Os corpos de dois empresários do Azerbaijão mortos pelo FSB russo em Yekaterinburg tinham os órgãos genitais cortados. Este é um sinal demonstrativo de violência muito típico da Rússia.
Em Abril, a Rússia enviou o corpo da jornalista ucraniana Viktoriia Roshchyna para a Ucrânia - com os olhos arrancados. Os políticos ocidentais ingénuos que perguntam, «por que os russos fariam isso?» não entendem nada sobre a Rússia.
Para a Rússia, esse sinal visível de tortura é uma parte essencial da pressão que exercem sobre o adversário. Eles querem que o adversário saiba exatamente que tipo de terror eles usam. Aqui está uma citação do livro The Gate of Europe, de Sergio Plokhii:
«Os servos czaristas queriam que os seus súbditos percebessem que não estavam a brincar. Em janeiro de 1660, os comandantes militares de Moscovo enviaram uma mensagem a Khmelnytsky. Um jovem hetman recebeu o cadáver de Daniel Vygovsky, irmão do antigo hetman e de Yuri Khmelnitsky, que caiu nas mãos dos moscovitas. Danylo foi torturado até à morte. O que o hetman viu no caixão fê-lo chorar. «Todo o seu corpo estava dilacerado por chicotadas, os olhos arrancados, as orelhas viradas do avesso com uma broca e inundadas com prata derretida», relatou um diplomata polaco que estava presente naquele momento. «Os seus dedos foram cortados. As pernas foram cortadas ao longo das veias. Em suma, foi uma selvageria sem precedentes.»
Sergej Sumlenny, LL.M - cientista político alemão, especialista em segurança e fundador do Centro Europeu de Iniciativas de Resiliência.
Este tipo de brutalidade é comum a todas as organizações e Estados terroristas. Veja-se os Talibãs, o Hamas, o Estado Islâmico Iraniano e outros do género. Os nazis. Usam a extrema violência e terror como forma de pressão. Usam-na, arbitrariamente, tanto contra os inimigos exteriores como contra o próprio povo para criar um profundo medo e assim retirar agência e submeter a vontade.
Uma vez que se compreenda o funcionamento destes grupos e Estados, não é difícil perceber a 'lógica' das suas jogadas e até prevê-las, até certo ponto, porque jogam sempre da mesma maneira.
Aqui no Ocidente há dificuldade em perceber este modo de operar porque temos décadas de educação para a argumentação e diálogo, para a racionalidade e os direitos humanos. Mas este povos e grupos vivem num registo pré-2ª Grande Guerra.
Costumávamos ter as Nações Unidas como um fórum de racionalidade comum. A racionalidade é o que temos de comum, a cultura é emocional e distingue-nos constantemente, não sendo, por isso, um bom instrumento, para a convivência universal. Hoje-em-dia a racionalidade está sob ataque mas é a racionalidade que sustenta os direitos humanos, a igualdade de direitos das mulheres, dos gays, das minorias, etc.
Quando Descartes disse, "o bom senso [o nome que dava à razão] é a coisa mais bem distribuída do mundo", instaurou o início de uma época em que se buscava um chão comum nessa racionalidade que partilhamos universalmente. Sem ela não teríamos os mesmos direitos - como aliás ainda não têm as sociedades que não se orientam pela racionalidade mas pela religião ou pela ideologia.
Na segunda metade do século XX culparam erradamente a racionalidade e a ciência das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e instauraram o reino do emotivismo.
Guterres é um grande defensor do emotivismo, de dar primazia ao que se sente e à conta disso transformou a ONU numa organização de validação de emotivismos. Usa sempre termos catastróficos para exacerbar emoções. Ora, o emotivismo é subjectivo, pessoal e culturalmente e não proporciona um chão comum de entendimento. Relativiza todos os assuntos e remete-os para tradições e emoções superficiais de que se usam estes grupos para ganhar poder.
