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November 01, 2025

Uma história de pessoas muito fora do comum

 


Estiveram proibidos de se ver durante três anos. Quando ele finalmente escreveu, ela estava noiva de outra pessoa. Rompeu imediatamente esse noivado.

Edith Mary Bratt
Nascida em 1889, Birmingham, Inglaterra

Edith Mary Bratt nasce de uma mulher solteira chamada Frances. Não há pai registrado. Não existe certidão de casamento. Estamos na Inglaterra vitoriana. A ilegitimidade é um escândalo, uma vergonha. Uma morte social.

Frances trabalha como governanta para Alfred Warrilow, um comerciante de papel. As evidências sugerem que ele é o pai de Edith, mas Frances nunca confirma isso — nem à filha, nem a ninguém. Edith cresce entre rumores, com a consciência de que algo sobre as suas origens está errado porque não se fala sobre isso.

A sua mãe e a sua prima Jenny criam-na em Handsworth, um subúrbio de Birmingham. Edith é muito talentosa musicalmente — toca piano lindamente e encontra refúgio na música quando o mundo parece hostil.

Em 1903, Frances morre. Edith fica órfã aos 14 anos e o seu tutor passa a ser Stephen Gateley, o advogado da família — um homem prático que a manda para a Dresden House School, em Evesham, um colégio interno administrado pelas irmãs Watts. A escola é especializada em música. Edith estuda piano com seriedade, praticando horas por dia. Sonha tornar-se uma pianista concertista, uma carreira respeitável para uma mulher com o seu passado.

Em 1907 Edith termina a escola. Gateley encontra-lhe alojamento na pensão da Sra. Faulkner, 37 Duchess Road, Birmingham. É uma casa respeitável, segura. A Sra. Faulkner organiza noites musicais em que padres do Oratório de Birmingham participam, cantam e Edith acompanha-os ao piano. No entanto, a Sra. Faulkner não deixa Edith praticar adequadamente. Sempre que Edith começa a tocar escalas ou arpejos interrompe-a: «Agora, minha querida Edith, já chega por hoje!»
A carreira de concertista de Edith murcha antes mesmo de começar. 

Edith fica presa numa pensão, tocando acompanhamento para cantores amadores, incapaz de desenvolver o seu próprio talento.

Em Janeiro de 1908, dois irmãos mudam-se para o número 37 da Duchess Road. Ronald, com 16 anos e o seu irmão mais novo Hilary, com 14. Órfãos, como Edith. A mãe deles morreu de diabetes três anos antes. O seu tutor é o padre Francis Xavier Morgan, um padre católico do Oratório.

Ronald e Edith conhecem-se. Começam a conversar. Ela tem 19 anos, ele tem 16. Ambos são órfãos, solitários, artistas — Ronald escreve poesia, Edith toca piano. Compreendem o isolamento um do outro.

O romance entre eles desenvolve-se rapidamente. Passeiam juntos, encontram-se em salões de chá. Ronald escreve poemas para ela. Edith toca para ele. Um romance inocente e doce. O tipo de primeiro amor que parece descobrir algo que ninguém mais na história jamais sentiu.

Porém, o padre Morgan fica horrorizado porque Edith é anglicana, não católica e ainda por cima é três anos mais velha que ele, moram sob o mesmo tecto, o que parece impróprio para os outros inquilinos. E o mais importante — Ronald tem exames para uma bolsa de estudos em Oxford. Esse relacionamento é uma distração.

O padre Morgan muda Ronald e Hilary para um alojamento diferente do dela e diz a Ronald para terminar o relacionamento com ela. Ronald concorda, relutante mas a verdade é que continuam a encontrar-se «acidentalmente». Nas esquinas. Nas lojas. No aniversário de 21 anos de Edith, em 1910, Ronald está lá. O padre Morgan descobre e fica furioso.
Dá um ultimato a Ronald: nada de contacto com Edith até completar 21 anos. Nada, se não quer perder a bolsa de estudos em Oxford e com ela todo o seu futuro. Ronald esteva dependente do padre, seu tutor.

Três anos. Sem cartas. Sem encontros. Nada. John Ronald Reuel Tolkian tem 18 anos e três anos parecem uma eternidade, mas obedece. Desaparece sem dizer nada a Edith e vai para Oxford estudar, escrever poesia, inventar línguas e desenvolver a mitologia que acabará por se tornar O Silmarillion. E Edith espera. Depois, deixa de esperar.

Muda-se para Cheltenham para viver com um casal de idosos que precisa de companhia. Toca piano e frequenta a igreja. Um homem chamado George Field corteja-a. Ele é respeitável, gentil, independente e estabelecido. Pede-a em casamento e ela aceita.

O que mais ela poderia fazer? Ronald abandonou-a. Três anos de total silêncio. Ela tem agora 21 anos — está a ficar velha para os padrões eduardianos e as suas perspectivas estão a diminuir. George Field oferece segurança, companhia, uma vida normal e respeitável.

3 de janeiro de 1913. Ronald Tolkien faz 21 anos. Na noite desse mesmo dia em que ficou livre da dependência do padre Morgan, escreve a Edith a declarar-lhe o seu amor. Age como se o silêncio de três anos tivesse sido apenas uma breve interrupção, não um abandono, mas Edith responde-lhe que não acredita que depois de três anos de um silêncio sem explicação lhe escreva dessa maneira e diz-lhe que está noiva de George Field.

Ronald fica arrasado mas não desiste. Põe-se imediatamente a caminho de Cheltenham e encontra Edith na estação ferroviária. Caminham pela cidade e conversam por horas. Ele explica-lhe o que se passou e diz-lhe que nunca deixou de querê-la. Acontece que ela também nunca deixou de querê-lo. 

Nesse mesmo mesmo dia, Edith devolve o anel de noivado a George Field e aceita o pedido de casamento de Ronald. 

Ronald insiste que Edith se converta ao catolicismo o que não é um pedido pequeno. Edith é anglicana, todo o seu círculo social em Cheltenham é anglicano. A família com quem ela mora é anglicana.
Converter-se significa perder essa comunidade, ser vista como uma traidora da sua fé e nfrentar o ostracismo social - mas ela aceita, por Ronald e converte-se ao catolicismo, mesmo isso custando-lhe os seus relacionamentos e a sua posição em Cheltenham.

Em 22 de março de 1916 casam-se na Igreja de Santa Maria Imaculada, em Warwick. O padre Morgan, que proibiu o relacionamento deles oito anos antes, dá a sua bênção e participa na cerimónia.

