Hoje tinha uma referência a este livro no mail, a partir de um artigo de Jensen Suther, "a response to Karen Ng, Hegel’s Concept of Life: Self-Consciousness, Freedom, Logic(Oxford University Press, 2020).
[um aparte - o gmail anda um bocadinho assustador. Ora me recomenda artigos e livros (porque vai ao FB espreitar sites e assuntos que me interessam, calculo) ou me diz, como aconteceu na semana passada, 'olha, aquele email que mandaste a não-sei-quem, está sem resposta. Queres dar seguimento a isto?' What?! Desde quando o email deixou de ser uma paltaforma de cominação e passou a analisar as próprias comunicações e a fazer juízos acerca das iniciativas que devo tomar? Bem... mas isso é história para outro dia]
Pus-me a ler o artigo, que é bastante longo e já percebi que este livro ainda não é para mim porque compara a interpretação de Ng com outras e discute-as assumindo que o leitor conhece as outras, o que não é o caso. É uma pena, porque justamente estou interessada em ver como Hegel resolve o problema da vida no contexto da auto-consciência.
Hegel, como todos os filósofos pensam, em grande parte, para resolver problemas das propostas de outros filósofos e as propostas das filosofias não são lineares, quer dizer, sim, existem problemas que alocamos a certos contextos históricos, como é o caso do, muito discutido, fenomenalismo de Kant, como solução da construção do conhecimento científico, onde podemos traçar uma linha de avanço, por assim dizer, nas propostas, mas existem problemas, como os da Metafísica, que se ligam inevitavelmente aos outros, cujas propostas de filósofos anteriores nunca são totalmente ultrapassadas. Anda-se à roda deles e cada proposta vai iluminando certos factores e tentando resolver dificuldades deixadas pelos anteriores.
Hegel, por exemplo, vai à metafísica de Aristóteles buscar a questão dos modos em que se fala da substância e a partir de uma crítica, apresenta uma nova proposta relativamente ao problema das substâncias. Não eliminou a outra. Tem uma perspectiva diferente. É assim que Kant escreve a CRP para resolver problemas deixados pelas propostas de Berkeley, Descartes, Hume e outros no que respeita às possibilidades e fundamentos do conhecimento. Heidegger vai constantemente aos gregos antigos, a Parménides e Heraclito e não só.
Isto vem a propósito do ensino da filosofia nas escolas assumir que existe na filosofia uma linha de progresso à maneira da que existe (mais ou menos) nas ciências da natureza e que os filósofos antigos já se tornaram irrelevantes, uma espécie de curiosidade histórica e estar organizado segundo este pressuposto.
Quando lemos os filósofos apercebemos-nos imediatamente que o pensamento sobre a realidade não é linear e progressivo (é mais uma estrutura em caracol) e por isso eles regressam constantemente a outros anteriores.
Isto acontece com todos os filósofos e certos conceitos são difíceis de compreender na totalidade sem compreendermos o caminho que percorreram. Como se vê neste pequeno excerto do artigo, não se percebe a proposta de Hegel relativamente a este problema sem percebermos a quê essas propostas estão a responder: neste caso Hegel está a responder à Dedução Transcendental da CRP de Kant.
O que me levou a pegar na CRP e a reler parte da Dialéctica Transcendental e os Paralogismos. A tradução que tenho da CRP é a da Gulbenkian.
Este capítulo não é fácil de ler (não sei porquê mas montes de filósofos escrevem algumas das suas obras mais importantes à pressa - Kant, que andou 10 anos a pensar nas três críticas, escreveu a 1ª, a CRP em 4 ou 5 meses. Já andava com problemas sérios na faculdade por não publicar. Hegel escreveu a FE ainda em menos tempo sob ameaça do editor. Heidegger escreveu o Ser e Tempo à pressa, e deixou-o inacabado, para conseguir o lugar na universidade. Em suma, acontece que não dedicam tempo quase nenhum a editar a obra e a torná-la inteligível. Depois são mal interpretados, como Kant, e ficam furibundos. O lema actual dos professores universitários e aspirantes de 'escrever de qualquer maneira e depois logo se edita' não é novo...).
Como dizia, o capítulo não é fácil de ler mas o facto de estar escrito em português ajuda muito, porque os portugueses usam vírgulas. A tradução inglesa da FE que estou a ler, tem partes quase sem vírgulas. Parágrafos longos e densos, sem vírgulas. Hegel já escreveu isto à pressa, o que não ajuda e os tradutores ainda reforçaram, resolvendo poupar nas vírgulas.
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