Showing posts with label educação. Show all posts
Showing posts with label educação. Show all posts

May 10, 2024

Como não resolver os problemas da educação II

 


O novo ME quer revogar o 'acelerador de carreira' o mais depressa possível para ainda ir a tempo de prejudicar todos os professores que estavam na lista para vir a beneficiar desse decreto. A injustiça é o princípio supremo dos governos em relação aos professores. Mais uma maneira de NÃO resolver os problemas. Continuem assim que vão bem.


Mais de 50 mil professores podem sair prejudicados em relação a milhares de outros colegas caso o Governo vá avante com a intenção de revogar o decreto-lei, aprovado na anterior legislatura, que permitiu a “aceleração” da progressão dos docentes na carreira. A “injustiça” que pode ser criada pela medida é o principal ponto de discórdia dos sindicatos face à proposta apresentada na semana passada pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), que volta a estar em discussão na próxima segunda-feira. Mas há outras “areias na engrenagem” que deixam um acordo ainda longe.

Como não resolver os problemas da educação

 


Há 150 mil professores, mais coisa menos coisa. Desses, um terço estará deslocado - aí uns 50 mil (penso que devem ser mais...). Desses só 10 pessoas, 10 unidades humanas, tiveram direito a apoio à renda. O conjunto dos 10 professores eleitos, não chegou a receber 11 mil euros de esmola apoio, no ano inteiro. Ou seja, o 'apoio' é de cerca de 100 euros por mês. 100 euros por mês dá para alugar uma tenda num parque de campismo, numa cidade rural e uma tenda debaixo da ponte em Lisboa ou na Grande Lisboa.

E estas foram as políticas de Costa e do ministro com o mesmo nome, para NÃO resolverem os problemas da falta de professores. Vamos ver o que o novo ministro faz. Já passaram 2 meses desde que se sentou na cadeira e ainda não o vi fazer nada, nadinha para resolver os problemas dos professores, sem os quais não há educação pública. A não ser que seja essa a intenção.


Apoios à renda pagos aos professores deslocados rondam os 11 mil euros

Só dez professores estão a beneficiar de medida que entrou em vigor no final do ano e que pode render-lhes até 200 euros por mês. Critério apertados e pouca divulgação contribuem para parca adesão.

(...) mais precisamente 10.964,08 euros,

(...) apenas dez docentesestavam a beneficiar deste apoio


(...) a Direcção-Geral da Administração Escolar​ (DGAE) recebeu 49 candidaturas, tendo, até ao momento, sido aprovadas dez. “As restantes candidaturas foram consideradas inválidas, por não cumprirem os requisitos necessário


renda-pagos-professores-deslocados-rondam-11-mil-euros


May 06, 2024

Na questão dos telemóveis é preciso calcular os custos e os benefícios

 

A questão não se resume, penso, a discutir quem é liberal e não concorda com proibições e quem não é liberal e quer proibições. O assunto é mais complexo que isso. Não estamos a falar do direito de expressão ou de reivindicação. Estamos a falar de um instrumento que causa vício, problemas de saúde mental e potencia comportamentos agressivos. Não é diferente, em termos de vício, do tabaco ou, em termos de comportamentos agressivos, das drogas. Não é correcto dizer que tudo o que a Constituição não proíbe é permitido, como li num texto de um colega. A lei não cobre toda a realidade normativa e, na melhor das hipóteses, o que podemos esperar é que a legislação acompanhe a realidade e se vá ajustando a ela. 

Até há uns anos, a lei não proibia que se fumasse em lado algum; no entanto, apesar disso, aos poucos, as instituições começaram a proibir o fumo nas suas instalações. Só muito mais tarde a legislação acompanhou essas medidas. Ser liberal não teve nada que ver com proibir que se fumasse, o que foi uma decisão que se foi alargando, à medida que se foi conhecendo os grandes malefícios do tabaco e se compreendeu que os custos em termos de saúde eram muito superiores aos hipotéticos benefícios.

Na questão dos telemóveis é preciso calcular os custos e os benefícios para a saúde e a educação dos alunos. Sabemos hoje que a exposição a ecrãs digitais desde cedo tem implicações negativas na saúde física das crianças e que a permissividade de navegar na internet sem restrições, bem como as redes sociais, construídas justamente para viciar os adolescentes, têm implicações graves na saúde mental, nas relações sociais, na aprendizagem e no desenvolvimento dos adolescentes. Não podemos fingir que isso não existe e dizer que proibir é mau. 

É certo que dentro de casa de cada um, o mais que se pode fazer é tentar informar e consciencializar os pais, como se fez com as campanhas contra o tabaco - que, aliás, resultaram porque passámos de praticamente toda a gente fumar, para quase ninguém fumar entre os adolescentes e os jovens. Foi o que fiz hoje, na reunião. Informei os pais dos perigos do uso dos telemóveis, dei exemplos, falei de estatísticas. Outros pais também falaram e conversou-se sobre os custos e os benefícios.

Nas escolas, é perfeitamente possível, restringir o uso dos telemóveis, se entendermos que os custos negativos do seu uso são francamente superiores aos benefícios. Penso que até uma certa idade, os telemóveis deviam ser proibidos nas escolas e, a partir de certas idades, devia ser regulado e ter restrições.


May 03, 2024

A pobres palavras correspondem pobres pensamentos

 


Moussa Ndiaye

"O desaparecimento progressivo dos tempos (subjuntivo, passado simples, imperfeito, formas compostas do futuro, passado participativo... ". ) dá origem a um pensamento do presente, limitado ao momento, incapaz de projeções no tempo.

A generalização do tratamento por tu, o desaparecimento das letras maiúsculas e a pontuação são golpes mortais para a subtileza da expressão.
Remover a palavra "saudade" não é só abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover a ideia de que não existe nada entre uma menina e uma mulher.
Menos palavras e menos verbos combinados significa menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de formular um pensamento.
Estudos mostraram que alguma da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de falar sobre emoções.
Quanto mais pobre a língua, menos pensamento existe.
Não existe pensamento crítico sem pensamento. E não há pensamento sem palavras.
Como construir um pensamento hipotético-dedutor sem domínio do condicional? Como imaginar o futuro sem conjugação com o futuro? Como compreender uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, quer tenham passado ou vindo, e sua duração relativa, sem uma linguagem que faça a diferença entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que pode ser e o que será depois disso o que pode acontecer, aconteceu?
Se hoje fosse para ouvir um grito de manifestação, seria aquele, dirigido aos pais e professores: deixem que os vossos filhos, os vossos alunos, os vossos alunos falem, leiam e escrevam.
Ensine e pratique a linguagem nas suas mais variadas formas, mesmo que pareça complicado, especialmente se for complicado.
Porque nesse esforço reside a liberdade.
Quem explica com o tempo que é necessário simplificar a ortografia, purgar a linguagem dos seus "defeitos", abolir os géneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade são os túmulos da mente humana. Não existe liberdade sem exigências.
Não existe beleza sem o pensamento de beleza."


