April 06, 2025

Filmes - Os Espíritos de Inisherin

 

Apanhei este filme na TV e estive a vê-lo ao pequeno-almoço. O filme é um olhar muito lúcido sobre a origem, tantas vezes absurda, dos conflitos e das guerras. Fez-me pensar imediatamente no caso dos EUA e do Canadá. 

O filme passa-se numa pequena ilha paradisíaca, imaginária, ao largo da Irlanda, com um pub, uma mercearia, um posto dos correios e pouco mais, onde moram umas poucas famílias. Ouvem-se ao longe os ruídos da guerra civil da Irlanda que os locais comentam como um absurdo. 

Na ilha vivem dois homens muito amigos, até que um dia, um deles, um músico de talento, resolve afastar-se do outro, cujo talento é ser uma boa pessoa para toda a gente, sem nenhuma razão especial, apenas por achar que é demasiado importante para desperdiçar a sua vida com essa amizade por alguém que entende ser menor. 

O outro fica confuso e de início não acredita que o seu grande amigo de sempre o rejeite assim sem mais, de maneira que insiste na amizade. Porém o outro, que agora o destrata com crueldade, está até disposto a ficar sem os dedos das mãos de que precisa para fazer o seu trabalho de músico para quebrar a ligação entre eles. 

As coisas vão piorando e o desprezado pensa que é por ser boa pessoa que o outro abusou dele e começa a ser, ele também, cruel. Começam a ter gestos de acerto de contas cada vez mais violentos, um para com o outro. O músico, sem querer, mata o animal preferido do desprezado, um burro miniatura que ele adorava. Como resposta este pega-lhe fogo à casa. Na última vez que falam, o músico quer que parem aquela rivalidade, pede desculpa pela morte do burro e diz que com o fogo que ele pegou à casa estão quites, mas o outro diz-lhe que agora já não há volta atrás, que há coisas que nunca mais se ultrapassam e que só a morte dele poderá acabar com aquilo. Já nem se lembra da tristeza pela morte do burro, só restou o ódio.

Várias vezes, durante o filme, se referem à guerra civil da Irlanda como absurda, sem reparar que estão a reproduzi-la. São os homens e não as mulheres quem inicia e alimenta comportamentos de conflito violento. O polícia da ilha é um homem violento que dá sovas de morte ao filho e abusa dele e o rapaz acaba por matar-se. O padre não ajuda ninguém, é agressivo e só fala do pecado. O filme é muito incómodo de ver. Parece um manual de, 'como estragar pessoas, incentivar ao ódio e começar guerras'.

Quando olhamos para os EUA de Trump-Musk, parece que resolveram levar o filme à realidade. Dois países amigos a viver numa parte do mundo quase paradisíaca, estão agora em conflito porque uma das partes resolveu que é demasiado importante para ter um amigo mais pequeno em importância e com isso destruiu uma relação de amizade pacífica e se calhar arranjou um inimigo para o futuro. Uma das frases que se diz relativamente as EUA não terem tido nunca guerras em casa -excepto as que eles mesmo fizeram aos nativos- é justamente o carácter pacífico e amistoso das duas nações que o rodeiam, o Canadá e o México.  

É claro que também se pode aplicar esta metáfora a muitas outras guerras e conflitos absurdos ao longo da história, que começaram apenas porque um homem, de repente, acha que ele e o seu país são demasiado importantes para estarem ao mesmo nível que outros homens de outros países mais pequenos ou menos ricos ou algo de género.


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