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February 26, 2024

Instituições internacionais a perder credibilidade

 

August 07, 2023

Girls & society

 


Courtney Privett, American, b. 1982

Nevertheless she Persisted 2017
Pen and Ink on Paper, 8.5 × 11 in.

February 21, 2023

Diversidade

 


Nas áridas terras altas dos Andes, na Bolívia e no Peru, existe uma planta rara e em perigo de extinção que é a maior das bromélias do mundo. Conhecida como a "Rainha dos Andes", a Puya raimondii floresce apenas uma vez num século, fazendo do seu aparecimento um acontecimento verdadeiramente notável e procurado. 
Foto: Waldemar Niclevicz



October 24, 2022

Os donos disto tudo



Os donos disto tudo

António Araújo

É estranho chegar a uma certa idade sem perceber nada de como funciona o mundo. Soube há dias, por um acaso, que, nos idos anos 1990, aquando do frenesi das privatizações na Rússia, a PepsiCo, detentora dos refrigerantes gaseificados, tornou-se uma das maiores potências navais do mundo, pois, em troca das garrafas e das latas Pepsi que estava a vender à larga para a ex-URSS, aceitou ser paga em espécie: 17 submarinos soviéticos, um cruzeiro, uma fragata e um contratorpedeiro. A frota foi vendida para sucata, o que levou o presidente da empresa a gracejar com a Casa Branca: "nós estamos a desarmar a União Soviética muito mais depressa do que vocês."

É desta e de muitas outras loucuras que se faz o nosso tempo, triste e opaco, sem rumo nem norte, abominável mundo novo. E, por detrás dos governos e dos políticos, da ONU e doutras organizações internacionais, das diplomacias, cimeiras bi- ou multilaterais, há gente que actua na penumbra e na sombra, que movimenta o planeta e o põe a rodar sem que nós, os comuns mortais, tenhamos a mínima consciência disso, das decisões e opções que afectam milhões, muito mais do que julgamos. Quando lemos nas notícias que a Rússia autoriza ou não a exportação do ucraniano grão, quando sabemos dos movimentos e dos fluxos do petróleo e da recente - e inacreditável - facada da Arábia Saudita nas costas no Ocidente, julgamos que tudo se passa a um nível estritamente político, entre governos e líderes cujos rostos conhecemos, quando, na realidade, e sem falsos conspirativismos, há outra gente envolvida, muita outra gente envolvida, que compra e vende as mercadorias, os bens de necessidade primeira, que os paga a pronto ou a fiado, que os vai buscar a terras em guerra, que os despacha para onde mais pagarem. O Mundo à Venda. Dinheiro, poder e as corretoras que negoceiam os recursos da Terra (Casa das Letras, Setembro de 2022), um livro recente, da autoria de dois credenciados jornalistas do Financial Times e da Bloomberg, Javier Blas e Jack Farcity, levanta a ponta do véu da actividade dos corretores de matérias-primas, um punhado de empresas que controlam uma parcela substancial dos recursos naturais do planeta e que na sombra fazem lucros estratosféricos, muitas vezes à conta da guerra e do sofrimento alheio. Dirão os seus defensores que, sem os corretores de recursos, não teríamos o que comer à mesa nem gasóleo nos depósitos, não haveria casas, computadores, aviões no ar, carros nas estradas, o que é indiscutivelmente verdade, mas mostra o poder que tais indivíduos e empresas têm, a sua capacidade de domínio e influência, com a agravante de não sabermos quem são e o que fazem, de agirem na obscuridade e quase total impunidade, alheios ao controlo democrático e ao escrutínio mediático a que sujeitamos, e bem, os nossos governantes. É por isso, justamente por isso, que se torna ainda mais absurdo, inconcebível, que ignoremos sequer a existência destas pessoas e entidades, que não saibamos quem são e o que fazem, quais são os seus líderes e os seus perfis, concentrados que estamos em celebridades ou políticos que, na esmagadora maioria dos casos, não têm poder comparável ao desta gente sem rosto. Fiz a experiência: na sempre informada Wikipédia, cliquei no nome de "Gary Neagle" e deparei com quatro linhas apenas, que nos dizem tratar-se de um sul-africano que fez um curso de comércio e de contabilidade na Universidade de Witwaterstrand e que em 2000 entrou para os quadros da Glencore, de que é hoje o CEO. Nada mais é dito, nada mais sabemos sobre o homem que está aos comandos de uma das maiores empresas do mundo, ainda hoje a maior empresa de corretagem de mercadorias do planeta, até há pouco a maior empresa da Suíça, dominando 60% de todo o zinco comerciado internacionalmente, 50% do cobre, 9% do trigo, 3% do petróleo.

