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April 03, 2022

Anton Chekhov - "you are all possessed by a devil of destruction"

 


“Who but a stupid barbarian could burn so much beauty in his stove and destroy that which he cannot make?” Astrov asks Yelena in Anton Chekhov’s Uncle Vanya“Man is endowed with reason and the power to create, so that he may increase that which has been given him, but until now he has not created, but demolished. The forests are disappearing, the rivers are running dry, the wildlife is exterminated, the climate is spoiled, and the earth becomes poorer and uglier every day. I see irony in your look; you don’t take what I am saying seriously, and—and—after all, it may very well be nonsense. But when I pass village forests that I have preserved from the ax, or hear the rustling of the young trees set out with my own hands, I feel as if I had had some small share in improving the climate, and that if mankind is happy a thousand years from now I’ll have been a little bit responsible for their happiness.”


c. 1897 | Russia

Devil of Destruction

Anton Chekhov

Astrov: When I plant a little birch tree and then see it budding into young green and swaying in the wind, my heart swells with pride and I—I must be off. Probably it’s all nonsense, anyway. Goodbye.

[Astrov and Sophia go into the house. Yelena and Voynitsky walk over to the terrace.]

Yelena: You have behaved shockingly again. Really, your behavior is too petty.

Voynitsky: If you could only see your face, the way you move! Oh, how tedious your life must be, absolutely tedious.

Yelena: It is tedious, yes, and boring! How well I understand your compassion! As Astrov said just now, see how you thoughtlessly destroy the forests, so that there will soon be none left. So you also destroy mankind, and soon loyalty and purity and self-sacrifice will have vanished with the woods. Why cannot you look calmly at a woman unless she is yours? Because, the doctor was right, you are all possessed by a devil of destruction; you have no mercy on the woods or the birds or on women or on one another.

Voynitsky: I don’t like your philosophy.


EXCERPT FROM

February 23, 2020

Diário de bordo - uma ida ao teatro



Hoje fomos ao teatro, ao Dona Maria ver, Romeu e Julieta, numa adaptação de um indivíduo que não lembro o nome. Aquilo foi mau. Mesmo.

Abre-se a cena e estão cinco indivíduos numa posição de quem está a cair mas ficou petrificado a meio da queda - como as estátuas de rua que parecem levitar, só que estes estavam numa posição oblíqua relativamente ao chão. Estavam de braços abertos. Assim ficaram toda a peça, excepto mesmo nos minutos finais, de modo que os actores limitaram-se a dizer o texto, não houve representação. Bem podíamos ter ouvido na rádio que era igual. Como estavam naquela posição, que torna difícil controlar a voz, gritavam o texto, acompanhados de uma música agressiva. Mau mesmo.

Estando naquela posição, imóveis durante a hora e meia que durou aquilo -o Romeu, a Julieta e mais três indivíduos- e sem se tocarem, dependiam de três actores móveis que faziam de ama da Julieta, frei Lourenço e mais outro qualquer, que andavam entre eles a fazer de intermediários. Um absurdo, pois que tanto se punham a correr à volta do palco como aos tiros. O frei Lourenço mata todos, inclusive a Julieta com tiros de pistola. A certa altura entra um miúdo de 6 ou 7 anos e fica em palco a encaixar cubos e depois vai incomodar a Julieta e abraçar-se a ela. É suposto ser o conde Paris, calculo que para representar os homens que se comportam como crianças e tratam as mulheres como joguetes. Absurdo.

A certa altura a ama da Julieta tira uma mama para fora e vai roçar-se na cara da Julieta. Essa foi a primeira vez que tive que tapar a boca com força para não ter um ataque de riso. Porque houve outras. Por exemplo, nós estávamos na segunda fila mesmo ao meio. Do outro lado da coxia estava um homem, aí dos seus sessenta e tal anos que começou a dormir passados cinco minutos da peça começar e só acordava com os tiros de pistola. Dava um salto na cadeira e eu tinha que tapar a boca porque até estremecia de tanto rir.

Não houve representação, não houve dramaturgia, estragaram o texto da peça com gritos... no fim de tudo, depois de morrerem, o terceiro que corria à volta do placo, começa a despir os homens e a acariciá-los. Não se percebe porquê, talvez seja uma crítica àquela masculinidade toda da peça com aquelas cenas de vinganças de honra que aqui são só gritos desalmados, pois ninguém se move.
Depois de mortos, acordam todos (no além, pressupõe-se) e começam a despir-se. Os homens depois de se despirem deitam-se uns em cima dos outros no chão, numa espécie de sanduíche (mais riso); o Romeu e Julieta também se despem e agarram-se um ao outro e depois também se deitam no chão, ele por baixo e ela em cima...

Estavam lá um grupo de surdos, na primeira fila na minha extrema direita, de modo que tinham duas mulheres, viradas de costas para o palco a fazer linguagem gestual para esse grupo. As mulheres eram muito expressivas e passava-se mais acção entre elas que entre os que estavam no placo, de modo que a certa altura olhava mais para elas que para o palco.

No fim lemos, no programa, um texto enorme duma psidonisse pseudo-intelectual onde o encenador, director, autor da adaptação, etc. explica que a Julieta era uma prisioneira da ama que guardava a virgindade dela e que os corpos estão entre a vida e a morte e outras coisas do género que não convencem, em primeiro lugar porque o Romeu e Julieta não é um manifesto feminista, e não é sequer uma historiazinha de amor com um desfecho moral.

Romeu e Julieta é acerca do amor total e é amoral. Fala daquele amor que é uma força tão poderosa que é violenta, profunda, caótica, avassaladora, que arrasta tudo à volta, inclusive os próprios amantes, fechados num mundo que só para eles tem sentido, (um bocadinho como os vitrais das igrejas que vistos de fora são pedaços de vidros escuros e só quem está dentro percebe toda aquela beleza de irradiação de luz) um mundo que não tem lugar neste mundo de relativismos, de interesses e de conflitos mundanos e com o qual lutam todo o tempo para se encontrarem porque só juntos fazem sentido. Uma força maior que a do próprio ódio que os arrasta para a morte.

Enfim, nesta adaptação, se não soubéssemos o que é a peça nem percebíamos o que se passa ali. O que chateia é que a sala estava cheia de gente nova que não devem ter percebido um boi do que se passava e não me parece que esta seja a melhor maneira de cativar pessoa para o teatro.
Estamos a falar, não de um teatro experimental privado mas da casa de Teatro público, financiado pela Presidência da República, pela DG das Artes e dos Espectáculos, pela RTP, enfim, por todos nós, o que obriga, penso, a ter uma pedagogia de programação para o público em geral e não para três indivíduos experimentarem umas conceptualizações que lhes veio à cabeça na última viagem de ácido que fizeram.

No fim da peça (que foi muito aplaudida... não sei se eram familiares... atrás de nós havia quem risse alto sem o cuidado de disfarçar como eu fiz) fomos convidados a ficar para os actores e o encenador nos explicarem a peça... quer dizer...  vamos ao teatro e no fim precisamos de uma aula para perceber o que se passou? Acho que isto diz tudo. Foi mau. Não aconselho.

Ainda: se a peça, em vez de chamar-se, Romeu e Julieta, se chamasse, 'desconstrução conceptualizada e perspectivada de Romeu e Julieta' fazia sentido e não enganava mas como se chama, Romeu e Julieta, é um engano.

Depois, não gosto das peças que nos dizem o que devemos pensar e como devemos interpretar as próprias peças. Isso é uma coisa para se fazer numa discussão posterior à representação da peça e não algo que se faz em vez da peça.