January 04, 2025

Filmes - A substância

 


Este é um filme violento sobre a violência que os homens exercem sobre as mulheres -o corpo que têm de ter e a maneira como podem estar no mundo- como se o mundo e tudo o que nele vive existisse para satisfazer os seus desejos e a violência que as mulheres exercem sobre si mesmas para corresponderem a essas expectativas que inculcam nelas desde a nascença, até chegarem a um lugar de conforto consigo mesmas. 

Não é só o corpo que está sempre a ser julgado como se o valor da pessoa se reduzisse às particularidades do seu corpo físico, mas também o modo como se julga tudo o que fazem: se falam de mais, se falam de menos, se choram demais, se nunca choram, se riem demais, se nunca riem, se são ambiciosas, se não são ambiciosas, se podem ter certas profissões, se têm a voz alta, se têm a voz baixa, se têm muitas opiniões, se nunca têm opiniões, se são louras, se são morenas... tudo são insuficiências e defeitos a serem corrigidos pelos homens.

[Há tempos li uma entrevista com a Judit Polgár, a campeã de xadrez húngara. Ela dizia que quando começou a ganhar a campeões, aí pelos 10, 11 anos, preocupava-se muito em não ganhar de maneira que os opositores se sentissem humilhados por receio de não voltarem a convidá-la para os torneios - ela foi a 1ª xadrezista a competir em torneios abertos e alguns dos xadrezistas, homens, com quem jogou diziam-lhe para ir competir nos torneiros femininos (coisa que nunca fez) e que as mulheres não tinham estamina para serem campeãs de xadrez e outras coisas do género. Quer dizer, is para os jogos auto-consciente de ser uma rapariga e de isso ser uma grande desvantagem. Isto torna as suas vitórias muito mais valiosas e impressionantes porque sempre que um rapaz prodígio aparece, logo surgem grande campeões a treiná-lo e toda a gente à sua volta os apoia, mas se é uma rapariga tentam humilhá-la com atitudes e palavras violentas que fazem o seu caminho na insegurança das mulheres e na violência com elas depois se julgam a si mesmas]

Obviamente, o filme passa-se em Hollywood, um dos píncaros dessa violência. A maneira como a realizadora filma os produtores e outro pessoal do meio é a da perspectiva das mulheres e, como tal, eles aparecem como repugnantes (esta cena que se vê aqui do produtor do programa a engolir os camarões e cospe as cascas, o que muito simbolicamente é o que faz às mulheres é repugnante) e/ou canalhas. 

No filme a personagem principal, que é uma pessoa com valor mas que a certa altura se vê e sente como um monstro, divide-se em duas, fisicamente e emocionalmente. Essa parte de transformação e ruptura da carne, toda filmada numa casa-de-banho com um enorme espelho é horrível e fica-se com o estômago às voltas. A cena final do filme é brutal.

Vi uma entrevista com a realizadora e as duas actrizes que fazem a mesma personagem, dividida em duas, e a mais nova, uma mulher bonita, dizia que para fazer aquele papel tiveram que pôr-lhe próteses nas mamas e no rabo, para ficar igual àquelas pin-ups, que são o ideal de mulher perfeita na cabeça dos homens e que os produtores buscam quando as selecionam [como nazis, digo eu]. Quer dizer, uma mulher bastante bonita, mesmo assim, é considerada cheia de insuficiências, do ponto de vista dos homens.  

O filme é muito bom e fiquei fã da realizadora, que também escreve o argumento, mas achei-o muito difícil de ver. É um género de surrealismo de horror ou algo assim.


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