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April 09, 2024

Morreu o Peter Higgs




As ideias do Dr. Higgs sobre a criação de massa no universo, que desenvolveu enquanto jovem teórico no início da década de 1960, utilizavam cálculos matemáticos para propor uma explicação nada menos audaciosa do que a razão pela qual todos nós existimos: como é que os átomos que constituem as estrelas, os planetas e as pessoas - tudo no universo - vieram a existir.

A sua teoria pressupunha a existência de uma partícula então desconhecida. Em homenagem ao seu papel na aparente explicação da criação, mais tarde veio a ser chamada a 'Partícula de Deus.'

Cinco outros publicaram ideias semelhantes quase exatamente ao mesmo tempo. Seriam necessários mais milhares de cientistas, a trabalhar em vastas colaborações multinacionais, para finalmente encontrar o bosão de Higgs.
Ainda assim, foi o modesto Dr. Higgs cujo nome passou a ser identificado com a ideia revolucionária. Apenas um outro teórico partilhou com ele o Prémio Nobel da Física de 2013.


A Academia Real das Ciências da Suécia, que atribui o Prémio Nobel, afirmou na altura que o modelo padrão da física, que está na base da compreensão científica do universo, "assenta na existência de um tipo especial de partícula: a partícula de Higgs. Esta partícula tem origem num campo invisível que preenche todo o espaço.

"Mesmo quando o universo parece vazio, este campo está lá. Sem ele, nós não existiríamos, porque é do contacto com o campo que as partículas adquirem massa. A teoria proposta por Englert e Higgs descreve este processo."

Em meados do século XX, os físicos estavam a aproximar-se de muitos segredos do cosmos - Albert Einstein e outros cientistas compreendiam agora a gravitação e a relatividade e a forma como os campos quânticos governavam o comportamento dos fotões (partículas que constituem a luz) e dos electrões (que criam a eletricidade). Mas as teorias não explicavam tudo o que os cientistas queriam saber sobre o funcionamento do mundo a nível subatómico.

Os estudiosos ainda não compreendiam, por exemplo, porque é que as partículas elementares têm massa. Os cálculos da teoria quântica sugeriam que as simetrias que parecem reger o comportamento do Universo não se podiam aplicar às partículas maciças que formam os átomos, como os protões e os neutrões. Mas a massa tinha de existir. Sem ela, os componentes atómicos afastar-se-iam uns dos outros, como as partículas de luz. A matemática simplesmente não fazia sentido
.

O físico nipo-americano e futuro prémio Nobel Yoichiro Nambu sugeriu em 1961 que uma quebra indeterminada numa das simetrias poderia criar massa. Em 1964, como professor na Universidade de Edimburgo, na Escócia, o Dr. Higgs ofereceu uma possível explicação para o facto.

Alegadamente durante um passeio pelas Terras Altas da Escócia, colocou a hipótese de que a simetria é quebrada porque o universo é permeado por um campo invisível, atualmente conhecido como o campo de Higgs. O campo interage com algumas partículas subatómicas, tornando-as mais lentas, tal como um encontro com melaço pegajoso torna uma mosca mais lenta, conferindo-lhes assim massa.

O Dr. Higgs detalhou os seus cálculos em dois artigos académicos. O primeiro foi publicado pela Physics Letters, uma revista publicada pela Organização Europeia para a Investigação Nuclear, ou CERN. O segundo foi rejeitado pela revista. Um dos editores disse que "não tinha relevância óbvia para a física".

Sem se deixar intimidar e percebendo que precisava de aumentar a "conversa de vendas", o Dr. Higgs ajustou o segundo artigo, levantando a possibilidade não só do misterioso campo, mas também de uma partícula que lhe estivesse associada. 

O artigo sobre o bosão foi publicado pela revista americana Physical Review Letters, que também publicou ideias semelhantes de Robert Brout e François Englert, da Bélgica, e da equipa anglo-americana de Gerald Guralnik, Carl Hagen e Tom Kibble.

Um acontecimento marcante no desenvolvimento da teoria de Higgs surgiu com um artigo de 1967 do físico Steven Weinberg, que propôs um modelo completo que juntava duas das principais forças - a força electromagnética e a força nuclear fraca - com o modelo do Dr. Higgs para gerar massa.

Weinberg, então do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e dois outros cientistas ganharam o Prémio Nobel em 1979 pelo trabalho que levou ao Modelo Padrão da Física de Partículas, que continua a ser a melhor explicação dos cientistas para o funcionamento subatómico do universo.

À medida que os cientistas se aperceberam de como o Modelo Padrão se baseava no mecanismo de Higgs, o trabalho do Dr. Higgs recebeu mais atenção. Os físicos aperceberam-se que, se existia um campo de Higgs, deveria ser possível produzir a partícula que lhe estava associada. Isso poderia ser feito esmagando partículas subatómicas a energias quase inimagináveis.

A ideia era que, se não se encontrasse o bosão de Higgs, tudo o que a ciência pensava saber sobre o universo seria posto em causa. Mas encontrá-lo confirmaria o Modelo Padrão.

A caça à partícula tornou-se uma obsessão científica. Durante quase meio século, os governos gastaram fortunas na construção e operação de colisores de partículas gigantes. Este esforço deu origem à máquina de 10 mil milhões de dólares do CERN, perto de Genebra. Foi capaz de produzir colisões a energias que os cientistas pensavam ser suficientemente elevadas para fazer aparecer o bosão.

O Dr. Higgs, na altura reformado como professor, pensou que funcionaria. Se não funcionasse, disse ao Times de Londres, "ficaria muito, muito intrigado. Se não estiver lá, já não percebo o que penso que percebo".

No meio de grande júbilo, a 4 de julho de 2012, dois grupos de investigação comunicaram os seus resultados. Esmagando feixes de protões quase à velocidade da luz e estudando os detritos produzidos, as equipas afirmaram ter descoberto provas conclusivas de que o esquivo bosão de Higgs realmente existia.

O Dr. Higgs esteve presente em Genebra para o anúncio. Quando os pormenores foram apresentados, limpou uma lágrima do olho. Um ano mais tarde, partilhou o Nobel com Englert; Brout, o parceiro de investigação de Englert, tinha morrido em 2011 e, por isso, não era elegível para o prémio.

"Peter Higgs deparou-se com um puzzle inacabado no momento certo e definiu como deveria ser a peça central", disse o físico teórico Robert Garisto, editor-chefe da Physical Review Letters. "Quarenta e oito anos depois, eles encontraram-na".

Dr. Higgs arrives for a scientific seminar at CERN in 2012. (Denis Balibouse/AP)


Quando jovem, o Dr. Higgs, um apoiante de causas políticas liberais, conheceu a linguista americana Jody Williamson durante uma reunião de um grupo anti-proliferação nuclear.

Casaram-se no início dos anos 60, mas separaram-se cerca de uma década mais tarde - em parte, segundo o Dr. Higgs, devido à sua obsessão pelo trabalho.

Tiveram dois filhos e mantiveram-se próximos até à morte de Williamson em 2008. O Dr. Higgs disse que a separação do casal marcou o declínio da sua carreira de investigação. "Depois do fim do meu casamento, acho que perdi o contacto", disse ele a um jornalista em 2008. "Não consegui manter-me atualizado.