Fonte: Amis des langues anciennes (grec,latin)

April 26, 2024

Os que defendem o aprofundamento da infantilização dos alunos não apresentam razões válidas

 


"A proposta de uma educação integrada dos seis aos 12 anos propicia uma sequência progressiva mais adequada às formas como as crianças aprendem. Ter um ciclo mais longo, que começa aos seis anos e termina aos 12 permite ou facilita um entendimento e um conhecimento mais profundo das necessidades individuais dos alunos. Essa transição abrupta é muito referida num estudo de 2008, porque os alunos passam de um regime de monodocência para um regime de pluridocência quase de secundário. Há alunos que passam a ter mais de dez professores”, sublinha Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE)"


--------------

A proposta de uma educação integrada dos seis aos 12 anos propicia uma sequência progressiva mais adequada às formas como as crianças aprendem. Esta afirmação tem vários problemas e pelo menos um erro: 

- aos 10, 11 e 12 anos os alunos já não são crianças, são adolescentes, numa fase do desenvolvimento psicossocial, sexual e cognitivo muito diferente; porque razão se há-de querer atrasar o seu desnvolvimento e mantê-los infantis ao ponto de tratá-los como crianças? Todos nós temos experiência de ver alunos que reprovam várias vezes, com 18 anos, por exemplo, infantilizarem-se, por estarem integrados em turmas de colegas muito mais novos, com 15 e 16 anos.

- onde foi este indivíduo buscar dados que mostrem que há uma única forma dos alunos aprenderem? E, mais ainda, que a tal forma adequada dos alunos aprenderem é a mesma, sejam eles crianças de 6 ou 8 anos ou adolescentes de 11 ou 12? Na realidade, não é isso que mostram os estudos da psicologia do desenvolvimento. Na idade dos 11 e 12 anos há uma capacidade de abstração do concreto que dá aos adolescentes ferramentas intelectuais para outro tipo de possibilidades de aprendizagem.

- desde quando o ensino só é progressivo se os alunos estiverem num ciclo de escola primária até aos 12 anos?  

- a "transição abrupta" que alega, pelos vistos, é uma ideia de um único estudo feito em 2008 - talvez de correligionários seus? Ou de pessoas que gostariam de ver aprovadas estas medidas? Desde quando um único estudo qualquer é a regra para toda a educação? A nossa experiência colectiva (de todos os professores que conheço e com quem falo) vai no sentido dos alunos estarem cada vez mais infantilizados nos processos educativos.

- porque é que o ensino tem de ser perspectivado nesta falsa dicotomia: ou os alunos têm só 1 ou 2 professores e um ensino primário até aos 12 anos ou têm de passar de 1 ou 2 professores para 10 professores? Então não pode fazer-se uma transição para 4  ou 5 professores, cada um com a docência de um par de disciplinas - que aliás já acontece?

Não vejo ninguém apresentar fundamentos sérios para que se obrigue os alunos a terem uma educação primária em quase monodocência até aos 12 anos e parece-me que isto nada tem que ver com o interesse dos alunos mas sim com o desejo de poupar dezenas de milhares de salários de professores.

Por falar em linguagem

 


Há bocado estava a falar com uma colega que ensina Português e comparávamos a situação catastrófica em que muitos alunos, cada vez mais, chegam ao 10º ano, do ponto de vista da linguagem, e não é apenas por não lerem e não conhecerem nenhuma palavra que não usem no quotidiano. É também, e sobretudo, porque não fazem o mínimo esforço para tentar pensar ou compreender as palavras. Já não têm a ambição do melhoramento individual.

Ela contava-me que deu um texto a uma turma do 10º para trabalharem. O trabalho começava em casa. Tinham de chegar à aula seguinte com o texto lido e com o significado das palavras que não conheciam anotado. Uma tarefa que até há poucos anos seria própria do 5º ano de escolaridade.

Metade dos alunos não leu, porque ler não é giro nem divertido. Dos que leram, metade não esteve para ir procurar o significado das palavras e os que foram procurar, foram ao primeiro site que lhes apareceu no google. 

Resultado: ninguém sabia o significado de muitas palavras do texto. Coisas simples como, 'estanque', 'periodicidade', 'irrefutável' e mais umas 4 ou 5 do mesmo grau de dificuldade.

Pior ainda, mesmo na aula, com a ajuda da professora, não foram capazes de extrair o significado das palavras pelo sentido da frase e do seu contexto. Não fazem o menor esforço. Ficam à espera que os professores façam jogos ou fichas lúdicas e divertidas para se darem ao trabalho de aprender qualquer coisa. 

O discurso oficial dos pseudo-pedagogos, completamente aceite pelas tutelas é de incentivo à passividade do estudante, embora digam o oposto. Os alunos devem esperar que os professores e adultos em geral os entretenham com actividades divertidas. É proibido o esforço e tudo o que contrarie as inclinações naturais e interesses pessoais. Claro que isto forma seres humanos passivos e sem persistência. 

Hoje comecei a aula com a correcção de uma ficha de escolha múltipla que tinha dado aos alunos na quarta-feira. Muitos deles não souberam resolver os exercícios porque não destrinçam os elementos lógicos da linguagem. Por exemplo, "a afirmação, os juízos morais não são infalíveis, poderia ser uma objecção ao relativismo moral?" Acham a linguagem da pergunta muito confusa e difícil de raciocinar, de maneira que não sabem como escolher uma das respostas alternativas. 

Outro exemplo, "porque é que ter compaixão e ajudar os outros pode não ser, necessariamente, uma acção com valor moral, segundo Kant". Se não sabem logo como Kant respondeu a esta questão, não sabem como pensá-la para encontrar a resposta válida e tenho que fazer eu o raciocínio em voz alta, passo a passo e mostrar como devem discorrem o processo no pensamento para chegarem à resposta. Sozinhos não vão lá porque não pensam. Ou as questões têm uma resposta concreta e imediata ou se têm que ligar conceitos e elementos e fazer inferências, não vão lá. 

Os miúdos chegam ao 10º ano com hábitos de um facilitismo tão redutor e estupidificante e com uma retórica interiorizada acerca da virtude do perpétuo divertimento e da desnecessidade da leitura e do empenho individual que trabalhar com eles é um esforço cada vez mais inglório. 

Cada vez mais tantos e tantos são educados pelos telemóveis, pelas redes sociais e pelos sites de jogos e pornografia, que são esses os seus padrões de coisas de interesse. Deus nos livre de querer que alarguem os seus interesses ou contrariem as suas inclinações naturais.

April 22, 2024

Devolver a serenidade às escolas?



Não sei como vai fazê-lo quando escolheu um secretário de Estado que deve ser um novo João Costa. Uma pessoa que ainda não mostrou perceber alguma coisa de educação. É especialista em política e tem escritos a dizer que os professores são maus, que é gente que foi ensinar porque não tem dinheiro para conseguir melhores trabalhos - o que mostra bem que considera o trabalho da educação uma coisa menor e portanto, não o valoriza e despreza os seus profissionais. Entre isso e querer devolver o que nos devem em 4 vezes a começar depois do OE ou talvez nunca, arranjando assim uma maneira de praticamente todos se reformarem sem que lhes seja pago o que é devido - e não são apenas os 6 anos que faltam, mas o enorme prejuízo que todos estes atrasos na devolução do roubado representam no cálculo da reforma-, venha o diabo e escolha.
De maneira que, não tendo razões para ter expectativas positivas desta tutela (o ministro é um economista) e tendo sinais preocupantes acerca do SE, vejo o futuro da educação sombrio.
(lá estou eu a contrariar o futuro radioso de António Barreto)
--------

Nas reuniões de hoje, o ministro tem dito, segundo os representantes dos sindicatos, que quer "devolver a serenidade às escolas", resolvendo os problemas do setor para que o próximo ano letivo se inicie "de forma mais calma".
professores-admitem-negociar-novas-formulas-de-recuperacao-do-tempo-de-servico/

April 17, 2024

Falta de professores: a hemorragia é tão grande que agora não há pensos rápidos que funcionem

 

Ninguém espera um plano que consiga resolver bem a situação porque deixaram que ela regredisse aos anos 80 do século passado, quando não havia professores para tantos alunos e qualquer um, ainda a acabar o secundário, ia ensinar para ganhar uns trocos. É assim que estamos. Há professores que desde o início do ano já vão no 3º horário. Tinham um em Setembro que a certa altura foi aumentado com horas extra e passado um tempo foi de novo alterado com mais horas extra. Isto acontece porque à medida que vão chegando as autorizações de reforma que foram pedidas, os professores desaparecem das escolas de um dia para o outro. E a tendência é para piorar porque os professores que estão perto da reforma são dezenas de milhar. Não se renovou o pessoal, para poupar dinheiro. A educação tem servido para poupar dinheiro.


