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December 17, 2024

Voltaremos a falar uns com os outros cara a cara?




ZH: Quando penso na totalidade da produção literária, nem sei bem o que contar. Estamos sempre a pôr a linguagem no mundo de muitas maneiras. Ultimamente, tenho-me tornado mais consciente da minha comunicação digital e sinto uma estranha pressão, um bom tipo de pressão, penso eu, para resistir ao que cada meio quer que eu faça - apressar um texto, cantarolar um telefonema, seguir o tom corporativo do e-mail. Inquieta-me a ideia de que toda esta linguagem está registada algures, que pode durar cem anos e que não sei onde irá parar. Se os meus e-mails e textos podem um dia ser introduzidos num modelo que representa todo o conhecimento humano e a língua inglesa, sinto-me compelido a usar a linguagem de forma mais deliberada. É como se tivesse de ser um poeta a toda a hora - lutando contra os clichés, recusando a previsibilidade.

RR: Pessoalmente, acho que isso é nobre. De facto, está relacionado com outro grande ideal modernista - a ruptura entre a arte e a vida. Não só escrever poesia, mas ser poesia, ter todas as nossas comunicações com o mesmo nível de carga linguística de quando nos sentamos deliberadamente para criar um objeto para ser consumido.

Eis outra ironia perversa. Hoje, temos este grande Boswell coletivo no estado de vigilância. De uma forma estranha, estamos todos a representar, tal como os gregos imaginavam que estavam a representar, para os deuses, só que os nossos deuses são o Estado e as corporações, que estão agora quase totalmente integrados. Há um sentido em que a possibilidade tecnológica de vigilância total nos permite concebermo-nos como vivendo uma vida estética, uma vez que tudo o que fazemos é registado e armazenado. Cada segundo da nossa vida tem um público. Teoricamente, poderíamos viver esteticamente de uma forma que só os dadaístas sonhavam no Cabaret Voltaire. É bastante selvagem. É bastante distópico. Porque - não sei se é o vosso caso - o Estado e as empresas não são exatamente as audiências que eu gostaria que eu ou os dados que produzo tivéssemos.

Para além disso, é temporário, devido ao limite ecológico rígido imposto a este tipo de meios de comunicação, que mencionei anteriormente. Imaginemos um futuro em que todos estes dados são registados, mas daqui a um século já ninguém está por perto para os utilizar, ou os incentivos para os utilizar desapareceram, ou ninguém sabe como utilizar ou manter as máquinas. Imagine um deserto com servidores antigos a enferrujar na areia sob o sol, no mesmo estado de Ozymandias. Eventualmente, talvez, o ciclo tecnológico seja reiniciado. Se a espécie sobreviver ao século, haverá algum tipo de renovação. Talvez um colapso civilizacional como o que ocorreu na Idade do Bronze. E voltaremos a falar uns com os outros cara a cara e a registar a nossa história colectiva em poemas épicos, tal como fazíamos no tempo de Homero.

Zoë Hitzig em conversa com Ryan Ruby in https://thebaffler.com/the-poet-is-present

(pequeno excerto)


March 21, 2023

"The Quiet Girl", um filme poético

 


The quiet Girl é um filme irlandês, passado nos anos 80, quase todo falado em irlandês, embora de vez em quando em inglês. O mais notável no filme é conseguir mostrar a vida e os adultos através do olhar da rapariga que lhe dá o nome. É sobre esta rapariga, que terá uns 9 ou 10 anos, introvertida, tímida que vive com a família numa casa empobrecida, sem condições nenhumas, em grande parte porque o pai bebe e perde tudo ao jogo e a mãe é bem intencionada mas não tem capacidade para dar atenção aos 4 filhos. O pai é distante e desinteressado. Portanto, a rapariga que tem algumas dificuldades na escola, leva uma vida solitária e negligenciada - ainda molha a cama. Vai para os campos sozinha e deita-se no meio da aveia por ceifar a olhar as árvores e a ouvir os pássaros. Como a mãe está quase a ter o 5º filho, uma prima oferece-se para ficar um ou dois meses com a rapariga, até que a criança nasça. 

A prima é bastante mais velha e casada. Tem, com o marido uma quinta de vacas leiteiras que exploram com sucesso e que lhes proporciona uma vida muito desafogada. Então, vemos o pai, muito bruto a ir levar a rapariga, que tem um ar doce, a casa dos primos e depois vemo-la habituar-se às rotinas na casa da prima: a mulher ensina-a a lavar-se como deve ser, a pentear-se, a ajudá-la na cozinha, a ir pelos campos até ao poço buscar água fresca, tudo sempre com poucas palavras, mas muito carinho, muito cuidado. O marido leva mais tempo a interagir com ela, mas aos poucos começa a levá-la para a vacaria, ensina-a e dá-lhe responsabilidades, faz jogos com ela. Ela começa a sentir-se confortável com eles.

Confesso que quando a rapariga chegou a casa do casal, pensei que ia ser uma história de abuso, mas não é. Ficamos a saber que este casal, que são pessoas que se compreendem e se dedicam um ao outro, teve um filho que morreu num acidente. À medida que o filme progride vemos a rapariga a florescer em todos os aspectos naquele ambiente atento, pacífico e carinhoso: físico, psicológico e emocional. 