O Dr. Higgs era ateu e, tal como muitos físicos, detestava o termo "Partícula de Deus", tendo dito ao jornal britânico Guardian, em 2008, que o considerava "embaraçoso". Também parecia frequentemente desconfortável com o facto de o "chamado bosão de Higgs" e o "chamado campo de Higgs", como ele os designava, terem sido baptizados com o seu nome e não com o nome de qualquer dos outros cientistas que tiveram a ideia ao mesmo tempo.
Mas acabou por admitir: "Será difícil livrarmo-nos do nome 'bosão de Higgs'".


washingtonpost.com/

April 05, 2024

Ainda sobre a originalidade e importância de Platão

 


citação na página de dedicatória do autor, Robin Waterfield

Estou a ler uma biografia de Platão. As biografias de Platão são muito raras e a última tentada antes desta, que é de 2023, é do início do século XIX. Isto deve-se à figura de Platão, dada a envergadura e importância da sua obra, estar envolvida em muitas lendas e mitos (por exemplo, dizia-se que era descendente directo de deuses - que seu pai não tinha dormido com a sua mãe durante muitos meses e que foi nessa altura que ele nasceu...) e haver relatos contraditórios de episódios da sua vida. 

O autor da biografia, Robin Waterfield, consciente da dificuldade da tarefa que se propôs, constantemente cita as fontes da sua interpretação e argumenta-a face às interpretações diferentes da sua.

No entanto, uma característica que noto nas biografias e comentários actuais a figuras históricas -e que também vejo neste livro- é a inclinação para o extremo oposto da exaltação antiga e moderna das grandes figuras históricas. Quero dizer que se nota um esforço em mostrar que afinal aqueles homens e mulheres eram como nós, como o comum das pessoas e que aparecem envoltas em grandeza por conta da mentalidade das pessoas da época. 

Mas isso não é verdade. Lemos as obras de Platão e damos-nos conta, se temos alguma inteligência no sentido filosófico, da sua capacidade em compreender profundamente os seres humanos, a sua situação, os seus problemas fundamentais, a sua psicologia e de propor soluções. A maioria de nós está muito longe destas capacidades. 

Algumas ideias deles parecem agora óbvias, mas isso deve-se à sua influência continuar a fazer-se sentir, após dois mil e quinhentos anos; outras, ainda hoje são surpreendentes. É claro que há ideias nas suas obras muito polémicas e outras muito ultrapassadas porque ele era uma pessoa com os pés no seu tempo. Porém, no geral, dado que a sua cabeça ultrapassava largamente o seu tempo, as obras dele são uma fonte inesgotável de pistas para a sabedoria. 

Não sei ao certo de onde vem esta tendência para menorizar a distinção -positiva ou negativa- de algumas pessoas face à norma, mas parece-me que vem da Sociologia e das suas raízes deterministas e marxistas que desvalorizam o indivíduo para exaltar as forças inexoráveis da sociedade. Não por acaso os comunistas e marxistas em geral estão do lado da Rússia nesta guerra e negam a individualidade de Zelensky ao ponto de o tentarem reduzir a um instrumento de forças nazis. São o extremo oposto dos antigos que divinizavam certas pessoas e dos modernos que as elevavam a heróis sobre-humanos. Uns e outros, parece-me que perdem a oportunidade de perceber essa particularidade de algumas pessoas.

Parece-me inegável, por exemplo, que a pessoa de Zelensky é incomum e que o modo como os ucranianos -e a maioria de nós- reagiram à invasão russa e se lhe opuseram se lhe deve em grande parte. A reacção dele, a figura dele, o seu exemplo, a sua fortaleza e a sua inteligência no modo como lida com o invasor e os outros actores mundiais, não são algo que qualquer um no lugar dele fizesse e sabemos que, não fora isso e há muito que a Rússia teria conquistado a Ucrânia.

É como dizer que os cabecilhas nazis e os dos campos eram pessoas como nós. Não, não eram. Eram seres humanos como nós, mas não eram pessoas como nós, porque a maioria das pessoas não faz aquelas crueldades e imoralidades, mesmo em situação de guerra. São omissas, por medo (como vemos agora na maioria dos russos) mas não são activas na iniciativa de crueldade e imoralidade.

Pessoalmente, não acredito, nem na divinização de certas pessoas, nem na mesmidade de todas as pessoas e o que me parece interessante é compreender a origem dessas diferenças fundamentais de algumas pessoas em relação ao comum, porque marcam profundamente os destinos de todos nós.

A Academia de Atenas, a escola fundada por Platão para o desenvolvimento da Filosofia baseada no exercício da razão dialética, esteve aberta e funcionou durante mil anos (pese embora, a certa altura o que se lá ensinava já não era Platão mas o platonismo, um Platão cristianazido) e é a ordem do seu fecho e a proibição de o ensinar, em 529 AD, pelo Imperador Romano Justiniano, que marca o fim da Antiguidade. Como se pode pensar que qualquer um conseguiria isto?


April 02, 2024

Máscaras

 

Máscaras antigas do Teatro Grego.

Do latim "persona" = literalmente "aquilo através do qual ("per" = através) passa o som ("sonus")", a voz do actor. Este 'porta-voz' å máscara] corresponde ao papel que representa (carrancudo, triste, demoníaco, etc.). Daí a palavra "personagem"... Em grego: "prosôpon" (literalmente "diante dos olhos").

Esta tradição ainda hoje está viva em certos carnavais. O teatro moderno já não as usa, mas cada actor usa a suas máscara interior nos seus papéis. E não se aplica o mesmo às redes sociais? Tantos que se mascaram com muitas máscaras a representar papéis?

"Le masque, ce visage de carton que l'on met sur son masque..." - Michel de Ghelderode


via 'Amigos das Línguas Antigas'

March 06, 2024

António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)




António-Pedro Vasconcelos foi o primeiro vulto cultural do meu tempo que defendeu e praticou uma arte para todos e, portanto, contrariou a pseudo-elite cultural portuguesa que sempre considerou que a arte ser popular era sinal de falta de qualidade. A linguagem artística teria que ser hermética, acessível apenas a uns eleitos intelectuais. Lembro-me de ver o filme dele, O Lugar do Morto, na TV, um ou dois anos depois da estreia. Não é que o filme seja uma obra-prima, mas era um filme nacional que não exigia ter lido Proust. Não tenha nada contra Proust e contra os filmes que exigem outra riqueza cultural, pelo contrário, gosto muito deles, mas não podem ser os únicos filmes. Algo está muito mal se as pessoas em geral não podem participar, nunca, da cultura do seu país. Eça de Queiroz, Pessoa, Camões e a Sophia, por exemplo, são grandes escritores/poetas e qualquer pessoa os entende. Houve um tempo que os grande poetas até eram cantados em fado. António-Pedro Vasconcelos teve essa virtude de mudar o registo do diálogo cinematográfico e artístico no nosso país. Tornou-os mais democráticos.


Morreu António-Pedro Vasconcelos, o cineasta que acreditava no grande público

Defensor de um cinema para o grande público, voz activa em vários debates do Portugal democrático, a ele se devem muitos êxitos de bilheteira e algumas obras-primas. Completaria 85 anos no domingo.




February 14, 2024

Aniversários - Leon Battista Alberti

 


Auto-retrato de Leon Battista Alberti, nascido a 14 Fevereiro de 1404 em Génova, Itália.

Alberti foi aquilo que hoje chamamos um «polimata». Um autêntico homem da Renascença. 

Um dos autores e arquitectos mais brilhantes e originais de todo o Renascimento, Leon Battista Alberti teve uma produção que abrangeu a engenharia, a topografia, a criptografia, a poesia, o humor, o comentário político e muito mais. 

Utilizou a ironia, a sátira e a alusão lúdica nas suas obras escritas e desenvolveu uma abordagem sofisticada da arquitetura que combinava o antigo e o moderno. 