Ou veja-se uma outra empresa, a familiar e centenária Cargill, sediada no Minnesota, da qual provavelmente poucos ouviram falar, ao contrário do que sucede com a Apple, a Zara, a IKEA ou tantas outras. Pois bem, a Cargill é uma empresa privada, mas, se fosse aberta e cotada em bolsa, estaria no 15º lugar do índice Fortune 500. Com mais de 166 mil empregados espalhados por 66 países, dedica-se ao trading de cereais e outros produtos agrícolas, como o óleo de palma, mas também ao comércio de energia, aço, gado, rações, bem como à produção de xarope de glucose, óleos vegetais, alimentos processados. É responsável por 25% de todas as exportações norte-americanas de trigo e pelo abastecimento de 22% da carne consumida nos Estados Unidos. Todos os ovos consumidos nos restaurantes McDonald"s da América provêm de aviários da Cargill, que é também a maior produtora de frangos da Tailândia. O seu CEO chama-se Dave McLennan e, se forem novamente à Wikipédia em língua inglesa, encontrarão não mais do que três linhas, que dizem apenas que se formou em Amherst e que fez um MBA em Chicago, que é casado e tem três filhos, mas nada mais adiantam ou esclarecem. Sucede que, em 2019, num relatório produzido para o Center of International Policy, um think tank de Washington fundado em 1975, o antigo representante democrata Henry Waxman não hesitou em qualificar a Cargill como "a pior empresa do mundo", cuja dimensão colossal a faz esmagar todos os seus concorrentes e com um inenarrável cadastro em matéria de abate de florestas, poluição, alterações climáticas e tráfico e exploração de seres humanos. O rol das acusações é extenso e brutal: em 2021, oito antigas crianças escravas do Mali intentaram uma acção contra a Cargill, pelas condições de trabalho que sofreram nas plantações de cacau do Mali, existindo notícias sobre redes de tráfico e exploração nesses países desde 2005, pelo menos, o mesmo sucedendo com o algodão do Usbequistão, que a Cargill adquire e que é produzido com trabalho escravo e trabalho infantil. A isso juntam-se problemas laborais gravíssimos, como tentativas de supressão de sindicatos, exposição dos funcionários aos riscos da Covid-19, a par de aquisição abusiva de vastas parcelas de terra, violando os limites da propriedade fundiária, venda de alimentos adulterados (em 1971, a Cargill foi responsável pela venda de trigo contaminado ao regime de Saddam Hussein, provocando a morte de 650 pessoas, pelo menos), deflorestação na selva amazónica e das florestas tropicais na Sumatra, no Bornéu, no Gana, na Costa do Marfim (a Cargill comprava ou compra cacau plantado ilegalmente nos parques naturais desse país!), poluição atmosférica intensa, fraude e evasão fiscal. "A pior empresa do mundo", dizem, e o mais grave é nem sabermos que ela existe e o que faz.

Para termos uma ideia, basta dizermos que as cinco maiores corretoras de petróleo do mundo lidam diariamente com 24 milhões de barris de crude e produtos refinados, o equivalente a quase um quarto da procura de petróleo mundial. Ou que as sete maiores corretoras de bens agrícolas detêm quase metade dos cereais e sementes oleaginosas do mundo. Ou que a Glencore, a maior corretora de metais do planeta, representa um terço da oferta mundial de cobalto, uma matéria-prima essencial para a produção de veículos elétricos.

É certo que, a par dessas empresas, muitas outras se dedicam ao comércio de matérias-primas, como as grandes petrolíferas, com a BP e a Shell à cabeça, ou instituições bancárias como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley. Mas o que impressiona, além da opacidade tremenda, é o grau de concentração e domínio que este punhado de corretoras adquiriam: a partir de um bunker numa cidadezinha da Suíça, a Glencore é uma das maiores corretoras de trigo e de metais do mundo e controla uma parcela do negócio de petróleo, cuja empresa-líder é a Vitoil, sediada em Londres, a curta distância do Palácio de Buckingham.

Desde que o mundo existe, existem indivíduos ou companhias que se dedicam a negociar e a intermediar compras e vendas de bens e produtos. Contudo, foi a explosão do comércio mundial no pós-Segunda Guerra que levou à expansão das corretoras e, sobretudo, à sua concentração em gigantescos colossos que actuam à escala global e desafiam o poder de governos e a soberania dos Estados. Nos anos a seguir à guerra, o comércio mundial de matérias-primas e bens manufacturados representava cerca de 60 biliões de dólares; em 2017, representou mais de 17 triliões de dólares.