Claro que chega a altura de voltar para casa e quando a vão pôr de volta a casa dos pais sentimos a sua desolação, a aflição do casal que se apegou a ela e a dela que olha para o pai como um estranho e para o marido da prima como um pai. Ela quer tanto ficar com o casal. Vemos isso debaixo da superfície da sua aparente calma.

Muito bom o filme e muito poético, na maneira como nos faz ver o que é a vida na perspectiva das crianças, no mundo dos adultos irresponsáveis. Pessoas com grandes dificuldades que vão tendo filhos uns atrás uns dos outros e depois negligenciam-nos por incapacidade económica e por impreparação para criar um lar acolhedor e atento às necessidades das crianças. E como as crianças sentem e vivem essa negligência, com uma resignação inconsciente, até que um dia vão parar a uma casa que é um lar acolhedor e percebem.

A diferença e o impacto que os pais têm na vida das crianças. Um filme bonito e triste ao mesmo tempo.


July 13, 2022

"(...)a matemática é a poesia da ciência!"

 


« Je vois une très forte analogie [des mathématiques] avec la poésie qui recrée un monde, à la fois imaginaire et plus vrai que nature, sur la base d’impressions sensibles, d’intuitions et de règles propres, parfois très strictes comme la versification classique. »    (Cédric Villani)



A propósito da atribuição da medalha Fields, a Philomag publica uma entrevista com Cédric Villani, um dos maiores matemáticos contemporâneos e ele mesmo detentor de uma medalha Fields. Cédric Villani tem aquela dupla característica de alguns grandes pensadores que é sentirem uma grande paixão pelo conhecimento da sua, e de outras, áreas científicas e serem capazes de traduzir a ciência e os seus conceitos numa linguagem iluminadora para leigos. Uma entrevista breve, mas muito boa. Para todos que se interessam pela compreensão da realidade.


Cédric Villani em entrevista a  Charles Perragin - www.philomag


Juntamente com os Estados Unidos, a França é o país mais premiado do mundo em Matemática. Somos uma civilização matemática?

Cédric Villani: As ciências matemáticas são demasiado universais para serem monopolizadas por qualquer país ou cultura, demasiado plurais para serem encaixotadas em caixas bem definidas. Hugo Duminil-Copin trabalha em física estatística com um formalismo probabilístico, e está particularmente interessado no magnetismo. É muito particular e, no entanto, representativo de muitos fenómenos! A probabilidade é um campo matemático entre muitos outros. Outros investigadores trabalham em álgebra, geometria, análise, lógica... Cada um destes campos tem subcampos que estão em constante evolução, e as motivações são diversas. Tal como na filosofia ou pintura, existem muitas tradições histórica e culturalmente determinadas. Tal como havia a escola de Caravaggio no século XVII, hoje temos a escola parisiense da probabilidade, conhecida por ter desenvolvido esta teoria ou aquela ferramenta... Entre os quatro laureados deste ano, Maryna Viazovska especializou-se na análise harmónica, em ligação com a geometria das redes; ela resolveu o problema do empilhamento de esferas nas dimensões oito e vinte e quatro. O trabalho de June Huh está em geometria algébrica, onde tudo se segue de curvas e equações algébricas. O quarto vencedor, James Maynard, conseguiu fazer recuar os limites do que é conhecido na distribuição de números primos, o que continua a ser um grande mistério matemático. Em todas estas línguas, objectivos, culturas e países, os matemáticos fazem contudo parte da mesma história secular. Após Leibniz, Newton ou Fermat, perguntam a si próprios quais são as leis matemáticas que governam a natureza, os números e as formas.


Trabalhou em termodinâmica. O Duminil-Copin trabalhou na percolação. O que o torna diferente dos físicos?

Cédric Villani: Há o mundo físico, explorado por experiências, onde os modelos procuram prever o comportamento real. Há o mundo matemático, onde as regras das equações e a lógica nos permitem trabalhar no mundo abstracto do modelo, um mundo onde fingimos que as experiências não existem. As fronteiras são porosas: se os matemáticos usam por vezes experiências para ganhar intuição matemática, os físicos usam muito frequentemente ferramentas matemáticas, com mais ou menos rigor. Quer estudado com intuição física ou com ferramentas matemáticas sofisticadas, o conceito central é o do modelo: um modelo reduzido, um projecto do mundo feito de algumas regras e axiomas básicos, destinado a concentrar-se num aspecto muito pequeno da realidade. Em honra do Duminil-Copin, tomemos o exemplo de um problema de mudança de fase. Dependendo da temperatura e pressão, a água é sólida, líquida ou gasosa: sabemos isto por experiência, e estudamos os parâmetros desta mudança de estado em física. Agora vejamos isto do ponto de vista de um matemático que quer compreender porque é que esta mudança de estado ocorre. Esquecemos a física, esquecemos que estes diferentes estados existem, queremos ler este fenómeno de mudança de estado apenas nos princípios fundamentais. Começamos com este esboço: um conjunto de unidades chamadas moléculas, cujos movimentos são descritos por equações dependendo de variáveis tais como a quantidade média de moléculas num determinado volume, que é uma função da temperatura. Por isso nos perguntamos: à medida que aumentamos a temperatura do sistema, como evoluem as propriedades macroscópicas do nosso conjunto de partículas? Por outras palavras, sem qualquer conhecimento a priori para além das leis microscópicas da física, podemos prever que a água irá mudar a sua natureza a uma determinada temperatura? Não é bem assim. Se fosse um ser microscópico, banhado no meio de moléculas, teria dificuldade em saber se estava em líquido ou gás: afinal de contas, são as mesmas moléculas. Mas para um ser macroscópico, as propriedades das interacções com este fluido são muito diferentes. Pode-se ingenuamente pensar que existe uma continuidade de estados a nível macroscópico dependendo da temperatura: muito gasoso, fracamente gasoso, semi-líquido, etc. Mas isto não é o que pensamos. Mas não é isto que observamos. É binário: para uma variação progressiva dos parâmetros, mudamos de estado abruptamente. Assim, o fenómeno da água a ferver, familiar a uma criança de dez anos, continua a ser um grande problema para a comunidade matemática.