---------------

O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, anunciou esta terça-feira que o Governo vai apresentar "em breve" um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores, uma situação que classificou de "gravíssima".

Em declarações aos jornalistas em Barcelos, distrito de Braga, à margem da tomada de posse de Maria José Fernandes como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Fernando Alexandre sublinhou que em meados de março ainda havia 1.172 alunos que tinham pelo menos uma disciplina sem professor desde o início do ano letivo.

April 15, 2024

Há EE muito mal educados

 

Uma colega nova que está lá na escola, uma rapariga que ainda não tem trinta anos, mas que leva o trabalho a sério, é dedicada aos alunos e quer muito fazer as coisas bem, hoje contou-me que na última reunião de pais, vários disseram-lhe que é uma miúda, que ainda usa fraldas (usaram esta expressão), que não tem idade para lhes dizer coisa alguma dos filhos e outras coisas do género. Bem, ofenderam a professora de tal maneira e com tal agressividade que ela chamou uma pessoa da direcção porque não se sentiu segura. Sabotaram a reunião da professora que mais está em posição de poder ajudar os filhos. Se os pais tivessem cabeça, apoiavam os professores que são quem apoia os filhos...

Acho estes pais mesmo pessoas estúpidas. Não há professores, os que há trabalham que se fartam, as turmas, mesmo quando são de pessoas impecáveis e se trabalha bem com elas, cansam brutalmente, porque é preciso uma enorme carga de energia para acompanhar a energia dos adolescentes e estar ali 1 hora e meia com a máxima concentração a fazer 30 coisas ao mesmo tempo, no meio de se trabalham os temas e se mantém os alunos em situação pedagógica e em ordem, porque sem respeito não se faz nada, mas estes pais vão à escola e falam aos professores duma maneira que não ajuda em nada os filhos. Mal educados, ignorantes, boçais na maneira de falar.

Uma professora nova e com pouca experiência como ela, fica já de pé atrás em voltar a ser diretora de turma. Ninguém nos paga estas ofensas diárias de encarregados de educação que sabotam os próprios filhos. Não percebo: será que acham que hostilizar as únicas pessoas que ajudam os filhos, para além das famílias, beneficia os miúdos?

No pouco tempo em que fiz parte de outro blog, havia indivíduos que me falavam duma maneira tão grosseira e vulgar e hostilizavam por sistema pela simples razão de ser professora, como se isso fosse um demérito. Chamaram-me arrogante, atrasada, retrógrada, anormal, monte de esterco, insinuaram que me vendo às editoras, mandaram-me aprender a escrever... Um dia escrevi uma cena sobre os perigos do abuso dos telemóveis na aprendizagem e nos comportamentos na escola. Chamaram-me tudo. Pessoas ignorantes que percebem zero de educação escolar e estão por fora de todos os assuntos da educação escolar e que têm opiniões cliché tiradas das redes sociais - mas que detestam professores, calculo que pela mesma razão que PPC e JMT: por ser uma profissão de mulheres. São machistas. Essas pessoas com essa mentalidade e linguagem são quem vai para as escolas sabotar os professores e prejudicar os filhos só para terem a satisfação de falarem mal e serem ordinários com mulheres. São o mesmo tipo de pessoas que vão para os jornais fazer comentários ordinários.

O maior problema das crianças e adolescentes são os pais que têm.

Já no ano passado estava lá um professor novo, muito bom, o tipo de pessoa que se vê que há-de vir a ser um excelente professor (se o ME e os pais não derem cabo dele) que passou um inferno com umas mães de uma DT. Um inferno. Todas as semanas iam lá infernizar a vida dele. Os emails que lhe mandavam... Era a primeira vez que era DT e disse-me que nunca mais queria voltar a ser DT, que os pais são completamente cegos em relação aos filhos. É claro que ele dizia estas coisas porque estava farto e já não suportava aqueles pais. Em situações destas, a certa altura qualquer professor perde completamente a vontade de ir trabalhar com essa turma. Vai para lá sempre a pensar em tudo o que diz na perspectiva de poder ser mal interpretado e de os pais ainda lhe inventarem mais chatices. Há pais que estragam a aprendizagem de uma turma inteira e estragam professores, achando que são muito espertos.

Hoje-em-dia os pais formam grupos no WhatsApp só para dizerem mal dos professores nos termos mais ordinários possíveis. Deixam que os filhos tenham acesso àquelas conversas e chamam tudo aos professores. Quando conhecemos certos pais percebemos os comportamentos dos filhos.

Há pais que estragam professores. Não é coisa de gente sem cabeça? Nos dias que correm é preciso ter experiência, costas largas, nenhum medo de intimidação, muita resiliência e uma direcção na escola que apoie os professores, para se aguentar as DT. Têm que se impor limites. E ter muito cuidado com certas coisas. Muito cuidado, porque há pessoas muito mal formadas e não podemos contar com o apoio do empregador que é o ME. Está sempre contra os professores.

Estes pais são uma minoria mas se não temos cuidado arrastam outros atrás e fazem muita mossa. Eu, como já ando nisto há muitos anos e sou DT há dezenas de anos e de há muito tempo para cá até tenho sempre 2 DTs, tenho estratégias para lidar com os pais no 10º ano, que é quando os conheço pela primeira vez e minimizar as situações e oportunidades de serem mal educados mas, vou sempre mentalmente preparada para ter que lidar com gente mal educada, que vai para ali exigir que os professores façam o que não quiseram nem querem fazer. 

Uma grande maioria de pais já não educa, só quer ter tempos agradáveis com os filhos e vão gritar com os professores porque não souberam educar os filhos, cultivar-lhes o gosto pela aprendizagem, impor-lhes limites, etc. 

Em Inglaterra e nos EUA, de há uma dezena de anos para cá, estes professores novos que vêm para as escolas cheios de entusiasmo vão-se embora ao fim de cinco anos. É o número de anos, em média, que aguentam estas situações. Os jovens já não são como no meu tempo que aguentavam certas situações e perseveravam. Não. Vão-se embora e arranjam outro emprego que os trate bem. É o que vai acontecer aqui. E fazem eles bem, porque esta profissão, como está, já não se recomenda a ninguém.

É revoltante porque vemos esses professores novos cheios de entusiasmo e interesse pelos alunos e depois meia dúzia de pais infernizam-lhes a vida. Desmotivam-nos sem razão nenhuma. Isto deve-se muito à desvalorização da profissão e ao modo como os ministros e a nossa pseudo-elite tratam os professores e, dessa maneira, incentivam os pais a tratar mal os professores. Alguns aconselharam os pais a fazer queixas e denúncias anónimas e tudo. Tenho um desprezo tão grande pelos governantes que ocuparam a pasta e estragaram, desvalorizaram, destruíram... 