Ronald tem 24 anos, Edith tem 27. Uma semana após o casamento, Ronald embarca para a França. Está-se em plena Primeira Guerra Mundial. Batalha do Somme. Ronald serve quatro meses nas trincheiras antes de contrair febre das trincheiras e ser enviado para casa.

Edith passa a guerra aterrorizada com a possibilidade de ele morrer mas ele sobrevive. Têm quatro filhos, John, Michael, Christopher e Priscilla.

Edith passa o resto da sua vida a apoiar a carreira académica de Ronald. Cria os filhos praticamente sozinha enquanto ele leciona em Oxford, escreve O Hobbit e O Senhor dos Anéis e constrói o seu legendarium.

Ela sacrifica o desenvolvimento do seu talento musical por ele e nunca toca a não ser para a família.

A 29 de novembro de 1971 Edith morre aos 82 anos de uma inflamação da vesícula biliar. Esteve alguns dias no hospital. Depois, partiu. Ronald fica devastado. Estavam casados há 55 anos.

Enterra-a no cemitério de Wolvercote, em Oxford. Na lápide, manda gravar: Edith Mary Tolkien, Lúthien, 1889-1971. 
Lúthien é a donzela élfica imortal da sua mitologia que renuncia à sua imortalidade pelo amor de um homem mortal, Beren.

A 2 de setembro de 1973 morre ele, aos 81 anos.
É enterrado ao lado de Edith. A sua lápide diz: John Ronald Reuel Tolkien, Beren, 1892-1973.

Beren e Lúthien. Juntos na morte como na vida.

fonte: A Inspiradora

October 31, 2025

Públicas virtudes, vícios privados

 

Quem pode trabalha para fabricar uma verdade para a posteridade, mas a história tem um modo de pôr a descoberto a realidade.


Charles Dickens abandonou a sua mulher após dez gravidezes e, pelo menos, dois abortos em quinze anos, chamou-a de deficiente mental nos jornais e ficou-lhe com os filhos.

Catherine Hogarth conheceu Charles Dickens em 1835, quando tinha 19 anos e ele 23 — um jovem jornalista ambicioso que trabalhava para o jornal do pai dela, o Evening Chronicle. Charles era brilhante, enérgico e já demonstrava sinais do carisma que o tornaria o escritor mais famoso da Inglaterra vitoriana.

Catherine era gentil, bonita e vinha de uma família respeitável e de Edimburgo muito superior financeiramente à dele que tinha crescido na pobreza. Ela desenhava e cantava. 

Casaram-se em 1836, justamente quando a carreira de Charles explodiu com o sucesso de The Pickwick Papers. Catherine engravidou quase imediatamente. Depois, novamente. E novamente.

Ao longo de quinze anos, Catherine Dickens teve dez filhos e, pelo menos, dois abortos. Dez gravidezes, dez partos, dez infantes para cuidar, numa época em que o parto matava regularmente mulheres e a contracepção era praticamente inexistente. Ao mesmo tempo que recebia e entretinha os amigos de Dickens e o acompanhava a festas.

Entretanto, a carreira de Charles disparou. Na década de 1850, Charles Dickens era o escritor mais famoso do mundo anglófono. Dava palestras públicas sempre esgotadas. Viajava constantemente. Geria revistas, escrevia romances, produzia peças de teatro. Estava em toda a parte, fazendo tudo, alimentado por uma enorme energia.

Catherine lutou com a depressão pós-parto — embora ninguém a chamasse assim em 1850 — e a exaustão de tantas gravidezes. Retraiu-se,  ganhou peso e deixou de conseguir acompanhar a agenda social implacável de Charles. Tinha 40 anos e passou duas décadas grávida, amamentando ou a recuperar de partos.

Dickens, que teve várias amantes, conheceu uma rapariga com 18 anos que era atriz numa peça escrita por ele -que ia a caminhos dos 50-, ficou obcecado por ela e quis livrar-se da mulher. Culpava-a de terem tantos filhos e de terem problemas financeiros por causa disso e chamava-lhe gorda, aos amigos próximos.

Segundo diz Bowen, Dickens teria tentado primeiro convencer um médico chamado Thomas Harrington Tuke, a interná-la num hospício como demente - era uma maneira de livrar-se dela sem ter de divorciar-se. Porém, o médico recusou internar Catherine. Mais tarde, Dickens, furioso, chegou a referir-se a Tuke como um “ser miserável” e um “médico burro”.

Catherine sabia da atriz mas a sociedade vitoriana não lhe oferecia opções. O divórcio exigia uma lei do Parlamento e provas de extrema crueldade ou adultério, além de outro crime (como incesto). As mulheres que se separavam dos maridos perdiam os filhos, a renda e a posição social. Catherine tentou aguentar, mas em 1858, Charles tomou a sua decisão: queria que Catherine fosse embora.

Dickens, penteado com vaidade e com aquela barba repugnante que era moda, com a idade aproximada do tempo em que conheceu a atriz


Como ele não podia divorciar-se dela — isso exigiria admitir adultério, o que destruiria a sua reputação, fez algo ainda pior: forçou uma separação e depois destruiu a reputação dela de tal forma que as pessoas acreditassem que a vítima era ele.

Grande publicitário de si mesmo e com amigos muito influentes, o escritor fantasiou um retrato falso e desumano da esposa, numa carta para um amigo que convenientemente vazou à imprensa onde lhe chama «incompetente», «mentalmente desequilibrada» e «letárgica», queixando-se de que ela não conseguia gerir a casa (com dez filhos e a receber constantemente visitas). Dickens começou a dormir num quarto separado.

Tirou Catherine da casa da família. Ficou com as crianças, excepto Charley, o mais velho, que escolheu ficar a viver com ela. Os outros nove ficaram com Charles e com a irmã dela que viva com eles.

Insinuou aos amigos que ela nunca amou os filhos adequadamente. Apresentou-se como um marido sofredor, finalmente forçado a agir pelo bem-estar da família. A sociedade vitoriana acreditou nele. Por que não acreditariam? Charles Dickens era amado como a voz da moralidade inglesa, o cronista da injustiça social, o homem que fez os leitores chorarem por Tiny Tim e Little Nell.

Catherine foi silenciada. As mulheres não podiam defender-se nos jornais. Ela não tinha voz pública, nem carreira, nem plataforma, nem independência civil ou financeira.