É também espantoso notar como estas empresas singraram e se mostraram e mostram imunes às sucessivas convulsões que abalam o mundo - e até, pelo contrário, como são capazes de tirar partido dessas convulsões para aumentarem os seus lucros e o seu poderia. Até aos anos 1960, o comércio mundial de petróleo era dominado pelas chamadas "Sete Irmãs": a Anglo-Persian Oil Company, antecessora da BP; a Royal Dutch Shell; a Standard Oil of California, a Gulf Oil e a Texaco, que se uniram na actual Chevron; a Jersey Standard e a Standard Oil of New York, predecessoras da ExxonMobil. Com as vagas de nacionalizações que assolaram os países do Médio Oriente nas décadas de 1960 e 1970, o monopólio das "Sete Irmãs" foi seriamente afectado e, de repente, o mercado mundial do petróleo tornou-se livre, ou na aparência mais livre, pois logo foi capturado pelas corretoras de matérias-primas, que tiveram aqui o seu grande boom. Mais tarde, com o colapso da União Soviética, as corretoras entraram a matar no vasto paraíso de recursos naturais da Rússia e, anos depois, voltaram a beneficiar extraordinariamente do espectacular crescimento económico da China, um país sedento de matérias-primas. Para se ter uma ideia: em 1990, a China consumia o mesmo montante de cobre de Itália e hoje é o maior consumidor de cobre e o maior produtor de metal refinado do mundo. E, na década do boom das matérias-primas liderado pela China, que se prolongou até 2011, os lucros combinados das três maiores corretoras eram superiores aos dos mais conhecidos gigantes do comércio internacional, como a Apple e a Coca-Cola.

Outra circunstância que favoreceu, e muito, os corretores internacionais foi, segundo os autores de O Mundo à Venda, a "financeirização" da economia e o crescimento do sector bancário nos anos 1980 e seguintes, facto que permitiu aos traders negociarem agora com base em vultuosos créditos e garantias bancárias. Em 2019, as quatro maiores corretoras de matérias-primas tiveram um volume de negócios de 725 mil milhões de dólares - mais do que o total das exportações do Japão.

O abrandamento da economia imposto pela Covid reflectiu-se numa redução dos preços das matérias-primas, o que implicou perdas para os mais frágeis, mas, uma vez mais, permitiu aos grandes potentados adquirirem mercadorias a preços de saldo, ridiculamente baixos, guardarem-nas nos seus gigantescos silos e revenderam-nas com lucros fabulosos (alguns corretores compraram mesmo barris de petróleo a preços negativos, o que obrigou a produtores a pagarem para vender a sua mercadoria!). E, a crer do que ocorreu no passado, em que as guerras sempre beneficiaram os traders de bens essenciais, é possível, até provável, que hoje em dia existiam corretores a fazerem fortunas astronómicas com o grão da Ucrânia ou o petróleo da Rússia. É que, na perspectiva dos corretores, quanto pior, melhor, ou seja, a instabilidade de uma dada região é, em regra, um factor de maior rentabilidade. Se um país rico em recursos mergulhar numa guerra civil fratricida, os que lá se aventurem com o bolso cheio de dólares poderão comprar a preços de saldo aos dois lados em contenda; em certos casos, as corretoras, como dispõe de fundos financeiros gigantescos, não hesitam em financiar uma das facções em luta, ou ambas, a troco de contratos que hipotecam os recursos naturais do país por 10, 15, 20, 30 anos. (foi a Vitol que financiou os rebeldes da Líbia e, em larga medida, precipitou a queda de Kadhafi). Ou seja, a violência e a guerra interessam a estas empresas, como lhes interessam as altas de preços, mesmo que isso impliquem o sofrimento e a penúria de milhões. Na crise do petróleo de 1979, a Marc Rich & Co. ganhou tanto dinheiro que, se estivesse cotada em Bolsa, teria sido uma das dez empresas com mais lucro da América. Não muito depois, Marc Rich teve de fugir dos Estados Unidos, onde era acusado de crimes vários (ex. evasão fiscal, escutas ilegais, extorsão, negócios ilícitos com o Irão aquando da crise dos reféns), que foram escandalosamente perdoados por Bill Clinton no último dia do seu mandato, facto a que não serão alheios os donativos milionários feitos para o Partido Democrata.

