October 05, 2020

O elo indissociável entre linguagem e democracia

 


"O princípio de uma educação cultural que permite sair da vida imediata
[entenda-se, da vida concreta, sensível, particular de cada um] é feito pela aquisição de princípios universais e pontos de vista e, seguidamente, pelo contacto com as razões que suportam ou refutam as matérias em questão. Trata-se de saber ajuizar/julgar uma questão." ~Hegel, FE

Ora, isto não se faz sem linguagem. Acho que falei uma vez, no outro blog, naquele estudo chamado, The Early Catastrophe que mostra que as crianças, ao três anos de idade, quando entram para a pré-primária, se distinguem pelo nível e quantidade de linguagem, na ordem dos milhões de palavras - as crianças de famílias com um melhor nível de linguagem, que não reduzem a conversa a ordens e informações mas que falam de assuntos variados, lêem para os filhos, argumentam, usam um vocabulário complexo, etc., têm um nível de vocabulário enormemente superior às outras, constroem frases longas e complexas e que esse vocabulário está relacionado com a qualidade da leitura aos nove anos de idade. Também viram que essas crianças recebem cerca de 400 mil encorajamentos a mais que as outras e têm um QI 25 pontos superior à das outras. Estas diferenças são duradouras e mostram que a qualidade da experiência das crianças em idades muito precoces está ligada ao desenvolvimento cognitivo, da linguagem e literacia.

A linguagem não serve apenas para comunicar: 'que horas são?', 'Vai ali buscar o jornal', etc. - a linguagem serve para adquirir informação e transformá-la em conhecimento. Serve para ver o universal nos particulares com que contactamos na nossa experiência imediata. Serve para construir hipóteses de solução de problemas. Serve para descodificar uma situação, ler nas entrelinhas, ser capaz de tirar ilacções, inferir consequências, discorrer sobre uma ideia, vê-la nas várias facetas e ajuizar do seu mérito. 

Os conceitos são, cada um deles, por si, uma ferramenta para compreender a realidade externa e interna que lhes corresponde e, conectados por elementos lógicos, permitem abarcar a complexidade do real. Sem linguagem ou com uma linguagem muito pobre, não se é capaz de compreender uma ideia complexa, discorrer, inferindo, as suas ligações e consequências, problematizar um assunto, etc. 

Ora, essa insipiência e falta de sofisticação da linguagem implica uma falta de controlo sobre a realidade, seja cultural, social ou política - fica-se à mercê da boa vontade de quem tem o controlo sobre a linguagem em não a usar para manipular ou fazer demagogia.

Por conseguinte, a falta de uma linguagem complexa empobrece as democracias e abre espaço para a ditadura, pois a democracia mantém-se com o escrutínio e o contra-argumento relativamente ao poder e a ditadura vive da ignorância geradora de mesmidade.

E chegando aqui perguntamos, 'a quem serve que os jovens portugueses leiam cada vez menos?', como se lê neste artigo e porque é que os pedagogos que desenham os cursos insistem, há décadas, na substituição da palavra, nomeadamente a escrita (isso fica para outro post mas deixo dois links sobre o assunto da diminuição da escrita estar, provavelmente, ligada à diminuição da inteligência dos europeus que tem sido observada em estudos diversos) pela oral e pela imagem com o pseudo-fundamento da escola ter como fim proporcionar felicidade imediata e sem obstáculos, em vez de relacionarem os objectivos da formação escolar com uma experiência de qualidade: qualidade essa que os alunos nem sequer serão capazes de se aperceber se não tiveram a linguagem que lhe corresponda.

Não por acaso, este artigo diz que, são os alunos que têm mais livros em casa aqueles que mais requisitam na biblioteca. Os alunos que mais prazer e proveito retiram da leitura são aqueles que têm mais contacto com ela desde muito novos, em casa. É difícil tirar prazer de algo que se desconhece e do qual, por isso mesmo, nunca se retirou uma experiência de satisfação e utilidade. 