Nascido na elite florentina, Alberti foi, no entanto, desfavorecido devido ao exílio e à ilegitimidade. Como resultado, tornou-se um analista perspicaz das instituições sociais do seu tempo, bem como um escritor profundamente existencial que se interessava intensamente pela condição humana. 

As suas preocupações pessoais e intelectuais levaram-no a envolver-se num espectro cada vez mais vasto da cultura renascentista.

Alberti escreveu a primeira gramática italiana. Escreveu códigos e cifras para o Papado e existe um código com uma máquina para o descodificar chamado Código Alberti. (Sarah Stackpoole)

Alberti era um platónico, como se chamava, na Renascença, aos que atribuíam à matemática o fundamento das Artes e das Ciências.

Na altura em que fez esta obra, já tinha dois diplomas universitários e praticava todas as artes. Tinha sido readmitido na sociedade florentina após 24 anos de exílio - sendo ilegítimo, tinha mais a provar e não há dúvida que se esforçou-se ao máximo para o fazer. Ele próprio nos diz que era extremamente atlético, um excelente cavaleiro e um músico soberbo. Há quem afirme que ele foi mais importante que Leonardo. (SS)

Ele próprio o parece pensar pois neste auto-retrato de bronze afina as suas feições para aparecer com a têmpera de um Imperador Romano. Existe um outro retrato dele feito por Filippino Lippi na Capela Brancacci. Este que se vê a seguir.

E, se este retrato é fidedigno, Alberto aprimorou-se no seu auto-retrato de bronze mais acima: a testa alta, o nariz direito, a boca firme e o olhar determinado no perfil de uma cabeça assente num pescoço sólido. A cabeça de um aristocrata, bem cuidada e de uma calma superior.

(Aquele olho alado que se vê mesmo debaixo do seu queixo era a sua insígnia.)

Vasari descreve Alberti como "um cidadão admirável, um homem de cultura... um amigo dos homens de talento, aberto e cortês com toda a gente. Viveu sempre de forma honrada e como o cavalheiro que era."

Alberti morreu em Roma a 25 de abril de 1472, com 66 anos de idade.


February 10, 2024

Morreu Robert Badinter, o homem que aboliu a pena de morte em França

 

Na noite de 8 para 9 de fevereiro, aos 95 anos de idade, Robert Badinter morreu na sua casa em Paris.
Advogado de profissão, Robert Badinter foi Ministro da Justiça de François Mitterrand e o arquiteto da abolição da pena de morte em França em 1981.
O seu empenhamento político foi marcado pela luta pela reabilitação dos presos, por uma série de alterações ao código penal e pela luta contra o anti-semitismo e a homofobia.
De 1986 a 1995, presidiu ao Conselho Constitucional, tendo depois sido senador pelos Hauts-de-Seine até 2011. Era um defensor de causas justas:
Uma grande figura intelectual e moral deixou-nos. Talvez devido ao facto da sua família ter sido atingida pelo horror do nazismo desde a infância, Robert Badinter pôs a procura da verdade, a exigência de humanidade e a esperança de paz no centro dos seus pensamentos e acções ao longo de toda a sua vida".   - Lionel Jospin
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A maioria dos países europeus aboliu a pena de morte a seguir à Segunda Grande Guerra. A França só aboliu a pena de morte em 1981. A última execução aconteceu em 10 de setembro de 1977. Hamida Djandoubi, um imigrante tunisino, tornou-se a última pessoa executada em França, bem como a última pessoa executada na Europa ocidental. Foi guilhotinado mas não em público. A última execução pública em França é de Eugène Weidmann, um alemão, em 1939 e pode ver-se no YouTube - uma coisa horrível. 
Para se ter uma ideia de como a abolição da pena de morte foi difícil e tardia em França, a última execução conhecida em território português foi em 22 de Abril de 1849 (José Joaquim, em Lagos, de alcunha “o Grande” que matou a criada do padrinho a tiro), apesar de só muito mais tarde ter sido retirada da Constituição.



União Europeia: cronologia da abolição da pena de morte para crimes comuns e para todos os crimes.
A Bielorrússia é o único país do continente europeu que continua a realizar execuções. Na Rússia existe uma moratória.

January 12, 2024

November 13, 2023

Um professor vai ter que aturar os filhos desta mulher, educados desta maneira

 


October 18, 2023

Pessoas que ajudam pessoas




James Harrison, um dador australiano de plasma sanguíneo, é conhecido como "O Homem do Braço de Ouro" devido à sua extraordinária composição de plasma. O seu sangue único desempenhou um papel fundamental na cura da doença de Rhesus, e a sua dedicação altruísta à doação de sangue salvou a vida de inúmeras crianças.

Em 11 de maio de 2018, com 81 anos, James fez a sua última doação de sangue depois de ter contribuído para o bem-estar de mais de 2 milhões de mulheres australianas e dos seus bebés. O seu precioso sangue contém um anticorpo essencial, utilizado na criação de um medicamento que salva vidas, conhecido como Anti-D.

Este medicamento é administrado a mulheres grávidas que correm o risco de os seus sistemas imunitários atacarem os seus filhos por nascer. James Harrison foi um pioneiro no desenvolvimento do programa Anti-D, que, desde 1967, já administrou mais de 3 milhões de doses de Anti-D derivadas do seu sangue a mães australianas com tipos de sangue negativos. Ganhando a alcunha de "O homem do braço de ouro", James fez mais de 1100 dádivas de sangue.

Em reconhecimento do seu incrível e contínuo apoio ao programa Lifeblood e Anti-D, James foi galardoado com a Medalha da Ordem da Austrália em 1999. A sua benevolência deixa um legado profundo e ele desafiou a comunidade australiana a continuar a sua missão.

Ao refletir sobre a sua última doação, James expressou a esperança de que o seu recorde fosse ultrapassado, pois significaria a dedicação de outro indivíduo a esta nobre causa. O percurso de James começou quando ele tinha apenas 14 anos e dependeu da bondade de estranhos que doaram sangue durante a sua grande cirurgia ao peito. Prometeu retribuir quando atingisse a idade apropriada e, fiel à sua palavra, começou a dar sangue, ultrapassando a sua aversão às agulhas.

Uma década mais tarde, descobriu-se que o seu sangue continha um anticorpo crucial necessário para produzir injecções de Anti-D e James passou alegremente para a dádiva de plasma, para ajudar o maior número possível de pessoas, encarnando o espírito de altruísmo.

@historyinmemes



October 01, 2023

Precisávamos de vários Manfred Hin no nosso governo

 


Pessoas sem ganância que querem ajudar os outros e fazem o que é preciso.


Como um empresário australiano de 66 anos restaura casas devastadas pela guerra na região de Kyiv

Manfred Hin, da Austrália, está a reconstruir casas ucranianas danificadas pela guerra. E poderia ter feito mais se tivesse conseguido superar os obstáculos burocráticos para trazer uma unidade de produção de tijolos única para a Ucrânia.

O ímpeto de Hin para vir para a Ucrânia


"É difícil dizer o número exato, mas provavelmente são cerca de 50 casas. Talvez mais. Muito trabalho estava relacionado com a desmontagem, uma vez que era necessário primeiro demolir as paredes destruídas e só depois proceder à reconstrução", é assim que Manfred Hin, de 66 anos, fala sobre quantas casas destruídas pela guerra na Ucrânia ajudou a reconstruir com as próprias mãos.