Tenho lido muito artigos, ultimamente, sobre as prioridades para o país. Nem um único refere a educação, mesmo sabendo que milhares de alunos não têm professor e para o ano ainda será pior e assim sucessivamente. Falam em devolver o tempo trabalhado há mais de 15 anos, em 5 anos. A minha sugestão é que o façam em 30 anos para garantir que não têm de gastar um só tostão com um único professor. E depois, já agora, sugiro ao ministro e SEs que aconselhem os pais a ir às escolas acabar com os professores (na sexta passada uma mãe foi à escola ameaçar uma professora porque não gostou da correcção de um teste da filha). 

Quando não houver nenhum professor ou tiverem de contratar delinquentes à altura de certos encarregados de educação, o país vai poupar um dinheirão na educação. É assim que vamos tirar o mais da pobreza. Continuem que vão de vento em popa.


April 12, 2024

Este ministro da educação é mais do mesmo?

 


Andamos há 15 anos nisto e agora vêm dizer que são mais cinco? "Venham mais cinco" e depois outros cinco até estarmos todos reformados ou mortos. Como a carreira contributiva é contada na totalidade para as reformas, recuperar o tempo daqui a 5 anos, depois dos professores terem sido roubados do seu tempo efectivamente prestado e deixados 15 anos em escalões de ganhar miseravelmente, é "gozar com quem trabalha" como diz o cómico. Portanto, se é esta a proposta deste ministro, por mim pode ir pastar.

Quanto a acabar com o 2º ciclo, gostava que dissessem o que vão fazer a esses dois anos? Vão recuperar a ideia do incompetente anterior de deixar dos alunos 6 anos na escola primária para não terem que resolver o problema da falta de professores?

Salário de início de carreira será revisto? Cá por mim ponham-no igual aos dos que estão agora no fim dela, roubados de anos e anos de tempo trabalhado, que é uma maneira de os motivar...

E de educação não ouço falar. Este ministro da educação é mais do mesmo?


Professores recuperam tempo de serviço em cinco anos 

Salário no início de carreira também será revisto. Governo acaba com o 2.º ciclo.

April 08, 2024

Infográfico deste dia - os professores (que leccionam) tomam cerca de 1500 decisões e fazem 252 juízos de valor, por dia



De acordo com os dados recolhidos pelo site busyteacher.org, o professor médio (que lecciona) toma mais de 1500 decisões e faz 252 juízos de valor por dia. A tomada de decisões dos professores rivaliza com a de um controlador de tráfego aéreo. 

Este número pode ser surpreendente para algumas pessoas, mas presumo que os professores se limitarão a acenar com a cabeça em concordância com este número. Os resultados não são difíceis de acreditar quando se tem em consideração que se espera que os professores sejam um sistema de apoio para, por vezes, centenas de alunos, um gestor de uma sala de aula, um educador, um criador de conteúdos, um ouvinte, um modelo ético, um árbitro, um praticante de justiça e muito mais. Os professores são responsáveis por maximizar os resultados dos alunos em avaliações padronizadas. 



Há as perguntas pelas quais são responsáveis: "Não trouxe o meu caderno com os meus apontamentos. Posso pedir um emprestado?" "Posso ter mais um dia para terminar o trabalho?" "Posso enviar-te trabalho de DT por email mais tarde?" "Podes telefonar aos pais de fulano?" "Podes assistir à minha aula?" "Podes trabalhar no jogo de basquetebol?" "Podes substituir-me na reunião?" "Podes fazer isto, classificar aquilo, ajudar com isto, preencher esta grelha, acabar aquilo?" 

Ainda mais assustadoras são as perguntas internas: "Devo perguntar-lhe se está bem? Espero que não se esteja a passar nada em casa". "Devo ajudá-lo mais ou deixá-lo aprender com os seus erros?" "Devo acabar de classificar os trabalhos da semana passada durante o meu período de planeamento ou fazer cópias? Terei tempo para as duas coisas?" "Devo rever mais ou avançar no tema?" "Devo deixá-los entrar a comer na aula?" "Devo mandar aquele aluno tímido ao quadro?" "Devo aprofundar este tema ou é demasiado difícil para alguns?" "Quem é que trabalha melhor em conjunto para determinadas tarefas?" "Quem é que eu preciso de manter afastado?"  "Qual é o meu plano A, qual é o meu plano B, qual é o meu plano C?" Etc., etc., etc. multiplicado por dezenas e dezenas de situações, umas antecipadas (implicaram juízos antecipados e decisões prévias) e muitas outras inesperadas a ter que decidir-se no momento: as questões de indisciplina, de re-arranjo do plano de aula durante a própria aula devido a situações que surgem - nenhum plano sobrevive intacto ao contacto com a realidade das crianças e os adolescentes em aprendizagem de grupo, etc.

As decisões são intermináveis; as escolhas são implacáveis.

Além disso, quando lidam com alunos de diferentes origens raciais, culturais e económicas, os professores têm de pensar cuidadosamente se os seus próprios preconceitos inconscientes estão a influenciar algumas das decisões que tomam em fracções de segundo sobre questões como a disciplina, as notas ou mesmo quem chamar para responder a uma pergunta durante uma discussão na sala de aula.

"Tomamos decisões como educadores da mesma forma que tomamos decisões como pessoas em geral", disse Paula White, directora da Educators for Excellence. Mas esses preconceitos podem conduzir a grandes problemas de tomada de decisões, desde um professor que tem mais probabilidades de convidar as raparigas do que os rapazes a participarem nas discussões da turma (ou vice-versa) até um professor que tem tendência para disciplinar os alunos de uma cultura, género ou cor mais severamente do que os seus colegas.

Alguns professores também se preocupam com o facto de as suas próprias decisões se tornarem um pouco mais nebulosas ou menos disciplinadas no final do dia lectivo, o que pode levar a diferenças na qualidade do ensino que os alunos recebem à tarde em relação aos da manhã.

Neema Avashia, que ensina estudos étnicos nas Escolas Públicas de Boston, observou que estudos demonstraram que as comissões de liberdade condicional e os jurados são susceptíveis de tomar decisões menos acertadas ao fim do dia, quando estão a lutar contra o cansaço.

Em suma, tomamos decisões não só para nós, mas também para todos os jovens que nos rodeiam. Carregamos o peso dessas decisões. Stressamos com essas decisões depois de terem sido tomadas. O nosso cérebro assemelha-se constantemente aos nossos navegadores de Internet com demasiados separadores abertos. As nossas mentes assemelham-se aos nossos pratos demasiado cheios quando tentamos fazer uma lista de tarefas diárias e, ao mesmo tempo, reagir às adversidades a um ritmo alucinante.

-------------------

O que é a fadiga de decisão?


A Edutopia define a fadiga de decisão como "uma situação em que o cérebro está tão exausto e sobrecarregado com decisões que procura atalhos ou deixa de funcionar completamente".
O ensino é, por natureza, uma profissão multifacetada. Quando se está a ensinar, está-se a avaliar, a monitorizar, a orientar, a treinar, a disciplinar, a cuidar e muito mais. Todas estas funções exigem decisões ao segundo - não é de admirar que os professores estejam exaustos.

Então, como é que podemos saber se as nossas capacidades de tomada de decisão atingiram esse limiar? Aqui estão quatro sinais comuns de fadiga de decisão:

- Evitar decisões
- Tomada de decisões impulsivas
- Insatisfação com as escolhas feitas
- Indecisão

O cansaço das decisões afecta a nossa saúde mental e pode fazer com que nos sintamos esgotados. De acordo com a WGU, existem três efeitos principais da fadiga de decisão:

- Reduz a nossa capacidade de distinguir entre atributos positivos e negativos.
- Provoca a evitação de decisões.
- Reduz a nossa força de vontade, podendo levar-nos a tomar decisões que não são do nosso interesse.

