February 23, 2020

Diário de bordo - uma ida ao teatro



Hoje fomos ao teatro, ao Dona Maria ver, Romeu e Julieta, numa adaptação de um indivíduo que não lembro o nome. Aquilo foi mau. Mesmo.

Abre-se a cena e estão cinco indivíduos numa posição de quem está a cair mas ficou petrificado a meio da queda - como as estátuas de rua que parecem levitar, só que estes estavam numa posição oblíqua relativamente ao chão. Estavam de braços abertos. Assim ficaram toda a peça, excepto mesmo nos minutos finais, de modo que os actores limitaram-se a dizer o texto, não houve representação. Bem podíamos ter ouvido na rádio que era igual. Como estavam naquela posição, que torna difícil controlar a voz, gritavam o texto, acompanhados de uma música agressiva. Mau mesmo.

Estando naquela posição, imóveis durante a hora e meia que durou aquilo -o Romeu, a Julieta e mais três indivíduos- e sem se tocarem, dependiam de três actores móveis que faziam de ama da Julieta, frei Lourenço e mais outro qualquer, que andavam entre eles a fazer de intermediários. Um absurdo, pois que tanto se punham a correr à volta do palco como aos tiros. O frei Lourenço mata todos, inclusive a Julieta com tiros de pistola. A certa altura entra um miúdo de 6 ou 7 anos e fica em palco a encaixar cubos e depois vai incomodar a Julieta e abraçar-se a ela. É suposto ser o conde Paris, calculo que para representar os homens que se comportam como crianças e tratam as mulheres como joguetes. Absurdo.

A certa altura a ama da Julieta tira uma mama para fora e vai roçar-se na cara da Julieta. Essa foi a primeira vez que tive que tapar a boca com força para não ter um ataque de riso. Porque houve outras. Por exemplo, nós estávamos na segunda fila mesmo ao meio. Do outro lado da coxia estava um homem, aí dos seus sessenta e tal anos que começou a dormir passados cinco minutos da peça começar e só acordava com os tiros de pistola. Dava um salto na cadeira e eu tinha que tapar a boca porque até estremecia de tanto rir.

Não houve representação, não houve dramaturgia, estragaram o texto da peça com gritos... no fim de tudo, depois de morrerem, o terceiro que corria à volta do placo, começa a despir os homens e a acariciá-los. Não se percebe porquê, talvez seja uma crítica àquela masculinidade toda da peça com aquelas cenas de vinganças de honra que aqui são só gritos desalmados, pois ninguém se move.
Depois de mortos, acordam todos (no além, pressupõe-se) e começam a despir-se. Os homens depois de se despirem deitam-se uns em cima dos outros no chão, numa espécie de sanduíche (mais riso); o Romeu e Julieta também se despem e agarram-se um ao outro e depois também se deitam no chão, ele por baixo e ela em cima...

Estavam lá um grupo de surdos, na primeira fila na minha extrema direita, de modo que tinham duas mulheres, viradas de costas para o palco a fazer linguagem gestual para esse grupo. As mulheres eram muito expressivas e passava-se mais acção entre elas que entre os que estavam no placo, de modo que a certa altura olhava mais para elas que para o palco.

No fim lemos, no programa, um texto enorme duma psidonisse pseudo-intelectual onde o encenador, director, autor da adaptação, etc. explica que a Julieta era uma prisioneira da ama que guardava a virgindade dela e que os corpos estão entre a vida e a morte e outras coisas do género que não convencem, em primeiro lugar porque o Romeu e Julieta não é um manifesto feminista, e não é sequer uma historiazinha de amor com um desfecho moral.

Romeu e Julieta é acerca do amor total e é amoral. Fala daquele amor que é uma força tão poderosa que é violenta, profunda, caótica, avassaladora, que arrasta tudo à volta, inclusive os próprios amantes, fechados num mundo que só para eles tem sentido, (um bocadinho como os vitrais das igrejas que vistos de fora são pedaços de vidros escuros e só quem está dentro percebe toda aquela beleza de irradiação de luz) um mundo que não tem lugar neste mundo de relativismos, de interesses e de conflitos mundanos e com o qual lutam todo o tempo para se encontrarem porque só juntos fazem sentido. Uma força maior que a do próprio ódio que os arrasta para a morte.

Enfim, nesta adaptação, se não soubéssemos o que é a peça nem percebíamos o que se passa ali. O que chateia é que a sala estava cheia de gente nova que não devem ter percebido um boi do que se passava e não me parece que esta seja a melhor maneira de cativar pessoa para o teatro.
Estamos a falar, não de um teatro experimental privado mas da casa de Teatro público, financiado pela Presidência da República, pela DG das Artes e dos Espectáculos, pela RTP, enfim, por todos nós, o que obriga, penso, a ter uma pedagogia de programação para o público em geral e não para três indivíduos experimentarem umas conceptualizações que lhes veio à cabeça na última viagem de ácido que fizeram.

