September 09, 2024

Uma entrevista com Andreas Eshete (1942-2024)

 

(excerto final)


WOUBSHET: Enquanto alguém mergulhado no pensamento ocidental, em particular na filosofia ocidental, quais são as sensibilidades etíopes que trouxe para as tradições ocidentais?

ESHETE: É uma pergunta difícil. Não tenho a certeza. Uma delas é que me lembro de Ato Tekle Tsadiq Mekuria, um historiador de renome, durante o período Derg. Eu estava a dar aulas na Universidade de Penn e ele veio visitar-me. Era suposto Filadélfia ser uma cidade histórica, por isso levei-o ao local onde se reuniram os primeiros congressos e onde foi redigida a Constituição e a Declaração de Independência. Mostrei-lhe o Sino da Liberdade e assim por diante. Ato Tekle Tsadiq olhou para o Sino da Liberdade e perguntou: “Quantos anos tem isto? e eu disse-lhe e a sua reação foi: ‘Bem, isto não é história, é apenas um artefacto contemporâneo’.
O sentido da história é algo que os etíopes têm. Se pegarmos na escrita etíope mais antiga e pegarmos na escrita americana, esta última é de ontem. Por isso, penso que uma coisa que um etíope traz ao pensamento ocidental é a profundidade e a extensão do passado. 
Coisas como Aksum e outras fazem parte da nossa auto-imagem pessoal, não apenas da auto-imagem nacional. Por isso, quando pensamos em civilização, por exemplo, não estamos simplesmente a pensar na Ford. Isso ajuda. 
Isso em filósofos ilustres que não são do Ocidente. Não é por acaso, na minha opinião, que Amartya Sen, ilustre economista-filósofo, se debruçou sobre a fome e a pobreza na Etiópia e foi por isso que ganhou o Prémio Nobel, não por economia técnica. 

WOUBSHET: Ao considerar as riquezas da cultura etíope, onde é que se dirige para procurar uma sensibilidade que lhe fale a si pessoalmente, mas que também diga algo sobre a cultura como um todo?

ESHETE: Certamente a literatura da Igreja, da qual não conheço o suficiente, mas deixe-me dar-lhe um exemplo de uma santa etíope. É uma história que Ephraim Isaac gosta de repetir e que eu adoro. Ela viveu durante o Zemene Mesafint, por vezes chamado a Era dos Príncipes, referindo-se a uma época em que toda a gente lutava contra toda a gente.
Estava profundamente perturbada com o facto de o seu país estar a ser destruído, por isso começou a rezar: “Senhor, por favor, traz a paz ao meu país” - uma grande oração, é importante.  E há muitas pessoas assim, mais modernas, como Mengistu Lemma, Eskundir Bogossian - pessoas que eu conheço. 
Conheço-os muito bem, são grandes inspirações e não só porque eram etíopes, mas também muito influenciados pela cultura cosmopolita. 
Afinal de contas, estava a mencionar as coisas que nos influenciam a partir do Ocidente, mas é claro que se pegarmos no melhor e no mais original da cultura americana, o que temos é africano. É o jazz. É o blues. É a escrita, a poesia e outras formas de arte que são influenciadas pelo jazz, blues, etc. Por isso, mesmo quando olhamos para eles não vemos algo estranho, pois o que nos inspira é o que eles fazem de melhor.

WOUBSHET: Uma semelhança clara que vejo entre as culturas afro-americana e etíope é o nexo sagrado-secular, que é decisivo em ambas. Pode dizer-nos alguma coisa sobre esta relação? Pergunto isto, em parte, porque sinto que na Etiópia de hoje, as pessoas, especialmente os jovens, estão a tornar-se cada vez mais rígidas e dogmáticas nas suas crenças religiosas.

ESHETE: Se pensarmos no caso americano, a América deve ser, de longe, a sociedade moderna mais religiosa. Mas uma área em que, como diz, o laço sagrado-profano é fértil e enobrecedor, e não degradante, é a das igrejas e da cultura afro-americana em geral. Não sou religioso, mas sempre me senti em casa nas igrejas afro-americanas, quer se trate da igreja Abyssinian em Nova Iorque, ou da que havia na esquina de onde vivia, em Filadélfia, onde havia uma igreja abolicionista, a primeira igreja abolicionista Estava perfeitamente à vontade com a música, com o serviço, o entusiasmo, a mentalidade comunitária, o empenhamento cívico que vem destas igrejas, enfim, tudo. 
O que eu acho escandaloso em termos de religião, e não tem nada a ver com o sagrado, são os evangelistas políticos a quem devemos Bush.  
Penso que agora veremos muito disso aqui mesmo na Etiópia - o sagrado, tal como aparece, por exemplo, na música de Yared ou na pintura imortal do crucifixo de Gebre Kristos, é maravilhoso. Só um etíope, penso eu, teria feito este tipo de coisa - um crucifixo expressionista alemão, mas altamente etíope, porque na Etiópia também somos um pouco como as outras religiões antigas, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, no sentido em que não glorificamos a imagem, incluindo a imagem de Cristo, e ele tem esta cruz sem Cristo, certo? E é isto.
Ao mesmo tempo, temos agora os chamados despertares religiosos evangelistas modernos por todo o lado, no Islão, na Igreja Ortodoxa Etíope e nas igrejas protestantes. E, para mim, uma caraterística marcante em todos eles é o facto de o sagrado ser mínimo nestes movimentos religiosos, apesar de toda a parafernália e fanatismo. 
Penso que há duas concepções de secularismo. Uma é a americana, que adoptámos de forma crítica na nossa Constituição como a visão da separação, da separação estrita. A outra conceção do laicismo, para a qual os indianos são atraídos, embora também não tenha funcionado muito bem para eles, não é a da separação estrita, mas a da criação de uma espécie de cultura laica inter-religiosa, em que há uma sobreposição de diferentes valores religiosos. 
Trata-se de algo que existia tradicionalmente na Etiópia, em locais como Wollo, Harar ou Keren. Existe esta cultura de sobreposição, pelo menos entre muçulmanos e cristãos ortodoxos. É esse o nosso objetivo, esse tipo de secularismo, um secularismo que aproveita o melhor dos valores religiosos de todas as grandes religiões, que têm muito em comum e, por isso, não há qualquer problema.

WOUBSHET: Foi testemunha do século XX e de grandes mudanças nos assuntos humanos num período de tempo tão curto. Na Etiópia, viu e participou em duas das maiores mudanças do país. Fiquei surpreendido com o seu comentário de há pouco, segundo o qual não imaginava que o regime do imperador se desmoronasse, que o seu direito divino de governar terminasse. Para terminar, deixe-me perguntar o seguinte: Tem ideias sobre o futuro? Que tipo de século nos espera? Que tipo de regimes poderão surgir?


ESHETE: Na última destas mudanças, por exemplo, toda a gente estava convencida de que o socialismo tinha sido posto de lado a nível internacional e que estava fora da agenda pública, que agora somos todos democratas, que agora somos todos capitalistas. Isto não foi há muitos anos. 
O capitalismo não parece tão bom agora, pois não? E não parece que seja uma doutrina tão duradoura, certo? 
Todos os Prémios Nobel são convidados a apresentar uma nova conceção do capitalismo, o que eu acho que é uma admissão de derrota. Não ouvi uma única pessoa dizer uma coisa inteligente sobre o futuro do capitalismo desde este desastre patético. Digo patético porque parece não haver uma boa razão por detrás dele, exce'to a ganância e ideias estúpidas como a de ganhar muito dinheiro com dívidas. Por isso, continuo a ser socialista e o socialismo ainda tem futuro por boas razões. 
Não me regozijo com o fracasso do capitalismo, mas aprecio a ideia de que aquilo que, segundo os nossos amigos ocidentais, é suposto ser a forma social duradoura, a única que se adequa aos nossos melhores conhecimentos teóricos e às nossas melhores opiniões sobre a evolução, não está a funcionar.
Portanto, isto dá esperança - por causa das coisas de que falámos antes-, que as pessoas sejam forçadas a pensar em novas possibilidades imaginativas. 
Não podemos simplesmente dizer que o objetivo das regras, o objectivo da condução da vida pública, incluindo a vida de cada um de nós, é polir e aperfeiçoar o capitalismo. Não pode ser esse o caso. Portanto, pode não ser socialismo, mas temos de pensar em novas possibilidades. Sabemos que esta não está a funcionar e provavelmente não pode ser reparada - pelo menos na minha opinião.

fonte: jstor.org


A escravatura e pedofilia no Afeganistão florescem com a venda de crianças e raparigas, pelos pais

 

A retirada do Afeganistão foi uma péssima decisão que agora vai custar muito mais caro porque o Daesch estava morto e agora voltou cheio de força, com as concessões que fizeram aos talibãs e a legitimação do grupo terrorista Hamas pelas instituições internacionais. E agora os homens do Isis não estão contidos numa zona do Médio Oriente, antes estão espalhados por Inglaterra, Canadá, Alemanha, França, etc. Já não é a primeira vez que os EUA criam os problemas e depois deixam os europeus a resolvê-los. Depois do 11 de Setembro criaram o caos na zona e quem teve -e continua a ter- de lidar com milhões de refugiados -no meio dos quais há muitos terroristas infiltrados- são os europeus. Também incentivou a Ucrânia a destruir armas nucleares e agora não se dispõe a defendê-la como prometeu. Portanto, não ter deixado o problema do Afeganistão resolvido com a prisão dos talibãs e um exército capaz de afegãos capaz de os combater e, em vez disso, ir embora e permitir a libertação dos talibãs, fez surgir agora um problema mais difícil de resolver, já não longe, mas nos nosso países. O mesmo se vai passar com a Rússia. No dia em que a Rússia perder esta guerra, perde os países-colónias e desaparecem a maioria dos grupos terroristas do mundo, alimentados por Putin e a sua máquina de espiões, subornos, assassinatos e desinformação. Enquanto isso não acontecer, não só continua a destruir a Ucrânia como alimenta todos os grupos terroristas anti-ocidentais do mundo.