As sanções económicas não dissuadem estes donos do mundo e, pelo contrário, criam até, muitas vezes, um ambiente mais favorável a actuar na sombra e a reclamar maiores lucros. No Iraque, as corretoras negociaram com Saddam Hussein, ignorando as sanções da ONU, da mesma forma que trocaram açúcar por petróleo com Fidel Castro, venderam secretamente toneladas de trigo e de milho norte-americanos à URSS no auge da Guerra Fria e, claro está, financiaram os negócios dos oligarcas de Vladimir Putin, como Igor Sechin, o patrão da Rosneft, alcunhado "Darth Vader", que hoje é alvo de fundas sanções no Ocidente. Nada que dissuada os traders de matérias-primas, que nunca hesitaram em negociar com os ditadores mais sanguinários do planeta, mesmo quando já era certo e sabido as atrocidades que praticavam. E, ao longo das últimas décadas, é inimaginável a dimensão da corrupção praticada as corretoras de recursos: têm-se sucedidos os escândalos e os processos, mas eles representam apenas a ponta de um icebergue quilométrico, que já envolveu, entre outros, um dos maiores bancos do mundo, o BNP Paribas, alvo de uma multa de 8,9 biliões de dólares, em 2014, por negociar com países alvos de sanções pelos EUA, como o Sudão, o Irão e Cuba, país onde o BNP Paribas financiou a acção de uma corretora, a Trafigura, a qual esteve metida em tremendos escândalos como o do programa Petróleo-por-Alimentos das Nações Unidas, que encerrou em 2003 devido aos seus esquemas fraudulentos e corruptos, e o do lixo tóxico despejado na Costa do Marfim, em 2006, responsável por uma crise de saúde pública que afectou cerca de 100 mil pessoas.

É quase desnecessário dizer que uma parcela significativa das matérias-primas que circulam no mundo estão sediadas em off-shores, fugindo ao controlo de qualquer regulador nacional, e recorrem a empresas de fachada, enquanto as corretoras se domiciliam na Suíça ou em Singapura, desde sempre complacentes para com a escória do mundo. Num mundo globalizado, de pouco vale ter mecanismos de transparência e controlo nacionais, válidos em cada país, se depois não existir regulação e vigilância num plano mais vasto, internacional. De que adianta ter mecanismos que impeçam, em França, em Portugal, no Canadá ou no Brasil, excessivas concentrações de empresas, práticas monopolistas ou distorções de concorrência se as empresas em causa têm as suas sedes em off-shores e actuam não à escala nacional, mas transnacional? Um exemplo: nas duas últimas décadas, a Vitol, a rainha do petróleo mundial, pagou apenas 13% em impostos sobre os seus lucros de mais de 25 mil milhões de dólares. Na Bélgica, a carga fiscal sobre o trabalho é de 52,6%, em Portugal é de 41,8%, a média dos países da OCDE é de 34,6% A Vitol pagou 13% sobre os seus lucros de 25 biliões. Em face disto, não admira que surjam, cada vez mais, sentimentos de revolta e populismo anti-sistémicos; o que admira, isso sim, é que essa revolta e esse extremismo sejam ainda tão reduzidos. Para as injustiças que vemos por esse mundo fora, se o comportamento dos cidadãos surpreende por alguma coisa é pela sua moderação, pelo conformismo, pelo respeito por um estado de coisas cada vez mais precário e insuportável. As democracias preocupam-se, e bem, com o ascenso de forças políticas extremistas, mas pouco fazem para debelar os problemas económicos e sociais que lhe dão origem. De pouco adianta, na verdade, gastar milhões na vigilância de grupos neonazis se se mantiver o statu quo nas periferias das grandes cidades, com desemprego jovem, falta de oportunidades e perspectivas de futuro, desigualdades crescentes, crise na habitação.

Nos últimos anos, ao que parece, o poder das corretoras tem sofrido algum retrocesso, seja pelo facto de a informação privilegiada de que dispunham sobre fontes de matérias-primas, preços de compra e venda, etc., estar hoje muito mais generalizada e democratizada graças à Internet, seja porque muitos governos e organizações procedem aos seus negócios de forma directa, prescindindo de intermediários, seja, enfim, porque a cultura vigente nos traders também mudou para melhor, porventura fruto dos muitos escândalos do passado e das indemnizações milionárias que tiveram de pagar. Resta saber, todavia, se a guerra da Ucrânia e a instabilidade mundial não representarão novas oportunidades para um regresso em força das corretoras, naquele que é mais um efeito colateral, e pouco falado, do gesto louco de Vladimir Putin. Outro, de que pouco se fala, será o fortalecimento das redes e das máfias de tráfico humano no centro da Europa, do crime organizado, bem como dos negócios de armamento, para não falar de que, quando tudo acalmar, existirão certamente centenas ou milhares de homens armados a Leste, com experiência de combate e sem profissão e emprego. Serão necessários anos, décadas, para que tudo possa regressar ao normal.