É a mesma coisa que ir à Grécia: tem ruínas e a água do Metiterrâneo: quem vai de Portugal e não sabe nada da Grécia nem da sua história, encontrará prazer na água, um elemento imediato de prazer habitual, mas provavelmente olhará para as ruínas como calhaus sem interesse -  não tem linguagem para ler o que está à sua volta. Tal como os alunos na escola que olham certos textos, assuntos, como calhaus sem interesse porque lhes falta a linguagem para os apreciarem.
Naturalmente isso empobrece a experiência da escola e de vida e impede o controlo sobre as narrativas da realidade que os jornais e outros meios de comunicação manipuladores veiculam.

É difícil tirar prazer e proveito da escola se tudo o que constitui a vida dos jovens é imagem e prazer imediato. A solução, a meu ver, não passa por transformar a escola no imediatismo pobre das imagens e frases à medida dos twitter e Instagram, pois fazê-lo é empobrecer irremediavelmente a democracia, mas pelo contrário, promover o uso da escrita e o desenvolvimento da linguagem.

Os alunos chegam ao 10º ano, cada vez mais, com uma enorme pobreza de linguagem. Se o ensino está cada vez melhor, como dizem, como se explica este facto?


Jovens portugueses leem cada vez menos e hábitos das famílias influenciam

Em 2019, a maioria dos 7.469 alunos inquiridos num estudo do Plano Nacional de Leitura e do ISCTE admitiu ter lido menos de três livros por prazer nos 12 meses anteriores ao inquérito.

Esta tendência verifica-se nos dois níveis de ensino, mas é no secundário que se regista uma diferença maior entre os dois períodos (2007-2017) com a percentagem de alunos que não leram qualquer livro por lazer a passar dos 11,3% para os 26,2%.

Há ainda uma diferença contextual entre 2007 e 2019 que, segundo o investigador, poderá ajudar a explicar estes resultados: o alargamento da escolaridade obrigatória até 12.º ano, que resultou numa maior heterogeneidade no ensino secundário, que deixou de ser “uma espécie de filtro”.

----------------

Why writing by hand makes kids smarter by Anne Sliper Midling, Norwegian University of Science and Technology
has-humanity-reached-peak-intelligence

Costa a desmantelar o Estado de Direito

 


Despede e manipula nomeações para lhes retirar a independência necessária. Isto já passou as linhas vermelhas e só um surdo não ouve os sinais de alarme. Entretanto fizeram um grupinho de luta contra a corrupção para enganar pardais...

------------

TRIBUNAL DE CONTAS

CDS e Chega criticam afastamento do presidente do Tribunal de Contas

António Costa informou Vítor Caldeira por telefone de que o seu mandato não seria renovado.

-------


Poiares Maduro e Rui Tavares assinam carta-aberta contra nomeação de procuradores europeus

Os subscritores pedem que o Parlamento Europeu mova uma acção no Tribunal de Justiça da União Europeia por causa das interferências dos Governos de Portugal, Bulgária e Bélgica nas nomeações dos procuradores europeus.

Futuro (im)possível

 



the oxygen project

Lua da manhã





October 04, 2020

Um companheirismo de paz

 


Caspar David Friedrich's 'On the Sailing Boat'


Caspar David Friedrich põe-nos dentro da pintura, através do barco que é representado em grande plano e a ocupar quase metade da tela. Nós somos voyeurs dentro do barco, um pouco atrás do mastro. E o que vemos? Um companheirismo de paz. Um casal viaja de mãos dadas em direcção a um horizonte. O horizonte não interessa e por isso é indistinto. Não os determina, eles é que se determinam.  Não viajam com objectos porque as coisas em si são apenas acessórios que não os determinam. Eles vão numa viagem que é a vida. O barco vai desequilibrado, vemo-lo porque não está direito mas inclinado, o que significa que o mar está agitado. É a vida com os seus dissabores, sofrimentos e contrariedades. Eles próprios vão sentados em desequilíbrio, mas não perdem a calma e não tiram os olhos do horizonte que traçaram. Não é ao barco que se agarram para manter o equilíbrio. Agarram-se um ao outro. Apoiam-se um no outro. Ambos olham o horizonte e a pose deles é de calma e paz e confiança.
----------------------

"Close your bodily eye, so that you may see your picture first with your spiritual eye; then bring to the light of day that which you have seen in darkness, so that it may react on others from the outside inwards." - Caspar David Friedrich

Livros, o problema das vírgulas, Hegel e outras coisas

 


Hoje tinha uma referência a este livro no mail, a partir de um artigo de Jensen Suther, "a response to Karen Ng, Hegel’s Concept of Life: Self-Consciousness, Freedom, Logic(Oxford University Press, 2020). 