No fim da peça (que foi muito aplaudida... não sei se eram familiares... atrás de nós havia quem risse alto sem o cuidado de disfarçar como eu fiz) fomos convidados a ficar para os actores e o encenador nos explicarem a peça... quer dizer...  vamos ao teatro e no fim precisamos de uma aula para perceber o que se passou? Acho que isto diz tudo. Foi mau. Não aconselho.

Ainda: se a peça, em vez de chamar-se, Romeu e Julieta, se chamasse, 'desconstrução conceptualizada e perspectivada de Romeu e Julieta' fazia sentido e não enganava mas como se chama, Romeu e Julieta, é um engano.

Depois, não gosto das peças que nos dizem o que devemos pensar e como devemos interpretar as próprias peças. Isso é uma coisa para se fazer numa discussão posterior à representação da peça e não algo que se faz em vez da peça.

Portugal não é isto mas como esta é a gente que manda, Portugal é isto



Repare-se na progressão: 20 mil euros, 390 mil euros, 600 mil euros.



Ana Leal ao SOL


Made in China




Une grave pénurie de médicaments menace
Le nombre de traitements en rupture de stock ne cesse d’augmenter, en raison d’une concentration de la production en Asie. L’épidémie de coronavirus révèle les limites de ce système prêt à imploser, alertent les pharmaciens, qui jonglent pour répondre à la demande.

The Rose That Grew From Concrete




Did you hear about the rose that grew
from a crack in the concrete?
Proving nature's law is wrong it
learned to walk with out having feet.
Funny it seems, but by keeping its dreams,
it learned to breathe fresh air.
Long live the rose that grew from concrete
when no one else ever cared.

by Tupac Shakur

Souvenirs d'école




February 22, 2020

Aos que praticam a sonhalidade





Graffipoemas VI



Mia Couto

Heduardo Kiesse 

Graffipoemas V



Yvette Centeno, in “Poemas com endereço” 

Graffipoemas IV













H.K.

'Beba poesia sem moderação'



“Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia
(...)
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia.
Um pequeno absurdo às vezes chega para salvar”

Alexandre O’Neill

graffipoemas III




Heduardo Kiesse

Graffipoemas II




Graffipoemas



“Pessoalidades” - Alberto Caeiro

Foto: Heduardo

Fim de tarde, da minha janela



what a blaze!


Livros - Chesterton - da vida



Um soldado cercado de inimigos, se deseja escapar, precisa combinar um forte desejo pela vida com uma estranha indiferença diante da morte. Não deve simplesmente se agarrar à vida, pois então será um covarde e não escapará. Não deve simplesmente esperar a morte, pois senão será um suicída e não escapará. Deve buscar sua vida com um espírito de furiosa indiferença; deve desejar a vida como a água, porém beber a morte como um vinho.

Ortodoxia, Chesterton




Passado, presente e futuro




Georgy Kurasov

Americans see Georgy Kurasov as a Russian artist, Russians as an American artist. Painters think he is a sculptor. Sculptors are sure he is a painter.
And when Georgy Kurasov thinks of it, he rather like this borderline existence. Perhaps it what makes it possible to be himself, to be unlike anyone else.
http://www.kurasov.com/

Ainda temos muito caminho para andar na maneira como se olha a violação



Fui dar com esta notícia no CM. Um professor de 55 anos violou uma garota de 14 anos. No desenvolvimento da notícia, lê-se, 'apesar de não ter havido violência física'... desde quando a violação não é em si mesma, uma enorme violência física? Então a violação não é feita sobre o corpo físico da pessoa?
Ainda temos muito caminho para andar se se continua a achar que uma violação não é uma violência física.



Portugal não é isto mas é esta gente que manda no país e, portanto, Portugal é isto II



O futebol enquanto organização precisa, urgentemente, de despenadeiras. Depois pode-se construir outra coisa que tenha a ver com desporto mas isto que existe, esta promiscuidade entre futebol, justiça, política e crime tem de acabar. E se quem pode fazê-lo, não o faz, é cúmplice.


Portugal não é isto mas é esta gente que manda no país e, portanto, Portugal é isto



Este caso do juiz da Relação a adulterar a justiça para fazer favor ao juiz Rangel, essa pessoa que, por sua vez, é suspeita de adulterar a justiça para fazer favores a outrem, é mais um exemplo da corrupção que mina as instituições.


Bem pode o juiz e a ministra da justiça dizerem que, non passa nada, que já todos lemos as mensagens que trocaram entre si, um a pedir para controlar o processo e o outro a garantir que já deu as ordens necessárias. É como o João Moura dizer que não maltrata os cães ao mesmo tempo que vemos as imagens dos cães com todas as costelas do lado de fora.


Estou de acordo com o presidente do sindicatos dos juízes, no que respeita a ter de haver uma sindicância e, a provar-se a culpa do juiz da relação, a punição ter de ser muito severa. Os juízes são um dos pilares da república. Eles próprios o invocam, bem como a dignidade e responsabilidade especial que daí advém, para negociar privilégios e salários especiais. Pois a punição tem de ser adequada a essas características especiais, cuja violação é, e tem de ser, intolerável, para que os pilares da democracia não enfraqueçam.


Almoço



 Favinhas com hortelã, coentros espigados e um ovo a cavalo :)

descascadinhas