Ela viveu os 21 anos seguintes num exílio tranquilo, principalmente com o seu filho Charley. Raramente via os outros filhos — a maioria ficou do lado do pai, seja por acreditar genuinamente na versão dele, seja por proteger pragmaticamente as suas heranças. Uma filha acabou por romper com o grupo: Kate Perugini, a segunda filha de Catherine e Charles. Anos mais tarde, após a morte dos pais, Kate falou publicamente sobre o que realmente tinha acontecido.

Disse que a mãe tinha sido tratada de forma «cruel» pelo pai que culpava Catherine pela sua própria inquietação e insatisfação. Que a separação tinha sido injusta e a humilhação pública imperdoável.

Antes de Catherine morrer, em 1879, deu a Kate um pacote de cartas — cartas de amor que Charles lhe escrevera durante o namoro e no início do casamento, quando a chamava de «my little Mouse» e escrevia declarações apaixonadas de amor- e pediu-lhe que desse as cartas ao Museu Britânico, «para que o mundo saiba que ele me amou um dia, independentemente do que veio a dizer depois». Foi a única coisa que pôde fazer para se defender das mentiras e calúnias dele. 

Eis o que sabemos agora que os vitorianos não sabiam: Charles Dickens manteve Ellen Ternan, a actriz, como sua amante durante treze anos, até à sua morte em 1870. Arranjou-lhe casas e possivelmente teve um filho com ela (os historiadores debatem este ponto). Ela, não ele, culpava-se de ter destruído o casamento dele e esteve desaparecida em França, pensa-se que para ter uma criança.

Ele passou mais de uma década a viver uma vida dupla, de mentira, mantendo a sua reputação como voz moral da Inglaterra enquanto mantinha um caso e destruía a reputação da mulher para tentar livrar-se dela.

A lei de divórcio vitoriana foi concebida para aprisionar as mulheres. Catherine não podia partir sem perder tudo. Quando Carlos a expulsou, ela perdeu a sua casa, a maioria dos seus filhos, a sua posição social e a sua reputação. Não podia defender-se publicamente e foi por isso que guardou aquelas cartas. Foi um acto silencioso de resistência: a prova de que a narrativa que Carlos havia vendido — de que ela era incompetente e não amada — era uma mentira. No último ano de vida, Catherine revelaria toda a extensão da calúnia a um vizinho, Edward Dutton Cook, que relatou o caso ao jornalista William Moy Thomas.

Charles Dickens escreveu apaixonadamente sobre a injustiça social. Criou heroínas que sofriam nobremente sob sistemas cruéis. Fez os leitores chorarem por vítimas fictícias e fez à sua esposa real o que os seus vilões faziam às suas heroínas.

Fontes: várias

October 30, 2025

Itchy Boots

 


É o nome do canal desta mulher, holandesa que anda a percorrer as cadeias montanhosas -e não só- da Ásia e da África. Vi-a no Nepal, nos Himalaias, depois passou para o Paquistão, Afeganistão, Irão, Iraque, Arábia Saudita. Depois tenho acompanhado a ida a África pela Costa Oeste. Tem uma câmara no capacete e vai quase sempre a gravar de maneira que vemos os caminhos de montanha, os desfiladeiros, as vilas porque passa, etc. Fala arábico e outras línguas e é muito desembaraçada porque está constantemente a ser parada em check points e fronteiras onde tem de responder a perguntas intermináveis, às vezes é assediada, por vezes para lhe sacarem dinheiro - que nunca dá. Perguntam-lhe constantemente onde está o homem que a acompanha, que idade tem, porque não tem filhos, porque anda sozinha, etc. De todos os sítios onde anda, foi no Afeganistão que teve receio e vêmo-la sempre a evitar encontrar talibãs. Depois, na viagem a África, arranjou um modo de passar do Congo para Angola -indo de barco- evitando passar pelas fronteiras da República Democrática do Congo, por sentir que poria a sua segurança pessoal num enorme risco. De resto, anda por todo o lado. No Iraque roubaram-lhe a mota e foi à procura dela com a aplicação do telemóvel. Percebe o suficiente de mecânica para arranjar a mota em caso de pequenos problemas. Teve um acidente no meio do nada em que partiu a mão, furou um pneu no meio de um deserto, foi atacada por uma praga de gafanhotos e muitas outras peripécias. No geral as pessoas são simpáticas em todo o lado e tentam ajudá-la. Estou um bocadinho fascinada com a aventura dela.


October 24, 2025

Estou farta da frase, "mãe que abandonou o bebé"

 

Tanto quanto li, a mãe deixou o bebé ao cuidado dos bombeiros. O bebé estava "dentro de um saco, devidamente aconchegado com um cobertor. No interior do saco encontrava-se ainda um biberão com leite, uma chupeta e fraldas." Isto não é abandonar. Abandonar é deixar aos quatro ventos, portanto, entregue à sorte, tal qual como veio ao mundo, num sítio qualquer.

A pergunta que se deve fazer é: uma mulher sozinha, sem família, tem condições de criar um bebé, com um salário de enfermeira? Estamos num país que se queixa de ter falta de bebés mas não tratamos bem as mulheres - nem as grávidas, nem as mães recentes que, ou são despedidas ou são relegadas para 2º plano na carreira. É preciso dinheiro para criar um bebé e para poder trabalhar tendo um bebé em casa. Espero que não castiguem a mulher se o seu problema for a falta de condições para cuidar de um bebé.


October 15, 2025

Jonathan Lear (1948-2025)



Jonathan Lear foi um pensador filosófico idiossincrático e intelectualmente brincalhão que fundiu as ideias dos filósofos da Grécia Antiga com a teoria psicanalítica de Freud para explorar o significado do amor, da esperança e da perda.

O professor Lear desafiou normas académicas. Defendeu Freud, uma figura desprezada por muitos no meio académico e formou-se psicanalista para o compreender melhor. Estudou a resiliência visitando a reserva Crow em Montana — uma abordagem pouco ortodoxa para um professor de filosofia.

«Isso era típico do Jonathan. Ele estava interessado em ideias intelectuais, mas não apenas como ideias intelectuais. Era a experiência vivida que realmente o interessava — o que significa ser humano.» (Kay Long, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Yale, que estudou psicanálise com o professor Lear.)
«Freud -disse Lear- é um profundo explorador da condição humana, trabalhando numa tradição que remonta a Sófocles e que se estende por Platão, Santo Agostinho e Shakespeare até Proust e Nietzsche.»

Os primeiros estudos do professor Lear centraram-se na filosofia grega clássica. Nos seus livros Aristotle and Logical Theory (1980) e Aristotle: The Desire to Understand (1988), explorou a ideia de como o desejo de conhecimento molda os contornos de uma vida próspera.


