resposta dos governos é sempre a mesma: repressão cada vez mais feroz. Se a política é, como dizia Foucault, a guerra continuada por outros meios, a sua falência abre a possibilidade de uma guerra dos poderes contra os povos. No dia 21 de Outubro o Presidente do Chile, Piñera, disse, "Estamos em guerra contra um inimigo poderoso e implacável que não respeita nada nem ninguém e que se presta a fazer uso da delinquência e da violência sem limites." O mesmo dizia o ministro francês do Interior sobre a mobilização dos gillets jaunes. A violência da reacção dos governos às insurreições de 2019 é a medida do pânico que inspiraram.

Esse pânico foi visível em França, na Algéria, em Hong-Kong. Os governos vão alternando entre repressão e cedência.















Os povos gritam a sua cólera na Venezuela, no Sudão, no Haiti, no Senegal, na Algéria, no Chile, na Bolívia, nas Honduras, na Guiné Conakry, na Catalunha, em Teerão, como antes na Tunísia e n o Egipto. As semelhanças são idênticas. São rebeliões sem preparação, massivas e largamente populares, resilientes face à violência do Estado.
Surgem ligadas a práticas governamentais sentidas como ameaças à sobrevivência e ao modo de vida ou à liberdade das pessoas e famílias. Não têm, nem ideologia subjacente, projecto político conhecido ou estratégia revolucionária. São movimentos que exigem democracia, justiça, igualdade e moralidade pública.

Vivemos num tempo marcado pelo aumento das rebeliões civis no mundo que parecem ligadas à mundialização numérica e financeira e às suas três lógicas sócio-políticas dominantes: acentuação considerável das desigualdades, financeirização dos dispositivos de governança que alimentam a corrupção das elites e crise dos sistemas políticos, nomeadamente de representação. Este último ponto é essencial. Por culpa do falhanço do sistema de mediação, todas os sofrimentos, tensões sociais e conflitos se tornam potencialmente explosivos. É por isso que as rebeliões, em partes do mundo tão diferentes, se assemelham tanto.

O acentuar das desigualdades e a visibilidade crescente da corrupção minam irremediavelmente a legitimidade dos Estados que já só têm a violência para se fazer respeitar.