Não por acaso, desafiando a mais básica racionalidade, nos dias que correm aceita-se que um homem seja uma mulher porque sente que o é e o que cada um sente os outros têm de aceitar como verdade porque os sentimentos são reais - confunde-se a realidade emocional, que é transitória e subjectiva, com a verdade ontológica e epistemológica.
Tendo assinado a Carta dos Direitos Humanos, todos estes estes povos brutais, naquele fórum, punham de lado as suas emoções e tradições e regulavam-se em termos globais, por relações baseadas na racionalidade comum. Isso acabou com o domínio do emotivismo e daí os direitos das mulheres estarem em queda, as religiões e ideologias estarem em ascensão e a racionalidade estar cada vez mais arredada das conversas de paz e entendimento entre os povos.
Deixo aqui duas sugestões, uma sendo um livro sobre o tema da paz e outra um programa sobre a compreensão dos povos brutais, neste caso, a Rússia.
O livro é este. É um livrinho pequeno com pouco mais de 100 páginas, de António Marques (que foi meu professor na FSCH), numa coleção sobre os valores coordenada pelo André Campos (prof. da FSCH, que foi meu aluno na escola) que reconstrói a história da racionalidade da ideia de paz desde a origem nos séculos XVI-XVII, com Grotius, até Kant, com a sua ideia de paz perpétua que levou ao nascimento da ideia das Nações Unidas. Lê-se muito bem e esclarece, por contraste, o que se passa nesta nossa época perigosa de emotivismo exacerbado.
O site do YouTube, da autoria de Sergej Sumlenny, onde explica como compreender a Rússia, é este:
A recomendação é de Martha C. Nussbaum, uma professora de Filosofia na Universidade de Chicago, uma das mais importantes pensadoras actuais sobre ética, direito e política.
Era Uma Vez Um País: Uma Vida Palestiniana, de Sari Nusseibeh, é o livro que Martha Nussbaum aconselha para dar subtileza e complexidade à busca da paz por parte dos estudantes.
Nusseibeh, antigo reitor da Universidade Al-Quds, em Jerusalém Oriental (ainda lá ensina filosofia), há muito que prossegue uma busca de cooperação, de compreensão mútua e de paz baseada em princípios filosóficos e éticos, com uma integridade sem paralelo, mesmo quando ambos os lados da barricada o ameaçaram, e continua a ser um exemplo de esperança fundamentada.
"Only Ukraine has the right to decide about its future."
Addressing Ukraine's parliament, Polish President Andrzej Duda slammed those in Europe pushing Kyiv to make concessions to end the war. pic.twitter.com/rsfZLmrbF6
Enquanto as partes falam e mantêm uma rotina de normalidade há esperança mas quando uma das partes abandona o campo, abandona também o entendimento e isso só pode ser interpretado como uma desistência. Das duas uma: ou os EUA têm a certeza que a invasão russa vai acontecer mesmo e agora e, nesse caso, percebe-se a retirada ou, não têm essa certeza e are calling the Bluff, o que é muito perigoso porque Putin não é o tipo de pessoa que aceite perder face. Se retiram o seu pessoal da embaixada, outros países farão o mesmo e isso é um sinal claro de abandono do campo ao inimigo.
Responsáveis norte-americanos, que pediram o anonimato, indicaram à AP que o Departamento de Estado planeia anunciar, ao início do dia (hora local), que todo o pessoal dos Estados Unidos da embaixada de Kiev será obrigado a abandonar o país por considerar “uma invasão russa iminente”.
Há muitos anos, o zoólogo americano Gaylord Simpson rebateu aqueles que questionavam a realidade de um mundo exterior dizendo que o macaco que não reconhecia a representação correta do ramo para o qual pretendia pular não era um de nossos ancestrais. Hubert Markl observou acertadamente que aquele que não deseja perceber a realidade já falhou em fazê-lo. A qualificação da declaração um tanto provocativa de Beuys 'tudo é arte e todos são artistas' pode ser vista neste contexto.