Mas não será aqui o objectivo de compreender na evaporação da água, a própria evaporação, independentemente do líquido considerado?

Cédric Villani: Absolutamente. Duminil-Copin, para continuar com o seu exemplo, estava interessado noutra transição de fase: quando um íman é aquecido, a partir de uma certa temperatura, o íman perde a sua atracção magnética. Também aqui, a questão é: podemos prever esta súbita alteração das propriedades com base na organização da matéria? Bem, está longe de ser óbvio!


Compreendemos que ao reduzir o mundo físico ao seu estrato mais fundamental, as equações das interacções microscópicas, as propriedades mais familiares tornam-se incompreensíveis.

Cédric Villani: Em todo o caso, é mais difícil do que parece. É preciso dizer que se trata de um empreendimento muito ambicioso. Faz parte de um grande programa nascido ao mesmo tempo que a física atómica no final do século XIX e formalizado por David Hilbert no Congresso Internacional de Matemáticos em 1900 em Paris. Como podemos deduzir, a partir das propriedades microscópicas da matéria tomada como axioma, as propriedades macroscópicas emergentes, familiares como conclusões? E porque não todas as propriedades da mecânica clássica, mecânica dos fluidos estatísticos, etc.? Até onde podemos ir desde a escala mais pequena? Desde Euclides, dotámo-nos de regras elementares para estabelecer leis mais complicadas, e perguntamo-nos qual é o conjunto mínimo de axiomas que nos permite deduzir tudo o resto. Mas em física matemática, em física teórica, gostaríamos de ter a mesma abordagem. A partir da descrição das forças fundamentais, podemos estabelecer as leis da termodinâmica, mecânica dos fluidos, fricção ou a forma como uma folha de papel se desmorona?

 
Excepto que o formalismo matemático seria o horizonte final, o palco metafísico primordial do qual o mundo, tal como nós o experimentamos, deveria fluir?

Cédric Villani: Sim... um horizonte final e uma tarefa impossível na prática. Se a fervura familiar ainda é um problema em aberto, imagine a tarefa mais que hercúlea de estabelecer o conjunto de regras do mundo. Não é que o caminho seja longo, mas sim que o horizonte está tão distante que é inimaginável. Não devemos pensar que existe hoje um quadro geral com alguns buracos que ainda têm de ser preenchidos. Digamos antes que existem alguns arquipélagos de conhecimento num oceano do desconhecido. Este majestoso e quase hierático programa de um esboço matemático fundamental do mundo é demasiado ambicioso para ser considerado como um roteiro. Procuramos apenas alguns vislumbres, algumas reflexões...


Portanto, não se pensa que a matemática seja a linguagem da natureza a ser decifrada.

Cédric Villani: As ciências matemáticas são talvez o esqueleto do nosso mundo, esta é uma concepção generalizada e eu subscrevo-a de bom grado. Mas o que é certo é que são uma caricatura da mesma - a sua sombra, o seu reflexo. Tomemos o conceito da linha infinita. É fundamental para a geometria. No entanto, na natureza, não existe uma linha recta perfeita, pura e infinita. É uma idealização. Temos apenas aproximações imperfeitas à nossa volta. A conceptualização dos átomos, o spin ferromagnético que é a base do trabalho de Hugo Duminil-Copin, todos estes objectos são caricaturas de realidades complexas e contraditórias, elusivas como tal. A matemática que manipulamos é um modelo de escala altamente simplificado, um pequeno jogo infantil ao lado da realidade. E o mais maravilhoso de tudo é que através deste jogo infantil conseguimos obter conclusões reais que são inacessíveis à intuição. Por exemplo, a natureza atómica do mundo não foi observada pela primeira vez, mas descoberta com base em cálculos físicos e matemáticos, a partir de observações muito indirectas, tais como o movimento de pequenos objectos na água. Os buracos negros eram no início apenas objectos matemáticos implicados pelas equações da teoria da relatividade geral, muito antes de serem observados. O mesmo se aplica ao bosão Higgs. No estudo matemático dos fenómenos físicos, descobrimos, portanto, muito mais do que está embutido neles. É um formalismo da imaginação que nos permite frequentemente adivinhar o que é temporariamente inacessível à intuição e à experiência.


Temporariamente ou, em alguns casos, para sempre inacessível ao nosso bom senso. O matemático começa com problemas de azulejaria de formas geométricas numa superfície e acaba por trabalhar no empilhamento de vinte e quatro esferas dimensionais...