Manfred é um construtor com muitos anos de experiência, com conhecimentos em arquitetura e engenharia. Nasceu na Alemanha no pós-guerra e emigrou com a esposa para a Austrália em 1983. Lá, fundou seu próprio negócio - uma pequena empresa de construção. Em fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, decidiu que podia ajudar os ucranianos que perderam as casas nos combates.

"Esta guerra não foi uma surpresa para mim. Mas, mesmo assim, quando começou, fiquei bastante chocado. Tive várias noites sem dormir e, em 5 de março de 2022, decidi ir para a Ucrânia. Cheguei aqui em abril de 2022", lembra Manfred.

Estamos sentados numa pérgula rodeada de vegetação no quintal de uma das casas particulares na aldeia de Moschun, no distrito de Bucha, na região de Kiev. Moschun sofreu danos graves durante a fase inicial da invasão, quando as tropas russas ocuparam a área no final de fevereiro e início de março de 2022: as duas ruas mais afastadas que foram bombardeadas da cidade de Hostomel foram especialmente afetadas. Quase metade das casas aqui apresenta cicatrizes de guerra. Esta casa não é exceção.

"Conheci estes proprietários há cerca de quatro semanas através da organização New Acropolis. Este homem, Mykhailo, pediu-me para reparar a parede exterior. Eu disse que claro que podia fazer isso. Mas quando cheguei aqui, percebi que não era apenas uma parede. Na verdade, é preciso uma casa nova. Portanto, a partir da restauração da parede, cresceu para construir um segundo andar e refazer o telhado", conta Manfred.

Ultimamente, ele tem vindo cá quase todos os dias: passa a noite em Kiev num alojamento alugado, depois entra num carro, conduz até Moschun e começa a trabalhar. Trabalha em conjunto com o proprietário, Oleksandr Titochka. Às vezes, são acompanhados pelo colega de Manfred, um homem chamado Vasyl, originalmente da Romênia, que também está envolvido na restauração de casas, voluntariamente. Tudo é feito manualmente, sem o uso de equipamento pesado, mas Manfred tem um amplo conjunto de ferramentas: tanto para colocar a fundação, trabalhar com cimento, alvenaria e carpintaria.

Oleksandr Titochka e sua esposa Natalia vivem numa caravana que lhes foi fornecida como residência temporária por benfeitores. Eles têm praticamente a mesma idade de Manfred. Quando o conheceram, não sabiam inglês de todo. Natalia está a aprender a língua através de uma aplicação online no telemóvel e consegue comunicar rapidamente com Manfred. Oleksandr admite que estudou alemão há muito tempo, mas não se lembra muito. É assim que eles comunicam entre si.

Ela pergunta-lhe sobre a sua motivação: por que precisa disto - ajudar os ucranianos, trabalhando gratuitamente num país estrangeiro.

"Fui criado na Alemanha do pós-guerra. A minha família tinha uma origem camponesa e perdeu quase tudo. Quando era pequeno, os meus pais nunca me falaram sobre isto [depois da Segunda Guerra Mundial]. Mas eu via o que estava a acontecer e isso afetou-me quando era criança. Ouvi histórias, vi casas destruídas, ouvi falar de todas essas tragédias. Mas sentia-me impotente, uma vez que, sendo um rapazinho, queria ajudar de alguma forma, mas não conseguia. O que é que podes fazer quando tens quatro, cinco ou seis anos? Esse sentimento nunca me deixou", começa Manfred a responder à pergunta.

Foram essas memórias de infância que se tornaram a força motriz por trás do desejo de ajudar os ucranianos que também sofreram grandes perdas nesta guerra do século XXI. A destruição e as histórias humanas que ouviu enquanto esteve aqui impressionaram-no.

"A guerra em si e os bombardeamentos não me afetam tanto quanto as histórias. Uma coisa que me surpreende aqui em todas as histórias é que as pessoas sofrem, mas nunca se queixam. Nunca encontrei tanta resiliência na minha vida. Há pessoas que simplesmente engolem tudo. Se elas confiam em ti e contam as suas histórias, esses contos são terríveis. Mas mesmo assim, ninguém se queixa de nada. Nunca vi isso noutras nações. Os ucranianos são a nação mais nobre do mundo."

"Não percebemos sequer que a guerra tinha começado. Vimos helicópteros a voar para o aeródromo. Não pensámos em evacuar porque simplesmente não entendemos que era a guerra", recorda Oleksandr Titochka do início da invasão em larga escala da Rússia em fevereiro de 2022.

Além desta casa, ele e a sua esposa Natalia têm um apartamento em Hostomel, nas proximidades. Estavam lá quando a guerra começou. No segundo dia, em 25 de fevereiro de 2022, a ponte em direção a Kyiv-Hostomel já tinha sido destruída, e Hostomel estava isolada, relembra Oleksandr. A ocupação durou até 10 de março. Quase todos os moradores da casa, assim como Oleksandr e sua esposa, passaram todo esse tempo num abrigo anti-bomba.

"As pessoas vieram aqui de Kyiv porque pensaram que não seriam bombardeadas aqui. E acabou por ser o cerne da batalha. Aconteceu que o pior de tudo estava a acontecer aqui", é assim que Oleksandr Titochka fala sobre esses dias.

"Os nossos vizinhos partiram para Borodyanka. Mas era ainda pior lá. Foram ocupados nos primeiros dias, e pronto. Onde as pessoas saíram dos seus apartamentos, [os russos] entraram e, claro, fizeram uma confusão lá, viveram lá. Os que estavam em casa, [os russos] vieram, olharam e levaram os telemóveis. Nas casas particulares, entraram [nos quintais] e atiraram às pessoas."

Não havia informações sobre a situação ao redor porque não havia telemóveis disponíveis, diz Oleksandr. Por isso, decidiram deixar a cidade, por sua própria conta e risco, em oito carros. Havia um "corredor verde" nesse dia, por isso conseguiram escapar. No caminho, viram carros todos baleados.

Até maio, Oleksandr e Natalia ficaram com parentes no Oblast de Cherkasy. Mais tarde, voltaram para casa. O apartamento em Hostomel ficou intacto, enquanto a casa em Moschun, que Oleksandr começou a construir em 1991, transformou-se em cinzas. A comissão que veio avaliar os danos atribuiu-a à categoria 3 - a ser demolida.

"Quando chegámos, havia devastação aqui, entulho. Roupas russas estavam espalhadas por aí, havia calças, casacos, etc. Limparmos tudo. Tínhamos duas tubagens aqui. Pensei que fossem da casa, mas provavelmente eram [estojo de munições] lançados de um helicóptero. Havia crateras nos quintais vizinhos, pelo que percebo, de morteiros. É muito provável que tenha sido assim que tudo foi atingido aqui. Quase tudo foi queimado, nada ficou", diz Oleksandr Titochka.

Ele teve a sorte de conhecer Manfred Hin a tempo, graças aos voluntários que estavam a trabalhar numa casa vizinha na altura.

"Estou simplesmente encantado com a sua energia", diz Oleksandr Titochka, apontando para Manfred. Assim, graças ao nosso trabalho conjunto, uma nova parede já está construída no primeiro e segundo andares do edifício, e a substituição do telhado está em curso.

Muitas pessoas saíram de Moschun devido à guerra, dizem Oleksandr e Natalia. E muito poucas voltaram. Além deles, há outra casa habitada na sua rua onde uma mulher e a sua filha vivem. Há apenas uma ou duas casas habitadas nas ruas vizinhas. É muito caro construir novas casas, especialmente para reformados, dos quais havia muitos em Moschun. Os nossos interlocutores dizem que não receberam ajuda do estado. Também não conseguiram candidatar-se ao programa de compensação pelo alojamento destruído através da aplicação móvel Diya [aplicação de governo eletrónico] porque a sua casa não está devidamente registada como propriedade residencial.