Entre os 11 livros do professor Lear, Radical Hope: Ethics in the Face of Cultural Devastation (2008) foi o mais conhecido. O impulso para escrevê-lo foi uma citação do chefe Plenty Coups, da nação Crow.
«Quando os búfalos desapareceram, os corações do meu povo caíram no chão e nunca mais conseguiram levantá-los. Depois disso, nada aconteceu...»


by nytimes

October 09, 2025

Tudo munda e nada muda

 


Mariamne deixando o tribunal de Herodes (1887) por John William Waterhouse (pintor pré-rafaelita)
Óleo sobre tela - 259 x 180 cm 
Colecção da revista Forbes

Esta imagem é uma das pinturas mais dramáticas de Waterhouse.
Conta a história de Mariamne the Hasmoneu que viveu entre (54 a.C e 29 a.C). Teve a sua vida interrompida pela ordem de execução de Herodes.

Mariamne era considerada a favorita das dez esposas do rei Herodes e tinha fama de ser muito bonita.

Os hasmoneus eram rivais de Herodes e vários deles conspiraram contra a influência de  Mariamne em Herodes. Herodes achava-a tão bonita que estava convencido que se lhe acontecesse qualquer coisa ela casaria com outro, ideia que ele não suportava. Então, de cada vez que viajava, Herodes dava ordens para que ela fosse executada no caso de não voltar vivo e para que a irmã dela, Salomé, herdasse o trono.

Mariamne soube destas ordens e não o perdoou. Tornou-se fria e distante dele. Recusou deitar-se com ele. Salomé aproveitou a distância entre eles para conspirar contra ela e espalhar rumores da sua infidelidade. Herodes, que exigia respeito de todas as mulheres em forma de fidelidade, apesar de não ter respeito por nenhuma pois substituia umas por outras, acreditou nos rumores, acusou-a de adultério e condenou-a à morte.   

Esse é o tema desta pintura. Mariamne é aqui retratada vestida de branco, para indicar a sua inocência, com os braços amarrados e os punhos cerrados, de impotência, talvez, já a descer as escadas, em direcção ao seu destino. Vê-se, am baixo à direita, um arco com uma entrada escura que simboliza o seu trágico destino para o mundo subterrâneo, decidido por anciãos patriarcas, indiferentes aos destino dela e de todas as mulheres que olham como propriedade. 

Herodes, no entanto, baixa a cabeça com vergonha -sabe perfeitamente o que está a fazer- por não conseguir enfrentar o olhar dela que vira a cara para ele com uma expressão calma e fria de desprezo. Ela, que ocupa todo o centro da pintura, não pede clemência nem se emociona. Já esperava esta traição dele.

Tudo muda e nada muda.

Diz-se que por amor a ela, Herodes manteve o seu corpo preservado em mel durante sete anos. Josephus relata também que, após a morte de Mariamne, Herodes tentou esquecer a sua perda com caçadas e banquetes, mas que acabou por adoeceu e sucumbir em Samaria, onde tinha casado com Mariamne. 

A Torre Mariamne em Jerusalém, também chamada «Rainha», foi construída por Herodes e baptizada em sua homenagem.

Modelo de Jerusalém, Palácio de Herodes, o Grande, As três torres: Phasael, Hippicus, Mariamne, da esquerda para a direita

Para quem queira ler a história completa desta tragédia:

páginas 459 e segs. (abaixo)






Livros - The Last Ottoman Generation...

 


Este é Osman Bayezid, descendente da família real otomana. Foi o 44.º chefe da Casa Imperial de Osman.

Quando o Império Otomano entrou em colapso em 1922 e o sultanato foi abolido, o califa e sultão otomano, Mehmed VI, foi banido por Ataturk e enfrentou sérias dificuldades financeiras. 

O Nizam de Hyderabad, um dos homens mais ricos do mundo, ajudou-o financeiramente. Por fim, o califa deu uma das suas filhas em casamento ao filho do Nizam. 

A família real foi enviada para o exílio e espalhou-se entre os EUA, a Europa e o Médio Oriente.

Enquanto os seus antepassados governaram vastos territórios em três continentes por mais de 600 anos, desde 1299, Osman viu-se a começar uma vida completamente nova na América, sem exércitos para comandar ou províncias para governar.

Morava num apartamento na Avenida Lexington e trabalhava discretamente como bibliotecário na cidade de Nova Iorque. Passava os dias rodeado de livros, em vez de cortesãos. No seu tempo livre, encantava as crianças locais com espectáculos de marionetas.

Ficou conhecido pela sua dedicação em cuidar da sua mãe idosa. 

Nasceu em 1924, herdeiro do império Otomano, que já não existia, viveu como bibliotecário e morreu há poucos anos, em 2017.

Estes são os seus herdeiros. 

Passar de imperador a bibliotecário não é assim tão incomum como parece.

No Japão, os imperadores podiam reformar-se para dedicar-se a compilar antologias de poesia. 

Conhecidos como insei (ou chōkō), frequentemente tornavam-se mais influentes após abdicarem das suas funções oficiais para se concentrarem na composição de poesia e na supervisão de antologias da corte, que eram um aspecto significativo da vida da corte e do seu prestígio cultural. Esta prática permitia-lhes libertar-se das funções cerimoniais e das restrições políticas do imperador em exercício, permitindo um maior foco artístico e intelectual. Tornavam-se patronos e o que hoje chamamos 'influencers' culturais.

Não será o mesmo que perder o poder e a riqueza de um império e ir trabalhar anonimamente para outros país, distante, mas tem algo de comum com a ocupação de outros imperadores que passaram o poder a outro.


The Last Ottoman Generation and the Making of the Modern Middle East  

por Michael Provence 

O Médio Oriente moderno surgiu após o colapso do Império Otomano, quando a Grã-Bretanha e a França dividiram as terras árabes otomanas em vários novos estados coloniais. 
O período que se seguiu foi uma época conturbada, marcada por agitação social. Líderes insurgentes, treinados em tácticas militares otomanas e com tudo a perder com a queda do Império, desafiaram as potências mandatárias em várias revoltas armadas. 
Este é um estudo deste período crucial na história do Médio Oriente, traçando o período através de movimentos políticos populares e da experiência do domínio colonial. Provence enfatiza a continuidade entre o final da era otomana e a era colonial, explicando como surgiram as identidades nacionais e como foram lançadas as sementes para muitos dos conflitos que definiram o Médio Oriente no final do século XX e início do século XXI. 