Cédric Villani: Não creio que isto seja específico da nossa disciplina. Em biologia, podemos perguntar-nos se existem formas de vida que não se baseiam na matéria orgânica tal como a conhecemos. Em física, pode-se perguntar como seria um universo baseado noutros parâmetros ou um fluido que flui em oito dimensões. A matemática proporciona um formalismo que transforma ou amplia conceitos, objectos ou propriedades para imaginar outros mundos: alguns acabam por produzir realidade e outros ainda permanecem totalmente abstractos. As redes de esferas em dimensão vinte e quatro, por muito esquivas que sejam ao nosso bom senso, são cuidadosamente observadas por peritos informáticos pelas suas potenciais aplicações a códigos correctores de erros... Inversamente, há investigação sobre conjuntos de números com propriedades muito estranhas que hoje em dia não têm aplicação concreta.


A matemática lida com o mundo tanto quanto o transcende, como uma arte no final?

Cédric Villani: As três qualidades cardeais de um matemático são imaginação, tenacidade e rigor. Nesta ordem. A imaginação é a qualidade mais importante.Vejo uma analogia muito forte com a poesia, que recria um mundo, simultaneamente imaginário e mais verdadeiro do que a natureza, com base em impressões sensíveis, intuições e regras próprias, por vezes muito estritas como a versificação clássica. Como disse Léopold Sédar Senghor, a matemática é a poesia da ciência!

March 22, 2022

Poesia ao anoitecer

 


Over the years
a great deal has to be thrown out.
The notion, for instance,
that happiness is mild and enduring,
something like a southern climate
instead of a bolt of lightning
that leaves scars
cherished a lifetime.

~Hanny Michaelis

(Translation: 2009, Judith Wilkinson)

September 15, 2021

Uma questão

 


No poema, primeiro vem o sentido e dele nascem as palavras ou as palavras insinuam-se e o sentido vem depois?

***



A word is

a unit of language,

one or more spoken sounds;

they are carriers

of meaning.



Four words: “Hands up, don’t shoot,”

the catalyst for broadcasting and debate;

but words are more than revolutions,

they are knives,

they are bullets,

they are bombs.



More words: “What do we want? Dead cops!

When do we want them? Now!”

they spell murder,

and destruction,

and define broken hearts and

demolished families.



Two minutes of word:

an iconic speech;

empowering, giving permission

for two races

to spell hope.



Voiceless words: the girl in the back

of the class who

presses the words

from her heart into the paper;

the pain she feels

stops her from hurting herself

the way the words of others

hurt her.



Silent words: tongues don’t

have bones, and

words don’t

have physical strength,

yet they decimate

and save

with equal power.



Defined words: words are

a unit of language,

one or more spoken sounds;

they are carriers

of meaning.

But as we know,

they are much more than that.

   — MacKenzie Harris

July 18, 2021

Uma página de Shakespeare e outras cenas de um Domingo vagaroso

 


Por causa deste livro pus-me a arrumar toda a estante da poesia. Procurava-o para comparar a tradução (de Cunhal) com o original - estou a ver o filme, King Lear, cujo trailer pus mais abaixo. Levei tempo a encontrá-lo, estava atrás de outros. Os livros não estão ordenados e é por isso que se tornam difíceis de encontrar. Vou ordená-los por línguas-pátrias. Quando se começa a tirar os livros das prateleiras é que se repara que são muitos.


daqui


Quando se começa a tirar os livros das prateleiras é que se repara que são muitos...


isto, são duas pequenas prateleiras, não completamente vazias - ainda há mais quatro para baixo e uma pequenina em cima ...tenho a garganta cheia de pó e já está na hora de poder ir comer 🙂 pausa


July 06, 2021

Momento de Inverno

 


Momento de Inverno

Acordei na manhã escura
O dia não amanheceu...
Vou andar hoje na manhã dura,
Com sujo de negro o céu? Não.
Vou tentar deitar e dormir
Fingir que é noite sem olhar
Vou paralisar as horas e não sair,
Até este dia clarear.
Será que o Sol se mudou?
Trocou o lugar com a lua?
Olhei da janela a manhã escura,
Está um dia tão triste cinzento,
Está um dia de cinza pura.
Afinal é de Inverno este momento...

          — Artur Rebelo

June 05, 2021

duas palavras - 2ª poesia

 


No seu tratado De agri cultura, Catão definiu a poesia como arbor felix, árvore feliz, para diferenciá-la de qualquer outra actividade infelix, aquela que não produz frutos ou os dá silvestres. A palavra poesia vem do latim poesis, que deriva do grego poieses (ποίησις), proveniente do verbo poiein ποιείν, que significa 'fazer', 'produzir', 'fabricar'.

Aristóteles escreve um tratado sobre a poesia onde define poiesis como o impulso do espírito humano para criar algo a partir de imaginação e dos sentimentos. No Banquete, Platão põe Diótima a classificar o trabalho do demiurgo que 'fabricou' a fýsis, φύσης, a natureza, como uma poiesis

A poesia, implica uma fabricação, uma composição de palavras, versos. A palavra poesia, idêntica em todas as línguas, tomou, também em todas as línguas, um caminho desviado do original, pois já não é associada a um fazer, uma fabricação mas a uma coisa obscura, destinada a poucos, entre eles os poetas, que esperam que uma musa lhes dite um cancioneiro. No entanto, não há nada de mais natural que poetizar. Quem não se sente capaz de reescrever o Orlando Enamorado quando está apaixonado? Nem competição nem agonia, só autenticidade.