"Parece que Moschun foi retirada dos planos de [restauração]", diz Oleksandr Titochka. Portanto, ele espera reconstruir a casa o mais rápido possível.

Além de Moschun, Manfred visitou também Irpin, Bucha e Chernihiv. Após a destruição da Central Hidroelétrica de Kakhovka em junho de 2023, ele foi a Kherson juntamente com o seu colega Vasyl, onde ajudaram a resgatar pessoas e animais afetados por inundações graves.

"Não ficámos lá muito tempo, mas foi horrível: ajudar os outros quando se ouvem disparos à direita e à esquerda. É muito silencioso à noite, mas ouvem-se explosões nas casas opostas na mesma rua. É guerra, não há muito que se possa planear. É preciso ser flexível, porque tudo muda de hora em hora, de dia para dia. Basta manter os olhos abertos e continuar a fazer o seu trabalho", partilha Manfred as suas memórias dessas viagens.

Embora a Ucrânia lhe tenha proporcionado uma experiência inestimável ao conhecer pessoas que o impressionaram, também o obrigou a enfrentar muitos obstáculos burocráticos. Devido às dificuldades em prorrogar o seu visto, que lhe permitiria ficar legalmente no país no futuro, Manfred sentiu-se exausto e chegou mesmo a pensar em regressar a casa, na Austrália.

"Tive um período muito difícil com o serviço de imigração há algumas semanas, alegadamente tinha de sair do país devido a problemas com o visto. Disse à minha esposa: 'Olha, as coisas não estão a correr como deviam. Tenho problemas. Não aguento mais. Quero ir embora'", diz Manfred.

"A minha esposa e eu tivemos uma pequena discussão sobre isso. Ela ouviu-me calmamente e, após algum tempo, disse: 'Manfred, estás feliz com o que já fizeste? Se assim for, e se sentes vontade de voltar para casa, vai para casa. Mas se não terminaste o que planeaste, então fica e luta'."

Assim, ele percebeu que não tinha escolha senão persistir, e superou esses obstáculos para ficar na Ucrânia. Mas os problemas burocráticos não terminaram aí.

Manfred sonha em trazer um dispositivo inovador para a Ucrânia, nomeadamente uma unidade móvel de produção de tijolos. É um conceito único, uma vez que tudo cabe em apenas dois contentores e pode ser transportado para qualquer local. Esta unidade utiliza 80% de material reciclado, ou seja, pode utilizar resíduos de construção e produzir cerca de 8.000 tijolos por dia com um turno de oito horas com quatro a seis pessoas. Apenas uma pequena quantidade de cimento é necessária para concluir o processo de produção no local.

"O problema é que este dispositivo é difícil de importar para a Ucrânia. A burocracia e a alfândega exigem muita papelada, o que torna o processo muito caro. Estamos quase a concluir o financiamento necessário para trazer este dispositivo para a Ucrânia. Mas estamos à procura de alguém que nos possa ajudar com um pedido oficial do lado ucraniano de que este dispositivo é realmente necessário aqui", explica Manfred.

Durante a sua estadia na Ucrânia, ficou convencido de que este equipamento seria extremamente útil aqui. Uma nova casa pode ser construída numa semana e o processo não requer habilidades especiais por parte dos trabalhadores nem muitos materiais adicionais. Tudo o que é necessário é um pedido oficial da parte receptora, ou seja, das autoridades ucranianas locais ou de outra pessoa, de que tal dispositivo é realmente necessário e que será utilizado exclusivamente para fins humanitários e não comerciais. Mas até agora, Manfred ainda não encontrou ninguém disposto a assinar.

"Espero sinceramente que possamos encontrar alguém para ajudar com estes documentos."

September 29, 2023

Pessoas

 


Vim mesmo agora de levar a vacina contra o Covid-19. Enquanto estava lá na farmácia sentada à espera que passassem 15 minutos sem reacções adversas, entrou uma pessoa que conheço porque temos uma amiga comum. É uma das enfermeiras pára-quedistas do tempo da guerra colonial. Já tem setenta e muitos anos mas não parece nada. É uma pessoa com uma genica, um espírito alerta e boa disposição permanente,  admiráveis. Uma ou outra vez que estivemos juntas em casa da minha amiga ouvi-a contar histórias extraordinárias desse tempo de serviço na guerra. Há pessoas que se distinguem do todo e ela é uma dessas pessoas. Mesmo que não soubesse da história dela reparava nela por causa desse espírito que espalha por todo o lado.


August 16, 2023

Renata Scotto (1934-2023)

 


Morreu a soprano Renata Scotto, uma lenda no seu próprio tempo - teve a distinção invulgar de ter começado a sua carreira como uma coloratura lírica excepcionalmente ágil e virtuosa no repertório do bel canto, após o que floresceu como uma das mais poderosas actrizes-cantoras dramáticas dos últimos 50 anos, dominando os papéis muito exigentes de Verdi, Puccini e compositores do verismo e infundindo as suas obras com uma intensa cor vocal e teatral. Poucas cantoras se adaptaram de forma tão notável e ideal a estilos tão diferentes. 

No seu 46º aniversário canta Un bel dí vedremo da ópera Madame Butterfly de Puccini. Belíssimo. Belíssimo. Sempre a emoção certa e o controlo total da voz. Uma cantora muito teatral e com uma presença forte a acompanhar uma voz dramática.




August 06, 2023

Era a isto que Hegel se referia quando falava na Lei do Coração

 

Lindsey Graham é um republicano que em 2015 descrevia Biden como a melhor coisa do mundo e quase chora de emoção ao falar dele. O critério para o julgar moralmente enquanto pessoa e enquanto político, é a sua intuição sentimental. Agora em 2023, usando a mesma intuição do sentimento, diz que é um corrupto. E são estas pessoas que decidem dos destinos do mundo, pessoas que julgam tudo -pessoas, políticos e políticas- usando como critério os seus sentimentos, individuais e subjectivos e não um critério objectivo que possa ser comum à sociedade humana. Daí que ajam como baratas tontas.


Aniversários - Gertrude Ederle

 


Neste dia, em 1926, Gertrude Ederle, uma nadadora americana de competição, campeã olímpica e detentora do recorde mundial em cinco provas, tornou-se a primeira mulher a atravessar o Canal da Mancha a nado, uma distância em linha recta de 34 km. 

Treinou com um nadador chamado Jabez Wolffe, que tinha tentado atravessar o Canal da Mancha a nado 22 vezes, tendo falhado sempre. Durante os treinos, Wolffe tentava abrandar-lhe o ritmo porque pensava que ela se iria cansar. Ederle foi desclassificada na sua primeira tentativa de nadar no Canal da Mancha depois de Wolffe a ter tirado da água pensando que precisava de ajuda quando estava apenas a fazer uma pausa de descanso.  

A 6 de agosto de 1926, com apenas 20 anos de idade, Ederle fez a segunda tentativa de atravessar o Canal. Desta vez com um novo treinador, Bill Burgess, ele próprio já tendo atravessado o canal a nado em 1911 - foi a 2ª pessoa a fazê-lo. Após 12 horas de natação, Burgess tentou tirar Ederle da água devido às condições de agitação do mar, mas ela recusou e tornou-se a 5ª pessoa a conseguir atravessar o Canal a nado.