September 08, 2024

Amsterdão 1931

 


Filme colorido com recurso à IA. O que se vê são pessoas bem vestidas e com bom aspecto, mesmo os miúdos de rua e empregados de lojas. Bons dentes. Em menos de uma década estava tudo em ruínas e a maioria destas pessoas feitas em cinzas num país tornado estranho. É isto que fazem os homens com o culto da guerra: mandam os outros morrer, destroem-lhes o corpo, a vida e tudo o que tinham e depois vão descansados para as suas vidas beber whisky ou vodka e esquecer o assunto.


Incentivos às mulheres grávidas do país

 


Quanta incompetência e corrupção foram precisas para chegarmos aqui? Como é possível tratarem-se assim as mulheres grávidas? 



Braga Nossa

Com que argumento Biden e Scholz continuam a achar válido apoiar o exército russo na matança de ucranianos?

 


Novo ano lectivo




Este artigo é interessante e tem, no geral, boas recomendações. Não concordo com estes dois conselhos aqui citados.
 
O 1º porque os malefícios da desinformação e do baixo nível do discurso e dos conhecimentos dos grupos de pais no WhatsApp, ultrapassam qualquer benefício que pudesse ter. Ademais, a maioria dos alunos tem acesso ao WhatsApp dos pais, com consequências muito negativas para a relação de confiança que tem de haver entre alunos e professor. A quantidade de turmas que o WhatsApp dos pais estraga com a maledicência e a desinformação passada aos filhos, é maior do que possam supor.

O 2º, porque quem escreve não sabe que o cumprimento do currículo é obrigatório porque os alunos têm exames que cobrem todo o currículo. Se não cumprirmos o programa temos que justificar por escrito a razão e, não havendo razão válida -como ter estado doente, por exemplo, ou ter sido colocado a meio do 1º período ou no 2º período, etc.- pode até ser sujeito a sanções, consoante as circunstâncias.

Geralmente, quando o professor não cumpre o currículo, tem aulas suplementares no fim do ano para o fazer. Claro que este recurso é limitado porque os alunos acabam as aulas a 8 de junho, por exemplo, e começam os exames a 15 de Junho e, imagine-se que eram vários os professores a não cumprirem o currículo. Isso significava que os alunos tivessem 6 horas de aulas por dia, ou mais, após o término das aulas, na semana em que devem estar a preparar-se mentalmente e a fazer revisões para os exames.

Quando o professor não pode cumprir o currículo, por qualquer razão, isso significa que o professor do ano seguinte -que pode não ser o mesmo- vai ter de leccionar a parte do currículo que o colega anterior não cumpriu e depois o seu próprio, o que obriga a excesso de trabalho para conseguir fazê-lo, e excesso de aulas para os alunos ou, na pior das hipóteses, ele próprio não conseguir acabar o programa a turma andar constantemente a aprender matérias atrasadas. 

Portanto, não é uma questão que se possa pôr de lado "para se focar nos processo de aprendizagem", como diz a autora do artigo.

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“É importante que os pais estejam atentos aos hábitos de estudo, saberem o que a criança tem de fazer, onde é que anotou os trabalhos de casa, onde é que tem os livros e como vai organizar o dia seguinte”, aconselha Joana Cadima, acrescentando que os grupos de WhatsApp de pais podem ser uma boa ajuda nesta fase, com conta, peso e medida, claro.
(...)
[no secundário] Pede às escolas para que se foquem “mais nos processos de aprendizagem do que nos resultados”, apontando: “Os professores estão focados nas médias e mais centrados nos resultados e no cumprimento dos currículos. Isso também não traz segurança para o desenvolvimento.”


Uma entrevista com Andreas Eshete (1942-2024)

 

(excerto)



WOUBSHET: Qual era a opinião dos americanos sobre si e sobre os seus companheiros etíopes? Parece que foi para lá e se identificou com os afro-americanos e encontrou um verdadeiro recurso a partir do qual se pode abordar a situação na Etiópia. Por isso, tenho curiosidade em saber como é que os americanos o receberam.

ESHETE: Por vezes, as reacções eram loucas. Lembro-me do meu primeiro dia como explicador no Harlem. Tinha muito cabelo, uma afro enorme, e dava explicações no meio do Harlem, num edifício onde o elevador nunca funcionava, por isso subia-se seis andares e assim por diante. Lembro-me que quando saía da aula e ia para o metro, os miúdos seguiam-me porque nunca tinham visto um cabelo assim.

WOUBSHET: Isto foi antes de o afro se tornar simbólico, certo?

ESHETE: Toda a gente tinha o cabelo alisado, exceto as crianças pequenas, que tinham o cabelo muito curto.
Nunca tinham visto tanto cabelo e por isso perguntavam se podiam tocar-lhe. Havia este tipo de reacção e isso fazia parte do processo. E, claro, ensinavam-lhes ideias malucas sobre como era África, o que constituía uma barreira mas dentro do movimento éramos realmente aceites. 
Quando trabalhei, por exemplo, com os Panteras em New Haven, eles estavam mais preocupados com a possibilidade de me expulsarem da América, por isso fazia muitas vezes trabalho de escritório, normalmente à noite. No escritório eu era apenas mais uma pessoa que trabalhava lá e não havia qualquer tipo de distância e muitos deles, que sabiam da existência do imperador, admiravam a Etiópia, devido ao prestígio da Etiópia na guerra e nos movimentos Back-To-Africa. Por isso, o facto de nos opormos ao imperador, para algumas pessoas era chocante, porque o consideravam um herói e assim por diante. Mas acabaram por aceitar.

WOUBSHET: Temos falado das décadas de 1960 e 1970 e do tipo de activismo e fermento político que caracterizou essas décadas. Qual é a sua opinião sobre os anos 80? Leccionou em diferentes universidades norte-americanas - Berkeley, Brown e Universidade da Pensilvânia - durante a década de 1980, e pergunto-me como terá sido essa experiência?

ESHETE: Foi uma época incrível. Em muitos sítios pode dizer-se que houve um “blues pós-revolucionário”. Quando se estava em Berkeley, era difícil imaginar que este era o cenário do movimento pela liberdade de expressão. Os tipos de direita no campus, como o corpo docente e outros, eram encorajados por pessoas como Reagan e falavam abertamente. Era muito deprimente. Havia um sentimento de perda e algumas pessoas pensavam que os anos 60 e 70 tinham sido um erro.

WOUBSHET
: E os efeitos destes movimentos políticos na academia, por exemplo, em termos de criação de disciplinas como os estudos afro-americanos e os estudos sobre as mulheres, e na década de 1980 a reação negativa e as guerras culturais que se seguiram?

ESHETE: Sim, isso estava a acontecer, é verdade. Estas foram, de facto, as consequências mais benignas. Embora para alguém como eu, nessa altura, parecesse muito mais uma questão de domesticação. Agora, estamos a tornar-nos parte da agenda oficial mas há esta transição em muitos sítios,
Assim, o tipo de coisas que a ACLU faz, o que a NAACP faz, tornou-se normal, e depois vieram os lobbies e assim por diante. 
Portanto, as coisas que eles faziam estavam completamente institucionalizadas, mas a institucionalização também era de domesticação e normalização. Sabe-se que se está a interiorizar estas coisas e também a subjugá-las e isso era bastante visível. 
Claro que havia pessoas que lutavam contra isto dentro da academia, mas houve coisas importantes que aconteceram, grandes conquistas académicas como as que mencionou, mais fenómenos culturais, a ascensão de uma forma enorme da cultura negra, é uma conquista enorme. Havia todos estes génios que ninguém tinha notado antes e fenómenos culturais como esse eram importantes para mim.
A literatura negra - e não me refiro apenas à literatura negra americana - mas pensemos num romance indiano, por exemplo e no cinema indiano. Quem poderia imaginar que os concorrentes aos principais prémios literários em Inglaterra seriam mais da Commonwealth do que britânicos?
É um grande feito e um feito duradouro, penso eu. A partir de agora, a literatura inglesa será um negócio da Commonwealth. Os britânicos serão escritores regionais dentro da literatura da Commonwealth, como a poesia escocesa, a ficção doméstica britânica, o romance de costumes britânico, etc., e haverá formas de escrita indiana, paquistanesa, caribenha e africana. Isso é mais uma conquista.

WOUBSHET: Quando regressou à Etiópia, após a queda da junta de Derg, no início da década de 1990, envolveu-se na elaboração da primeira constituição democrática do país. Como é que foi esse poderoso empreendimento?