O contrário da poesia não é a prosa mas a ataraxia. Não sentir nada, ficar emocionalmente imóvel ante um entardecer, ante uma melodia, ante um verso de Florbela Espanca. O fazer e desfazer das palavras é um novelo de emoções e só depois vem o soneto, o hexâmetro, o terceto, quando já encontrámos as palavras.

Na época medieval a poesia significa, canção. O que há no mundo de mais humano que cantar a alegria e a dor? 

A poesia é uma produção em verso que canta a alegria e a dor.

do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)

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I LIMONI

(...)

Vedi, in questi silenzi in cui le cose
s'abbandonano e sembrano vicine
a tradire il loro ultimo segreto,
talora ci si aspetta
di scoprire uno sbaglio di Natura,
il punto morto del mondo, l'anello che non tiene,
il filo da disbrogliare che finalmente ci metta
nel mezzo di una verità.
Lo sguardo fruga d'intorno,
la mente indaga accorda disunisce
nel profumo che dilaga
quando il giorno più languisce.
Sono i silenzi in cui si vede
in ogni ombra umana che si allontana
qualche disturbata Divinità.

Ma l'illusione manca e ci riporta il tempo
nelle città rumorose dove l'azzurro si mostra
soltanto a pezzi, in alto, tra le cimase.
La pioggia stanca la terra, di poi; s'affolta
il tedio dell'inverno sulle case,
la luce si fa avara - amara l'anima.
Quando un giorno da un malchiuso portone
tra gli alberi di una corte

ci si mostrano i gialli dei limoni;
e il gelo dei cuore si sfa,
e in petto ci scrosciano
le loro canzoni
le trombe d'oro della solarità.

***

Os Limões

(...)

Vês, é nesses silêncios em que as coisas
se abandonam e como que estão prestes
a trair o seu último segredo,
que por vezes se espera
descobrir um engano da Natureza,
o ponto morto do mundo, o elo que não resiste,
a mecha a deslindar que enfim nos ponha
no âmago de uma verdade.
O olhar revista em torno,
a mente indaga reúne separa
no perfume que alastra
quando mais langue o dia.
São os silêncios em que se avista
em toda sombra humana que se afasta
alguma importunada Divindade.

Mas a ilusão falha e o tempo nos reporta
às ruidosas cidades onde o azul se mostra
só aos pedaços, no alto, entre as cimalhas.
A chuva cansa a terra, depois; cerra-se
o tédio do inverno sobre as casas,
a luz se torna avara — a alma amarga.
Quando um dia um portão entreaberto
em meio às árvores de um pátio
nos mostra os amarelos dos limões;
e o gelo do coração se desfaz,
e brotam em nosso peito
as canções que ressoam
dos seus clarins de ouro solar.

—Eugenio Montale, em "Ossos de Sépia 1920-1927". [tradução, prefácio e notas de Renato Xavier]. Coleção Prêmio Nobel. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.


May 10, 2021

Uma poeta ucraniana que acabo de descobrir



(excerto)

FEVEREIRO 25, 2021, marca o 150º aniversário da poeta modernista no topo do cânone literário ucraniano, Lesya Ukrainka (Larysa Kosach, 1871-1913). Tendo escolhido, aos 13 anos de idade, o pseudónimo "mulher ucraniana", continuou a reinventar o que significava ser simultaneamente ucraniana e mulher, desmantelando os fundamentos patriarcais da literatura ocidental ao longo do caminho. "Estou bem ciente de que isto é impudência", admitiu ela com ironia numa carta a um amigo, entrelaçando a sua ucraniana zombaria-confessional com palavras e citações alemãs do Eugene Onegin de Alexander Pushkin, "no entanto... devo atirar-me ao labirinto de temas globais [...], nos quais os meus compatriotas, excepto duas ou três almas corajosas, não ousam entrar".

Como modernista, ela rompeu com a tradição literária de duas formas significativas. Em primeiro lugar, rejeitou um paradigma provinciano imposto à cultura ucraniana pelo Império Russo. Durante o seu tempo, a única imagem aceitável do povo colonizado era a dos camponeses ignorantes, o que Ukrainka contrariava. Poliglota, falava nove línguas europeias, povoou os seus dramas poéticos com personagens arquetípicas da mitologia clássica, Escritura, lendas medievais e poesia romântica. Misturando o subtexto anticolonial ucraniano e o contexto cultural europeu, Ukrainka também minou os fundamentos machistas de alguns enredos familiares. Escritora do virar do século numa blusa de colarinho desgrenhado, reviu os principais mitos da cultura ocidental do ponto de vista de uma mulher, aventurando-se mais tarde em território literário para ser explorada por feministas da segunda onda.
(...)

subverting-the-canon-of-patriarchy-lesya-ukrainkas-revisionist-mythmaking

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Lesya Ukrainka (translation) Contra spem spero

Thoughts away, you heavy clouds of autumn!
For now springtime comes, agleam with gold!
Shall thus in grief and wailing for ill-fortune
All the tale of my young years be told?