Ederle tornou-se a primeira mulher a atravessar o Canal da Mancha, batendo o recorde de 14 horas e 34 minutos - duas horas mais rápida do que o anterior recorde de Enrique Tiraboschi. Ederle recebeu o seu próprio desfile em Manhattan, Nova Iorque, onde mais de dois milhões de pessoas se reuniram para celebrar o seu feito.

Entre outras alcunhas, a imprensa chamava-lhe por vezes "Rainha das Ondas".

August 01, 2023

"Da madeira retorcida da humanidade nunca se fez coisa alguma direita." - Kant

 


Tribunal condena mãe de Jéssica a 25 anos de prisão. 'Ama', marido e filha também recebem pena máxima



Certos comportamentos são muito difíceis de perceber. Não o de ter filhos para cumprir agendas pessoais -farto-me de ver isso- mas um crime destes é de uma outra natureza. Uma mãe que usa a filha como moeda de troca e não se importa que a torturem, que não a socorre mesmo quando a vê às portas da morte e uma outra família que espanca e tortura uma criança até à morte, não num impulso qualquer violento, mas durante dias e dias e dias sem fim como estratégia deliberada.
Mesmo pessoas que vêm de educações e contextos violentos não explicam crimes assim porque mesmo nesses contextos há uma barreira moral natural que impede estes comportamentos de extrema crueldade com crianças.
Olhamos para a cara da mãe e parece uma pessoa normal. Há pessoas que têm grandes reservas de violência aliadas a uma total ausência de consciência do outro como tal. São uma espécie de atrofiados morais que, ou nasceram já atrofiados ou algo na educação tornou-os atrofiados e nunca se desenvolvessem moralmente. São deficientes morais com grandes impulsos violentos. Não acredito que estas pessoas tenham possibilidade de reforma. São grandes predadores camuflados e um perigo para todos à sua volta.

July 21, 2023

Tony Bennett 1926-2023




Clint Eastwood conta a história de Tony Bennett para 'American Masters'

Por LYNN ELBER, redator de televisão da AP - 2007


Os dois homens estão sentados ao piano, um a tocar uma versão improvisada da música clássica "In a Mellow Tone", o outro a encorajar com acenos de cabeça.

O que torna a cena digna de nota é que o pianista é Clint Eastwood e a sua claque é, Tony Bennett. Encontraram-se num estúdio para um pouco de música e conversa, filmada para o documentário de Eastwood sobre o grande cantor pop.

Tony Bennett: The Music Never Ends, junta dois artistas que demonstraram longevidade e força criativa que os deixa imunes às modas.

"Ele é o último dos cantores, contadores de histórias. Expressa as coisas à maneira de quem conta uma história", disse Eastwood à The Associated Press.

Lembrou-se de ter visto Bennett no Festival de Jazz de Monterey de 2005 e de o ter filmado antes de fazer a biografia que vai para o ar como parte da série "American Masters" da PBS": Ainda bem que o fizemos", disse Eastwood sobre a captação do cenário de Bennett, que está presente no filme. "Ele teve tantas actuações maravilhosas, mas aquela atuação foi muito boa. As pessoas estavam simplesmente encantadas."

E, como mostra "The Music Never Ends", Bennett divertiu-se com a reação do público. "Adoraria cantar durante mais 60 anos. Foi lindo!", anunciou com o familiar sorriso largo que raramente o abandona no palco.

Bennett, de 81 anos, cuja canção de assinatura é "I Left My Heart in San Francisco", manteve a força e o tom para interpretar uma canção da maneira que deve ser feita, disse Eastwood, de 77 anos.

O cantor retribui o elogio, chamando ao trabalho de Eastwood como realizador, "magnífico" e uma demonstração do que se pode aprender com a experiência.

"Sabe-se o que deixar de fora; simplifica-se para comunicar melhor", disse Bennett à AP.

O doc. de Eastwood é um lembrete de como Bennett faz isso maravilhosamente. Mas a simplicidade é enganadora: a sua abordagem mistura jazz com pop e tem raízes profundas na tradição musical italiana do bel canto, que enfatiza uma técnica leve e fluida. Situa Bennett no contexto cultural americano, registando as suas influências (Fred Astaire, Judy Garland entre outras) e a sua posição enquanto intérprete - e pintor. Para gáudio de Bennett, o seu trabalho artístico recebe uma parte da atenção.

Alec Baldwin, que fez o papel de Bennett num sketch do "Saturday Night Live", ao lado do próprio cantor bem-humorado, faz uma observação particularmente incisiva: "No teatro e nas actuações ao vivo... o público tem de acreditar que não há outro lugar onde preferir estar. E não há ninguém neste ramo que transmita isso de forma mais eficaz do que Bennett", diz Baldwin no filme.

Quanto à voz de Bennett, outro admirador disse-o da melhor forma: "Para mim, Tony Bennett é o melhor cantor do mundo", foi a avaliação de Frank Sinatra. "Comove-me. É o cantor que consegue transmitir o que o compositor tem em mente e um pouco mais. Há um sentimento por trás disso".

Eastwood, um fã de jazz que compôs para filmes, tem o seu tema igualmente em alta conta: Se a América é uma canção, Tony Bennett é o seu cantor. Aqui está o cantor e aqui está a canção", diz o narrador Anthony Hopkins na abertura do filme.

No documentário há um tesouro de clips, incluindo um que ilustra a relutante cover de Bennett dos anos 50 de "Cold, Cold Heart" de Hank Williams. Quando Bennett finalmente cede à sua editora discográfica e se torna country, fá-lo à sua maneira.

Em entrevistas para o filme, o amigo de longa data Harry Belafonte refere a sua admiração pelo apoio firme de Bennett ao movimento dos direitos civis. O escritor Gay Talese maravilha-se com a carreira de Bennett, que se estende desde meados do século XX até aos dias de hoje, sem fim à vista.

Como dizia George Burns, "Reformar-se para quê? Devemos fazer aquilo que realmente gostamos de fazer, que adoramos fazer, e depois continuar a avançar. Quanto mais se continua a aprender, mais a vida se torna importante e faz-nos viver mais tempo."

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NOTA DO EDITOR - Lynn Elber é colunista de televisão nacional da The Associated Press. Ela pode ser contactada em lelber(at)ap.org

www.pbs.org


June 22, 2023

O que leva alguém a enfiar-se num submarino minúsculo e inseguro e atirar-se para as profundezas do oceano para ver um barco ferrugento?

 

Há três décadas, um repórter deu um mergulho na maravilha e no perigo. Um mergulho no Alvin, um submersível para três pessoas, revelou não só um mundo alienígena, mas também a razão pela qual as pessoas se envolvem em actividades tão arriscadas.

The submersible Alvin during a dive in 1986.Credit...Woods Hole Oceanographic Institution, via Agence France-Presse — Getty Images


Caímos durante uma hora, com a claridade a desvanecer-se lentamente até à escuridão total. 
Isso tornou tudo ainda mais interessante quando, no fundo do Oceano Pacífico, no nosso submersível para três pessoas, a quilómetro e meio de profundidade, perdemos a energia e as luzes se apagaram.

Foi o meu primeiro mergulho num submersível, em 1993. Estávamos a cerca de 250 milhas da costa do Oregon, a explorar as características geológicas do fundo do mar no Alvin, uma embarcação operada pelo Woods Hole Oceanographic Institution, em Massachusetts. A nossa expedição estava a entrar na sua terceira semana e este era o último mergulho da expedição, após dias de frustração causados pelo mau tempo e pela dificuldade em encontrar o que os cientistas procuravam. E, finalmente, era a minha vez.