Os especialistas do The Decision Lab afirmam que, à medida que passamos o dia, a qualidade da nossa tomada de decisões diminui proporcionalmente ao número de decisões que tomamos. Por outras palavras, quanto mais decisões tomarmos, pior será a nossa tomada de decisões ao longo do tempo.

------------

Testemunho de um ex-professor sobre a tomada de decisões, para os cépticos do número 1500:

Neil Barnett

Antigo professor de química e física, engenheiro.

Não conheço a fonte [das 1500 decisões por dia], mas parece-me correto. Costumava ter 25 trabalhadores não qualificados na minha sala de aula, todos com a mais simples formação básica em segurança, alguns nem sequer capazes de seguir instruções simples, relacionadas ou não com a segurança, alguns incapazes de ler inglês ao ponto de seguir instruções, alguns determinados a ignorar instruções por capricho. Para cada um deles, tive de produzir um início de aula que definisse o cenário sem fazer quaisquer suposições sobre a sua experiência anterior, cultura, género e que também lhes dissesse o que teriam aprendido 40 minutos mais tarde, sem lhes dizer nada daquilo que era suposto que devessem resolver por si próprios.

Em seguida, supervisionei frequentemente uma atividade prática, a maioria das quais envolvia produtos químicos potencialmente perigosos, chamas 'nuas' (muitas vezes 10 de cada vez), substâncias inflamáveis e objectos de vidro. Durante a atividade, tinha de garantir a segurança contínua de todos, independentemente de serem pouco inteligentes ou estarem vestidos de forma inadequada, quer seguissem as instruções ou não. E todas as conversas que tive, com 1 a 5 pessoas de cada vez, tiveram de ser orientadas para o nível educativo correto, sem preconceitos culturais, sociais, religiosos ou étnicos, relacionando (para todos os 5) as suas observações mais recentes com o que eu sabia dos seus conhecimentos prévios, encorajando os fracos, desafiando os fortes, expondo falácias e corrigindo erros de medição e erros de suposições, processamento e conclusões. Depois, tinha de os pôr a arrumar.

Por fim, tinha de os levar a resumir os resultados, dando peso aos seus resultados, se os houvesse, e depois desenvolver os resultados numa regra que pudesse ser resumida e (talvez) recordada.

E depois a mesma coisa, 5 vezes por dia, com a complicação adicional de que uma turma do 6º ano estava provavelmente a fazer trabalhos práticos com outra pessoa (yay!), mas não era garantido que se lembrassem de nada disso, nem que tivessem obtido resultados válidos. E esta turma está a fazer os níveis "A", os seus lugares na Universidade, na verdade, todo o curso das suas vidas, depende de quão bem compreendem e conseguem trabalhar com o que lhes ensinei.

Depois, passava a corrigir os trabalhos de casa. Supondo que há 5 perguntas num trabalho de casa, talvez 30 alunos numa turma, são 150 decisões, além de decidir o que colocar num comentário ou, pelo menos, dar-lhe uma cara sorridente. O trabalho de casa do 6.º ano seria mais numérico, mas se eles se enganarem na primeira parte, é preciso seguir a lógica através de todos os cálculos correctos feitos com os valores errados. Mais decisões, por isso talvez 500 numa noite de correção.

Mais as reuniões, as reuniões de pais, as cartas ou telefonemas para casa para os mal comportados, etc.


1500? Um luxo!

Qualquer professor poderia com facilidade acrescentar centenas de decisões a estas aqui referidas por este professor.

April 06, 2024

Quanto mais destróis os professores da escola pública mais bem visto és e mais sobes na vidinha



Compensa Ser Professor em Portugal? Não e daí que ninguém queira dedicar-se a esta profissão. E Porquê? Porque os políticos não querem saber. Por exemplo, leio que a Alexandra Leitão, uma pessoa que, em conjunto com João Costa, mais contribuiu, quando era SE da educação, para a calamidade actual da carreira de professor, foi agora promovida pelo PS. Portanto, quanto mais destróis os professores da escola pública mais bem visto és e mais sobes na vida.



A descida dos salários dos Professores

Com a discussão centrada na reposição do tempo de serviço, o país carece de vontade política capaz de tornar a carreira docente mais atrativa e colmatar a escassez de professores recém-formados.
05 abr. 2024, 00:147

Compensa Ser Professor em Portugal?

De 2009 a 2023 o salário líquido real dos professores diminuiu 21.1% para o 1º escalão e 23.4% para o 9º escalão, como se vê na Figura 1. Esta descida não se deveu só aos anos da Troika. Durante o período 2015-2023, que compreende os Governos de António Costa, o salário líquido real dos professores desceu 5.8% para o 1º escalão e 1.6% para o 9º escalão.




Subsídios em Duodécimos

A Figura 1 inclui os subsídios de Natal e de férias. Caso contrário, não seriam visíveis os cortes em 2011 e 2012, em que foram pagos 13.5 e 12 meses, respetivamente.

Além da descida dos salários, nos últimos 15 anos houve também uma compressão dos salários dos professores com o salário mínimo (Figura 1). Enquanto em 2006 um professor em início de carreira recebia um salário 174% acima do salário mínimo, hoje em dia ganha apenas 61.8% mais. A compressão não só retira prestígio à carreira docente, como também diminui o valor relativo do diploma de um mestrado de ensino. Ou seja, o retorno que um estudante obtém do mestrado é menor comparativamente a outras opções.

Tanto a descida dos salários por escalão quanto a aproximação destes ao salário mínimo contribuem para a descida da atratividade da carreira docente. Por sua vez, a baixa atratividade reflete-se no baixo número de professores formados nos últimos anos.

Um Sistema em Apuros


O sistema de ensino português enfrenta uma situação crítica de renovação. O índice de envelhecimento dos docentes atinge recordes (DGEEC e DSEE 2022). Nunes et al. (2021) estimam que 39% dos docentes empregues em 2018/19 reformar-se-ão até 2030/31. O mesmo estudo projeta que, durante o mesmo período, o número de alunos matriculados nas escolas públicas reduzirá cerca de 15%.

Logo, há uma clara necessidade de contratação de professores. Nunes et al. (2021) estimam que terão de ser contratados 3450 novos docentes por ano até 2030/31, em média. No entanto, no ano letivo 2019/20 foram formados 1674 professores, um número muito aquém da meta (Figura 2).


É verdade que a evolução do número total de recém-formados é pouco animadora. Porém, o problema vai além deste indicador. O número total é a soma de todos os cursos. Se desagregarmos, vemos que há ramos do ensino que são mais afetados pela falta de professores.

Por exemplo, dos 1674 diplomados em 2022 só 299 tinham habilitações para dar aulas ao ensino secundário e 3.º ciclo. Desses 299 quase metade são habilitados para história e Geografia (Figura 3). Logo, há áreas como Matemática, Português e Física e Química onde a situação é particularmente grave, como é visível na Figura 3. A falta de professores nessas disciplinas não pode ser colmatada com professores de outras áreas.



Esta ideia é reforçada pela Tabela 1, que expõe os casos mais alarmantes ilustrados na Figura 3. O mais chocante é o de Física e Química, disciplina para a qual, nos últimos quatro anos, Portugal só formou 27 professores.



Tempo de Agir?

Perante uma escassez de oferta, os mercados tendem a ajustar através da subida de preços. Neste caso, o preço é o salário pago aos professores. No entanto, conforme revela a Figura 1, não tem sido essa a decisão tomada pelos últimos Governos.

