January 25, 2025

Filmes - O Brutalista

 


Ontem fui ver o filme. O filme não é fácil de ver e não é só por ter cerca de três horas e meia, mais um intervalo de quinze minutos. É sobretudo por ser um filme denso e muito complexo. Não é unidimensional, tem muitas camadas de realidade a desenvolverem-se simultaneamente. Não é fácil falar do filme dando conta desta complexidade que permite várias leituras inter-cruzadas. 

Podemos focar-nos no aspecto político; no aspecto filosófico; no aspecto da criação estética; no aspecto psicológico e até no aspecto escatológico da arte, pois a arte é uma linguagem e como qualquer linguagem, quer dizer qualquer coisa.

O filme tem um prólogo, um corpo -dividido em duas partes (com o intervalo a separá-las) que atentam em tempos e temas diferentes da vida de László Tóth, um arquitecto húngaro da escola Bauhaus e de estilo brutalista- e um epílogo que é simétrico, digamos assim, ao prólogo.

O filme não é sobre emigração, embora também aborde esse tema. László Tóth é separado da mulher no fim da Segunda Grande Guerra -ela estava no sector soviético- e vai para os EUA onde tem um familiar que já lá está há muitos anos, já americanizou o nome, converteu-se à religião cristã da mulher, uma americana. Acompanhamos as dificuldades dele enquanto imigrante judeu refugiado de guerra, com um nome e um nariz que não deixa dúvidas. É a primeira coisa que a mulher do primo lhe diz: para ir corrigir o nariz.

Ele acaba por ser contratado por um patrono americano, um industrial de nome Van Buren, muito rico e entusiasmado pela arquitectura, que o contrata para fazer um centro comunitário onde mora, numa pequena cidadezinha da Pensilvânia. Van Buren, cujo filho faz lembrar Trump em muitos sentidos, representa uma América hipócrita e superficial que se vê como superior e excepcional e com direito a tratar os subordinados e os que estão fora da graça, como inferiores. 

Isso é muito interessante, porque László Tóth foje da Raça Superior nazi para a terra da liberdade e do sonho capitalista e encontra lá a mesma mentalidade. Assim como a mulher dele e a sobrinha escapam aos soviéticos, que também se pensam superiores e excepcionais. Uma maneira de nos dizerem que a humanidade, com mais ou menos máscaras, é igual em todo o lado, assim que tem algum poder/riqueza.

Numa cena brutal do filme, Van Buren vai a Itália com László Tóth escolher uma pedra de mármore de Carrara para a capela do centro comunitário (que era para acolher todos mas cujo mayor da terra exige que tenha uma capela cristã) e depois de escolherem a pedra (as cenas filmadas na pedreira são das melhores do filme) os populares fazem uma festa e vemos Van Buen, observar a felicidade dos populares que não lhe ligam nenhuma. É nessa altura que ele faz um coisa brutal que muda a vida do arquitecto (que não vou dizer), para mostrar quem é que tem o verdadeiro controlo sobre a vida e a felicidade.

Os edifícios brutalistas do filme, nomeadamente o tal centro comunitário com a capela, em vez de ser uma homenagem à mãe de Van Buren, como ele queria, é claramente um memorial às vítimas do holocausto e uma mostra ou vidência da natureza humana, brutal e dezumanizante. Edifícios enormes, esmagadores, sombrios e fechados, com apenas algumas frestas por onde entra a luz do humano. "Que melhor maneira de falar de um cubo senão construí-lo?", diz László Tóth no filme. Que melhor maneira de falar do humano com poder senão mostrá-lo na arquitectura. O brutalismo é um estilo paradoxal, pois é ao mesmo tempo minimalista e maximalista.

Enfim, acompanhamos o processo interior da construção da arte a partir da vivência interior e vissicitudes da vida do artista. 

O filme começa com o silêncio traumatizado da sobrinha e acaba com o silêncio do arquitecto, quando a obra já não é sua mas das pessoas que a julgam e a interpretam sem que ele tenha alguma coisa a dizer. Como estou aqui a fazer, quer dizer, a interpretar o filme, à margem dos seus criadores.

O filme tem outras leituras e tem imensos promenores significativos que provocam a reflexão.

Tudo é bom: os cenários, a fotografia, o enquadramento, a recriação desse tempo pós-guerra, a arquitetura, claro. Os actores conseguem fazer-nos entrar completamente na psicologia das personagens e acreditar na sua realidade.


No comments:

Post a Comment