Enquanto jornalista fascinado pelas proezas tecnológicas de uma nova geração de pequenos submarinos, mergulhar num deles ajudou-me a compreender uma série de coisas: a importância científica destes mergulhos, a razão pela qual os humanos conseguem muitas vezes fazer mais no mar profundo do que os robots e a razão pela qual as pessoas estão ansiosas por se envolverem em actividades tão perigosas. A minha experiência também esclarece os riscos que os passageiros do submersível Titan correram quando decidiram mergulhar no local do Titanic.

O nosso alvo era um campo nodoso de lava de uma erupção vulcânica recente que a água gelada do mar tinha transformado num lago congelado de fúria eruptiva. Os cientistas da expedição, liderados por John R. Delaney, um geólogo da Universidade de Washington, esperavam encontrar o campo pontilhado de plumas quentes de água rica em minerais que produziam chaminés imponentes de rocha e alimentavam estranhas formas de vida, incluindo moitas de vermes tubulares. Mas até à data não tinham conseguido encontrar nada devido ao mau tempo e a dificuldades de equipamento.

May the force be with you, disse um controlador de mergulho através do hidrofone, quando iniciámos a descida. Para mim, para o Dr. Delaney e para o nosso piloto, Robert J. Grieve, este mergulho era uma oportunidade de ajudar a expedição a terminar com uma nota positiva. Cada um de nós olhava pela sua própria janela e tinha a responsabilidade de dizer uns aos outros o que conseguíamos ver na escuridão submarina.

Embora apertado, o Alvin era surpreendentemente confortável; estava forrado com almofadas macias e parecia uma nave espacial compacta. Havia uma abundância de botões e interruptores. Tudo indicava um planeamento cuidadoso. Pela minha janela, vi um desfile interminável de organismos ondulantes e bioluminescentes.

Chegámos ao fundo por volta das 9h30 e começámos a voar sobre campos intermináveis de lava em forma de almofada. Após uma hora de procura infrutífera, deparámo-nos com a nossa primeira grande descoberta - um sapato Reebok que se tinha afundado no abismo, uma observação chocante dada a gravidade da nossa caçada.

Lentamente, a nossa pequena esfera foi ficando mais fria. Vesti uma camisola.

Quando as luzes se apagaram, os meus experientes companheiros insistiram que não era nada de preocupante. O nosso piloto não tardou a pôr-nos de novo em movimento, com energia de reserva.

Então, às 11h30 da manhã, depois do que pareceram muitas horas a ver montes de lava intermináveis, deparámo-nos com uma chaminé gigante a surgir da escuridão.

"Está quente e há vermes tubulares por todo o lado", informou o piloto, o Sr. Grieve.

Uma profusão de vida florescia no monólito insólito, que tinha três ou quatro andares de altura: vermes tubulares de quatro a cinco centímetros, tapetes de bactérias brancas e iridescentes vermes de palma vermelho-escuro com cerca de um centímetro de comprimento. Havia também enxames de lagostas em miniatura e pelo menos dois tipos de pequenos corais.

Examinámos ao todo cinco grandes chaminés. Algumas das pequenas estavam a expelir água quente, mas não tinham vida e desfaziam-se rapidamente quando o braço mecânico do Alvin as tentava agarrar. A água de ventilação mais quente que medimos foi de 543 graus Fahrenheit, suficientemente quente para cozinhar pizza e derreter muitos materiais modernos, incluindo estanho.

Tivemos de ficar perfeitamente imóveis quando o Sr. Grieve utilizou o braço robótico do submarino para recolher amostras e efetuar medições. A certa altura, comecei a fazer exercícios de respiração para relaxar.

De repente, o Sr. Grieve reparou que a temperatura do revestimento do submarino estava a começar a subir. Por acidente, tínhamos-nos posicionado por cima de um respiradouro quente, uma coisa potencialmente perigosa de fazer porque as janelas de plástico do submarino podiam derreter.

Começámos imediatamente a subir, exaustos e felizes.

Não conseguia imaginar um robô a fazer o que o Dr. Delaney e o Sr. Grieve tinham conseguido no nosso mergulho nas profundezas. Os dois especialistas executaram complicadas manobras e tomaram decisões rápidas, que nos afastaram de uma ameaça séria.

by William J. Broad in 
nytimes

May 19, 2023

Leonor Beleza

 


foto da internet

Hoje tive uma consulta na Fundação Champalimaud ao fim da tarde que se atrasou muito, de maneira que agarrei num dos livros grandes de capa dura da mesinha de café em minha frente (têm sempre bons livros por ali espalhados) e pus-me a ler. Li metade do livro e depois até me apetecia que o médico se atrasasse mais uma hora, para ter tempo de ler o resto.

O livro era sobre a própria Fundação. A sua ideia e a sua concretização. Escrito pela Maria João Avillez. O livro começa com um telefonema de António Champalimaud para Leonor Beleza, nestes termos, 'Estou a fazer o meu testamento. Estou a pensar deixar uma quantia para uma Fundação dedicada à medicina e queria saber se aceita ser Presidente dessa Fundação'. Ela aceitou, como se sabe. Viu Champalimaud mais um par de vezes socialmente mas não voltaram a falar do assunto. Depois ele morreu e quando leram o testamento, lá estava o dinheiro para que se erguesse a tal Fundação, presidida por ela e por Proença de Carvalho, seu testamenteiro e amigo.

Como Champalimaud nem sequer deixou escrito que tipo de Fundação queria, quer dizer, se era apenas de tratemento de doentes, se de investigação, a que áreas da medicina se devia dedicar, qual o seu escopo, etc., foram, ela e Proença, mas sobretudo ela, porque Proença tratou mais do lado jurídico, quem idealizou e ergueu a Fundação. O livro conta essa história. Como ela andou por Portugal e pelo mundo, pelos melhores institutos e hospitais a fazer pesquisa (foi muito ajudada pelo embaixador americano com quem foi ter e pediu ajuda para abrir portas), como e porquê decidiram dedicar-se à área oncológica e neurológica (para além da oftalmologia que era muito cara a Champalimaud que sofreu muito dos olhos), como decidiram fazer um centro de importância mundial, à altura do fazedor que era Champalimaud, como foram buscar as melhores pessoas -há dois prémios Nobel no concelho científico da Fundação e outros investigadores de renome internacional- e como ergueram uma obra que ajuda milhares de pessoas, alia a investigação médica à prática clínica e se dedica a tratar as pessoas com a melhor qualidade de vida possível. Se podemos pôr os doentes a olhar um jardim tranquilizante enquanto fazem tratamentos porque os havemos de por a olhar paredes de cimento, é um dos lemas que mostra um pouco o espírito da Fundação.
O arquitecto que escolheram, Charles Correa, concebeu o edifício ali à beira-Tejo, perto da Torre de Belém, como uma caravela a navegar em direcção ao desconhecido, como aliás o afirmam no nome que se vê à entrada do edifício. (foto acima)

Fiquei a meio do livro - hei-de acabá-lo da próxima vez que lá for. Ao lê-lo ficamos com uma ideia clara da capacidade de trabalho, da capacidade empreendedora e realizadora de Leonor Beleza e também de Proença de Carvalho, guiados por uma visão arrojada, com o olhar no horizonte longínquo, mas com os pés na terra.