Mais ainda, o foco da discussão nacional não está em aumentar a atratividade da carreira docente. A proposta mais discutida é a reposição integral do tempo de serviço dos professores. Na verdade, todos os partidos com representação parlamentar já sinalizaram algum tipo de apoio a esta medida, diferindo apenas no horizonte temporal da reposição.

A proposta é apresentada como um contributo para aumentar a atratividade da carreira docente. No entanto, não aumenta o salário de novos entrantes, nem acelera a sua progressão na carreira. Ao invés disso, a reposição simplesmente promove professores já docentes. Portanto, é esperado que tenha um impacto quase nulo na atratividade da carreira. Se as mesmas verbas fossem alocadas a um aumento de salários por escalão haveria um maior incentivo para os jovens que querem ser professores em Portugal ingressarem nessa carreira.

Além disso, como a Figura 3 demonstra, o problema da futura falta de professores é heterogéneo: não afeta todas as áreas de forma igual. Fica claro que a disciplina de Física e Química irá passar por uma maior crise do que História e Geografia. No entanto, nenhum partido político em Portugal defende que os salários (ou outras condições) variem consoante a área de especialização do docente.

Perante estes factos, e com a discussão política centrada na reposição do tempo de serviço perdido durante os anos da Troika (uma medida que não afeta o salário de novos entrantes), o país carece de vontade política capaz de tornar a carreira docente mais atrativa e colmatar a escassez de professores recém-formados.

March 27, 2024

Grande parte do trabalho dos professores é invisível

 

Este fotografia talvez tenha mais do que se vê à primeira vista. A professora colou na parede os desenhos dos alunos. Mesmo ao lado da cara de Américo Tomás pode ler-se, 'o rato ri do rei'. Há sempre maneira de ensinar a resistência às ditaduras. Grande parte do trabalho dos professores é invisível. Daí que o desvalorizem.


Rua da Rosa, 1974*
Escola no Bairro Alto. 
Na parede, foto do Presidente da República, Américo Tomás.
Foto: Alfredo Cunha

March 25, 2024

Situações graves, mas caricatas, da falta de professores

 

Sei de dois professores que estão a leccionar, respectivamente as disciplinas de Educação Visual e Física e Química. Ambos são ex-alunos recentes do Ensino Profissional. Ambos eram alunos NEEs (alunos com Necessidades Educativas Especiais, o que corresponde a alunos com problemas de aprendizagem por razões variadas) e um deles não conseguiu sequer passar no módulo que corresponde à disciplina que agora lecciona.

É este o resultado do trabalho do senhor ME: oito anos a descarnar a educação e a destruir a carreira dos professores. Espero que esteja satisfeito! Isto vai de vento em popa.


Vão continuar a faltar professores




Vão continuar a faltar professores

Desde meados da passada semana, o Ministério da Educação fez sair legislação, notas informativas e notas de propaganda, relativas aos concursos de professores e respectivas vagas para o próximo ano lectivo. No dia 19 de Março tivemos a Portaria n.º 110-A/2024/1, que fixou “as vagas do concurso interno e externo dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e dos quadros de zona pedagógica” e no dia 22 foram publicadas as “listas definitivas do Concurso de Transição de Docentes dos Quadros de Zona Pedagógica”, a que aparece aposto o ano de 2023, embora, na prática, só façam efeito a partir de Setembro de 2024.

Nas notas produzidas para o efeito no site oficial do (ainda) governo, tudo isto foi apresentado como se fosse um enorme avanço em matéria de colocação de professores e da satisfação das necessidades das escolas e agrupamentos, e uma espécie de legado virtuoso da actual equipa ministerial. É pena que, à imagem de outras ocasiões, se tenha preferido a divulgação de um arrazoado de números, a envolver considerações propagandísticas, não revelando o significado real destes concursos.

Na nota de dia 20 de Março pode ler-se que:

“Os próximos concursos de professores vão contar com 20 853 vagas em Quadros de Escola e Agrupamento, criando 7077 vagas para novas vinculações. (…) Recorde-se que, de 2015 a 2024, saíram da condição de contratados mais de 22 500 professores. Destes, cerca de oito mil vincularam em 2023. Com esta portaria são agora criadas mais 7077 vagas, chegando-se assim a um total de 29 500 professores que vincularam.
A portaria agora publicada permitirá reduzir muito significativamente o número de docentes colocados em Quadro de Zona Pedagógica, por via de transferência de lugares para Quadro de Escola e de Agrupamento. Serão menos 13 712 docentes em QZP.

Parece impressionante, mas nada disto explica que estes docentes já se encontram a leccionar há muitos anos, por vezes décadas e que o que se está a fazer é apenas uma transição entre situações de vínculo contratual ou de distribuição geográfica. Quando, em nova nota governamental, datada de 22 de março, se afirma que esta é a “maior fixação de docentes em mais de uma década”, é útil compreender-se que durante mais de oito anos a governação esteve entregue a estes mesmos responsáveis. Se ao fim deste tempo decidiram, por fim, resolver parte do problema que alimentaram, pode dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas pouco mais.

Nessa nota, acrescenta-se que “a passagem para os novos 63 Quadros de Zona Pedagógica permite agora que os professores vejam reduzidas as suas deslocações internas no QZP”, mas logo a seguir vem a parte que revela a armadilha da chamada “vinculação dinâmica”, pois esta é uma “colocação transitória na medida em que todos estes professores poderão concorrer às 20853 vagas de Quadro de Escola abertas”. Vagas distribuídas por todo o país a que os docentes terão de concorrer obrigatoriamente. O que fez muita gente não concorrer. Para além disso, caso não aceitem a colocação nas listas agora publicadas, ficam sujeitos à “anulação da colocação e instauração de processo disciplinar”, conforme nota informativa da Direcção Geral da Administração Escolar de 22 de Março.

Isto significa duas coisas: primeira: estas colocações não correspondem a novos docentes que possam suprir as falhas que já existem ou as que se adivinham perante o acelerar das aposentações, pois as regras deste concurso implicavam que fossem docentes já em exercício; segunda: a criação de 63 QZP mais pequenos do que os anteriores é apenas uma fase transitória, antes dos docentes agora colocados serem obrigados a concorrer a TODO o país. É o que significa aquela parte da nota em que se afirma que “serão menos 13 712 docentes em QZP”.

E significa ainda outra coisa muito grave: a falta de professores em sala de aula vai agravar-se nos próximos anos, mesmo com o recurso a pessoas que ocupam o lugar de professores, apenas porque foram reduzidos os critérios de acesso ao exercício da docência.

Paulo Guinote

March 24, 2024

A experiência nem sempre traz sabedoria

 

Os exames tinham que ser digitais porque sim, porque sim, porque sim, mesmo sendo óbvia a falta de meios e condições para tal: falta de equipamentos, rede de internet instável, sempre a cair, nenhum relatório de apuramento do ensaio piloto do ano anterior, para saber o que correu mal e corrigir os erros- é o interesse que o ME tem por isto tudo. 
Enfim, primeiro, sua excelência lançou um concurso de professores à pressa, com vagas para escolas nas quais nem existem os grupos de recrutamento das referidas vagas. Depois, resolveu contratar, como se a contratação pública fosse, atar e pôr logo ao fumeiro, em dois segundos. Agora, perante a evidência de todos "terem claramente visto o lume vivo" da falta de condições em que se hão-de queimar, afinal até já é possível recuar. 
Na verdade, a experiência nem sempre traz sabedoria e a alguns, o número de voltas que dão ao sol parece que só serve para os deixar tontos.