ESHETE: Não creio que tenha desempenhado um papel assim tão importante. Na verdade, estava a ajudar pessoas como Gashe Kifle, os autores da Constituição. Foi uma honra fazê-lo, mas foi um papel pequeno. 
Para mim o momento foi muito importante porque nunca pensei que tivéssemos uma segunda oportunidade. Tudo o que tínhamos tentado foi destruído por soldados loucos e não era claro que houvesse outra oportunidade, especialmente tendo em conta o derramamento de sangue, e não pensei que as pessoas tivessem força para começar de novo. 
Por isso, a Constituição foi importante para mim nesse aspecto. Esta é outra oportunidade para um novo começo e um começo limpo, por isso pensei que devíamos dar o nosso melhor para o fazer. 
O que tentei fazer em relação à Constituição foi sensibilizar os poderes constituídos, como os grupos políticos e os líderes, mas também os cidadãos comuns, para o leque de opções constitucionais disponíveis para a Etiópia, uma vez que tínhamos este novo começo.
Por isso, pedi aos meus amigos, a pessoas de todo o lado com quem tinha trabalhado politicamente ou em escolas, que viessem à Etiópia. E a reação foi maravilhosa. Vieram muitas, muitas pessoas. Das pessoas de que falámos, a Elaine veio, o meu amigo Josh Cohen veio, e muitas outras juntaram-se a nós e tivemos debates incríveis. Para mim, continua a ser um dos debates públicos mais memoráveis que tiveram lugar na Etiópia e as combinações foram óptimas.
A Elaine, por exemplo, falou sobre o que é um exército popular e o mesmo fez o seu homólogo etíope, Tsadqan, que foi chefe do estado-maior do exército. Foi uma excelente troca de opiniões. Ele veio de uma guerra popular e ela tinha uma ideia ligeiramente diferente vinda da ideia da milícia americana / milícia popular. Foi muito interessante, o confronto de duas tradições muito diferentes - Tsadqan vem de uma tradição de esquerda e ela da tradição americana.
No entanto, eles próprias estavam a tentar descobrir como passar de uma ideologia de esquerda, de um exército, etc., para uma ideologia democrática. Funcionou muito bem e alastrou a outras áreas fora da questão militar. Foi de facto uma coisa maravilhosa.

WOUBSHET: Defendeu que o federalismo é a opção mais viável para governar e manter a Etiópia unida. Em termos filosóficos e históricos, porque é que o federalismo é a melhor opção constitucional para a Etiópia e para os etíopes?

ESHETE: Penso que há razões históricas e razões teóricas - teoria prática - que explicam a importância desta questão. 
As razões históricas são, obviamente, o facto de haver milhões de etíopes que foram completamente marginalizados, que não se sentiam etíopes ou que sentiam que não podiam ser etíopes a não ser que renunciassem à sua própria identidade, a escondessem ou a ocultassem. O federalismo, como é óbvio, eliminou esta necessidade. Também tornou todas as religiões, todas as comunidades culturais da Etiópia iguais e soberanas. 
Assim, a Etiópia será agora uma união livre destes povos soberanos que podem manter a sua identidade, tornando-se etíopes de pleno direito e, de facto, os criadores e arquitectos soberanos da nova Etiópia. Este é um aspeto muito importante. 
Há também outros aspectos. Estamos a aventurar-nos numa transição democrática; penso que ainda estamos nesse período. E a transição democrática, especialmente num país onde a autocracia esteve na ordem do dia, de várias formas, durante séculos, não é uma coisa muito fácil de fazer. A pobreza não ajuda. A dimensão do país, a sua forma, a dimensão da sua população, o nível de literacia e de educação na sociedade - tudo isto dificulta e impede a transição democrática.
Sob estes encargos incapacitantes, o federalismo proporcionou uma via para a imposição de restrições democráticas ao governo ou a potenciais abusos de poder por parte do governo. Porque uma das funções do federalismo, que considero importante, é limitar o poder central. Há certas coisas que o governo não pode fazer sem o consentimento das regiões. E se o tentar fazer pela força, e se for demasiado longe, tem sempre a opção de sair. Este é um controlo importante. Nunca tivemos um controlo tão forte do abuso do poder político, do poder político central, que é uma longa, triste e dolorosa tradição da história da Etiópia. Esta é outra razão pela qual o federalismo é importante. 
A outra razão, mais positiva, é o florescimento da diversidade na Etiópia. Pela primeira vez, as pessoas estão a começar a reconhecer a nossa enorme cultura e o seu alcance, e a ver um tipo de diversidade cultural, de experimentação cultural que era impossível há apenas algumas décadas.

WOUBSHET: As vantagens do federalismo são evidentes na proteção dos direitos e dos direitos dos grupos, dos seus direitos à autodeterminação, incluindo a secessão, especialmente num país como a Etiópia, onde tantos cidadãos foram depreciados e privados de direitos devido à sua etnia. No entanto, tal como entendo o federalismo na Etiópia, embora haja um claro reconhecimento dos direitos do indivíduo, parece que a forma como o indivíduo entra na nação é apenas através da sua identidade de grupo. E isso parece-me muito limitativo.

ESHETE: Existe esse problema e penso que não é exclusivo da Etiópia, como é óbvio. E não são apenas os indivíduos e os seus direitos que são um pouco ofuscados pelos direitos de grupos comunitários ou culturais. Penso que o mesmo se aplica às mulheres, por exemplo, e a outros grupos.
Os direitos das mulheres, por exemplo, são ofuscados pelos direitos étnicos. Em alguns casos, as comunidades religiosas são ofuscadas pelas comunidades étnicas. Portanto, não se trata apenas de direitos individuais.
E, nalguns casos, se a comunidade cultural for tradicionalmente opressiva em relação às mulheres, isso é desastroso, ou se tiver opiniões opressivas sobre outros grupos, por exemplo, grupos ocupacionais. Portanto, não se trata apenas de direitos individuais, mas os direitos de grupo de outros também são ofuscados pelo federalismo e isso é algo que precisa de ser trabalhado.

WOUBSHET: Estou impressionado com uma preocupação que manifestou sobre os obstáculos que a democracia enfrenta na Etiópia. Escreve: “Um obstáculo sério é o facto de o país não poder contar com uma tradição democrática. Uma constituição que pretende concretizar os ideais de governo deve ter em conta o estatuto de longa data dos cidadãos como sujeitos impotentes e sem voz da acção governamental.” Este ponto ressoou para mim porque, tendo vivido nos Estados Unidos durante vinte anos, passei a considerar a democracia não apenas em termos políticos, legais ou institucionais, mas também em termos pessoais, como uma sensibilidade, um temperamento. É um ponto que escritores americanos tão variados como Whitman e Ellison defendem. Então, como é que começamos na Etiópia a explorar as dimensões pessoais e culturais da democracia?

ESHETE: Isto remete para a primeira coisa de que falámos, ou seja, a fraternidade. A importância da fraternidade é, em parte, esta, porque traz esta dimensão. Para que o federalismo funcione, para que funcione como é suposto, precisamos de um sentimento de solidariedade. Não basta, por exemplo, na afectação do orçamento nacional, que as regiões historicamente desfavorecidas possam  obter mais. É importante que as pessoas acreditem que devem receber mais. 
A questão é esta: o facto de se abolir a discriminação racial nos Estados Unidos por lei e com êxito, não faria dos Estados Unidos uma sociedade justa enquanto as pessoas forem racistas. Isso tem de desaparecer; é aí que entra esta dimensão, e de ambos os lados. 
Atualmente, por exemplo, existe uma grande autonomia cultural concedida, como estamos a dizer, às comunidades culturais, mas em grande parte trata-se de autonomia linguística; por exemplo, as notícias são lidas em várias línguas. Mas não temos romances Guraghe, peças de teatro Oromo, poesia Hadiya, etc. Se tivéssemos este tipo de florescimento cultural, talvez houvesse um sentido do valor do pluralismo cultural e isso traduzir-se-ia certamente em pluralismo político, porque as pessoas diriam: “olhem para este grupo importante, olhem para o que estão a escrever, olhem para o que nos estão a mostrar que não sabíamos”. Mas ainda é demasiado cedo para isto.

fonte: jstor.org


September 07, 2024

🇺🇦 A Europa deve reforçar o seu apoio à Ucrânia e não depender da ajuda dos EUA - somos 500 milhões


Joni Askola

@joni_askola

Mais de 500 milhões de europeus não deviam depender de 333 milhões de americanos para se defenderem contra 144 milhões de russos e a sua pequena economia. A Europa deve reforçar o seu apoio à Ucrânia e não depender da ajuda dos EUA.

A Europa não se pode dar ao luxo de adiar o aumento da sua ajuda à Ucrânia até depois dos resultados das eleições nos EUA. A Ucrânia faz parte da Europa e é nossa responsabilidade prestar-lhe um apoio maior do que o prestado pelos Estados Unidos.

A Europa no seu conjunto poderia facilmente duplicar ou mesmo triplicar a sua ajuda militar à Ucrânia, o que será necessário se o apoio dos EUA diminuir ou cessar. O impacto sobre nós seria mínimo; ainda nem sequer começámos a fazer um esforço significativo.

Muitos países europeus são capazes de fazer muito mais. Por exemplo, a Noruega está a ganhar dezenas de milhares de milhões por ano com esta guerra, mas a sua ajuda continua a ser, comparativamente, mínima. A Noruega poderia facilmente triplicar a sua ajuda sem que isso tivesse um impacto significativo na sua própria economia.

Temos muitas opções. Se não tivermos armas próprias suficientes para doar, podemos comprar armas ucranianas para a Ucrânia. São também mais baratas do que as suas equivalentes ocidentais e a sua capacidade de produção ainda não foi totalmente explorada devido à falta de financiamento.

A guerra injusta iniciada pela Rússia na Ucrânia não é apenas existencial para a Ucrânia, mas também para a Europa no seu conjunto. Não temos desculpas válidas para não fazermos tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar a Ucrânia, mas, até à data, continuamos significativamente atrasados nos nossos esforços.

Não sei como os ucranianos aguentam

 

Hiroshige's, 'One Hundred Famous Views of Edo'



Ume-ga-ka ni 

Notto hi no deru

Yamaji kana. 

      —Basho


On sweet plum blossoms 

The sun rises suddenly. 

