Uma actividade de que nenhum professor gosta. Enfim... tenho duas turmas do 11º ano de quem gosto bastante. São turmas razoáveis, cada uma com um grupo de bons alunos interessantes e interessados -uma delas é especialmente participativa-que gosta de discutir não apenas os assuntos da aula que contam para a nota, mas também os problemas do mundo relacionados. Já sabem aplicar conhecimentos. Por exemplo, se estão a trabalhar um texto complexo fazem uma análise cartesiana; se estão a fazer questões de escolha múltipla onde o modo como as proposições são enunciadas importa para a sua V ou F, sabem aplicar a lógica para distinguir a quantidade do sujeito e do predicado; gostam de detectar falácias na argumentação (embora nem sempre se lembrem do seu nome); em face de um problema já são capazes de pensar várias hipóteses possíveis de explicação. O ambiente na sala de aula é muito agradável e trabalhamos bem. São colaborativos. Vou ter saudades destas duas turmas. Este tipo de turmas com alunos curiosos e disponíveis para aprender vai sendo cada vez mais raro.
Porém, quando começo a ler as respostas dos testes, a maioria está abaixo das expectativas, pela razão de não saberem exprimir-se por escrito: grande déficit de vocabulário; falta de objectividade; dificuldade em desenvolver uma ideia tendo de encadear raciocínios, perceber as partes de um problema, justificar as ideias com razões válidas, que é uma parte importante do conhecimento e é obrigatória... textos confusos onde misturam ideias diferentes como se fossem uma coisa só, onde convertem as causas em efeitos. Muita falta de rigor.
Isto deve-se, penso, às políticas de reduzir o ensino ao concreto imediato e falar do que é abstracto como se fosse vago e inútil - como se as ciências não fossem abstratas e proposicionais e como se não fosse importante dominar os princípios que podem aplicar-se, independentemente da mudança da realidade imediata. Políticas de ensinar o português suficiente para a utilidade de saber escrever um email ou um artigo de jornal. Reduzir, reduzir, abreviar, abreviar. Eliminar tudo o que obriga a um pequeno esforço, logo desde que entram para a escola. Qualquer coisa está a falhar no ensino da língua. Leio que agora, os alunos da primária já não usam verbos e escrevem coisas como, 'ontem, borracha', para dizer, 'ontem perdi a borracha'.
Estas estratégias [anti]educativas são uma traição que se faz aos alunos desde muito cedo (não há potencial que resista a falhas tão profundas) e uma falta de visão estratégica, não imediata (estatísticas de sucesso) do futuro do país.
Aquele arremedo a que chamam prova final do 9.º ano tem, salvo erro, 21 perguntas, 17 ou 18 das quais são de escolha múltipla. O que se aprende, teste ou evidencia com este tipo de «prova»?
ReplyDeleteA questão da escrita deriva - e muito! - da leitura. O melhor professor da escrita chama-se leitura, leitura daquela «a sério», não a das redes sociais de forma genérica. Há muito projeto de promoção da leitura e tal, há as bibliotecas escolares, mas, se não houver algo que impacte a sério em termos de avaliação, os alunos não querem saber. Às vezes, é necessário comermos algo de que não gostamos. Mas a tendência atual não tem nada a ver connosco. E a culpa também é nossa. Por exemplo, uma colega de Inglês disse, hoje, que lê os testes aos alunos do 11.º ano e que os explica em português. Nós, no equivalente ao atual sexto ano, não tínhamos leitura de teste nenhum nem nenhuma explicação prévia, em português, inglês ou esperanto.
Essa professora de inglês será uma excepção. Que eu saiba os professores de línguas falam sempre na língua que ensinam.
DeleteQuanto menos os alunos lêem mais difícil é pô-los a ler qualquer coisa. Muitos já só fazem as questões de escolha múltipla dos testes e deixam por fazer as outras em que têm de explicar qualquer coisa.