October 05, 2025

Patricia Routledge (1929-2025) - da série, pessoas que inspiram

 


Setembro de 2024:

«Vou fazer 95 anos na próxima segunda-feira. Na minha juventude, muitas vezes ficava preocupada — preocupada por não ser boa o suficiente, por ninguém me contratar novamente, por não corresponder às expectativas da minha mãe mas agora os meus dias começam em paz e terminam em gratidão.

A minha vida só ganhou forma aos quarenta anos. Trabalhei constantemente — em palcos provinciais, em peças de rádio, em produções do West End — mas muitas vezes sentia-me à deriva, como se estivesse à procura de um lar dentro de mim que ainda não tinha encontrado.

Aos 50 anos, aceitei um papel na televisão que muitos mais tarde associariam a mim — Hyacinth Bucket, de Keeping Up Appearances. Pensei que seria um pequeno papel numa pequena série. Nunca imaginei que isso me levaria às salas de estar e aos corações das pessoas em todo o mundo. E, sinceramente, esse papel ensinou-me a aceitar as minhas próprias peculiaridades. Curou algo em mim.

Aos 60 anos, comecei a aprender italiano — não por causa do trabalho, mas para poder cantar ópera na sua língua nativa. Também aprendi a viver sozinha sem me sentir solitária. Todas as noites, lia poesia em voz alta, não para aperfeiçoar a minha dicção, mas para acalmar a minha alma.

Aos 70 anos, voltei ao palco shakespeariano — algo que antes acreditava ter ficado para trás devido à minha idade. Mas, desta vez, não tinha nada a provar. Fiquei parada naquele palco com serenidade, e o público sentiu isso. Eu não estava mais actuando. Estava simplesmente sendo.

Aos 80 anos, comecei a pintar aguarelas. Pintei flores do meu jardim, chapéus antigos da minha juventude e rostos que me lembravam do metro de Londres. Cada pintura era uma memória tranquila tornada visível.

Agora, aos 95 anos, escrevo cartas à mão. Estou a aprender a fazer pão de centeio. Ainda respiro profundamente todas as manhãs. Ainda adoro rir — embora já não tente fazer ninguém rir. Amo o silêncio mais do que nunca.

Estou a escrever isto para dizer algo simples:

Envelhecer não é o fim da vida. Pode ser o capítulo mais maravilhoso — se se permitir florescer novamente.

Deixe que os anos que virão sejam os seus ANOS PRECIOSOS.

Não precisa ser famoso. Não precisa ser perfeito. Só precisa de estar presente — plenamente — para a vida que ainda é sua.

Com amor e carinho,

Patricia Routledge

October 01, 2025

Jane Goodal 1934-2025

 

Uma naturalista, etnóloga, primatologista com um extraordinário espírito científico e aventureiro e um grande amor à Natureza.


September 29, 2025

Templates humanos

 

Hoje de manhãzinha li um artigo que perguntava porque é que os professores das universidades americanas são tão cobardes. Quando se trata de discutir ideias e levantar hipóteses sobre problemas têm mil e uma ideias sobre os assuntos, mas quando se trata de responder a questões sobre temas wokistas e outros socialmente polémicos, assinam sempre de acordo com o seu grupo, mesmo que pensem de maneira diferente. O artigo refere-se sobretudo aos professores titulares que têm lugar cativo e, por isso, deviam ter mais liberdade para ir contra a corrente. O autor do artigo conclui que é por medo de serem despedidos ou ostracizados.

Penso que tem muito que ver com o que a Hanna Arendt dizia sobre as pessoas em geral não pensarem. Pensar é um incómodo e traz problemas com os grupos próximos -e não só- de maneira que dispensam-se de pensar, preferindo encontrar um template ao qual aderir e depois ser leal ao grupo. Uma vez adesivados, fecham os olhos a outras realidades ou a incoerências internas e vão-se tornando incompatíveis com outros templates - como nos sistemas de computação, IOS e Windows.

Relativamente a esses temas socialmente polémicos referidos, há dois templates principais, o da esquerda e o da direita. 

Associam ao da esquerda, defender as minorias, ser inclusivo e anti-fascista. Incluem no template, ser a favor dos homens biológicos, mulheres-trans, ser a favor do Hamas, ser contra Israel.  Não interessa que as minorias sejam fascistas ou extremamente violentas: são minorias, são uns coitados, oprimidos pelo fascismo. Logo, todos os que se associam a este template cumprem estes mandamentos religiosamente; associam ao da direita, ser anti-islamita, contra os direitos das minorias (gays, lésbicas, mulheres, todos os imigrantes, etc.), ser religioso, defender a verdade do poder em vez do poder da verdade. Logo, todos os que se associam a este template cumprem estes mandamentos religiosamente. Nenhuma dúvida os atravessa.

Deus nos livre de se ser a favor das minorias e contra o fascismo e violência dessas minorias; ser a favor dos direitos humanos dos trans e contra as suas exigências de privilégios que destroem os direitos de outros; ser a favor do povo israelita e defender uma solução de dois Estados, etc.

Um comentador, há bocado, estranhou eu dizer mal do comportamento do Chega na AR e tentou associar-me a esse partido por ele ser pró-Israel e eu também (embora eu não seja anti-palestinianos, sou anti-Hamas e anti-Estados Islâmicos teocráticos). Como se eu abandonasse a capacidade de pensar e ver a realidade -neste caso o comportamento desses deputados- ou me fosse tornar anti-semita, com medo de me associarem ao Chega ou a outro qualquer. 

Porém, a questão é mesmo essa: não conseguirem sair desses templates pré-formatados e depois usaram-nos para pressionar e amedrontar outros a submeterem-se. Daí os professores universitários assinarem o que julgam fazer parte do template do grupo para não serem assediados por ostracizadores profissionais, incapazes de pensar sem a canga do template.

Sabem que estão a ser incoerentes com os princípios que defendem mas escondem-no. Há muitos anos, mais de vinte, numa conversa com um indivíduo jornalista, uma pessoa muito conhecida, ele disse-me que os judeus estavam por detrás de todo o poder e eram a causa de todos os males. Como viu a minha cara de totalmente surpreendida, acrescentou, 'se alguma vez disser a alguém que disse isto, nego e digo que é mentira'. Nunca disse a ninguém, apesar de que outras pessoas também o ouviram. Nessa altura não associava pessoas de esquerda a anti-semitismo como agora é óbvio e já o assumem porque faz parte do seu template ser contra Israel e poderem manifestar o seu anti-semitismo em voz alta.