Agora e por ora, uma coisa é certa: Putin e Xi, Mohammad bin Salman e outros prestaram-nos um grande, enorme serviço, ao mostrarem-nos que temos de arrepiar caminho e mudar de vida, de dependermos menos, cada vez menos, do petróleo sujo das ditaduras. E não, não é indiferente comprarmos energia a uma democracia comercial como a América ou a uma ditadura corrupta como a Rússia. Resta saber como se irão portar, no meio de tudo isso, os donos e senhores do mundo, as corretoras de matérias-primas. Saber sequer que eles existem, conhecer quem são e o que fazem, é já um bom primeiro passo. E depois, confiemos no futuro, já que o presente... enfim.

Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

August 25, 2022

Gostei de ler este artigo

 


Olhar para trás

Percorrer por estes dias o fio da história do desastre de Chernobyl na série que passa diariamente na RTP 3, ou revisitar a tragédia na reconstituição apresentada pela HBO em 2019, é convocar a inquietude da fragilidade dos dias que vivemos. Mas vale a pena fazê-lo, mesmo arriscando a que o sono nos abandone, porque o pesadelo dos outros não pode deixar de nos sobressaltar e até pode vir a ser o nosso. Está lá tudo.

A hipocrisia dos regimes despóticos, a vacuidade da política - e como precisamos hoje de homens de fibra -, a ganância de uns poucos que levam à condenação de tantos, a persistência da mentira sobre a verdade. De como de tantas vezes contamos a mentira até acreditarmos nela. Está também o lado bom dos bons, mesmo que eles já tenham pactuado com o mal, a seriedade e a coragem desses poucos que salvam tantos. 

Seis meses depois da invasão da Rússia à Ucrânia, aumentam as sombras sobre a aparente luz que separava o bem do mal. O que sabemos, na verdade, é que permanecem por esclarecer as razões que levam às atrocidades que vimos e vemos serem cometidas, à pulverização de cidades inteiras, à morte de crianças, idosos, pais, mães e avós, à separação de famílias, e ao prolongamento de um conflito que, hoje, não só está a alterar drasticamente a geopolítica mundial, como se faz sentir nas ações mais básicas do dia a dia. 
 As ameaças à Humanidade com a eventualidade de uma guerra nuclear, sempre presentes no gatilho das palavras, ou a incerteza face ao que se passa em centrais nucleares como a de Zaporíjia, obrigam a que os detentores de cargos políticos sejam pessoas de bem, empenhadas em encontrar soluções mais eficazes do que aquelas que se jogam na praça pública. Porque essas não parecem surtir efeito. Mas também, e sobretudo, que nós, todos nós, não nos deixemos adormecer pelas raízes que alimentam o mal. 

Domingos de Andrade, *Diretor-Geral Editorial

May 30, 2022

A raíz do mal

 


April 11, 2022

💢 China está acelerando seu desenvolvimento nuclear devido a crescentes temores de conflito com os EUA (Ivan Kleber)

 


Que se saiba que conhecemos o amor

Gabriel García Márquez


Um minuto após a explosão final, mais de metade de todos os seres humanos do mundo estarão mortos, o pó e o fumo dos continentes em chamas esconderão a luz do sol, e a escuridão absoluta envolverá o mundo uma vez mais. Um Inverno de chuvas laranja e furacões gelados inverterá o fluxo dos oceanos e mudará o curso dos rios; os peixes morrerão de sede nas suas águas abrasadoras, e as aves deixarão de ser capazes de encontrar o céu. A neve eterna cobrirá o Saara; a poderosa Amazónia será destruída por pedras de granizo e desaparecerá da face do planeta, e a era das rochas e dos corações enxertados voltará ao seu estado primordial glaciar.

Os raros seres humanos que sobreviveram a este primeiro terror, e aqueles privilegiados que conseguiram encontrar um refúgio seguro às 3 horas da tarde na segunda-feira sombria do grande desastre, terão salvo as suas próprias vidas, só para depois morrerem de horror perante estas memórias. A criação estará completa. No caos final da humidade e da noite eterna, os últimos restos da vida que outrora foi serão baratas.

Presidentes, primeiros-ministros, amigos, (1)

Esta não é uma má tentativa de plagiar o delírio de João no seu exílio de Patmos (2), mas uma visão de uma catástrofe cósmica que pode ocorrer a qualquer momento: a explosão - intencional ou acidental - de apenas uma parte do arsenal nuclear das grandes potências que se desleixa, com um olho aberto. Esta é a situação. Hoje, 6 de Agosto de 1986, existem mais de 50.000 ogivas nucleares operacionais no mundo. Em termos normais, isto significa que todo o ser humano, incluindo crianças, se senta num barril de dinamite de 4 toneladas, cuja explosão total pode apagar 12 vezes todos os vestígios de vida na Terra.