Look, a mountain path I



 One Hundred Famous Views of Edo : Suijin Shrine and Massaki on the Sumida River (1st term)

Utagawa Hiroshige 歌川 広重

One Hundred Famous Views of Edo : Mannenbashi Bridge, Fukagawa (2nd term)

Suruga-cho by Hiroshige (Photo: Public Domain)


All images © Utagawa Hiroshige


Leituras de fim-de-semana - Doom scrolling

 

(não sei como traduzir esta expressão que é um trocadilho da expressão em língua inglesa do hábito negativo de deslizar continuamente o ecrã -scrolling- a ler notícias de desgraças e a referência aos pergaminhos antigos -scrolls- perdidos nos labirintos da História - é sobre este últimos que fala este ensaio)


Doom scrolling

por Justin Germain

Podemos estar perto de redescobrir milhares de textos que se perderam durante milénios. O seu conteúdo pode alterar a forma como compreendemos o Mundo Antigo.

Costumávamos jogar este jogo na pós-graduação: 'encontrar um, perder um'. 'Encontrar um' referia-se a encontrar um texto antigo perdido, algo que sabemos que existiu numa determinada altura porque outras fontes antigas falam dele, mas que se perdeu nos tempos. E se alguém estivesse a escavar algures no Egipto e encontrasse uma antiga lixeira greco-romana com uma cópia completa de um texto precioso - qual deles desejaríamos que sobrevivesse? 'Perder um' referia-se a termos um texto antigo e trocá-lo, num qualquer negócio faustiano para ressuscitar o tal texto antigo. 

É claro que há um pouco de efeito borboleta; foi isso que tornou tudo divertido. Como classicistas em início de carreira, crescemos num mundo académico onde não tínhamos A, mas tínhamos B. Quão diferente seria a erudição clássica se isso mudasse? Se tivéssemos tido sempre A, mas nunca B? Para mim, o texto que sempre escolhi encontrar foi um panfleto pouco conhecido que circulou no final do século IV por um rei espartano deposto chamado Pausânias. É um dos poucos textos sobre Esparta escritos por um espartano quando Esparta ainda era hegemónica. Perdi sempre o Evangelho de Mateus. É basicamente uma cópia de Marcos, até na gramática e na sintaxe. Precisamos mesmo de dois?

O que é que você escolheria? Imagine que a Ilíada e a Odisseia de Homero são apenas dois dos poemas que compõem o ciclo épico de oito partes; ou que Aristóteles escreveu um tratado perdido sobre a comédia, para não falar dos seus próprios diálogos socráticos, que Cícero descreveu como um “rio de ouro”; ou que apenas oito das cerca de 70 peças de Ésquilo sobreviveram. Até o Antigo Testamento hebraico faz referência a 20 textos antigos que já não existem. Há textos literalmente perdidos que, se os tivéssemos, teriam muito provavelmente entrado no cânone bíblico.
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Pode encontrar uma lista de textos que sabemos terem sido perdidos na página da Wikipédia, "Lost_literary_work"
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O problema é mais complexo do que o facto de muitos textos se terem perdido nos anais da história. A maioria das pessoas vê a tradução mais recente da Ilíada ou as obras de Cícero na prateleira de uma livraria e assume que estes textos foram transmitidos de uma forma bastante previsível, geração após geração: os escribas fizeram cópias, fielmente, desde a Grécia antiga até à Idade Média e, finalmente, com o advento da imprensa, foram disponibilizadas versões fiáveis destes textos no vernáculo da época e do lugar a todos os que os quisessem. O arco intelectual da história avança e sobe! Era o que eu também pensava.

Porém, o facto é que muitas das obras da Antiguidade, mesmo as mais famosas, têm uma história longa e complicada. Quase nenhum texto é descodificado facilmente; o processo de trazer traduções legíveis de textos antigos para as mãos dos leitores modernos requer a cooperação de académicos de várias disciplinas. Isto significa horas de trabalho árduo por parte daqueles que encontram os textos, daqueles que os preservam e daqueles que os traduzem, para mencionar apenas alguns. Mesmo com este empenho, muitos textos perderam-se - a estimativa habitual é de 99% - pelo que não temos cópias da maior parte das obras da Antiguidade. 

Apesar desta estatística preocupante, de vez em quando, descobre-se algo de novo. Essa promessa, de que algum texto proeminente do mundo antigo pode estar mesmo debaixo da próxima duna de areia, é o que tem preservado a paixão dos académicos em continuar a procurar na esperança de encontrar novas fontes que resolvam mistérios do passado.

O sofrimento dos estudiosos vtem alido a pena! Consideremos a Villa dos Papiros, onde no século XVIII foram descobertos centenas, se não milhares, de pergaminhos carbonizados nos destroços da erupção do Monte Vesúvio (79 d.C.), numa cidade chamada Herculano, perto de Pompeia. 

Durante mais de um século, os académicos esperaram que a ciência futura os ajudasse a ler estes pergaminhos. Só nos últimos meses - através de avanços na imagem computorizada e na revelação digital - conseguimos ler as primeiras linhas. Isto deveu-se, em grande parte, ao trabalho árduo do Dr. Brent Seales, ao apoio do Vesuvius Challenge e aos académicos que responderam ao apelo. Estamos agora preparados para ler milhares de novos textos antigos nos próximos anos.

Primeiro, um pouco de informação sobre a proveniência dos textos antigos. Não temos cópias originais de nada, nem da Ilíada, nem da Eneida, nem de Heródoto, nem da Bíblia. Em vez de originais, estamos a lidar com cópias. Estas foram escritas primeiro em rolos de pergaminho, mas depois em livros - os romanos chamavam aos livros códices - a partir do século I d.C.

Eu disse cópias? Na verdade, isso também não é correto. Não temos primeiras cópias de nada. O que temos são cópias de cópias, a maior parte das quais datam de centenas de anos depois de o original ter sido escrito. Mesmo muitas das nossas cópias não são cópias completas. 

Tomemos, por exemplo, a mais antiga peça sobrevivente do Novo Testamento: um fragmento do Evangelho de João conhecido como P52. Longe de ser uma cópia completa do livro, este fragmento tem aproximadamente o tamanho de um cartão de crédito e, data de 125 d.C., segundo as primeiras estimativas. Isto é, mais de 100 anos depois de Cristo ter sido crucificado. O fragmento é, sem dúvida, pelo menos uma cópia de uma cópia, porque a sua datação é demasiado tardia para ser um original ou uma primeira cópia. Além disso, foi encontrado no Egito, longe tanto da Judeia como da Síria, de onde se pensa que João é originário. Encontrar uma cópia completa de um texto - quanto mais de uma Bíblia cristã primitiva - é um feito inédito. Só encontrámos duas Bíblias deste tipo, o Codex Sinaiticus e o Codex Vaticanus, ambos datados de meados do século IV.

Mais frequentemente do que encontrar essas cópias completas, os académicos compilam os vários fragmentos de cópias e tentam reconstruir a obra original. Quando chegam a acordo sobre o texto original - e, nalguns casos, nunca chegam a acordo -, o texto está pronto para ser publicado na língua original. 

Quando ainda existem variantes no texto, os académicos incluem um apparatus criticus, citando o manuscrito a partir do qual o texto é publicado e listando os manuscritos com leituras variantes. O último passo é acrescentar uma tradução em vernáculo, e há edições bilingues e até poliglotas. Estas podem ir desde a Bíblia Poliglota Complutense, uma magnífica obra de seis volumes impressa em Madrid em 1519, que apresenta o texto das escrituras em nada menos do que quatro línguas - grego, hebraico, latim e aramaico - até às populares edições Loeb, impressas com o texto antigo e uma tradução inglesa, para quem tem um conhecimento limitado das línguas antigas.

Para que o leitor se familiarize da melhor forma com o carácter ténue deste processo, este ensaio centrar-se-á em três textos diferentes. O primeiro será uma obra muito conhecida que nunca se perdeu. No entanto, quase ninguém a leu a sério até ao século XIX. Em seguida, abordarei um texto que se perdeu na história, mas que conseguimos recuperar dos anais do tempo. Estes exemplos são fortuitos. O nosso terceiro exemplo será um texto que sabemos ter existido, mas do qual não dispomos de cópias, e analisaremos as importantes ramificações que a sua descoberta poderá ter. Finalmente, voltaremos a nossa atenção para a Vila dos Papiros e para a mina de ouro de textos aí descobertos que as novas tecnologias estão actualmente a pôr à disposição dos classicistas. Ao examinar a história dos três primeiros textos, espero esboçar uma imagem de como as novas descobertas da villa poderão mudar a nossa compreensão do mundo antigo.

O primeiro texto que vamos analisar é a Política de Aristóteles. A Política é o tratado de Aristóteles sobre as várias estruturas de governo da Grécia dos séculos V e IV a.C. Na obra, Aristóteles analisa não só as constituições actuais, mas também as hipotéticas, como o Estado ideal de Platão, descrito na República (de que não era fã). A Política é um texto famoso e célebre, não só entre os classicistas, mas também entre o público culto. É onde se originam frases famosas como “O homem é por natureza um animal político”. É um texto cuja história é mais ou menos completa, contendo muito poucos buracos. Poder-se-ia pensar que um texto antigo tão famoso actualmente teria sido ainda mais famoso no passado. Mas a Política de Aristóteles é um contraponto clássico a essa suposição. Embora não seja exacto dizer que a Política, sendo uma das obras inéditas de Aristóteles, se perdeu, foi certamente redescoberta.