No prefácio do livro de Walter Schurin, Pintura Austríacaapós 1945, Hbert Ehalt escreveu: "Antigamente eram as aptidões artesanais que eram aprendidas e praticadas com muita perseverança; agora, há um fluxo constante de novas ideias e discursos sobre o que constitui a obra de arte. Desta maneira, as artes cada vez mais se separam das tradições e de critérios sólidos consensuais; tornaram-se mais intimamente ligadas ao contexto e ao tempo. Pode-se perguntar se, quando a ideia dessas obras relacionadas ao contexto estiver fora de moda, só restará um depósito de materiais e uma história intelectual de discursos.
Talvez haja mais qualquer coisa por detrás deste desenvolvimento. Apesar de em todas as épocas ter havido fraudes [na arte] que encontram um mercado, hoje em dia não é preciso grande esforço, basta ser um bocadinho esperto e desavergonhado. Pergunto-me se as mudanças no ambiente visual em que tanta gente cresce não desempenham um papel no gosto contemporâneo.
Poucas crianças hoje em dia passaram pela experiência de ver a maravilha de como as lagartas se transformam em borboletas, como as larvas da libelinha saem da água e sobem pelos juncos e como a libélula adulta emerge de suas costas. Raramente podem deitar-se de costas num campo de flores perfumado num dia ensolarado de início de Verão, quando os malmequeres e a sálvia estão em flor, para sonhar com as andorinhas que descrevem arcos no alto céu azul, ver os escaravelhos rastejar pelas arestas das folhas da erva, o enxame de insetos na extensão branca das flores e os zangões e outras abelhas na busca ansiosa do mel.
Não é possível que as pessoas que cresceram nos ambientes industriais artificiais das metrópoles modernas, que muitos considerariam feios, tenham sido alterados em resultado desses ambientes? E, sendo assim, isso não poderia, em parte, explicar a moda de montagens de objectos e materiais ignóbeis? Como consequência deste desenvolvimento o sentimento pelo belo da natureza diminui e é acompanhado por uma quebra de valores que ameaça a nossa relação com a natureza e, por arrasto, a preservação da comunidade de vida fundamental para a nossa sobrevivência.
Isto não quer dizer que a arte deva representar apenas o que é belo. Goia, ao representar as atrocidades da guerra, segura um espelho diante de nós que acorda o horror. Os artistas experimentam e provocam. No entanto, o valor pedagógico e pacifista do Belo não deve, como resultado, desaparecer no esquecimento.
Somos uma espécie tremendamente bem sucedida que num século apenas, progrediu da era mecânica para a electrónica e fez as primeiras viagens no espaço. Hoje, com mais de seis mil milhões de pessoas, povoamos os últimos lugares inabitados da Terra; com as nossas técnicas actuais entrámos no processo de destruir o ambiente que é a base da nossa existência.
Temos de adotar um ethos de sobrevivência que leve em conta, não apenas o nosso futuro, mas o dos nossos netos. A necessidade de desenvolver esse ethos de sobrevivência -calcular as consequências, para as futuras gerações, das nossas acções presentes- é-nos óbvia a um nível racional mas a implementação prática deste conhecimento é emperrada pela tendência fatal de competição no aqui e agora.
Aqueles que não experienciaram a natureza em toda a sua beleza e, por isso, não desenvolveram em si sentimentos de respeito por ela, serão os mais tentados a seguir os seus interesses egoístas e de vistas-curtas, sob o principio de depois de nós o dilúvio sem consideração pela natureza ou pelos nosso netos.
Isto foi hoje que a água estava tão límpida que se viam muito bem os peixes... e eles a nós. Pus-me a fugir dum pequeno cardume de cavalas porque li no jornal que há por aqui tubarões que gostam de cavalas e elas sempre a nadar atrás de mim. Saí da água com a boca roxa e os dedos engelhados, mas satisfeita. Hoje até consegui dar umas braçadas de mariposa.