[um aparte - o gmail anda um bocadinho assustador. Ora me recomenda artigos e livros (porque vai ao FB espreitar sites e assuntos que me interessam, calculo) ou me diz, como aconteceu na semana passada, 'olha, aquele email que mandaste a não-sei-quem, está sem resposta. Queres dar seguimento a isto?' What?! Desde quando o email deixou de ser uma paltaforma de cominação e passou a analisar as próprias comunicações e a fazer juízos acerca das iniciativas que devo tomar? Bem... mas isso é história para outro dia]




Pus-me a ler o artigo, que é bastante longo e já percebi que este livro ainda não é para mim porque compara a interpretação de Ng com outras e discute-as assumindo que o leitor conhece as outras, o que não é o caso. É uma pena, porque justamente estou interessada em ver como Hegel resolve o problema da vida no contexto da auto-consciência.

Hegel, como todos os filósofos pensam, em grande parte, para resolver problemas das propostas de outros filósofos e as propostas das filosofias não são lineares, quer dizer, sim, existem problemas que alocamos a certos contextos históricos, como é o caso do, muito discutido, fenomenalismo de Kant, como solução da construção do conhecimento científico, onde podemos traçar uma linha de avanço, por assim dizer, nas propostas, mas existem problemas, como os da Metafísica, que se ligam inevitavelmente aos outros, cujas propostas de filósofos anteriores nunca são totalmente ultrapassadas. Anda-se à roda deles e cada proposta vai iluminando certos factores e tentando resolver dificuldades deixadas pelos anteriores.
Hegel, por exemplo, vai à metafísica de Aristóteles buscar a questão dos modos em que se fala da substância e a partir de uma crítica, apresenta uma nova proposta relativamente ao problema das substâncias. Não eliminou a outra. Tem uma perspectiva diferente. É assim que Kant escreve a CRP para resolver problemas deixados pelas propostas de Berkeley, Descartes, Hume e outros no que respeita às possibilidades e fundamentos do conhecimento. Heidegger vai constantemente aos gregos antigos, a Parménides e Heraclito e não só. 

Isto vem a propósito do ensino da filosofia nas escolas assumir que existe na filosofia uma linha de progresso à maneira da que existe (mais ou menos) nas ciências da natureza e que os filósofos antigos já se tornaram irrelevantes, uma espécie de curiosidade histórica e estar organizado segundo este pressuposto.

Quando lemos os filósofos apercebemos-nos imediatamente que o pensamento sobre a realidade não é linear e progressivo (é mais uma estrutura em caracol) e por isso eles regressam constantemente a outros anteriores. 

Isto acontece com todos os filósofos e certos conceitos são difíceis de compreender na totalidade sem compreendermos o caminho que percorreram. Como se vê neste pequeno excerto do artigo, não se percebe  a proposta de Hegel relativamente a este problema sem percebermos a quê essas propostas estão a responder: neste caso Hegel está a responder à Dedução Transcendental da CRP de Kant.


O que me levou a pegar na CRP e a reler parte da Dialéctica Transcendental e os Paralogismos. A tradução que tenho da CRP é a da Gulbenkian. 

Este capítulo não é fácil de ler (não sei porquê mas montes de filósofos escrevem algumas das suas obras mais importantes à pressa - Kant, que andou 10 anos a pensar nas três críticas, escreveu a 1ª, a CRP em 4 ou 5 meses. Já andava com problemas sérios na faculdade por não publicar. Hegel escreveu a FE ainda em menos tempo sob ameaça do editor. Heidegger escreveu o Ser e Tempo à pressa, e deixou-o inacabado, para conseguir o lugar na universidade. Em suma, acontece que não dedicam tempo quase nenhum a editar a obra e a torná-la inteligível. Depois são mal interpretados, como Kant, e ficam furibundos. O lema actual dos professores universitários e aspirantes de 'escrever de qualquer maneira e depois logo se edita' não é novo...). 