Em primeiro lugar, os escritos de Aristóteles dividem-se em dois grupos: obras publicadas e obras não publicadas. As primeiras são obras que Aristóteles escreveu para o público grego em geral e que foram distribuídas por esse público. As segundas são obras que foram escritas e restritas aos estudantes do Liceu, sede da escola peripatética que Aristóteles fundou em Atenas no final do século IV a.C.2 

Os escritos de Aristóteles eram limitados apenas pelos seus interesses e ele interessava-se por tudo: ciência, matemática, metafísica, biologia, política, lógica, música e astronomia. A Política foi uma das obras inéditas de Aristóteles. Plutarco e Estrabão testemunham que as obras inéditas de Aristóteles foram passando de director em director do Liceu até chegarem às mãos de um colecionador privado, Neleu de Scepsis. Foi aí que a biblioteca inédita de Aristóteles permaneceu, fechada numa cave, até que Apelicon de Teos descobriu os textos e os trouxe de volta a Atenas, onde Andrónico de Rodes os publicou em meados do século I a.C.3

No caso da Política, o conteúdo vinha das notas que os alunos tiravam nas aula de Aristóteles, ou das notas de um único aluno brilhante ou talvez de um livro de textos que Aristóteles escreveu sobre a disciplina e que se encontrava na biblioteca do Liceu. A obra só foi disponibilizada ao grande público grego com a publicação de Andrónico, por volta de 60-50 a.C.. 

Foi durante o chamado período helenístico, depois de o mundo se ter tornado pequeno na sequência das conquistas de Alexandre, o Grande. O grego era a língua franca de grande parte do mundo, o que significa que textos gregos como os de Aristóteles podiam ser apreciados por um vasto público. Foi também o início da era da ocupação romana da Grécia e da maior parte do Norte do Mediterrâneo. Os romanos da classe alta estavam desesperados por se familiarizarem com tudo o que era grego. A maioria dos patrícios falava e sabia ler grego e latim.

De um modo geral, o mundo grego e romano antigo eram platonistas e não aristotélicos. Isso significa que a teoria das formas de Platão, bem como a sua ênfase geral no metafísico e no eterno, tinha muito mais valor social e cultural, por oposição à filosofia muito fundamentada de Aristóteles, que lidava com o mecânico, mesmo quando abordava o metafísico. 

Por outras palavras, a cabeça de Platão estava sempre nas nuvens. Questões como “O que é o amor?”, “Existe vida após a morte?” e “O que é a vida boa?” dominavam a filosofia de Platão. Aristóteles preocupava-se mais com a forma como se escreve uma boa tragédia ou como as lulas se reproduzem. Essa é a grande diferença entre os dois filósofos. Platão preocupava-se sobretudo com o porquê, Aristóteles com o como. 

É sempre possível saber qual é qual quando se olha para a famosa Escola de Atenas de Rafael no Museu do Vaticano. Os dois filósofos estão lado a lado: Platão aponta para cima, para onde pensa que a humanidade deve concentrar a sua atenção, Aristóteles aponta para baixo, para a Terra. 

O domínio intelectual de Platão manteve-se durante a Idade Média. Aristóteles foi praticamente esquecido no Ocidente após o colapso do Império Romano. No entanto, o filósofo muçulmano Averroes (Ibn Rushd), que viveu na atual Córdoba, em Espanha, escreveu um extenso comentário aos escritos aristotélicos. Estes comentários acabaram por chegar a São Tomás de Aquino (1225-1274), a quem Aristóteles muito influenciou. Finalmente, cerca de 1500 anos após a sua redacção, a Política começou a ser amplamente lida e considerada como uma alternativa viável à República de Platão.

Tudo o que Aquino aprovava era tido em grande consideração pela Igreja Católica. A Igreja continuou a copiar e a preservar as obras de Aristóteles, incluindo a Política, até ao aparecimento da Imprensa Aldina em Veneza. 

Aldus Manutius, fundador da imprensa, publicou a Política em 1498. Mesmo depois dessa data, outros autores antigos, como Platão e Cícero, continuaram a ser preferidos a Aristóteles, mas nessa altura os filósofos políticos de elite da época já conheciam a Política. Só em 1832, com a publicação pela Academia Prussiana do corpus aristotélico de Berlim, é que a Política e Aristóteles em geral, ganharam notoriedade junto de uma faixa muito mais alargada do público culto. 

A história da Política tem muitas voltas e reviravoltas, mas é completa. Por outras palavras, podemos traçar uma linha recta desde a sua redacção original até às cópias, traduzidas para o vernáculo, na prateleira da livraria local. Além disso, a fama de Aristóteles hoje em dia é um testemunho da influência do homem e dos seus escritos. Não é preciso ser um estudioso dos clássicos, nem sequer ter um diploma universitário, para reconhecer a perspicácia intelectual que o nome Aristóteles evoca. 

No entanto, a história da Política é um exemplo claro e óbvio de como, mesmo quando tudo corre bem - o texto nunca desapareceu durante 500 anos e temos cópias completas em vez de fragmentos -, os textos podem entrar e sair de moda, pelo que o seu ressurgimento pode levar a várias redescobertas mais pequenas, como as críticas de Aristóteles ao Estado espartano, que eram amplamente desconhecidas antes da publicação prussiana (falaremos mais sobre isso mais tarde). 

Mesmo que a população culta saiba que uma determinada obra existe, se não for suficientemente procurada para exigir traduções, ou se essas traduções não estiverem prontamente disponíveis, está efectivamente perdida. A Política, foi “redescoberta” quando foi publicada pela primeira vez no mundo antigo, no século I a.C., e depois novamente por Tomás de Aquino, no século XIII. Foi reavivada com a publicação de Aldus Manutius. Mas só nos últimos duzentos anos, com a sua publicação pela Academia Prussiana, conheceu o auge do seu alcance e popularidade. Actualmente, é possível encontrar edições populares em quase todas as livrarias, geralmente traduzidas a partir do texto publicado pela Academia Prussiana.

Vejamos agora um texto com uma história muito diferente, a Hellenica Oxyrhynchia. A Hellenica Oxyrhynchia é o nome dado a um grupo de fragmentos de papiro encontrados em 1906 na antiga cidade de Oxyrhynchus, a moderna Al-Bahnasa, no Egito (cerca de um terço do caminho que desce o Nilo desde o Cairo até à barragem de Assuão). 

Estes fragmentos foram encontrados num antigo monte de lixo. Abrangem a história política e militar grega desde os últimos anos da Guerra do Peloponeso até meados do século IV a.C. Na sua obra Helénica, Xenofonte cobre exatamentce o mesmo período de tempo e muitos dos mesmos acontecimentos. Ambas as narrativas retomam o ponto de partida de Tucídides, o principal historiador da Guerra do Peloponeso (travada entre Atenas e Esparta no século V a.C.).

Embora não tenha sido identificado nenhum autor para a Hellenica Oxyrhynchia, a gramática e o estilo datam o texto da época dos acontecimentos que descreve. Trata-se de um texto recuperado, o que significa que estava completamente perdido na história e só foi descoberto no início do século XX. 

Aqui, a palavra descoberto é usada apropriadamente, uma vez que este não era um texto famoso nos tempos antigos. Nenhum historiador antigo lhe faz referência e não parece ter tido um impacto duradouro na sua época. O que é desdenhável no passado é esquecido no presente. 

O texto está escrito em grego ático. Isto implica que quem escreveu a Hellenica Oxyrhynchia deve ter sido uma elite suficientemente familiarizada com o popular estilo ático para o reproduzir, e provavelmente pretendia que a história fosse igual às de Tucídides e Xenofonte. Havia outros estilos disponíveis na altura, mas o grego ático era o estilo dos historiadores acima mencionados, bem como o estilo de escrita da elite originária de Atenas. Qualquer história que não fosse escrita em ático seria considerada inferior. Dado que a Hellenica Oxyrhynchia se perdeu durante milhares de anos, parece que o nosso autor falhou na sua tentativa de espelhar os grandes historiadores da Grécia clássica.

A Hellenica Oxyrhynchia serve para recordar que a descoberta moderna de textos antigos continua. Muitas vezes, trata-se de cópias adicionais de textos que já possuímos. Isto não quer dizer que essas cópias não sejam importantes. Foi o caso do já referido Codex Siniaticus, descoberto pelo biblista Konstantin von Tischendorf num cesto do lixo, à espera de ser queimado, num mosteiro perto do Monte Sinai, no Egipto, em 1844. Após uma análise mais aprofundada, Tischendorf descobriu que este “lixo” era, de facto, uma cópia quase completa da Bíblia cristã, contendo o mais antigo Novo Testamento completo de que dispomos. Uma grande discrepância é o facto de a famosa história de Jesus e da mulher apanhada em adultério - de onde provém a passagem frequentemente citada “quem não tiver pecado que atire a primeira pedra” - não se encontrar no Codex Sinaiticus.

No entanto, por vezes, é descoberto algo verdadeiramente novo para nós, que ninguém viu durante milhares de anos. No caso da Hellenica Oxyrhynchia, parece que ninguém olhava para este texto há pelo menos 1500 anos, talvez até mais. Este facto demonstra que existe sempre a possibilidade de, enterrado num qualquer monte de sucata antigo no deserto, estar um texto completamente novo que, uma vez publicado, aumenta consideravelmente o nosso conhecimento dos antigos.

Como é que este texto específico aumenta o nosso conhecimento? Não esqueçamos que, antes deste período da história grega, temos apenas um historiador por época. Heródoto é a única fonte de que dispomos para as Guerras Greco-Persas (480-479), e o já referido Tucídides retoma a partir daí e cobre rapidamente o clima político antes de iniciar a sua história propriamente dita com o advento da Guerra do Peloponeso em 431 a.C. 