Esta ameaça colossal que paira sobre as nossas cabeças, como a espada de Dâmocles, é de uma aniquilação que teoricamente poderia destruir quatro planetas, para além de todos os que giram em torno do Sol, e perturbar o equilíbrio do sistema solar. Nenhuma ciência, arte ou indústria cresceu tanto como a indústria nuclear desde a sua criação há 40 anos atrás, e nenhuma outra criação de génio humano alguma vez teve tanto poder sobre o destino do mundo.

Através da sua própria existência, o apocalipse encerrado nos silos da morte dos países mais ricos reduz as nossas esperanças de uma vida melhor para a humanidade.

O único consolo que estas simplificações aterradoras podem oferecer - numa pitada - é permitir-nos confirmar que a preservação da vida humana na Terra custaria muito menos do que a manutenção da ameaça nuclear. Através da sua própria existência, o apocalipse encerrado nos silos da morte dos países mais ricos reduz as nossas esperanças de uma vida melhor para a humanidade.

No domínio dos cuidados infantis, por exemplo, esta é uma verdade óbvia. A UNICEF lançou um programa em 1981 para abordar as questões críticas das 500 milhões de crianças mais pobres do mundo. Isto inclui ajuda sanitária básica, educação elementar, melhores condições de higiene, fornecimento de água potável e alimentos... Um sonho inalcançável, avaliado em 100 mil milhões de dólares. Este é apenas o custo de 100 bombardeiros estratégicos B-13, e menos do que o dos 7.000 mísseis de cruzeiro que os Estados Unidos vão fabricar.

Para a saúde - com o custo de 10 porta-aviões nucleares Nimitz, dos 15 que os EUA irão construir antes do ano 2000 - poderíamos levar a cabo um programa de prevenção que poderia proteger mais de mil milhões de pessoas contra a malária durante este período; isso evitaria a morte de mais de 14 milhões de crianças só em África.

No ano passado, havia cerca de 575 milhões de pessoas em todo o mundo que passaram fome, de acordo com os números da FAO. Fornecer-lhes uma nutrição básica essencial teria custado menos do que construir 149 MX foguetes, dos 223 a serem alojados na Europa Ocidental. O custo de apenas 27 destes teria pago o equipamento agrícola necessário para que os países pobres adquirissem alimentos suficientes para os próximos quatro anos. Este programa custaria também nove vezes menos do que o orçamento militar soviético em 1982.

Quanto à educação - com apenas dois submarinos atómicos Trident, dos 25 que a actual administração americana planeia construir, ou com o custo do número idêntico de submarinos Tiphon a serem construídos pela União Soviética - poderíamos finalmente realizar o fantástico objectivo da alfabetização mundial. De facto, a construção das escolas e a formação dos professores necessários no Terceiro Mundo para satisfazer as novas exigências educacionais da próxima década poderia ser paga com o custo de 245 mísseis Trident-II. E, com o custo de mais 419 mísseis, poderíamos satisfazer a crescente procura de educação no Terceiro Mundo ao longo dos próximos 15 anos.

Finalmente, a supressão da dívida do Terceiro Mundo, e a recuperação económica desta dívida durante dez anos, custaria apenas um sexto das despesas militares globais para este período. Apesar desta gigantesca confusão económica, o desperdício humano é ainda mais preocupante e mais doloroso: a indústria bélica emprega o maior contingente de cientistas alguma vez reunido para qualquer projecto na história da humanidade. Estas são pessoas que estão do nosso lado, cujo lugar natural é aqui, connosco, em torno desta mesa precisamos de as libertar para que nos possam ajudar a criar, na educação e na justiça, a única coisa que nos pode salvar da barbárie: uma cultura de paz.

Apesar destas certezas dramáticas, a corrida aos armamentos não se permite um momento de descanso. Neste momento, enquanto almoçamos, foi produzida uma nova ogiva nuclear. Quando acordarmos amanhã, haverá mais nove nas reservas do Norte. Pelo preço de apenas uma delas, poderíamos - nem que fosse por um domingo no Outono - perfumar as cataratas do Niágara com sândalo.

Um grande romancista do nosso tempo perguntou-nos uma vez se a Terra era o inferno dos outros planetas. Talvez seja menos do que isso: uma aldeia sem memória, abandonada pelos deuses no último subúrbio da grande pátria universal. Mas a convicção crescente de que este é o único lugar no sistema solar onde a maravilhosa aventura da vida teve lugar leva-nos a uma conclusão angustiante: a corrida aos armamentos é contrária à inteligência.