No, I want to smile through tears and weeping.,
Sing my songs where evil holds its sway,
Hopeless, a steadfast hope forever keeping,
I want to live! You thoughts of grief, away!

On poor sad fallow land unused to tilling
I'll sow blossoms, brilliant in hue,
I'll sow blossoms where the frost lies, chilling,
I'll pour bitter tears on them as due.

And those burning tears shall melt, dissolving
All that mighty crust of ice away.
Maybe blossoms will come up, unfolding
Singing springtime too for me, some day.

Up the flinty steep and craggy mountain
A weighty ponderous boulder I shall raise,
And bearing this dread burden, a resounding
Song I'll sing, a song of joyous praise.

In the long dark ever-viewless night-time
Not one instant shall I close my eyes,
I'll seek ever for the star to guide me,
She that reigns bright mistress of dark skies.

Yes, I'll smile, indeed, through tears and weeping
Sing my songs where evil holds its sway,
Hopeless, a steadfast hope forever keeping,
I shall live! You thoughts of grief, away!

(não sei de quem é a tradução)

April 14, 2021

Incompletos

 


e todos os dias vão sendo iguais

na ausência do meu abrigo

~Ana Marta Fortuna


Se nos moldamos aos locais neste ficamos com alma de poeta

 


Next to Tassili-n-Ajjer to the west, lies the Ahaggar massif, also known as the Hoggar.


April 06, 2021

Liberdade

 


Liberdade

 

Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.

De Armindo Rodrigues (1904 - 1993)


March 21, 2021

Dia da Floresta





Quercus robur, Wales (media storehouse)





O Carvalho da Floresta

in “Poesias”, de Júlio Dinis


Havia na floresta um roble cheio de anos,
Vestido de hera anciã, decano entre os decanos
Dos bosques do arredor. Raízes colossais
Prendiam-no à terra; ao ar descomunais
Os braços elevava, e ao vê-lo assim dir-se-ia
Que aos outros vegetais as bênçãos estendia.

Velho, e ainda a primavera o vinha requestar;
O outono desfolhava-o em último lugar;
Opunha ao sol do estio a fronde espessa e bela;
Respeitava-o no inverno o raio da procela. 
Viu passar gerações após gerações
Em risos e em pranto, em festas e orações;
Viu crianças pedir-lhe a sombra grata e amena
Que, amantes ao depois, naquela mesma cena
Viu a falar de amor, e no seu tronco abrir
Duas iniciais que liam a sorrir;
E mais tarde ainda os vira, velhos, encanecidos,
Pedir-lhe em vão alento aos lânguidos sentidos,
A repousar ali. A coma erguida ao céu
De longe se mostrava envolta inda no véu
De névoas da distância. Ao regressar à aldeia,
Ansiava o lavrador por avistá-lo, e a ideia
De tudo quanto amava o vinha comover:
Do lar, do velho pai, dos filhos, da mulher.
Que olhos de tanto amor, de penas e esperanças
Lhe enviavam também saudosas as crianças
Ao deixarem a casa, a pátria, irmãos e mãe
Indo tentar porvir por esse mundo além!

Em que tempo nascera esta árvore gigante?
Que época viu crescer o arbusto vacilante,
Curvando-se por terra a cada viração,
Esse que já nem teme ameaças do vulcão?
Quem o pode dizer? Nas trevas se envolvia
A infância do colosso. E quando acabaria?
Que audaz raio do céu, que convulsão fatal
Por terra lançará o enorme vegetal?
Mas, ai, o que a tormenta e o tempo não consomem,
Muitas vezes destrói a ousada mão do homem;
Em vão a tempestade incólume o deixou:
O golpe de um machado um dia o derrubou,
E ao braço do homem cai, dos homens o amigo.
Ouvi a narração do caso, que eu prossigo.
É pela madrugada! hora que a amar induz;
Todo é verdura o campo, o céu é todo luz.
O roble colossal no tronco encarquilhado
Sente a seiva girar. Das aves o trinado
Se ouve na espessa copa, e ao festival clamor
Respondem num sorriso a borboleta e a flor.
Como um velho entretido a ouvir cantar os netos,
Que lhe passam nas cãs os dedos desinquietos,
Assim ele também, vulto austero e senil,
Se compraz a escutar a música de Abril,
Os trinos e o bater das asas na folhagem,
A turba jovial, da infância alada imagem.
De súbito cessou das aves o cantar;
Param, olham com medo o chão, o bosque e o ar.
No seio da floresta um som vago se escuta,
Como o rugir do mar quando nas praias luta.
O roble estremeceu, ouvindo: “Que será?
Que sinistro rumor é esse?” – Perto já
Se distingue melhor. É um travar de vozes
De alguns homens do campo, alegres e velozes.

O roble sossegou, e às aves disse assim:
– “Podeis ficar sem medo aqui ao pé de mim,
São amigos que vêm, pobres trabalhadores,
Sobre quem eu estendo os ramos protetores,
Quando, durante a sesta, o sol ardente cai.
Aves, não receeis. Amigos são, cantai.
Vede, pararam já. Tenta-os a fresca selva,
O machado, o alvião pousaram sobre a relva.
Vão descansar decerto. Ergueram para aqui
O olhar; a gratidão bem claro nele vi.
Cantai, aves, cantai nos ramos da floresta,
Enquanto eu lhes protejo a procurada sesta.”