Mas a história de Tucídides está inacabada - uma biografia antiga afirma que ele foi assassinado quando regressava a Atenas, por volta de 404 a.C. Muitos duvidam deste facto, citando provas de que viveu até ao início do século IV a.C. Seja como for, a sua narrativa termina abruptamente. Xenofonte retoma a história a partir daí e, mais tarde, Diodoro, que escreveu muito mais tarde, entre 60 e 30 a.C., apresenta-nos uma história mais breve deste período. Embora descrevam o mesmo período de tempo e muitos dos mesmos acontecimentos, estas duas fontes variam muito nas suas descrições de certos acontecimentos. Nalguns casos, fazem afirmações que se excluem mutuamente. Um dos historiadores deve ter-se enganado.

Durante séculos, o relato de Xenofonte foi o texto preferido. Isto não quer dizer que a história de Diodoro tenha sido descartada, mas quando as duas narrativas entravam em conflito, o testemunho de Xenofonte era o preferido. Isto deveu-se, em parte, ao facto de Xenofonte ter vivido durante os tempos sobre os quais escreveu, enquanto Diodoro viveu 200 anos depois destes acontecimentos da história grega. 

Imaginemos que existem dois relatos contraditórios da Batalha de Gettysburg de dois historiadores diferentes: um viveu e participou na guerra, enquanto o outro é um académico do século XXI que vive 150 anos depois dos acontecimentos que descreve. Discordam sobre elementos-chave da batalha. Em quem acreditar? Foi precisamente este o caso de Xenofonte e Diodoro. No entanto, assim que a Hellenica Oxyrhynchia foi publicada, corroborou a história de Diodoro muito mais do que a de Xenofonte, forçando os historiadores a reconsiderar a sua tendência para o mais antigo dos dois relatos.

Como estou sempre a dizer aos meus alunos, só porque um livro antigo diz que algo aconteceu, não significa que tenha acontecido. Nem significa que tenha acontecido da forma descrita no texto. Muitas vezes, deparamo-nos com narrativas concorrentes de textos antigos e, tal como alguém que analisa o ciclo de notícias nos tempos modernos, tendo em conta os preconceitos e as limitações de quem relata e tentando descobrir qual é a verdade, também os classicistas têm de comparar fontes e decidir quais são mais fiáveis do que outras. Não é mágico, nem é simples. Mas podemos construir uma narrativa mais completa e exacta do passado estudando diligentemente os textos que temos, procurando incansavelmente os textos que não temos e aplicando-nos impiedosamente ao princípio da procura da verdade nas nossas fontes antigas. As provas de corroboração fornecidas quando um novo texto é descoberto são um elemento fundamental desse processo. E isto para não falar dos textos que nos contam uma história completamente nova da Antiguidade, uma história para a qual não existem contemporâneos, como a Epopeia de Gilgamesh.

A Epopeia de Gilgamesh conta a história de Gilgamesh, o rei de Uruk - o Iraque moderno - e a sua busca pela imortalidade, ou, como ele diz, para escrever o seu “nome nos tijolos”. Pelo caminho, Gilgamesh conhece todo o tipo de pessoas estranhas, incluindo um homem selvagem chamado Enkidu, que só é finalmente domesticado depois de Gilgamesh contratar uma prostituta para dormir com ele, e o homem mais velho vivo, Utnapishtim, que sobreviveu a uma grande inundação que cobriu o mundo inteiro. 

A descoberta deste texto no século XIX - encontrado gravado em tábuas na antiga cidade de Nínive - causou uma grande controvérsia, uma vez que aqueles que procuravam desacreditar o relato bíblico da arca de Noé dispunham agora de um documento a partir do qual a história bíblica era, segundo eles, plagiada. Mas aqueles que procuravam simultaneamente validar o relato tinham agora uma fonte, muito mais antiga do que o texto do Génesis, que corroborava a saga de Noé.

Para os nossos textos finais, escolhi um que me é caro, regressando a um autor anterior: a Constituição dos Espartanos de Aristóteles. Trata-se de uma obra que foi atestada muitas vezes por autores antigos, pelo que sabemos que existiu, mas falta-nos um único fragmento dela. Esparta sempre foi um objeto de fascínio. Apesar da popularidade da antiga Esparta, sabemos muito pouco sobre a cidade-estado. Não temos textos escritos sobre Esparta por espartanos. Todos eles foram escritos por estrangeiros, na sua maioria atenienses, na sua maioria inimigos de Esparta. Heródoto, que conta a história dos 300, não era espartano. Nem Tucídides; pelo contrário, lutou contra eles na Segunda Guerra do Peloponeso.

Imaginemos um universo alternativo em que todas as fontes sobre a América foram escritas por soviéticos no auge da Guerra Fria. Os historiadores do futuro poderiam ter uma noção distorcida da realidade. É exatamente esse o caso da antiga Esparta. Além disso, como o tesouro dos espartanos era a sua cultura e não a sua arte ou edifícios, há muito pouco que a arqueologia nos possa dizer sobre a forma como os espartanos viviam. 

Tucídides explica melhor esta questão quando, no início da sua História da Guerra do Peloponeso, afirma que os historiadores do futuro terão dificuldade em acreditar que Atenas era vista como a mais desfavorecida e Esparta como a grande favorita, quando considerarem os grandes templos e ágoras de Atenas, em justaposição com as infra-estruturas pouco desenvolvidas de Esparta. Mas nem todas as infra-estruturas são físicas ou deixam vestígios materiais. A cidade de Esparta não possuía uma muralha defensiva na época clássica. No entanto, de acordo com os Ditos dos Espartanos, de Plutarco, os homens eram a sua muralha. Por isso, ao estudar Esparta, temos apenas o registo escrito para nos guiar.

Por último, os próprios espartanos tinham um incentivo para perpetuar histórias que apoiassem a sua reputação de guerreiros invencíveis. Se pensavam que podiam entrar em guerra com Atenas, e sabiam que os atenienses pensavam que estavam loucos, porquê despojá-los dessa crença? Isto é conhecido pelos historiadores como a «miragem espartana». A miragem era ainda mais proeminente nos tempos antigos porque muitos dos gregos e romanos posteriores eram laconifilistas, ou seja, amantes de Esparta. 

É isto que tornaria a Constituição de Aristóteles tão útil. Embora ainda fosse um forasteiro, Aristóteles escreveu sobre o Estado espartano na Política e não tinha boas coisas a dizer. É seguro assumir que, independentemente do que dizia a Constituição de Aristóteles, o seu testemunho não foi influenciado pela miragem espartana, dando-nos talvez uma imagem mais exacta da vida dentro da cidade-Estado.

Cerca de 500 anos após a Constituição dos Espartanos de Aristóteles, o antigo biógrafo Plutarco afirma ter visitado os arquivos de Esparta. Plutarco não era um historiador. Como biógrafo, o seu principal interesse era contar uma história convincente do seu objeto de estudo. Mas na ausência de uma etnografia dos espartanos, Plutarco preenche as lacunas. O historiador Richard Talbert considera que a Constituição de Aristóteles é a principal fonte de Plutarco, mais do que a obra homónima de Xenofonte, o mais antigo e mais completo tratado sobre o governo e a cultura espartanos, que sobreviveu até aos nossos dias.

Embora não seja um contemporâneo exacto dos tempos que descreve, Xenofonte viveu apenas uma geração depois e viu Esparta no auge da sua glória antes de começar a declinar. No seu relato, Xenofonte tenta explicar a um público grego mais vasto que tipos de hábitos e práticas culturais permitiram aos espartanos “dominar toda a Grécia, apesar de serem o mais pequeno dos Estados gregos”, tais como o sistema de educação pública, denominado agoge, a vida em comunidade e os casamentos não monogâmicos. 

Se Talbert estiver correto, isto significa que a obra perdida de Aristóteles foi a fonte primária para o que veio a ser uma das obras mais autorizadas sobre a antiga Esparta: a biografia de Plutarco do legislador espartano Licurgo. Esta biografia constitui grande parte do que sabemos sobre Esparta. Mas é um texto confuso, contradizendo-se em muitos pontos importantes. Além disso, é uma biografia, e não uma história ou um tratado político, e faz algumas afirmações ultrajantes que muitos académicos modernos consideram pouco convincentes.

Por exemplo, a herança de propriedades. Plutarco afirma que todos os espartanos homens recebiam do Estado uma parcela de terra para se sustentarem a si próprios e às suas famílias. Quando o homem morria, essa parcela regressava ao tesouro do Estado e era redistribuída. Mas Stephen Hodkinson considera que isto é um disparate, não só porque está drasticamente desfasado da época, mas também porque é contrariado por outras fontes antigas, entre as quais o próprio Aristóteles.

 Outro exemplo é o do agoge. Enquanto Plutarco pinta um quadro em que os pais abdicam completamente dos direitos individuais dos filhos para serem educados pelo Estado, Nigel Kennell cita numerosos diários de viagem que mostram que os filhos dos espartanos viajavam com os pais e passavam muito tempo com eles durante o ano. Dificilmente a educação rigorosa e de estilo militar que Plutarco sugere.

Muitas das afirmações mais radicais de Plutarco são rejeitadas por historiadores que acreditam que ele estava cego pela «miragem espartana». É também um facto que ele escreveu quase meio milénio depois da hegemonia de Esparta. Mas se a Constituição de Aristóteles fosse encontrada, e se corroborasse o relato de Plutarco sobre a vida espartana, poderia fazer por Plutarco o que a Hellenica Oxyrhynchia fez por Diodoro. Seria um divisor de águas nos estudos espartanos.