A caminho de casa comprei o Público e estou aqui a ler enquanto como uns cubos de melancia. Fui dar com duas notícias da realidade:
A 1ª é para quem ainda tem dúvidas acerca de como as coisas se passam neste mundo já sem democracias a operar a não ser virtualmente.
A 2ª é para que se veja o estado a que chegou o ensino. Quando estes são os objectivos do ensino da nossa Língua: no 6º ano (alunos com 11 ou 12 anos) os alunos devem aprender a escrever textos com parágrafos... e devem intervir em blogs e fóruns. Desde quando aprender a escrever textos com parágrafos não se faz no 2º ano com 7 anos e só se faz cinco anos depois...? E intervir em blogs? Como é que me posso admirar dos alunos me chegarem ao 10º ano sem saber ler e escrever se a ambição assumida é esta?
Tratam os alunos como atrasados mentais... eles comportam-se como tais...
Finalmente, assegura-se que no ano que vem os exames têm outra vez a mão milagrosa do IAVÉ Maria cheia de Graça.
Não tenho esperança nenhuma no futuro do ensino quando o presente é a renovação da mediocridade aceite por todos e anunciada como progresso nos jornais.
Bem, estamos de férias e não estou para me chatear. Vou tomar banho e fazer o almoço, que estou cheia de fome. Voltei à minha rotina de 10 mil passos diários e ando a estudar a Fenomenologia de Hegel ao mesmo ritmo da natação na praia que são 30 braçadas, pausa, 30 braçadas... aqui são 30 minutos, pausa, 30 minutos...
A estudar Hegel com motivação e empenho descobri que o problema de ter levado muito tempo a perceber Hegel devia-se menos à minha burrice e inexperiência filosófica e mais à falta de jeito dos outros em explicá-lo. É que descobri por aí na net pessoas que o explicam muito bem. What a difference a good teacher does.
Temos aqui família e amigos perto mas ninguém fez o teste do Covid de modo que estamos em férias versão tranquilidade conventual.
Uma pintora no início de carreira, filha de pais artistas, desassossegada e à procura de inspiração que lhe abra um caminho, a viver em NY num espaço exíguo (um apartamento Mondrian, como ela diz) no meio de uma família agitada, vai para o Norte da Noruega, para uma ilha, trabalhar como assistente de um artista que tem uma obra para acabar - um celeiro que quer pintar todo em tons de amarelo, por dentro e por fora.
A rapariga traduz tudo o que vê em paletas de cor, figuras e texturas de pinturas conhecidas. É assim que vê uma mulher que trabalha no supermercado lá do sítio e se sente inspirada para pintá-la - lembra-lhe os anjos renascentistas.
O cenário do filme são aquelas paisagens enormes, cheias de força e, ao mesmo tempo, silêncio, dos sítios muito a Norte, onde não mora quase ninguém. Uma simplicidade e um despojamento inspiradores, contrastante com as emoções humanas.
Tem cenas belíssimas. Quando a rapariga do supermercado entra dentro da caravana onde ela dorme e pinta nas horas vagas e se despe. O corpo dela extravasa aquele espaço exíguo e um bocado caótico, é radiante e real e parece, só por si mesmo, uma pintura. Há uma frase no filme em que ela diz que quando olhamos para a natureza percebemos que não lhe acrescentamos nada. Só temos que estar aí. Outra cena belíssima é quando o celeiro fica acabado e tiram os plásticos e ela está dentro do celeiro e parece estar-se num dia de sol quente e radioso no sul da Europa e não naquela paisagem sempre parda, por causa da reflexão da luz que entra pelos interstícios da madeira e se projecta nos tons amarelos.
Um filme sobre encontrar sentido, encontrar um olhar próprio, ver as pessoas na sua naturalidade, ultrapassar o desassossego da dispersão, da confusão, sobre encontrar paz. Um filme sobre a luz que irradia das coisas e das pessoas.
Um daqueles filmes que, tal como uma pintura ou uma poesia, pode ver-se muitas vezes sem nos cansarmos.