Assim disse o carvalho às aves, mas em vão,
Que nenhuma a cantar inda se atreve então,
Ou, se alguma o tentou, emudeceu no meio,
Que só para gemer lhe deu vigor o seio;
Parecem pressagiar um vago e oculto mal,
Como quando no céu preveem temporal.
Mas já ordens se dão; preparam-se os obreiros;
Reparte-se a tarefa; exercem-se ligeiros;
Já tudo está disposto, e pronto a uma voz.
Eis se dá um sinal… rapidamente após,
De um dos homens do bando o industriado braço
Lança em volta do tronco traiçoeiro laço.
E as aves a tremer!… “Doidas!” Assim lhes diz
O velho, sacudindo a secular cerviz:
“Das crianças é este um usual brinquedo:
Embaladas assim nos braços meus, sem medo,
Em jogos infantis se aprazem. Não fujais.
Doidas que sois! Dizei, do que vos receais?
Vê-las-eis cedo vir, e o peso é tão suave,
Que me alegra! A criança é pouco mais que a ave.
Não aves, não fujais, que são vossas irmãs,
Ligeiras como vós, e como vós louçãs!”

Fez-se ouvir de repente um som rápido e seco,
Que teve na floresta um temeroso eco.
O tronco estremeceu. As folhas sem vigor
Caíram pelo chão, quais lágrimas de dor.
As aves a gemer, das frondes sacudidas
Fugiam em tropel como ilusões perdidas!
No tronco, em fundo golpe, o ferro penetrou;
A árvore, ao senti-lo, um pouco vacilou,
Mas depois disse ainda às pobres andorinhas
Ocultas, a tremer, nas árvores vizinhas:

– “Foi doloroso o golpe! útil porém talvez.
O destro rachador derruba muita vez
Algum ramo já velho, inútil parasita,
E à fecundante seiva o curso facilita.
Agora foi mais fundo, e rijo o golpe foi,
E perto da raiz. Por isso mais me dói!
Errou talvez ao dá-lo a mão inexperiente.
O golpe foi cruel. Se foi! mas inocente.”

Eis que, ao primeiro golpe, um outro se seguiu,
E outro, mais outro e outro; e o eco os repetiu,
E as aves a carpir do velho amigo a sorte.
Não se ilude ele já; ferido pela morte,
Falece-lhe o vigor; das achas ao brandir
Vacila, geme e ondeia! E próximo a cair.
Prossegue no entretanto a abominável obra,
Da turba afadigada o vozear redobra,
No íntimo do lenho, o ferro ímpio, cruel,
As fibras despedaça. Os homens em tropel
Arredam-se a distância, a fim que os não esmague
O gigante ao cair, e moribundo pague
A morte que lhe dão sacrílega e atroz.
“À obra, à obra”, então alto soa uma voz,
E todos lançam mão da preparada corda.
A triste ave da noite à vozearia acorda,
Solta um lúgubre pio. Um frêmito sutil
Nas folhas passa ao roble. A brisa foi de abril
Que veio ali dizer-lhe a extrema despedida?
Beijá-lo a última vez, saudosa e comovida?
Oscila, geme ainda, estala-lhe a raiz,
Solta como estertor de morto. Ouvis?… Ouvis?

Inclina-se para a terra, em queda suave, lenta,
Desce… desce e, descendo, a rapidez aumenta.
Até que com fragor na relva ao longe cai
O roble secular! Homens, folgai! Folgai!
Retumba na floresta o som que fez na queda,
O fragor do trovão nos ares arremeda,
E as aves, levantando o voo alto e veloz,
Às nuvens vão contar o caso iníquo e atroz;
E com sentido pranto, e em queixas magoadas,
Choram-no pelo bosque as comovidas fadas.
E a obra do senhor às mãos do homem caiu!
E a vida secular numa hora se extinguiu.
E os obreiros do mal saem dali cantando.
Chega logo depois um turbulento bando
De crianças, que a rir, o tronco sem vigor
Calcam, brincando. E após em práticas de amor,
Voa rápido o tempo a amantes e a esposos
Que ali falando vêm. Depois, velhos, saudosos
Do tempo que passou por eles em comum,
Sentam-se a conversar. Mas deles, ai, nenhum
Uma lágrima tem para desgraças destas.
Homens, que mal vos fez o velho das florestas?

1867

March 05, 2021

Março, mês da poesia - poemas de 'expressão desenfreada'

 


Anne Reeve Aldrich: A Sappho Americana 

Sappho foi a poeta lírica grega antiga, originária da ilha de Lesbos, listada pelos alexandrinos como um dos nove poetas líricos. Lesbos associou-se, em algum momento do século XIX, ao amor sapfio ou lésbico. Aldrich escreveu ela própria alguma poesia erótica, com o seu livro, publicado em 1892, incluindo algum material deste género.

Anne Reeve Aldrich foi uma poetisa e romancista americana. Nasceu a 25 de Abril de 1866, em Nova Iorque, e morreu a 22 de Junho de 1892, também em Nova Iorque. 
Os seus livros publicados incluem The Rose of Flame (1889), The Feet of Love (1890), Nadine and Other Poems (1893), A Village Ophelia and Other Stories (1899) e Songs about Life, Love, and Death (1892). 

