No «Anel dos Nibelungos» de Wagner ou no «Anel de Giges» de Platão? Tolkien, a quem perguntaram mais que uma vez se tinha baseado a sua obra no Anel de Wagner, disse sempre que a única coisa que havia de comum entre os dois anéis era ambos serem circulares. No entanto Tolkien não negava a influência da Edda poética, os versos islandeses que são a fonte da mitologia nórdica, na criação de personagens como os Elfos ou os Hobbits.
Contudo, o mito do anel invisível que Tolkien usa, esse mito não vem das sagas islandesas do século XIII, mas do mito de Giges que é referido no Livro II da República de Platão. Platão põe Glaucon, um dos intervenientes no diálogo que versa sobre a questão de saber se as pessoas são intrinsecamente boas ou más e se, portanto, podendo fazer o mal sem serem apanhadas o fariam, põe Glaucon, como dizia, a defender que a moralidade tem que ser imposta coercivamente porque não é natural.
Glaucon usa o exemplo do anel invisível de Giges, um pastor que encontra um anel numa caverna, na mão de um esqueleto, com o poder de tornar invisível quem o usa, para mostrar que não há uma moral intrínseca e que a justiça é um constructo humano.
Na história de Glaucon, o pastor usa o anel que lhe permite agir de modo imoral mas inconsequente, para seduzir a rainha, matar o rei e tomar o poder.
No conto de Tolkien o anel é encontrado, não por um pastor mas pelo Hobbit, Frodo Baggins, também ele um ser muito afastado do poder que o anel transforma. Também em Tolkien o anel dá a quem o usa a invisibilidade, logo um poder extraordinário e, geralmente, corruptor.
Ambos os autores, Platão e Tolkien defendem a moralidade mas enquanto Platão a defende pelo constrangimento da lei, sem a qual todos agiriam como Giges, Tolkien defende-a como uma escolha voluntária alicerçada numa tendência interna para o bem ou, inversamente, para o mal e para a imoralidade.
Tanto para Platão como para Tolkien a vida imoral tem como consequências, para o próprio, a agonia mental (Gollum é um exemplo), a perda de amigos e de entes queridos e o vazio interno, uma espécie de apetite e gula que nenhum alimento consegue satisfazer.
Nenhum poder do mundo compensa essa agonia do vazio interno.
Mais que uma personagem na obra de Tolkien se sente atraída pelo anel, alguns com boa intenção mas incapazes de resistir à sua capacidade de poder desmedido.
Para Platão nenhuma alma resiste ao poder corruptor de um tal anel/poder e só a lei constrange e moraliza.
Em todos os casos, porém, Platão, Wagner e Tolkien, o anel é uma pergunta sobre o poder desmedido e inconsequente, o lugar da moral e da salvação ou perdição humanas.