Como dizia, o capítulo não é fácil de ler mas o facto de estar escrito em português ajuda muito, porque os portugueses usam vírgulas. A tradução inglesa da FE que estou a ler, tem partes quase sem vírgulas. Parágrafos longos e densos, sem vírgulas. Hegel já escreveu isto à pressa, o que não ajuda e os tradutores ainda reforçaram, resolvendo poupar nas vírgulas.


Cenas






Vou de par com este tempo
céuzinho murcho
horizonte cinzento
imitando o poeta
também hoje chovo por dentro.

bja

October 03, 2020

Esta mulher podia ser a candidata americana

 



Vai haver muita pancadaria nas eleições americas

 



 



Isto é a outra epidemia

 


Isto é no país do direitos humanos... há aqui uma perversão muita grande do poder dos poderes, se me faço entender e os governos não estão à altura da situação. Parece que estamos num mau filme: com mau diálogo, maus actores e péssima realização. É preciso redefinir os limites dos poderes dos poderosos e cair logo em cima deles assim que abusam. Não há outra maneira de resolver esta epidemia de abuso de poder. 


ainda bem que há pessoas que compreendem a situação

 



Former National Security Adviser H.R. McMaster

Interview Conducted By René Pfister

DER SPIEGEL: It appears that Trump came close in the summer of 2018 to declaring the U.S.’ withdrawal from NATO. Should the NATO partners be preparing for the possibility of Trump taking that step during a second term in office?

McMaster: NATO is more important than ever. There are new dangers that require common defense: cyberattacks on our communication channels or the digital processing of our financial transactions. Putin helped make the mass murder in Syria possible and thus created a refugee crisis that led to political upheaval in Germany. NATO is more important than ever to confront these and other emerging threats to our security and way of life.

DER SPIEGEL: But Trump is encouraging the Russian president to test NATO’s dependability.

McMaster: That's why it's important for Germany to show how much it stands for the alliance and stands strongly against Putin’s campaign of subversion. For example, by increasing its defense spending.

O vício é uma coisa tramada

 


E dada a minha natureza hiperbólica e um bocadinho obsessiva com as coisas que gosto muito, tenho alguma tendência em ter dificuldade em desligar-me delas. É assim que passaram 16 anos desde que deixei de fumar e ainda me acontece ter desejo de tabaco, embora hoje-em-dia muito espaçadamente e só quando a ocasião me ressuscita no corpo aquela ligação que havia entre certa coisa e o tabaco. Neste caso, o champanhe que estou aqui a bebericar. De repente veio-me ao nariz -à memória- o cheiro de uns charutos cubanos muito finos, mais parecem cigarrilhas (trouxe-me um amigo de cuba há muitos anos e se calhar já estão estragados) que ainda tenho ali numa caixa, juntamente com tabaco de cachimbo, que a certa altura também fumei.

Cá em casa ainda há charutos, cigarrilhas, tabaco de cachimbo e, é claro, o tabaco que fumei, para mal dos meus pecados, durante muitos anos: Ritz. Pu-me aqui a lembrar das marcas de tabaco que fumei. Ritz, foi a minha paixão -ou vício- durante 30 anos. Tinha um sabor adocicado e era muito forte - nunca soube gostar das coisas em doses pequeninas e anódinas, é logo tudo a sério, para mal dos meus pecados...

Ritz 


Não foi o primeiro tabaco que fumei. O 1º tabaco que fumei foi Português Suave, sem filtro. Tinha aí uns dez anos e um primo que não é primo, roubava maços ao pai, de vez em quando e chamava-me para ir fumar com ele. Fumávamos o maço todo até ficar bêbedos. Isto aconteceu umas três ou quatro vezes.

Português Suave sem filtro


Depois estive até aos 12 anos sem fumar. Aí uma rapariga bastante mais velha (já em Évora) que morava na mesma casa, fumava muito e comecei a fumar com ela. Aos doze anos parecia mais velha do que era. Ela fumava Sintra e eu comecei a fumar Sintra. Fumava meia dúzia de cigarros por dia. 