Milhões de milénios após a explosão, uma salamandra triunfante que mais uma vez atravessou toda a escala da espécie será talvez eleita a mulher mais bela da nova criação.

Não só é contrária à inteligência humana, mas também à inteligência da natureza, cujo objectivo escapa à clarividência da poesia. Trezentos e oitenta milhões de anos passaram entre o aparecimento da vida visível e o momento em que uma borboleta aprendeu a voar... e depois outros 180 milhões de anos antes de a natureza produzir uma rosa, sem outra finalidade que não fosse a de ser bela. Foram necessárias mais quatro eras geológicas para que os seres humanos - ao contrário dos nossos bisavós Pithecanthropus - aprendessem a cantar melhor do que as aves, e até a serem capazes de morrer de amor. Não é de modo algum glorioso que os talentos dos homens tenham garantido, na era dourada da ciência, que um processo tão colossal e multi-milenar pudesse regressar ao seu nada original com o premir de um botão.

Para evitar que isto acontecesse, reunimo-nos aqui, juntando as nossas vozes às inúmeras vozes que apelam a um mundo desarmado e à paz justa. Mas, mesmo que o desastre aconteça, não terá sido completamente desnecessário que nos tivéssemos reunido.

Com modéstia, mas também com determinação de espírito, proponho que assumamos o compromisso de conceber e fabricar uma arca de memória capaz de sobreviver à ameaça atómica. Uma espécie de garrafa de náufragos astrais lançados aos oceanos do tempo, para que a nova humanidade de amanhã possa aprender, através do nosso testemunho, o que as baratas não serão capazes de lhes dizer: que outrora houve vida aqui, que houve sofrimento e injustiça, mas que também conhecemos o amor e até fomos capazes de imaginar a felicidade. Que os nomes dos responsáveis pela nossa catástrofe sejam conhecidos, e que sejam conhecidos para sempre; que também se saiba como foram surdos à nossa exigência de paz, e ao nosso desejo de levar as melhores vidas possíveis. E, finalmente, que se saiba com que invenções bárbaras, e para que fins mesquinhos, dizimaram a vida do universo.

Gabriel García Márquez


Escritor colombiano, vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 1982 e autor de A Hundred Years of Solitude and Love in the Time of Cholera.

April 05, 2022

Se tudo fosse mais ou menos assim...

 




O problema das prioridades

 


Estive a ver uma entrevista da BBC International a três líderes políticos indianos sobre a posição da Índia relativamente à guerra da Rússia na Ucrânia. A entrevista foi conduzida por uma jornalista indiana. Ela pergunta porque é que a Índia não condena a agressão da Rússia e apoia as sanções. 

Um dos dirigentes diz que a guerra é da Euroásia e não tem nada que ver com a Índia. A jornalista pergunta se o ataque a um país democrático e pacífico não tem a ver com todos. Um dos dirigentes diz claramente que o argumento moral não faz parte das relações internacionais e da realpolitik e que a Índia tem é que pensar no seu interesse, nas parcerias de negócios, nos descontos do petróleo, etc.

Então a Índia faria negócios com Putin? Com certeza, dizem.

Outro ainda fala na posição delicada da Índia, nos laços com a China e a Rússia, mas acrescenta que a Ucrânia tem que entender-se com a Rússia diplomaticamente porque é assim que as coisas se fazem.

A conversa é toda assim: os interesses da Índia, as parcerias estratégicas, etc.

E isto é o que está mal no mundo: a ideia de que a moralidade é um discursos de idiotas que não percebem a realpolitik. É por saberem disto que os Putin's, os Bush's e outros invadem países, agridem, ameaçam. É porque sabem que os dirigentes dos outros países também são uns merdosos que põem os seus interesses económicos/de poder, acima de tudo.


Entretanto, ontem, quando perguntaram a Lakrov o que pensa da reputação da Rússia no mundo ele responde, embora de maneira educada, 'Estamos a c#%&# para o que o mundo pensa de nós, só nos importamos com a opinião dos russos'. Antes diz que os americanos também invadiram o Iraque, o que é verdade, mas esse paralelismo é uma admissão de estarem a invadir a Ucrânia com mentiras e propaganda pois foi o que Bush então fez.   

O que está mal no mundo é a [má] qualidade ética de muitos dos seus dirigentes.