Duas décadas de rebeliões:
    2001 : 19-20 décembre soulèvement en Argentine contre le FMI, la dette et l’austérité. « Que se vayan todos »16
  • 2005 : 27 octobre-17 novembre : émeutes en France après la mort de deux jeunes, Zyed et Bouna.
  • 2006 : Mars : mobilisation et blocages contre le Contrat Première Embauche en France.
  • 2008 : émeutes contre la vie chère au Burkina Faso, au Cameroun, au Mozambique (février), au Sénégal (mars), au Bangladesh, en Côte d’Ivoire, en Égypte, à Haïti (avril), en Somalie (mai).
  • Du 6 au 31 décembre : émeutes en Grèce après la mort d’Alexis Grigoropoulos tué par la police.
  • Mars : émeutes au Tibet Chinois.
  • 2009 : 13 juin jusqu’à fin juillet : soulèvement en Iran après la victoire annoncée de Mahmoud Ahmadinejad à l’élection présidentielle.
  • Janvier-mars : grève générale contre la vie chère aux Antilles françaises.
  • Juillet : soulèvement Ouïghours dans le Xinjiang (Chine)
  • 2011 : année du « printemps arabe » : soulèvements en Tunisie, en Égypte, en Libye, au Yémen, en Syrie, au Bahreïn, en Algérie, en Jordanie, au Maroc.
  • 15 mai : lancement du mouvement des Indignés en Espagne.
  • Juin : manifestation et émeutes contre la réforme constitutionnelle au Sénégal.
  • 6-11 août : émeutes en Angleterre (Londres, Birmingham, Leeds, Liverpool, Bristol, Salford, Manchester et Nottingham) après la mort de Mark Duggan, tué par la police.
  • Octobre : lancement d’Occupy Wall Street.
  • Septembre : début de la révolte contre la corruption de Wukan (Guangdong) en Chine.
  • 2012 : « Printemps érable » : mobilisation étudiante au Québec.
  • Janvier mars : révolte contre la corruption de la ville de Wukan  (Guangdong) en Chine.
  • Février-avril : révolte contre les projets hydroélectriques en Patagonie (Aysen).
  • 2012- 2015 : montée exponentielle des attentats djihadistes dans le monde.
  • 2013 : Mai-juin : occupation de la place Taksim à Istanbul et affrontements dans toutes les villes du pays.
  • 21 novembre : début de l’occupation de la place Maidan à Kiev.
  • Juin-juillet : mobilisation contre le prix du bus puis contre la corruption au Brésil.
  • 2014 : Janvier- février : occupation de la place Maidan à Kiev.
  • Mai à juillet : manifestations et émeutes contre le Mundial à Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Guarulhos, Brasília, Belo Horizonte, Salvador de Bahia, Fortaleza, Curitiba.
  • Novembre décembre : mouvement des Ombrelles à Hong Kong.
  • Août : émeutes à Ferguson après la mort de Michael Brown, tué par la police.
  • Octobre : soulèvement au Burkina Faso contre la réforme constitutionnelle et le cinquième mandat de Blaise Compaoré.
  • 2015 : Avril : émeutes à Baltimore après la mort de Freddie Gray, tué par la police.
  • 2016 : Mai : affrontements lors de la mobilisation contre la loi Travail en France. Nuit debout.
  • Émeutes contre la pénurie au Venezuela.
  • 2017 : Janvier : 69 émeutes au Mexique en raison du prix du carburant.
  • Avril à juin : 109 pillages et émeutes au Venezuela contre la pénurie et le régime.
  • 2018 : Janvier : 26 émeutes en Tunisie liées à la vie chère.
  • Janvier : 32 pillages et émeutes au Venezuela contre la pénurie.
  • Avril-mai : résistance de la ZAD de Notre-Dame-des-Landes
  • Mai-septembre : violente mobilisation contre Ortega au Nicaragua.
  • Juillet : violentes manifestations contre la corruption en Irak.
  • Novembre-décembre : soulèvement des Gilets Jaunes et mobilisation lycéenne.
Affrontements lors de mobilisations sociales, urbaines et écologiques
2014
2015
2016
2017
2018
Afrique
85
63
88
128
187
Amérique
131
140
187
200
161
Asie
56
52
35
51
49
Europe
88
31
140
36
174
Total
360
286
450
415
571
Estas vagas sucessivas de revolta não têm escatologia revolucionária nem vontade anarquizante de destruição das instituições. São rebeliões contra a corrupção e a incompetência. A corrupção não tem cor política e alimenta a desesperança global.

A crise profunda da governabilidade combina-se com a perda da visão de um futuro comum. A ameaça da guerra de todos contra todos já se manifesta na crise dos migrantes no Mediterrâneo. O medo das minorias como germes de destruição de uma identidade nacional. Germes de uma desagregação bélica da humanidade num momento em que mais necessitava de unidade. Como dia Harald Welzer, "É necessário um renascimento do pensamentos político enquanto crítica de todo o limite das condições de sobrevivência do outro."

O que faz a Humanidade é a consciência de si mesma e a sua consciência do tempo, da capacidade de sonhar, de esperar, de inventar e de se inventar. O consentimentos dos pobres alimenta-se de uma esperança ou de um medo. A mobilização política tanto capta os sonhos como as cóleras. Ora, os poderes não estão em condições de desenhar um futuro. Os chilenos gritam, "eles roubaram-nos tudo, até o medo." Se hoje-em-dia governar cada vez mais se assemelha à guerra é porque a abolição de um futuro está a tornar os povos ingovernáveis.











O desafio hoje não é o de salvar a democracia representativa mas o de reunir o povo na procura de um futuro comum, uma ética comum.

Ao contrário do que dizem os colapsólogos, o afundamento tanto anunciado não será um afundamento técnico-económico que, de um dia para o outro, porá fim à nossa civilização e, consequentemente, à política. O afundamento anunciado já começou. É no terreno político que ele se manifesta numa escala planetária e as rebeliões não são a causa desse afundamento. Elas são o seu sintoma e podem ser o seu antídoto salutar.

Alain Bertho in le-ffondrement-a-commence-il-est-politique/?
(tradução -sintetizada- minha)

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