Nas férias de Verão íamos para a praia e tinha uma amiga de Verão. O pai dela fumava barbaramente, Porto, e deixava tabaco por todo o lado. Nós roubávamos cigarros do bolso do roupão que ele deixava pendurado na casa-de-banho, onde havia sempre maços.

Porto

Por volta dos treze anos comecei a comprar tabaco e experimentei vários:

Estoril e Monserrate:


Lembro-me de experimentar CT


E provisórios e definitivos, mais para acompanhar amigos (todos os meus amigos e amigas fumavam) ou se não tinha cigarros e alguém me dava, porque não gostava destes cigarros.


Foi nesta altura que descobri o Ritz... quando não havia Ritz fumava outras coisas:

- SG filtro ou ventil, raramente gigante até porque este apareceu muito mais tarde.





Menos vezes, Kentucky, Camel e Marlboro:




Enquanto morei em Bruxelas, como era raro ter Ritz - era preciso que alguém viesse a Portugal e tivesse pachorra para me levar cigarros, fumei Gauloises, Gitanes e John Players Special, mas geralmente era Gauloises Blondes ou, às vezes, Gauloises brunes





Depois voltei e passados poucos anos comecei a pensar que fumar era como estar a apontar uma pistola à cabeça e resolvi  fumar cigarrilhas porque levavam mais tempo a fumar e fumava menos... quer dizer, pensava eu... com a mesma lógica comprei um cachimbo Peterson e comecei a fumar tabaco de cachimbo... resultado: houve uma altura que fumava cachimbo, cigarrilhas e no intervalo disso tudo, Ritz... e aqui e ali, ainda um charuto... foi pior a emenda que o soneto. Depois deixei de fumar de um dia para o outro. Tarde demais... O vício é uma coisa tramada. Passaram 16 anos e há bocado veio-me o cheiro do charuto à memória. Nem vou abrir a caixa onde eles estão porque como se costuma dizer, “A virtude é tentação insuficiente.”


Meia-dúzia de linhas

 


Blanca Miró Skoudy


via.Marco.Norris

Poesia ao entardecer 🍾

 




Sonnet 154. Se ele vai beber um Martini para comemorar o último soneto, eu, que tenho sido ouvinte fiel desde o 1º, vou ali abrir um champanhe 🍾 que está no frigorífico, para o acompanhar. Não tenho um smoking e estou de pijama porque estive a fazer a minha nova versão de exercício (improvisei uma pista de dança em forma infinita ∞ aqui em casa. Fiz uma playlist de músicas especiais e danço uma hora - estava farta da máquina e isto é mais divertido) e fui tomar banho. Mas vou pôr uns saltos altos 👠 só acompanhar o champanhe 🍸enquanto ouço o soneto. 
A soneto termina com a frase, "water cools not love".... ok... hence, champanhe 🙂


Quotes

 




Clarice Lispector 

Double trouble

 



Ainda a propósito da pseudo-meritocracia em que vivemos II

 


Aqui está um coitado que precisava de alguma sorte na vida e foi dar de caras com dois assassinos sádicos demasiado broncos para perceber (como aquele polícia nos EUA que assassinou George Floyd, em directo na TV) que estavam a matá-lo. Inspectores do SEF - como podem estes dois homens ter chegado a este cargo? Ou o perfil exigido ao inspector de carreira é o de um assassino ou é a pseudo-meritocracia a funcionar. 

Esta notícia dá-nos volta ao estômago. O sofrimento, o medo e a confusão do homem em ser tratado daquela maneira. Vinte minutos a matar um homem ao pontapé só porque... podem. Têm poder e sabem que à sua volta existe um "temor reverencial" pelas suas pessoas por terem uma patente qualquer. São os chefes.

Antes de ontem via-se na TV o primeiro-ministro e a presidente da comissão europeia em conferência de imprensa: o Dr. António Costa e a Ursula... este é um problema muito português. Em Portugal muita fraude e ilegalidade se cometem à conta deste temor reverencial que as pessoas têm por uma patente, um título. E as pessoas que têm os títulos ou patentes incham ao ponto do ridículo, não percebendo que são eles que têm de estar à altura da dignidade dos cargos e não o oposto, com uma vaidade que nem sempre mata directamente, mas às vezes o faz, como neste caso.