March 23, 2024

Diz-se por aí à boca pequena que durante o mandato o senhor ministro não teve disponibilidade para ser ministro




Outras prioridades...
----------------

Chegamos, assim, ao que parece ser uma falta de diálogo entre Ministério da Educação e professores/diretores. Pelo menos, de acordo com notícias centradas nos exames do 9.º ano de escolaridade que, este ano, deverão ser feitos em ambiente digital.

Desde o início do ano letivo, em setembro, um dos temas praticamente sempre em cima da mesa tem sido a utilização dos computadores nas escolas. Lemos e ouvimos várias situações: falta de computadores, falta de técnicos para os reparar, escolas sem wi-fi fidedigno para se poderem ter inúmeros portáteis ligados ao mesmo tempo e outras mesmo sem wi-fi. A estes pequenos problemas junte-se o facto de nem todos os alunos terem computador, o que cria de imediato um problema de igualdade no acesso às matérias e provas.

Os alertas foram sendo feitos e esta semana o Diário de Notícias publicou um trabalho onde Filinto Lima (presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), Arlindo Ferreira (diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio) e Sandra Nobre, (Associação de Professores de Matemática) voltavam a lembrar as dificuldades que os alunos do 9.º ano vão enfrentar para fazer os seus exames em ambiente digital e pediam para se estudar a possibilidade de adiar essa decisão.
É certo que esses exames estão marcados a partir de 12 de junho (o primeiro será de Matemática), portanto ainda falta algum tempo, mas também é verdade que até ao momento o ministro João Costa não se pronunciou sobre o tema. Nem mesmo depois de os professores de Informática terem marcado uma greve a partir de 8 de abril para evitarem ser eles a irem reparar, segundo garante a sua associação, as centenas de computadores que estarão avariados pelos agrupamentos escolares fora.
Fosse para manter os exames digitais - será bom não esquecer que os do 9.º ano contam para a nota final do aluno que termina o Ensino Básico -, fosse para reconhecer que o problema poderia ter outra solução, o governante já deveria ter vindo a público falar sobre o assunto.

O caso pode parecer ao ministro, a cumprir os últimos dias na pasta - pois será substituído a partir de dia 2 de abril -, apenas uma “tempestade num copo de água”, mas quando se ouve um professor de Matemática dizer que os alunos nem sabem como fazer os carateres especiais da disciplina no computador , talvez seja o momento de parar e perceber o que de facto se passa.


March 16, 2024

Uma escola diferente



Ontem, a propósito de um assunto, falei numa turma da rede social Distort e do artigo que li no WP: dos grupos de predadores que lá andam, dos cuidados que é preciso ter e de como é importante, em caso de se ser apanhado por um predador, não ter medo de falar logo com a família ou com um professor em quem confiem. Os miúdos ficaram chocados com a história. Muitos não entendem porque razão as vítimas fazem o que lhes mandam fazer. Não têm nenhuma noção do que são os processos psicológicos. Um rapaz da turma está nessa rede social e usa-a para jogar jogos.

As escolas são lugares onde a degradação das relações acompanha a degradação da sociedade: as pessoas estão mais pobres e, apesar disso fazer Centeno muito feliz, torna as pessoas mais irritadiças: pais, alunos e professores. Os pais não estão equipados para lidar com estes novos fenómenos das redes sociais e o que elas fazem aos filhos e esperam que a 'escola' resolva toda a vida deles. Não há professores, vão-se buscar pessoas que não têm formação - manter uma turma em ordem, disciplinada positivamente, livre de conflitos e, em muitos casos, de violência é uma tarefa muito difícil que não se coaduna com curiosos. Muito menos ser capaz de lidar com pais cada vez mais intrusivos e, não no bom sentido de colaboração. A escola precisa de seguranças que patrulhem os espaços exteriores, precisa de funcionários - há escolas fechadas, sem aulas, por não terem funcionários suficientes para assegurar as valências. Claro que nestas condições a violência aumenta.

Não tenho esperança nenhuma que as coisas melhorem, dado que umas elites políticas pensam que é excelente os portugueses serem pobres, outras que é preciso privatizar tudo porque 'os mercados' é que sabem pensar os seres humanos e todos eles entendem que não há razão para valorizar os professores, que qualquer um pode 'dar aulas' e que os alunos podem ser desviados para o ensino particular ficando o ensino público como uma espécie de escola de pobrezinhos para quem 6 anos de escola primária basta.

Há muitos anos que defendo que os professores novos, mesmo com formação especializada, devem ter nas escolas para que vão, um buddy - um professor mais velho, com experiência, que os oriente e ajude nos primeiros dois anos, por exemplo, mas para isso era necessário que houvesse professores suficientes. Neste momento, os que existem estão com horas extra para minimizar a falta de professores.

A ideia de ir buscar professores reformados para voltarem à escola é uma miragem. As pessoas querem mesmo ir embora. Quem está de fora não entende o ambiente dentro das escolas com a desgraça que têm sido as políticas na educação. Lá está, as escolas reproduzem o que se passa na sociedade: em cada escola há 10 ou 12 pessoas que estão excelentes à custa dos outros todos.

Ontem falava com um colega que está doente. Disse-me que trabalhou uma série de anos numa empresa e depois resolveu vir para o ensino por causa do horário flexível, mas que está arrependido porque o trabalho que tinha, embora obrigasse a estar dentro do escritório aquelas horas fixas por dia, não era um trabalho intensivo. Tinha momentos intensivos mas com muitas quebras em que ia beber um café, falava com os colegas, etc. e o trabalho na escola é muito intensivo/desgastante. Assim que se entra na sala de aula está-se concentrado com a máxima intensidade 90 minutos a representar o papel de uma peça, que recomeça várias vezes ao dia (com esse ou outro guião), com a diferença que tem de preparar-se cada um e todos os 30 da audiência para trabalhar, aprender, progredir, desenvolver atitudes e comportamentos positivos, aprender a pensar, adoptar metodologias de trabalho, ter rigor e brio no trabalho, estar preparado para a entre-ajuda, para ir a exame, para apresentar um trabalho, para regular emoções, para ter autonomia e iniciativa... etc. E depois disto e de lidar com a ansiedade e, por vezes, a hostilidade dos pais, mais a estupidez do ME e das pessoas que nas escolas professam com entusiasmo a estupidez do ME e de preencher grelhas infinitas vai-se para casa fazer fichas, ler, estudar, fazer formação, classificar testes, preocupar-se com este aluno e o outro... no geral, disse-me ele, a flexibilidade de horário que se podia ter não compensa este desgaste, mais a falta de uma carreira, a desvalorização social, a antipatia da sociedade pelos professores, os ataques constantes das tutelas, o paternalismo, o mau salário, o roubo de anos de serviço e agora, ter de trabalhar com pessoas sem nenhuma formação para o trabalho do ensino - nem são da área que ensinam nem têm alguma formação em pedagogia e didática. Algumas só arranjam problemas e aumentam o desgaste.


March 12, 2024

A chatice dos factos



Falta de professores de Português agravou-se 250% no último ano

Português e Matemática estão entre os grupos onde a escassez de professores é maior. A três meses das provas, ainda há alunos sem professores nas disciplinas sujeitas a exame. 60% das escolas tiveram de recorrer a docentes de Português sem habilitação profissional.

Filmes - acerca da consciência

 

Ontem estive a analisar com uma turma a questão da ação humana. O que tem a acção humana que a diferencia de acções de outros animais ou de pessoas incapacitadas, mentalmente, por exemplo. Uma das dimensões da acção humana é a consciência - mas o que é isso da consciência? 
Quando falamos em acções do ponto de vista ético, faz muita diferença o sentido em que se fala de consciência. 