Não temos nenhum ministro deste calibre há muito tempo. Nenhum. Leonor Beleza foi ministra da saúde de Cavaco Silva e como na época em que era ministra o Instituto do Sangue aceitou uma doação de sangue e um dos lotes estava contaminado e tendo sido usado, infectou doentes e alguns morreram, ela foi acusada de homicídio, com dolo, na morte dos doentes. Visto à distância é inacreditável. Não que ela não tenha sido a responsável máxima por essas mortes dado que era a Ministra da Saúde e a ela lhe caber garantir o rigor dos processos, mas a acusação de homicídio, com dolo, com que foi perseguida durante muitos anos, é inacreditável vista a esta distância...
Quando pensamos nos ministros sob os quais se matou à pancada um homem, que andaram a vender golas inflamáveis durante incêndios onde morreram mais de 70 pessoas, que atropelaram mortalmente pessoas e mesmo assim têm a defesa do primeiro-ministro que desvaloriza tudo, a perseguição que fizeram a Leonor Beleza nos moldes em que a fizeram parece inacreditável. Ainda ontem vimos aquela lástima de ministro que é Galamba dizer que não sabe o que se passa no seu ministério e que não se responsabiliza por nada. Que diabo, ele nem sabe o que faz na vida o indivíduo que contratou para CEO da TAP. Fartou-se de perguntar se era engenheiro ou o que era... A perseguição a Leonor Beleza, que durou anos e anos, por um funcionário ter usado um lote de sangue não devidamente testado, parece agora uma espécie de cruzada. Era o ódio que tinham a Cavaco Silva e queriam atingi-lo por meio dela - e também o prejuízo que lhe causou ter um irmão corrupto.

No entanto, quando Champalimaud pensou em quem confiar uma parte muito grande da sua fortuna para uma obra que lhe era cara, foi a ela que telefonou e nunca hesitou. Não eram amigos, nem sequer tinham relações. Conheciam-se ao longe. Isso diz muito da sua capacidade e das suas qualidades.

Não temos, há muitos, muito anos, uma pessoa com a categoria dela, em nenhum governo. Uma pessoa com visão, com coragem, com humanidade e com capacidade de realização. Haverá outras pessoas de visão e capacidade empreendedora neste país, capazes de grandes obras mas, primeiro são os partidos políticos que não os deixam entrar para não estragar as panelinhas e depois são os próprios que fogem deles a sete pés.

Da próxima vez que for a uma consulta vou um bocadinho mais cedo para ler o resto do livro.


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May 16, 2023

Quando se vai para a política com uma visão e uma ideia de serviço público

 


Homenagem a José Mariano Gago nos seus 75 anos

Esta é a nota introdutória ao Manifesto para a Ciência em Portugal, que José Mariano Gago publicou em 1990 e que a editora Gradiva reedita agora.

Mário Pimenta


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José Mariano Gago (à direita) e Peter Sonderegger na exposição De Que São Feitas as Coisas?, em 1981DR

A 16 de Maio de 2023, o José Mariano Gago faria 75 anos. Passaram já oito anos desde a sua morte, e 33 desde a publicação do seu Manifesto para a Ciência em Portugal. Contudo, o seu pensamento e acção continuam a ser de extrema actualidade: não há desenvolvimento científico sustentado numa sociedade sem cultura científica, ou que confunda ciência e tecnologia, reduzindo a primeira a um instrumento da segunda, ouvi lhe muitas vezes. Mais do que uma homenagem, a presente reedição do Manifesto para a Ciência em Portugal é o nosso contributo para que cada um, na construção da sua visão própria, possa a ele ter acesso.

Conheci o José Mariano graças a um cartaz pequeno, escrito à mão, afixado à entrada do pavilhão central do IST — Instituto Superior Técnico em 1978. O cartaz anunciava um “curso livre de Física de Partículas”. O José Mariano tinha regressado havia pouco tempo a Portugal e ao IST, de onde tinha partido no início dos anos 70, como bolseiro do IAC — Instituto de Alta Cultura, para fazer um doutoramento em Paris e, depois, trabalhar no CERN — Organização Europeia para a Investigação Nuclear. Tinha saído “a salto”, com mandado de captura emitido pela PIDE, mas mantendo a bolsa, em boa parte graças a Abreu Faro, professor do Técnico e presidente do IAC.

Durante quase dois anos, o curso teve lugar todas as semanas. A ênfase na experiência rigorosa como método e na teoria como modelo de um Universo que se pretende conhecer contrastava com o modo como se ensinava no IST e em Portugal.

Em poucos anos, o José Mariano operou uma revolução no Departamento de Física: no corpo docente, com a entrada de professores que tinham feito o doutoramento fora de Portugal e de muitos jovens assistentes, sedentos de iniciar uma carreira de investigação; no ensino da física experimental, introduzindo pequenos projectos baseados em artigos publicados em revistas internacionais de ensino, que implicavam a montagem de dispositivos experimentais, com a produção de pequenas peças e o empréstimo ou compra de equipamentos e objectos diversos, sempre com orçamentos reduzidos e muita imaginação.

No Verão de 1981, o José Mariano Gago e a Conceição Abreu organizaram, com o apoio do CERN e de outros professores e estudantes, a exposição De Que São Feitas as Coisas?. Era uma exposição de ciência para o grande público, que interpelava directamente as pessoas: dê a volta à manivela, faça girar o velho e lindo gerador que estava há muitos anos no armário e acenda a lâmpada eléctrica; traga o seu anel e logo se diz se é de ouro, prata ou pechisbeque. O impacto foi grande — nas pessoas, que afluíram noite dentro, e nos media, que lhe chegaram a dar destaque de primeira página.

Pela primeira vez senti que, em Portugal, a ideia de desenvolvimento científico estava, mesmo no imaginário das pessoas que pouca instrução tinham, associada à de progresso pessoal e nacional. Essa “aliança” foi acarinhada e fortalecida pelo José Mariano ao longo de toda a sua vida científica e política. Ainda hoje, apesar dos tempos que se têm vivido, é factor maior de sustentação da ciência em Portugal
.

Foto
José Mariano Gago em 1985 (Mário Pimenta é o primeiro do lado esquerdo na imagem) DR

Associada à exposição, realizou se em Lisboa a grande Conferência Europeia de Física das Altas Energias. Estiveram presentes dois prémios Nobel de Física, Richard Feynman e Abdus Salam, algo inédito em Portugal. O INIC — Instituto Nacional de Investigação Científica assinou com o CERN um protocolo, mediado pelo José Mariano, que garantia o financiamento equivalente a um investigador por ano no CERN. Hoje parece pouco, muito pouco, mas na altura esses 12 meses, parcimoniosamente divididos, permitiram dar início a uma presença regular de estudantes e investigadores portugueses, físicos experimentais e teóricos, no CERN. Contou-se ainda com o apoio da embaixada Francesa e da École Polytechnique de Paris, onde o José Mariano tinha deixado inúmeros amigos.

Peter Sonderegger acolheu os primeiros estudantes portugueses no CERN. Eu próprio fiz o doutoramento a trabalhar directamente com o Peter, tendo o José Mariano Gago e o Jorge Dias de Deus como orientadores. Em finais de 1984, tudo acelerou. Surgiu uma oportunidade para Portugal aderir ao CERN e o José Mariano agarrou a com as duas mãos. O acordo de adesão foi assinado em 1985. O “Fundo CERN”, que ainda hoje assegura a participação dos grupos portugueses no CERN, foi instituído. O LIP — Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas foi criado em Maio de 1986, por iniciativa do José Mariano, que nesse mesmo mês de Maio assumiu a presidência da JNICT — Junta de Investigação Científica e Tecnológica. A “pré-história” tinha acabado, a “História” ia começar..