Parece-me evidente que algo vai muito mal na carreira e/ou formação das forças de segurança para que assassinos cheguem a inspectores sem ninguém perceber (não são um ou dois) e para que os que percebam tenham tanto medo de os denunciar que prefiram ficar a ver um ser humano ser espancado até à morte.

Um indivíduo está muito bem na sua vida e resolve vir a Portugal e como tem o azar de não ser ninguém de uma elite qualquer matam-no ao pontapé, só porque sim. Isto não é um 'azar da vida' como ser apanhado por um terramoto ou uma doença. Não. Isto é um país que tem tanta corrupção e falsa meritocracia que aqueles que deviam proteger os outros são os que os matam.


Morte no aeroporto: espancamento de Ihor durou 20 minutos, agonia prolongou-se por quase nove horas


Acusação do Ministério Público revela que imigrante ucraniano foi impedido de entrar em Portugal com um pretexto falso e foi espancado a soco, pontapé e bastonada quando estava algemado e deitado. Seguranças não intervieram porque tinham “temor reverencial” dos inspetores. Os três acusados da morte do imigrante tentaram encobrir o homicídio e mentiram a um magistrado.
...
... chamaram inspetores do SEF, que se limitaram a substituir a fita por lençóis.
...
Às 8h15 de 12 de março de 2020, e porque Ihor não dava sinais de se acalmar, os inspetores do SEF Laja, Sousa e Silva dirigiram-se à sala. Exigiram à segurança que não registasse a sua presença ali - "você não vai colocar aí os nossos nomes, ok?" - e mal entraram na sala voltaram a algemar Ihor e "desferiram no corpo do ofendido número indeterminado de socos e pontapés". Já com o homem no chão, "também com um bastão extensível, continuaram a desferir pontapés e várias pancadas" enquanto "aos gritos lhe exigiam que ficasse quieto".

"ISTO AQUI NÃO É PARA NINGUÉM VER"
Os gritos chamaram a atenção de alguns seguranças que foram corridos pelo inspetor Laja: "Isto aqui não é para ninguém ver". O espancamento durou vinte minutos. Quando saíram, "deixando o ofendido prostrado", os inspetores exclamaram "agora ele está sossegado" e "isto hoje já nem preciso de ir ao ginásio". O MP diz que o "temor reverencial" dos seguranças impediu que a situação fosse imediatamente denunciada.

De acordo com a autópsia, Ihor morreu por causa de inúmeras lesóes traumáticas e hemorragias internas "provocadas pelas agressões" dos três inspetores. O facto de estar algemado terá provocado a asfixia que o matou.




Ainda a propósito da pseudo-meritocracia em que vivemos

 


Trump, que herdou o dinheiro do pai e sem dúvida foi posto em Harvard com uma qualquer generosa doação do papá à universidade acha-se, no entanto, uma espécie de vencedor da vida, não percebendo que partiu largamente à frente de quase todos os outros. Agora está doente com o corona. Sem dúvida deve ter quatro médicos de serviço 24 horas por dia sem saírem da cabeceira dele mais 6 enfermeiros, dois dos quais só para olharem para as máquinas, mais a farmácia dos militares fechada só para ele de modo que, se não tiver muito azar, há-de sair bem disto e há-de convencer-se que é invencível e superiormente forte por vencer a doença, não percebendo nunca que desde que nasceu, sempre teve tudo preparado (mesmo que não fosse um desonesto) para que tudo lhe corra bem, podendo até ser um idiota incompetente - só precisava de não ter um enorme azar qualquer. Já a maioria dos outros, para que tudo não lhes corra mal, precisam de ter, só para chegar à situação de que ele partiu, uma enorme e improvável sorte.

Entretanto, aqueles a quem ele andou a infectar nestes dias em que já sabia que tinha estado em contacto com um caso positivo e não se deu ao trabalho de avisar ou sequer de andar de máscara, precisarão de sorte, muita sorte.

E é nesta falsa meritocracia que vivemos há dezenas de anos a criar um fosso de desigualdades.


Geringonça parte II?