March 06, 2024

Por falar em filmes: Das Lehrerzimmer (A Sala de Professores)




Vi este este filme, alemão, que em português se chama, A Sala de Professores. O filme passa-se numa escola normal alemã, à volta de uma professora de Matemática e da sua turma de 7º ano. Acontece que há um roubo e desconfiam de um aluno que se vem a saber que não é culpado. Depois descobre-se a pessoa culpada mas essa descoberta gera uma crise grande, na turma, entre os alunos, entre a turma e a professora -que também é DT-, entre os alunos e a direcção da escola, entre os pais e a professora e entre os pais e a direcção da escola. 

E o filme é sobre a fragilidade do equilíbrio de uma turma, a dificuldade de manter os alunos nas condições óptimas de se poder criar situações de aprendizagem e não perder de vista o que importa, em termos pedagógicos, nos momentos de crise. É um trabalho muito complexo porque os alunos estão numa fase difícil da vida, uma fase de crises constantes, próprias do desenvolvimento da adolescência - psicológico, fisiológico e cognitivo.

A professora, e os professores em geral são vistos, na sua relação com as turmas, como maestros diante das suas orquestras: têm de criar uma visão de conjunto em que todos possam participar e contribuir sem que as suas vozes individuais se percam no conjuntos, tal como acontece numa orquestra em que cada instrumento tem voz própria mas tem que trabalhar para a harmonia do conjunto - uma turma não é uma explicação individual para cada um dos 20 e tal alunos (o tamanho daquela turma), mas também não pode ser uma sopa em que todos se perdem e perdem a voz. 

No filme, os pais não colaboram com os professores e muitas vezes não trabalham para ajudar os filhos - o que também é verdade. Não vou contar o filme porque ele está em cartaz. É um filme muito bom e que sai fora dos clichês do que costumam ser os filmes passados em escolas.

Coisas em que fui reparando no filme: os alunos no 7º ano sabem quem foi Tales de Mileto e a sua importância na Matemática a propósito de aprenderem os Teoremas de Mileto (também cá isso era do currículo, não sei se ainda é); os alunos aprendem e sabem usar um computador para fazer uma apresentação oral, mas as aulas são com cadernos e livros de papel; os testes são manuscritos; a professora aproveita a matéria para pôr problemas aos alunos e incentivá-los a encontrar respostas por si (acho que isso é universal); manda trabalhos para casa; as aulas são participadas e discutidas, embora sejam sempre os mesmos a intervir - isso é universal. O que me passou pela cabeça foi: ninguém ali defende a infantilização e o atraso de aprendizagem dos alunos para poupar dinheiro em professores.

Enfim, penso que vale muito a pena ver o filme, não só para professores, mas especialmente para professores. Aquela professora fez-me lembrar uma série de colegas, na maneira como encaram a educação, como não comprometem o carácter pedagógico e a exigência das aulas para agradar a ministros idiotas e sem deixar de dar primazia à relação com os alunos. 

Ainda esta semana estava à conversa com duas colegas que são mais ou menos da minha idade. Estávamos a concordar em que basta um encarregado de educação mal-formado ou ignorante mas pensando que sabe mais que os professores, para estragar a relação de um professor com uma turma. Os pais nem percebem o estrago geral que fazem. Isso é uma das vertentes do filme, mas que não vou contar.

Uma das colegas contava que há uns anos teve uma turma no 7º ano com um par de gémeos e, num trabalho que mandou fazer, eles copiaram e ela disse-lhes que percebia que eles tinham copiado e pediu para eles reconhecerem. Não só não reconheceram como a mãe, em vez de educar os filhos, foi à escola chamar nomes à professora e dizer que ela não tinha provas e que era uma péssima professora, etc. É claro que os alunos têm sempre, dentro da turma, colegas cuja lealdade é para com eles, por muito que gostem do professor. O que é normal, mas divide a turma e estraga o ambiente, sendo que o professor vê mas não não pode fazer nada porque não vai pôr os alunos uns contra os outros, evidentemente. Resultado: o ambiente de confiança e bom espírito necessários a que as aulas decorram bem que a professora tinha com a turma modificou-se e nunca mais foi o mesmo. Ela levou os alunos até ao 12º ano, como acontece muito com professores que têm disciplinas em que podem fazer isso. Cria-se uma relação afectiva entre a turma e o professor porque são muitos anos e a pessoa acompanha o crescimento e as crises dos miúdos.

Um dos gémeos, no 10º ano, veio pedir desculpa e confessar que o tal trabalho tinha sido todo copiado e que tinha até tido a mão da mãe... Isto é cada vez mais comum: um EE ignorante mas arrogante ou desonesto, estragar uma turma inteira com as suas intrigas e estupidez, sem sequer perceber o que está a fazer. A nós o que nos custa é o prejuízo que isso causa à turma em geral.

Outra colega, que lecciona Biologia e Geologia, dizia que começou este ano com uma turma do 7º ano, mas que já não vai poder acompanhá-los até ao 12º ano porque se reforma antes disso, de maneira que, por um lado está contente porque quer sair disto em que transformaram a profissão, mas por outro, sente muita pena de largar os miúdos a meio do percurso. 

Muitos colegas fazem lembrar a professora de matemática do filme - todos os ignorantes que por aí falam mal dos professores, a começar pelo ministro e seus capangas, gente sem tino, e a acabar na nossa pseudo-elite de pedagogos da moda, são uns ignorantes que não percebem nada do que se passa dentro de uma sala de aula, da relação entre os alunos e professores, de como tudo é um equilíbrio necessário mas difícil de manter, que se desfaz facilmente com o maior prejuízo para os miúdos. 


No comments:

Post a Comment