O mesmo comentador disse-me que não gosta de corridas de touros. Por um lado eu também não. Quero dizer, penso que não devia gostar. Entendo os argumentos de quem é contra. Tenho outros, mas percebo que tenho essa incoerência difícil de resolver. Vejo-a e não a nego. Não tenho receio de divergir de templates pré-concebidos nem os reconheço como fundamentos cartesianos a que não posso fugir.


September 23, 2025

Não é verdade que Charlie Kirk debatesse ideias

 

Já vi muitos desses vídeos de 'debates' dele. O que ele faz é gozar com o adversário, chamar-lhe inferior, mandar bocas, fazer insinuações sobre pessoas, petições de princípio às carradas. Isso é muito diferente de debater ideias, argumentar, ou seja, apresentar razões válidas, pertinentes, para defender o mérito das suas ideias. Que as pessoas confundam aqueles sofismas baratos que ele usava nos debates com argumentação, diz muito sobre o entendimento de quem o defende como um grande argumentador. Este pequeno vídeo, anterior ao seu assassinato, torna óbvias essas técnicas de diminuir os outros, que ele usava em vez de argumentar. As técnicas baixas dele deviam ter sido destruídas assim, como esta mulher o fez, e não com balas. As balas, ainda por cima, fizeram dele um mártir-instrumento de abocanhar mais poder.


May 05, 2025

Coisas do apagão

 


Ou menos do apagão e mais das pessoas. Hoje ouvi uma pessoa que mora sozinha dizer que tinha comprado 50 litros de água para ter em casa... entretanto ligaram-me do supermercado de onde costumo encomendar produtos a dizer que não tinham a água de uma das marcas que costumo encomendar e que na realidade já só tinham duas marcas, o que é anormal - todas as semanas compro uns garrafões de água porque bebo pelos menos dois litros por dia e ainda gasto água para fazer café e chá e nunca aconteceu não terem marcas de água. Pois, desde o apagão, disse-me a senhora que ligou, que a água desaparece das prateleiras como pãezinhos quentes. Enfim, há quem passe de não beber água para açambarcar água à toa.

Por falar em apagão. Da próxima vez que houver uma crise de comunicações podem agarrar naqueles carros de campanha com altifalantes e pô-los a circular com informações pertinentes.


March 10, 2025

Há pessoas que têm 600 biliões e cortam a ajuda aos projectos de ajudar crianças com fome e com cancro

 



E há pessoas que com muitíssimo menos dinheiro fazem questão de ajudar os outros. Micheal Sheen é um deles.

Martin Sheen cresceu pobre, ficou rico e depois perdeu tudo para apoiar o Campeonato do Mundo dos Sem-Abrigo de 2019. Depois de ter reequilibrado a sua vida financeira, está a dar do seu dinheiro para ajudar 900 pessoas totalmente desconhecidas. 

Filmado para um novo documentário do Channel 4, Michael Sheen's Secret Million Pound Giveaway, este episódio faz parte de um projeto de dois anos do ator que consiste em utilizar 100.000 libras do seu próprio dinheiro para comprar dívidas no valor de 1 milhão de libras, devidas por cerca de 900 pessoas no sul do País de Gales - e cancelá-las imediatamente.

Ele não sabe quem são essas pessoas (a proteção de dados impediu-o), mas espera que o programa alerte aqueles que não se aperceberam que as suas dívidas tinham sido canceladas (as que podem ter ignorado as cartas assustadoras que entram pela porta), bem como ilumine os cantos escuros do crédito de alto custo e o que acontece quando as dívidas são vendidas a cobradores.

Parece mais oportuno do que nunca, numa crise de custo de vida em que 20 milhões de pessoas estão financeiramente vulneráveis - mas esta é uma área em que Sheen, de 56 anos, tem trabalhado desde 2018, quando criou a End High Cost Credit Alliance

Começou a interessar-se quando ainda vivia em Los Angeles, em 2016, e viu o programa Last Week Tonight, de John Oliver, gastar cerca de 60 mil dólares para comprar dívidas médicas no valor de 15 milhões de dólares e limpá-las. Perguntando-se se poderia fazer algo semelhante, descobriu que era mais difícil no Reino Unido, mas nessa altura já estava chocado com a forma como as pessoas mais pobres eram obrigadas a recorrer a crédito com juros elevados impossíveis de pagar. Ou, pior ainda, estavam a recorrer a agiotas.

Em 2021, depois de ter organizado o Campeonato do Mundo dos Sem-Abrigo de 2019, em Cardiff, Sheen declarou-se um actor sem fins lucrativos - uma frase um pouco descartável, mas baseada na sua convicção de que tinha a responsabilidade de canalizar o máximo possível dos seus rendimentos para causas e projectos. Vendeu casas que possuía e doou o dinheiro para associações de ajuda..

Grande parte do seu trabalho centra-se na sua comunidade local: em Port Talbot, onde o último alto-forno da siderurgia foi recentemente encerrado e as pessoas se debatem com dificuldades e, no sul do País de Gales, onde 30% das crianças vivem na pobreza.

Foi doloroso saber, por exemplo, sobre os jovens cuidadores da cidade - crianças que tomam conta de pais doentes ou deficientes - e ver que entre os poucos apoios disponíveis estava uma pequena organização que os levava ao bowling ou ao cinema uma vez por semana. Outra mulher que tinha perdido o filho, uma colega de escola de Sheen, tinha criado uma pequena organização de aconselhamento sobre o luto para colmatar uma lacuna. “E depois, uns meses mais tarde, volto lá e o dinheiro da organização desapareceu, foi-lhes cortado. Comecei a aperceber-me não só do que as pessoas estavam a fazer, mas também da falta de financiamento. 
(...)
“Penso que uma das coisas mais destrutivas da forma como vivemos atualmente é o facto de estarmos constantemente rodeados de injustiça ou de uma sensação de que as coisas não estão bem, mas sentirmos que não podemos fazer nada. Aprendi que o envolvimento, seja ele qual for, permite-nos sentir que estamos a fazer alguma coisa”.