March 01, 2022

Infográfico - o mundo em 3 imagens

 


À esquerda o mundo a seguir ao colapso da URSS. O centro são os EUA. Ao meio o que Putin quer: 3 impérios, o da Rússia, o dos EUA e o da China. O da Rússia comanda toda a Europa, o dos EUA comanda toda a América e o da China comanda todo o Oriente. A África logo se vê. À direita o que nós queremos. Um mundo sem impérios com o poder distribuído por vários centros inter-conectados e cooperantes. A UE devia ser já uma realidade deste modelo.



A L Crego

February 20, 2022

Uma vibração

 

A China acrescentou 2.500 km de muralha aos 21.000 km de muralha que já tinha. Diz que é uma muralha de segurança para travar o Covid-19. LOL Na verdade, começou a construí-la em 2019 e é uma muralha para travar os traficantes e os refugiados da Birmânia.

Mais um muro no mundo. Menos pontes, mais muros.

September 20, 2021

Quando os países se comportam como judas para os amigos




Esta história é sobre poder e dinheiro mas é mais que isso porque estas negociações do AUKUS, como chamam ao acordo entre A Inglaterra, os EUA e a Austrália, duraram meses e durante esses meses em que negociavam, paralelamente, cada um desses países, tinha reuniões com os franceses, algumas sobre os tais submarinos como se estivesse tudo ok. Portanto, foram fazendo um embuste aos franceses, enquanto negociavam o acordo às escondidas deles para que não se apercebessem que estavam a ser enganados. Portanto, isto não é uma mentira por omissão: é uma fraude planeada.

O Presidente Macron chamou os embaixadores franceses em Camberra e Washington, mas não o embaixador inglês porque, "todos sabem que os ingleses não têm palavra".

Isto atinge a França economicamente, mas não atinge só a França politicamente. É um aviso do que os países aliados dos EUA e da Inglaterra -nomeadamente a Europa- devem esperar, daqui em diante, da sua palavra dada em acordos. Parece-me mesmo grave que daqui em diante, de cada vez que um país fizer um acordo com um destes três países esteja inseguro sobre se não estavam a fazer um outro acordo, paralelamente, contra esse país.

Estamos a falar de países que têm, na NATO, que tem um papel de grande relevância na paz mundial, acordos que dependem da confiança mútua. 
Que a Inglaterra dê este passo, espanta menos pois já saíram da UE por egoísmo e fuga às responsabilidades; a Austrália, até certo ponto percebe-se porque é um país inglês. Porém, os EUA, não se percebe. É uma declaração de fraqueza. Aquele que necessita, para ganhar vantagem, de pôr amigos uns contra outros -para além de minar a cooperação e eficiência futuras-, é porque já perdeu o poder que tinha de influenciar sem traições e embustes. O pior é não sabermos se Biden se apercebe, sequer, das consequências a longo prazo, deste passo.

Crise do submarino: o "amor" de Londres por Paris "é indelével", diz Boris Johnson

O primeiro-ministro do Reino Unido está numa viagem aos EUA para tentar restaurar a confiança após terem ajudado os franceses a perder o "contrato do século".
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A declaração surge depois do cancelamento, por parte da França, de uma reunião em Londres, marcada para esta semana.

Foi planeada uma chamada telefónica entre Macron e Biden

A violação deste contrato é considerada "grave" pela diplomacia francesa, que denuncia "mentiras" e uma "quebra de confiança". Na sexta-feira, 17 de Setembro, o Presidente Emmanuel Macron chamou
 os embaixadores franceses em Camberra e Washington, numa atitude sem precedentes.

"O Presidente Biden pediu para falar com o Presidente da República (Emmanuel Macron) e haverá uma chamada telefónica nos próximos dias", disse o porta-voz do governo francês Gabriel Attal. "Queremos explicações" sobre o que "parece ser uma grande quebra de confiança" e também saber "como pretendem sair deste contrato", quais as com "compensação" em jogo, disse ele domingo no BFMTV.


July 26, 2021

The sky above

 


July 18, 2021

Let it bee

 


Colmeias na capital religiosa de Inverno do Butão, Punakha

A parede frontal do mosteiro está coberta de colmeias gigantescas. Os degraus estão cheios de cadáveres de abelhas e uma colmeia monstruosa cobre completamente a janela central mais alta, que por acaso é onde o Rei se senta para se dirigir ao público em ocasiões cerimoniais.

Foto: Maddy Harland


https://myfacesandplaces.co.uk/bhutan-beautiful/

June 10, 2021

Há um novo oceano no mapa mundo





National Geographic adds 5th ocean to world map

National Geographic announced it was recognizing the body of water encircling the Antarctic as the Earth's fifth ocean: the Southern Ocean.