A Constituição dos Espartanos, de Aristóteles, não é o único texto deste género. Conhecemos dezenas de dramaturgos gregos famosos na Antiguidade, mas de cuja obra não dispomos de um único fragmento. E a história de Alexandre, o Grande, escrita por Ptolomeu? Sabemos que escreveu uma, porque Arriano, que escreveu a única história completa de Alexandre de que dispomos, afirma tê-la usado como fonte. O que dizer da grande cultura dos cartagineses, cuja poesia e filosofia, segundo nos dizem, estavam por todo o Mediterrâneo antes da destruição final da cidade por Roma e do apagamento da sua cultura em 146 a.C.? O que poderíamos aprender sobre as Guerras Púnicas se encontrássemos uma história cartaginesa do conflito? Que mais poderá estar à nossa espera e como poderá contribuir para a nossa perceção da história antiga?

Por muito que tenhamos discutido a nossa sorte em preservar e encontrar textos antigos, o facto de termos uma cópia física da obra é apenas metade da batalha. Ainda é preciso ler livros e pergaminhos que têm tendência a desfazer-se em pó mal são abertos. Para isso, recorremos ao tesouro de textos encontrado na Villa dos Papiros. 

Em 1750 d.C., um agricultor italiano saiu para cavar um poço. Descobriu um chão de mármore. Avisou as autoridades italianas e, em poucos dias, o campo em que estava a trabalhar estava repleto de académicos. O que o agricultor tinha descoberto, sem querer, eram os restos de uma elegante villa na antiga cidade romana de Herculano, uma das cidades soterradas por um dilúvio de cinzas quando o Vesúvio entrou em erupção em 79 d.C.

Embora a villa fosse uma cornucópia de arte e arquitetura romana antigas, o tesouro mais abundante encontrado enterrado no campo era uma biblioteca completa com mais de 1800 livros e pergaminhos. Daí o nome. 

Esta continua a ser a maior descoberta individual de escritos antigos até à data. Em particular, muitos dos textos foram identificados como sendo da autoria de Epicuro, um filósofo grego do final do século IV e início do século III. Os seus famosos tetrapharmakos, as quatro drogas, ou quatro diretrizes para viver uma vida feliz, foram aí descobertos. 

Muitos dos pergaminhos estavam danificados e há muitos mais que não foram decifrados. Mas esses pergaminhos e recursos provaram ser inestimáveis para a construção das porções maiores da obra de Epicuro que ainda restam. Antes desta descoberta, tudo o que tínhamos de Epicuro eram três resumos da sua obra através de Diógenes Laércio nas suas Vidas e Ditos de Filósofos Célebres. O nosso conhecimento de uma das maiores e mais vibrantes escolas de pensamento filosófico, tanto entre os gregos como entre os romanos, estaria muito comprometido se não fosse o nosso agricultor fortuito e a sua necessidade de um poço.

No entanto, muitos dos pergaminhos da Villa dos Papiros permanecem não só por ler, mas também por abrir. Isto deve-se ao facto de a erupção do Vesúvio ter deixado os pergaminhos carbonizados, tornando quase impossível abri-los. Apesar deste obstáculo, o Dr. Brent Seales foi pioneiro de uma nova tecnologia em 2015 que lhe permitiu, a ele e à sua equipa, ler um pergaminho sem o abrir. A técnica, que utiliza a tomografia de raios X e a visão por computador, é conhecida como desdobramento virtual e foi utilizada pela primeira vez num dos famosos Pergaminhos do Mar Morto, especificamente o Pergaminho En-Gedi, a mais antiga cópia conhecida do Livro do Levítico (provavelmente 210-390 d.C.). 

Os raios X permitem que os académicos criem uma cópia virtual do texto que pode ser lida como qualquer outro documento antigo por aqueles que possuem os conhecimentos linguísticos e paleográficos adequados. Utilizando a técnica do Dr. Seales, os académicos conseguiram carregar muitos dos textos online. Um grupo de doadores liderado por Nat Friedman e Daniel Gross ofereceu prémios em dinheiro a equipas de classicistas que conseguissem decifrar os escritos. A corrida para ler os pergaminhos virtualmente desembrulhados é conhecida como o «Desafio do Vesúvio».

Ao democratizar a tradução destes textos, o desenrolamento virtual criou uma espécie de Oeste Selvagem para os académicos, permitindo-lhes perseguir uma glória duradoura no terreno e uma não pequena quantia de dinheiro enquanto competem para traduzir os pergaminhos. O primeiro prémio em dinheiro foi reclamado no ano passado, e há muitos mais pergaminhos para traduzir e prémios para reclamar.

Há também que ter em conta o seguinte: a villa não está totalmente escavada. Isto significa que há grandes porções da villa que ainda não foram desenterradas e não sabemos o que mais poderá estar lá enterrado. Apesar de o local ter sido descoberto em 1700, as escavações encontraram novas secções da casa, primeiro na década de 1990 e depois novamente em 2007. 

Até à data, os arqueólogos estimam que ainda restam 2.800 metros quadrados por descobrir. Mesmo se considerarmos apenas o que já temos da biblioteca, há muitos pergaminhos ainda por desenrolar virtualmente e depois ler. Nos últimos dias após a redação deste artigo, foi anunciado que um dos pergaminhos revelava a localização do túmulo de Platão. Quem sabe o que mais poderá estar escondido entre os pergaminhos da Villa dos Papiros e, uma vez traduzido e anexado ao corpus mais vasto da literatura antiga, o que isso nos poderá ensinar sobre o mundo antigo. Uma cópia da Constituição dos Espartanos, de Aristóteles, pode até estar entre os pergaminhos, à espera de ser traduzida.

Ressuscitar os mortos é difícil; Jesus sabia-o. E a única razão pela qual sabemos que ele sabia disso é o facto de a Igreja considerar a preservação das Escrituras como um dever fundamental. Não há um único fragmento de texto do mundo antigo que tenha chegado até nós sem que um número incalculável de heróis tenha trabalhado silenciosamente para transmitir, de geração em geração, os textos que moldaram principalmente o mundo moderno. 

Estamos gratos por documentos como a Política, documentos cujo ciclo de vida podemos narrar desde a concepção até ao momento actual. Mesmo assim, esses textos podem entrar e sair de moda, e o seu conhecimento pode perder-se para gerações inteiras. Textos como a Oxyrhynchia Helénica são frutos da sorte, porque são completamente esquecidos no seu tempo, e depois perdidos uma segunda vez para a história, enterrados num qualquer monte de lixo egípcio antigo. Todo o trabalho necessário para tornar acessíveis textos como a Política tem de ser feito também para textos como a Oxyrhinchia Helénica.

Mas há ainda um outro passo monumental: os textos têm de ser descobertos. Em comparação com os dois primeiros grupos, há textos - como a Constituição dos Espartanos, de Aristóteles - que foram atestados por fontes antigas, mas que se perderam completamente nos anais do tempo, como a grande maioria dos textos gregos e latinos. 

Estas fontes, embora agora completamente indisponíveis para nós, podem ainda ser descobertas em qualquer altura, em qualquer cave. Num qualquer dia, a terra pode conceder a sua bênção, pondo a descoberto maravilhas do passado, como foi o caso de muitas das obras de Epicuro, que teriam caído nesta última categoria de obras perdidas, até descobrirmos a Villa dos Papiros. 

Mas mesmo uma descoberta tão fortuita não poderia ser aproveitada se não fossem desenvolvidas novas técnicas de leitura de pergaminhos cuja sobrevivência depende do facto de não serem abertos. Digo sempre aos meus alunos de grego e latim que há um ponto em que a ciência da tradução se torna pura arte. Da mesma forma, há um ponto em que a recuperação, a tradução, o restauro e, finalmente, o estudo de textos antigos se torna numa procura de tesouros. Nunca se sabe que tesouro pode estar escondido no próximo monte de lixo egípcio antigo.

Diurna - Liszt Consolation D flat major No.3 (S.172) Valentina Lisitsa

 


Uma entrevista com Andreas Eshete (1942-2024)

 

(excerto)


WOUBSHET: Antes de lhe fazer perguntas específicas sobre a forma como relaciona a investigação filosófica com a prática política, pergunto-me se tem ideias gerais sobre o papel do intelectual ou do intelectual público.

ESHETE: Penso que, historicamente, há duas pessoas que são fundamentais na nossa concepção do que é um intelectual público. Uma delas é Sócrates. Se houvesse um intelectual público no mundo antigo, teria de ser ele. Quer dizer, ele considerava que a sua tarefa era chamar toda a gente à razão, questionar tudo o que era aceite como um dever, tudo o que era imposto, neste caso, pelos deuses. A figura moderna com um papel tão importante em muitos aspectos e cuja influência é transversal a todas as tradições políticas, é Granisci.
No caso de Gramsci, é claro, trata-se de uma espécie de imagem anti-leninista do papel do conhecimento, dos intelectuais e da liderança na vida pública.
A sua ideia é, basicamente, provocar a mudança. O passo mais importante é mudar a concepção pública e persuadir as pessoas do seu mérito - fazer com que a concepção pública se concretize psicologicamente, institucionalmente e assim por diante. É isso que é suposto os intelectuais públicos fazerem e eu concordo com isto e concordo também com a ideia socrática de combater a complacência. 
Pode parecer dogmático, mas acredito no slogan “a vida não examinada não vale a pena ser vivida” e parte do papel do intelectual público é garantir que os seus concidadãos não sejam complacentes, que a sua comunidade não páre de se examinar.