Sheen sublinhou que, como tinha potencial para ganhar muito, a sua dívida tinha taxas de juro controláveis - algo que não estava disponível para os amigos e familiares que se debatiam com empréstimos e crédito de alto custo. No documentário, conhece uma mulher que gere um ginásio comunitário e que utilizou um cartão de crédito para cobrir necessidades básicas, mas os juros altíssimos significavam que mal conseguia pagar as prestações. Sheen espera que o filme derrube alguns mitos, como aquele que diz 
“se as pessoas têm problemas com dívidas, é porque estão a fazer compras extravagantes que não podem pagar. Mas eu falo com pessoas que  por vezes têm que ter dois empregos - são pessoas incrivelmente resistentes- e não fazem férias extravagantes nem nada do género. É apenas para o básico.
O sistema já não funciona. Penso que as pessoas sentem que há algo de intrinsecamente errado e imperfeito no sistema e reconhecem que este precisa de uma mudança radical, mas as únicas pessoas que estão a oferecer uma mudança radical são pessoas perigosas. E não há um bom fim para isso”.
Como é que se pode criar uma mudança e fazer algo que possa ajudar milhares ou milhões de pessoas? A Lei da Banca Justa é uma solução, que essencialmente encorajaria os bancos a oferecer crédito acessível a pessoas anteriormente excluídas com base no seu rendimento, antecedentes ou local de residência.

O facto de contribuir com o seu próprio dinheiro, diz Sheen, é importante. “Mostra que se leva a sério o que se está a fazer, mas também encoraja outras pessoas a darem esse passo”. O mesmo acontece, diz ele, quando se trata de ser tão público sobre o assunto. “Já ouvi pessoas dizerem: 'Ele não pode ser assim tão altruísta, porque está a fazer com que todos saibam que o está a fazer'. Isso é algo em que tive de pensar e fiz uma escolha consciente.” 

Ele sabe que pode oferecer o seu perfil e dinheiro, chamando a atenção para os problemas. “Nunca sinto que se trata de mim - trata-se sobretudo de trabalhar com outras pessoas ou de chamar a atenção para o que elas fazem. Não o faço porque quero que as pessoas pensem que sou fantástico; quero que sejamos capazes de imaginar uma alternativa a isto, porque isto não funciona.

“E, à minha maneira, estou a tentar criar a minha própria alternativa. Não tem de ser como está a ser”.



March 04, 2025

Um homem virtuoso viveu - James Harrison




James Harrison, cujo sangue raro protegia os bebés, morre aos 88 anos



Um anticorpo raro presente no sangue do funcionário dos caminhos-de-ferro australianos foi utilizado para criar 3 milhões de doses de uma injeção necessária para proteger os recém-nascidos e evitar os nados-mortos.

James Harrison, um funcionário dos caminhos-de-ferro australianos que ajudou a salvar 2,4 milhões de bebés ao doar os raros anticorpos do seu sangue de duas em duas semanas durante mais de 60 anos, morreu a 17 de fevereiro. Tinha 88 anos.

James Christopher Harrison nasceu a 27 de dezembro de 1936, na cidade de Junee, Nova Gales do Sul. A sua dedicação à dádiva de sangue ao longo da vida surgiu após a sua própria hospitalização: foi submetido a uma grande cirurgia aos pulmões aos 14 anos e mais tarde descreveu o facto de ter acordado nos cuidados intensivos e descoberto que tinha recebido extensas transfusões de sangue.

Em 1966, os cientistas descobriram que os plasmas sanguíneos que continham Anti-D, um anticorpo pouco comum, podiam ser administrados durante a gravidez para ajudar a prevenir a doença hemolítica do recém-nascido (HDN), que pode causar complicações graves, incluindo nados-mortos e morte neonatal.

Pouco tempo depois, as autoridades médicas descobriram que o Sr. Harrison tinha concentrações invulgarmente elevadas de Anti-D.

“O anticorpo do seu plasma foi administrado a 2,4 milhões de bebés”, disse Jemma Falkenmire, porta-voz da Cruz Vermelha Australiana Lifeblood, numa entrevista na segunda-feira, estimando o número de bebés cujas mães receberam a injeção durante a gravidez. “Há imensa gente a andar por aí com um bocadinho de James”.

Cientistas australianos utilizaram o plasma do Sr. Harrison para fabricar mais de 3 milhões de doses da injeção de imunoglobina Anti-D desde 1967, sendo que cada ampola administrada no país contém o anticorpo doado, segundo a Lifeblood. Apenas um volume minúsculo é necessário para prevenir a HDN numa gravidez considerada de risco.

“Ele era incansável. Queria realmente ajudar os outros”, disse Falkenmire, recordando que detestava agulhas e preferia distrair-se com conversas durante cada dádiva. “Ter um dador com aquela quantidade de anticorpos foi extremamente importante para a Austrália.”

O seu prolífico historial de dádivas - 1 173 - valeu-lhe também a alcunha de “O Homem do Braço de Ouro”.

De acordo com a Cruz Vermelha Australiana Lifeblood, que organiza as dádivas de sangue e distribui plasma aos hospitais, Harrison deu sangue desde 1954, altura em que passou a ter idade suficiente para doar ao abrigo da lei australiana, até 2018, altura em que foi aconselhado a parar devido à sua idade.

https://www.washingtonpost.com/obituaries/2025/03/03/james-harrison-australian-blood-donor-golden-arm/

January 05, 2025

A que cheira o espaço? A metal queimado

 

Pelo menos é o que dizem os astronautas. O espaço cheira a uma mistura de pólvora, bife, framboesas e álcool. 

Há uns anos a NASA contratou Steve Pearce, um químico britânico que se descreve a si mesmo como, Benzaldehyde, 2-methyl-4-propyl-1,3-oxathiane, styrallyl acetate, para recriar o cheiro do espaço para ajudar os astronautas em treino a antecipar o cheiro do ambiente para onde iriam.

Eau de Space foi o aroma que Pearce, fundador da Omega Ingredients, criou para a NASA. 

Pearce já tinha criado o aroma do interior da MIR, do sabor da Europa e do cabelo de Cleópatra. Para este último aroma, depois de pesquisar o tipo de flores e frutos que existiam no mundo de Cleópatra, cultivou laranjas, jasmim orgânicos e outros ingredientes e formulou um aroma.

Para saber mais sobre este químico criador: profiles-steve-pearce

December 30, 2024

"Music by John Williams"

 


Um documentário excelente sobre a obra e a vida deste músico extraordinário que é John Williams. 


December 24, 2024

Estes pseudo-activistas que não mexem um dedo para melhorar o mundo e só destroem

 


Deviam ser obrigados a trabalhar onde os mandassem até pagar todos os estragos que fazem. 


October 25, 2024

O espaço sideral

 


Vistos de longe os movimentos do Homo Imperialista, do Homo Ganancioso, do Homo Mesquinho, do Homo com Problemas de Imagem que Compensa Agredindo, do Homo Vaidoso e outros Homo semelhantes são absurdos, insignificantes e um desperdício de oportunidade de vida positiva.