A consciência na acção moral diz-se em dois sentidos: um é o sentido de se saber se a acção está de acordo ou nega as leis e costumes bem como as consequências da quebra desse dever: é um sentido normativo, formal; outro sentido muito diferente é um sentido que corresponde a uma repulsa interna por fazer certas acções (mesmo que não neguem leis ou que se tenha a certeza de não se ser apanhado) e uma obrigação interna de fazer outras (mesmo que neguem leis ou se tenha a certeza de ser apanhado - Navalny, por exemplo). Chamo a este segundo sentido interno, um pouco estético. Há um sentimento tão grande e profundo de transgressão da ordem humana em certas acções que a ideia de as fazer causa repulsa, náusea. 

Não me refiro a empatia, um conceito que está na moda mas que a mim me parece superficial - emoções à flor da pele - se não são acompanhadas de consciência, são voláteis e inconsequentes. Tanta gente empática que se emociona com o sofrimento de gatinhos mas que não hesita em actos de grande maldade e crueldade contra pessoas...

Este filme é brutal. Mostra um mundo com empatia e capacidade emocional mas sem consciência, a não ser naquele sentido normativo, formal. E o resultado é brutal. 

É um filme inglês sobre o mundo nazi ou sobre o que foi o nazismo ou o que o mundo nazi fez às pessoas: deu-lhes permissão de verem a vida como um jogo de ganhar e perder e de o jogarem com as características mais cruéis da pior versão de si mesmas. Ditadores depravados e brutais têm esse efeito de incentivar o povo a fazer vir ao de cima a sua pior versão possível: Hitler, mas também Putin, como Mao, Estaline e outros do género. 

É um filme diferente do que costumam ser os filmes sobre o nazismo que, geralmente, tentam mostrar o horror pela imagem brutal de pessoas perseguidas, emaciadas pela fome, torturadas, etc. Mas este filme não tem uma única imagem de judeus, embora se passe em Auschwitz. O horror do filme está na falta de horror que é a falta de consciência e a brutalidade anti-semita dos campos, que não se vê, nunca, mas é o pano de fundo do filme: ouve-se o tempo todo.

O filme passa-se durante a Segunda Guerra Mundial, na casa do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, que está separada do campo de Auschwitz, por um muro alto. Outros oficiais das SS moram ali atrás do muro, como eles. Höss vive ali com a mulher, Hedwig e os 5 filhos. A casa deles tem um jardim enorme, meio idílico, todo florido, com caramanchões, uma piscina. Hedwig organiza festas para as famílias dos oficiais no jardim da residência. Ela é a perfeita esposa alemã-nazi e floresce nesse papel. Adora a sua vida. Vemo-la juntar-se com as mulheres dos outros oficiais nos dias em que chegam comboios com judeus e os guardas dos campos vão lá levar os pertences mais caros que roubaram aos judeus: um casaco de vison, combinações de seda, jóias, etc. Ela fica sempre com o melhor, por ser a mulher do comandante. Ela é de uma brutalidade gelada. Tem uma empregada doméstica polaca, não judia. Um dia a empregada engana-se e ela diz-lhe, 'Vê lá o que fazes, sabes que posso pedir ao meu marido e ele transforma-te em cinza".

Quase todas as cenas do filme são filmadas como um palco de teatro em que o fundo é o muro que separa a casa do campo de extermínio. Então, por exemplo, estamos a vê-los numa festa no jardim e o fundo é o muro e, por detrás, a torre do campo, com guardas com metralhadoras, as chaminés com colunas grossas de fumo dos judeus a serem incinerados, a par com os sons que são constantes: gritos de guardas, tiros de pistola e de espingarda, crianças a chorar, pessoas aos gritos. Há uma cena em que ela leva o filho bebé para cheirar as dálias acabadas de florir no jardim (o adubo das flores do jardim são as cinzas e pedaços mortos dos judeus) e vemos as colunas de fumo a erguerem-se no céu atrás do muro e sabemos que o cheiro das pessoas queimadas deve ser insuportável, mas aquilo não a perturba. Ela é feliz ali...

Ela vive ali como num paraíso. Quando o marido é nomeado inspector-chefe dos campos e tem de mudar-se, ela diz que não vai com ele, porque tem ali a vida de sonho que sempre quis: tem tudo o que possa desejar, vem-lhe tudo ter à porta, todas a tratam com deferência, é admirada por todos, os filhos estão felizes, etc. Os filhos não estão felizes. Um deles, que brinca muito sozinho no quarto, no 1º andar, de vez em quando vai à janela porque o barulho é insuportável e olha para o campo com um ar muito perturbado.

Entretanto, o marido só pensa em tornar o campo mais eficiente. Reune-se com engenheiros para pensarem como arrefecer uns fornos enquanto outros trabalham para poderem queimar judeus 24 horas por dia. Nos dias em que chegam comboios, liga aos outros para eles irem lá escolher quem querem. Quando é nomeado inspector, vai à conferência de Wannsee e depois vai a uma festa. Em vez de divertir-se passa o tempo a pensar se seria fácil ou difícil gasear todos os presentes dada a altura do tecto do salão de baile.

A mãe dela vai lá passar uma semana com eles. Admira o jardim dela e a piscina. Pergunta-lhe se os judeus estão do lado de lá do muro e interroga-se se a ex-patroa dela, uma judia, estará lá a trabalhar. A mulher não faz idea do que lá se passa. Na primeira noite, não consegue dormir com o barulho dos tiros, da gritaria e vemo-la ir à janela e ficar perturbadíssima. No dia seguinte a família descobre que ela foi-se embora a meio da noite sem dizer nada a ninguém e percebemos que ela percebeu a extensão do horror que ali se passa e 'viu' a filha na sua realidade: uma pessoa brutal, sem consciência. E fugiu dali.

A atriz que representa Hedwig, a mulher de Höss, é a Sandra Hüller, uma alemã, que é uma excelente atriz (é a actriz de Anatomia de Uma Queda). Também o que representa Höss é alemão. Mas o papel dela é mais difícil e o filme centra-se nela. Tem de ser muito difícil representar um papel destes, sendo alemã... e o que mostra é uma consciência muito apurada e desenvolvida do que foram todas as transgressões humanas dessa época em que a maioria dos alemães eram nazis e conviviam muito bem com o nazismo. 

Isso é o que vemos no filme: uma sociedade, que esta família representa, brutal e depravada que se sente feliz e à vontade com a escravidão e a subjugação e exterminação dos outros seres humanos. Estão todos muito bem na vida e o que fazem está de acordo com as novas normas e leis.

Podíamos transferir esta ausência de consciência das transgressões humanas para o tempo da escravatura nos EUA em que as famílias almoçavam e faziam festas de estrondo enquanto no quintal se amarravam negros aos postes para os chicotear, ou matar e se separavam famílias, se violavam as raparigas e as mulheres, etc. Ou para o que se passa com os russos que vão para a Ucrânia matar, torturar civis e têm conversas ao telefone com as famílias a gabar-se do que fizeram; ou o que fizeram os do Hamas no dia 7 de Outubro. 

Todos estes casos são casos de sociedades onde os líderes são pessoas brutais, sem consciência dos limites da acção humana e que incentivam o povo, com o seu exemplo de ausência de consciência, a serem a pior versão possível de si mesmos. Trump também faz isso de incentivar os outros a serem a pior versão de si mesmos, embora não seja do calibre de Putin e muito menos de Hitler, que está noutra categoria a parte de todos.

Educar a consciência, mais do educar a empatia, é o que me parece verdadeiramente importante para a acção ética e moral.