WOUBSHET: O artista, diz Baldwin, e penso que podemos estendê-lo ao intelectual, “deve ser o perturbador da paz”.

ESHETE: A ideia de Sócrates é a mesma, o intelectual público como um incómodo. Essa é uma definição tão boa do intelectual público como qualquer outra.

WOUBSHET: Pertenço a uma geração de etíopes que é comummente designada por “Ye Derg Lij” - The Derg's Child. Não nascemos durante o reinado do imperador Haile Selassie, nem temos idade suficiente para recordar a revolução ou para nos lembrarmos da agitação e do tumulto que marcaram a Etiópia nos finais dos anos 60 e nos anos 70. Se tivesse de caraterizar essa transição decisiva e histórica na vida etíope para uma geração que não a viveu, o que diria?

ESHETE: Imagino que as pessoas da vossa geração tenham dificuldade em ter uma noção interna de coisas como o trono, a importância da coroa, a importância do absolutismo. 
Para as pessoas do Ocidente, o absolutismo é uma ideia muito distante. Quando eu cresci, era um fenómeno quotidiano. A legitimidade do trono/coroa era inquestionável para toda a gente, não apenas para os camponeses ou para as pessoas comuns, mas para os instruídos, para a elite, para todos os membros da classe dominante. Por isso, desmistificar a coroa e a legitimidade do poder absoluto era difícil. O estatuto da Igreja estava muito relacionado com isto, por exemplo.
Ter uma igreja estabelecida que, no máximo, tolerava outras fés era uma situação absurda, mas foi essa a situação em que crescemos. 
Na verdade, não pensei que a coroa e a monarquia desaparecessem e que o privilégio da Igreja Ortodoxa Etíope desaparecesse durante o meu tempo de vida. Nem sequer pensei que isso fosse seriamente posto em causa. Mas ambas as coisas aconteceram e num espaço de tempo muito curto. É um feito enorme de que as pessoas ainda não se aperceberam.
Há muitas outras coisas relacionadas com isto, claro, porque a ordem social que se seguiu envolveu a subordinação dos camponeses de formas horríveis; a subordinação dos povos minoritários ou dos povos que tinham chegado ao império mais tarde, através da conquista, especialmente no Sul, no Leste e nas zonas fronteiriças. 
A libertação da cidadania de segunda classe - da qual sofriam tanto os camponeses como os grupos étnicos que foram conquistados e assimilados com o império - é uma coisa incrível.
Para mim, era humilhante viver numa sociedade em que havia camponeses que eram arrendatários, geração após geração, em que havia grupos étnicos que não sentiam que esta era a sua casa, que não tinham qualquer tipo de identidade etíope e tinham de fingir significa mudando de nome e de religião. 
Foi esse o passado de que nos livrámos, agora não parece muito, mas é um grande feito - especialmente para uma sociedade pobre. 
Se tivéssemos tido uma revolução industrial e assim por diante, muitas destas coisas desapareceriam naturalmente - nem sempre, mas em geral. Aqui não tínhamos nada. Tudo o que tínhamos eram agitadores e mesmo assim livrámo-nos deste passado incrivelmente pesado. Não era como livrarmo-nos de privilégios, como aconteceu nos Estados Unidos. A Etiópia é um país muito antigo; estas coisas já existiam há séculos. Por isso, livrar-se deles, em grande parte, através da agitação de um movimento estudantil em que o número de pessoas instruídas era uma mão-cheia e tudo isto em quinze anos é uma coisa espantosa, milagrosa, na minha opinião.

WOUBSHET: É de facto incrível pensar que foram os estudantes, os jovens, que assumiram este tipo de responsabilidade e transformaram a Etiópia.

ESHETE: Há muitas coisas importantes em jogo na criação desta geração de estudantes e no tipo de empenhamento inabalável que tiveram, algumas a nível nacional, outras a nível internacional. A nível nacional, talvez o mais importante, na minha opinião, tenha sido o Serviço Nacional, que levou os estudantes da universidade para o campo. E através dele, pela primeira vez, os estudantes etíopes aperceberam-se,  pela primeira vez, de que eram incrivelmente privilegiados e que o seu privilégio estava a ser apoiado por pessoas que viviam na pobreza e na miséria. Isso mudou radicalmente as pessoas. Radicalmente no sentido em que se aperceberam do seu privilégio; aperceberam-se de quem os apoiava e das condições em que viviam; em terceiro lugar, aperceberam-se de que não tinham campeões. 
Penso que este foi um grande, grande avanço porque depois do Serviço Nacional não havia protestos estudantis sobre questões relacionadas com os estudantes, tudo tinha a ver com os camponeses e com as minorias religiosas e nacionais.
Uma outra fonte de inspiração foi o movimento dos direitos civis - que foi uma enorme inspiração para os etíopes. 
Não consigo dizer-vos o quanto foi importante para os etíopes porque, de certa forma, a situação deles era análoga à que eu estava a descrever como sendo a nossa. Tal como os estudantes etíopes, os afro-americanos eram uma pequena minoria e não dispunham de recursos realmente importantes - não tinham votos que contassem, não tinham poder económico. 
Depois do movimento dos direitos civis, demorou bastante tempo até que os boicotes tivessem algum significado. Não era certo que os boicotes aos autocarros em Montgomery pudessem resultar. Apesar de não terem qualquer poder económico ou político, montaram este enorme movimento que abalou o país até às raízes e funcionou. O país já não é o mesmo. 
Depois, claro, há movimentos que foram descendentes do movimento dos direitos civis - o movimento anti-guerra, o movimento das mulheres, o movimento gay, todos eles que fazem dos Estados Unidos uma sociedade atractiva em comparação, por exemplo, com muitas outras sociedades ocidentais. A sua importância deve ser atribuída à coragem moral e física dos afro-americanos.
Os afro-americanos foram muito influenciados por isso, e as pessoas da minha geração não eram apenas participantes - tomámos parte no movimento e aprendemos muito com eles. 
Em New Haven, por exemplo, onde eu estudava nessa altura, a sede dos Panteras Negras era lá, por isso tínhamos contacto diário com eles, participávamos nas marchas e nos vários programas, como os de registo de eleitores. E aprendemos muito com eles sobre a forma de nos organizarmos e, tendo em conta o que eu estava a dizer sobre a extrema escassez de recursos do movimento, aprendemos sobre o poder das ideias para mudar as coisas.

WOUBSHET: Como é que se envolveu?

ESHETE: Bem, a SNCC foi criada por volta dessa altura. Eu ainda estava em Williams e a SNCC trabalhava no Sul, o movimento estudantil começou lá e depois decidiram que queriam ter um homólogo do Norte, chamado NSM - o Movimento Estudantil do Norte, ao qual aderi. 
Trabalhei no registo de eleitores, não muito, mas o suficiente para saber como era no Sul. Depois, nas actividades quotidianas de dar explicações a miúdos no gueto. Tinha muitos amigos que tiravam tempo da escola para fazer estas coisas. Um grande amigo de Williams e Yale, que mais tarde se tornou advogado académico, tirou um ano para mobilizar pessoas nos guetos de Chicago. Portanto, muitos de nós faziam trabalho comunitário ligado aos direitos civis.

WOUBSHET: Quando começou a identificar-se com os afro-americanos, isso implicou também o desenvolvimento de uma consciência racial, uma vez que na Etiópia outras formas de identidade, como a etnia e a nacionalidade, são tão importantes?

WOUBSHET: Quando começou a identificar-se com os afro-americanos, isso implicou também o desenvolvimento de uma consciência racial, uma vez que na Etiópia outras formas de identidade, como a etnia e a nacionalidade, são tão importantes?

ESHETE: Quando há pouco falava da opressão nacional na Etiópia, uma das principais dimensões dessa opressão na Etiópia era a racial. As pessoas não o reconhecem, mas é verdade. No liceu de Menilik, onde estudei, havia alunos internos e a maior parte deles vinha do Sul, de Gambella, de Borena e também da Somália. E os miúdos de Gambella, Borena, etc. eram claramente discriminados.
 
Lembro-me que tinha amigos muito chegados de Gambella e Borena e, durante as férias escolares, levava-os para casa. As pessoas ficavam muito surpreendidas por eu fazer isso. Íamos aos bares da cidade, onde todos os estudantes vão, e éramos olhados de lado. O meu amigo Gabriel, por exemplo, que era de Gambella, era muito, muito alto. Eu chegava exatamente à cintura dele e, quando estávamos num bar, toda a gente nos tratava como se fizéssemos parte de um grupo de circo ou assim.
Portanto, havia atitudes raciais, sim, mas o racismo nos Estados Unidos era avassalador. 
Eu e mais mais sete pessoas estávamos aqui nos EUA. T,odos estudantes universitários, excepto eu que tinha uma bolsa de estudo da ASPA, Um deles era um estudante do terceiro ou quarto ano da faculdade de engenharia aqui em Addis mas estava no Minnesota.  Foi a um bar beber uma cerveja e começaram a insultá-lo com insultos raciais. Ele foi ao seu dormitório, pegou numa arma e disparou contra eles. Passei muito tempo a pedir que o deportassem em vez de o prenderem para o resto da vida. 
Quando fomos trabalhar no recenseamento eleitoral em Atlanta, os bebedouros eram separados, as casas de banho eram separadas, havia muitos restaurantes onde parávamos e não podíamos comer. Portanto, isto é muito vivido ainda. 
Esta era a altura em que muitas pessoas afro-americanos como Baldwin e outros escreviam e para mim e para muitos dos meus amigos era mesmerizante - não só os escritores, mas também activistas como Angela Davis.

fonte: jstor.org