October 13, 2024

Mulheres notáveis - Eliza Lucas Pinckney

 


Imagining Eliza... Watercolor by Dianne Coleman

No final da era colonial, os pais normalmente apoiavam as filhas ajudando-as a encontrar maridos adequados, fornecendo dotes e, por vezes, providenciando a sua educação para as ajudar a gerir famílias numerosas. No entanto, o pai de Eliza Lucas Pinckney adoptou uma abordagem diferente. Confiou à sua filha de 16 anos a responsabilidade de gerir as suas plantações de arroz na Carolina do Sul, enquanto ele regressava às Índias Ocidentais. 
O seu dote consistia no acesso aos contactos comerciais do pai, numa coleção de sementes enviadas de Antígua e num grupo de trabalhadores escravos, cujo trabalho era crucial para o sucesso do seu negócio.
Estes trunfos revelaram-se uma combinação fortuita para uma jovem como Pinckney, cuja disciplina favorita na escola britânica de ensino secundário tinha sido a botânica, em vez do francês ou do bordado. 
Abraçando o seu interesse pela botânica, Pinckney realizou experiências com várias culturas, incluindo alfafa, gengibre, cânhamo e linho. O seu feito mais significativo ocorreu quando desenvolveu com sucesso uma nova variedade de índigo. Esta inovação satisfez a elevada procura das fábricas de têxteis inglesas, que procuravam constantemente novos corantes.
Em poucos anos, o índigo tornou-se a segunda maior cultura comercial da Carolina do Sul, transformando a economia da colónia e assegurando a independência financeira de Pinckney. A sua nova riqueza e sucesso permitiram-lhe rejeitar os pretendentes escolhidos pelo pai e escolher o seu próprio marido. A influência e a proeminência de Eliza Pinckney eram de tal ordem que George Washington serviu de porta-estandarte no seu funeral em 1793.




September 22, 2024

Predadores muito jovens

 



Ontem vi no YouTube as alegações finais deste caso e a leitura da sentença, que se vê neste excerto. Fui procurá-las porque apanhei no FB o filme do homicídio (está, em parte, filmado) e tive curiosidade em saber como os advogados de um e outro lado abordavam um crime tão hediondo e perturbador.

Esta rapariga, agora com 15 anos, tinha 14 quando matou a mãe e tentou matar o padrasto - que aparece aqui no tribunal. Há uma câmara na cozinha que apanha a rapariga a entrar, ir à sala -não há porta a separar-, voltar à cozinha, verificar que o telemóvel da mãe está ali e não com ela e depois sair novamente da cozinha. Ouve-se um tiro e um grito e depois mais dois tiros. A rapariga disparou três tiros na cara da mãe. Depois vemo-la entrar novamente na cozinha, sentar-se num banco e calmamente enviar uma mensagem ao padrasto, como se fosse a mãe, para vir com urgência a casa - isso sabemos agora, como sabemos que tentou matar o padrasto mas o tiro acertou-lhe no ombro e ele desarmou-a. Antes do padrasto chegar mandou mensagens a amigas a dizer que, se nunca tinham visto um morto, podiam ir lá a casa ver a mãe que estava morta.

Nas alegações finais ficamos a saber que não havia problemas na família a não ser com ela. A mãe já tinha perdido um filho pequeno e vivia para esta filha. A rapariga tinha começado a meter-se em drogas e tornara-se instável e agressiva com a mãe, que lhe arranjou apoio psiquiátrico.

Os advogados de defesa alegam que ela talvez seja esquizofrénica, que é perturbada, pois se não o fosse a mãe não a tinha levado a um psiquiatra, que talvez os medicamentos tenham desencadeado uma crise psicótica, que ela estava desligada do corpo e não sabia o que fazia... enfim, tal qual como nos filmes, argumentam em desespero pois não conseguem apresentar nenhuma evidência do que alegam e não conseguem encontrar um motivo que desencadeie a compaixão do júri para um tal crime.

A advogada de acusação mostra todas as provas que existem, desde o filme, às mensagens de telemóvel e as conversas dela nos meses anteriores em que diz não ter assassinado a mãe por um triz depois de uma discussão, ao que ela fez para esconder a autoria do crime, etc.

O crime é hediondo e não se vê nenhum motivo para ela matar a mãe e ademais, assim a sangue frio, de modo calculado e, provavelmente por isso, o júri não levou quase tempo nenhum a declará-la culpada das três acusações: homicídio da mãe, tentativa de homicídio do padrasto e tentativa de ocultar os actos. Vê-se que o juiz é um tipo muito objectivo, competente e que sabe manter a ordem e a dignidade na sala por parte de todos os intervenientes, apesar da gravidade do caso e da pouca idade da rapariga, que torna tudo mais perturbador.

Há, entre os seres humanos, como entre outros primatas e outros mamíferos, indivíduos predadores desde muito pequenos. Nas outras espécies animais também existe empatia e compaixão como nos humanos. Vemos isso em dezenas e dezenas de vídeos de gorilas, chimpanzés, ursos, leões, golfinhos, cães, gatos, etc., em actos de compaixão, tanto com os da sua espécie como com os das outras espécies. Paralelamente, também vemos casos de animais predadores, desde muito novos, que perseguem e matam os da sua espécie se os encontram desprevenidos e/ou vulneráveis, sem nenhum motivo.

Nós, humanos, não somos diferentes. Também entre nós há predadores. Alguns, talvez a maioria, é normalizada para a socialização se a educação contraria esses instintos e é desagregada para a destruição se a educação e o contexto os aprofunda. Vemos isso nas sociedades islamitas onde os rapazes, mais do que no Ocidente, são educados para a violência. 

Daí a importância da educação para a empatia (racional e emocional), para a educação dos sentimentos, a educação de práticas civilizadoras e para o controlo dos instintos violentos de destruição, sobretudo de quem nasce com eles como uma prévia orientação de talento. 

Freud tinha muita razão na descrição dos nosso instintos e da importância da educação no controlo da sua energia.

Porém, mesmo com esses cuidados todos, há extremos predadores. Não sei se têm remédio. Não acredito que pedófilos, violadores e certo tipo de assassinos sejam capazes de mudar o seu comportamento. Esta rapariga foi condenada para a vida mas, talvez por o juiz ter dito, nas instruções para o júri, que deviam levar em conta a idade dela na definição da sentença (com ou sem liberdade condicional), deram-lhe a possibilidade de liberdade condicional ao fim do tempo determinado pela lei.