April 09, 2025

Uma atitude filosófica

 


Nos diálogos [platónicos], a conversa filosófica envolve uma espécie de jogo de papéis, com uma pessoa a actuar como “construtor de teorias”, que tenta estabelecer a verdade de uma ideia, e a outra a actuar como “refutador”, que tenta derrubar a ideia. Isto resolve um aparente paradoxo entre os dois compromissos de uma boa investigação: procurar a verdade (e, portanto, ter alguma confiança de que a encontrámos) e evitar a falsidade (e, portanto, ser céptico quanto à posse da verdade). - OLÚFÉMI O. TÁÍWÒ

Entendido desta forma, o método socrático divide o trabalho entre as pessoas, atribuindo-lhes papéis diferentes. Um dos papéis é o de afirmar e o outro, o do filósofo, é o de refutar - não para negar, per si, mas para encontrar os erros das afirmações e corrigi-los - fortalecê-las, rectificá-las ou substitui-las. A questão é que a maioria das pessoas vive vidas não examinadas em sociedades acríticas e afastados dos seus princípios. 

No final deste período conversei com os alunos do 11º ano (dado que estamos a um mês e uma semana do fim das aulas de filosofia - talvez nunca mais voltem a ouvir falar de filosofia) sobre o que espero que tenham guardado e desenvolvido nestes dois anos de aulas: pontos de referência filosóficos para pensar em problemas humanos, que são os deles; distanciamento crítico em relação à realidade; resistência ao dogmatismo; procura de informação em fontes fidedignas em vez de acreditar em tudo que lhes aparece à frente; capacidade de detectar erros em raciocínios; desconfiança das suas próprias 'verdades'; coragem moral para ser crítico, filosófico, nos ambientes em que estão e para não compactuar com maldosos e hipócritas, mesmo que isso implique sacrifício; desenvolver a empatia pelos outros e não confundi-la com o emotivismo fácil. 

É muito difícil, disseram-me eles, ser essas coisas todas. Pois é, mas não é obrigatório sê-las todas de modo perfeito o tempo todo. É uma trabalho em curso com avanços e recuos, mas é isso que significa a frase, Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida e também a outra, mais vale sofrer injustiças do que cometê-las.

Outro dia resolvi escrever qualquer coisa no Linkedin. Era isso ou apagar aquilo completamente porque não tinha lá nada e é uma plataforma que não tem que ver com a minha actividade, mas como tenho lá muitos ex-alunos e gosto de saber o que andam a fazer, resolvi pôr ali as formações que fiz ao longo da vida. Descobri que, excepto em dois ou três anos, todos os anos fiz, pelo menos, uma formação. Este ano lectivo já fiz quatro, por exemplo. Enfim, um ex-aluno de há mais de quinze anos viu aquilo e mandou-me uma mensagem, 'professora, não sei se se lembra de mim, fui seu aluno assim e assado, gostei de ver notícias suas e queria dizer-lhe que nunca me esqueci das suas aulas e que o espírito crítico que aprendi consigo tem-me ajudado muito na carreira profissional'. Lembro-me perfeitamente dele e da sua voz de locutor de rádio. Um professor fica sempre contente quando ex-alunos validam o nosso trabalho naquilo que consideramos o mais importante: não o ficar com preceitos filosóficos na memória, mas sim desenvolver uma atitude filosófica.

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