Aldrich escreveu uma série de poemas em que parecia profetizar uma morte prematura e depois morreu com a idade de 26 anos.  Aldrich estava tão fraca que não conseguia levantar a sua caneta e assim teve de ditar o seu último poema, "Morte ao Amanhecer". 

Aldrich publicou o seu primeiro volume de poesia, A Rosa da Chama, em 1889; não foi bem recebido - os críticos citaram a sua "expressão desenfreada". Também foi criticada por ter escrito poemas "eróticos", um não-não para mulheres respeitáveis da sua época. Mas ela perseverou, publicando um romance, Os Pés do Amor, em 1890, e parece que estava a trabalhar no seu volume final de poemas, mesmo no seu leito de morte. O seu tio-avô era o poeta James Aldrich.

"Paixão e agonia, uma por causa da outra, são as chaves da natureza e do verso de Anne Reeve Aldrich. Esta mulher é das poucas que mais próximas partilham os humores de Sappho e os seus talentos" ~Springfield Republican.

(the hypertext)


A Song About Singing

O nightingale, the poet's bird,
A kinsman dear thou art,
Who never sings so well as when
The rose-thorns bruise his heart.

But since thy agony can make
A listening world so blest,
Be sure it cares but little for
Thy wounded, bleeding breast! 



Fraternity

I ask not how thy suffering came,
Or if by sin, or if by shame,
Or if by Fate’s capricious rulings:
To my large pity all’s the same.

Come close and lean against a heart 
Eaten by pain and stung by smart;
It is enough if thou hast suffered,—
Brother or sister then thou art.

We will not speak of what we know,
Rehearse the pang, nor count the throe, 
Nor ask what agony admitted
Thee to the Brotherhood of Woe.

But in our anguish-darkened land
Let us draw close, and clasp the hand;
Our whispered password holds assuagement,— 
The solemn “Yea, I understand!


March 04, 2021

No mês da poesia um filme poético

 



O filme é sobre a vida, as estações da vida, o caminho da escuridão para a luz, da violência para a paz, para a convivência pacífica com os outros animais e com a natureza. Para a aceitação da vida dos outros e com os outros e as suas tradições culturais. Lida com o problema da culpa, do karma, da consciência, da expiação, do amor, da violência, da morte como um ciclo da vida. 

Esperamos um filme muito budista mas é muito universal, a ultrapassar largamente o sotaque do budismo.

Muito bom, o filme. Meditativo e belo. A beleza da Natureza entranha-se-nos. Está todo no youtube mas merece ser visto num ecrã maior.




Março, mês da poesia




Vamos pôr aqui um poeta em cada dia. 
Hoje, Joseph Brodsky, pseudónimo de Iosif Aleksandrovich. Brodsky foi um poeta russo.



biografia de Brodsky por Lev Loseff:


- Um poeta russo, Brodsky entrou em conflito com as autoridades soviéticas. Foi preso aos 24 anos, acusado do crime de escrever poesia: ser um parasita sem emprego regular, um escritor de coisas inúteis, nas palavras dos acusadores. Ficou preso apenas umas semanas porque uma onde de personalidades juntou-se para pressionar a sua libertação, ou melhor, não propriamente dele que era um desconhecido, mas do poeta, da poesia. A libertação da poesia.

Um excerto do interrogatório dele, tal como vem citado na biografia da autoria de Lev Loseff:


- Judge: What is your profession?

- Brodsky: Poet. Poet and translator.

- Judge: Who said you were a poet? Who assigned you that rank?

- Brodsky: No one. (Nonconfrontational.) Who assigned me to the human race?



In the north, if they believe in God,
how in the commandant of the prison,
where we all kind of side namyali,
but only heard, that gave little.


On South, where rare white precipitate,
believe in Christ, because he - fluent:
I was born in the desert, Sand-straw,
He died too, hear anything, not at home.

1994

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I wish you were here, dear,
I wish you were here.
I wish you sat on the sofa
and I sat near.
The handkerchief could be yours,
the tear could be mine, chin-bound.
Though it could be, of course,
the other way around.

I wish you were here, dear,
I wish you were here.
I wish we were in my car
and you'd shift the gear.
We'd find ourselves elsewhere,
on an unknown shore.
Or else we'd repair
to where we've been before.

I wish you were here, dear,
I wish you were here.
I wish I knew no astronomy
when stars appear,
when the moon skims the water
that sighs and shifts in its slumber.
I wish it were still a quarter
to dial your number.

I wish you were here, dear,
in this hemisphere,
as I sit on the porch
sipping a beer.
It's evening, the sun is setting;
boys shout and gulls are crying.
What's the point of forgetting
if it's followed by dying?


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Michael Scammell: Pride And Poetry | The New Republic (artigo sobre o poeta)


March 03, 2021

Some say the world will end in fire

 


By Robert Frost

Some say the world will end in fire,
Some say in ice.
From what I’ve tasted of desire
I hold with those who favor fire.
But if it had to perish twice,
I think I know enough of hate
To say that for destruction ice
Is also great
And would suffice.


February 16, 2021

Storm fear




Storm fear

Robert Frost


When the wind works against us in the dark,
And pelts the snow
The lower chamber window on the east,
And whispers with a sort of stifled bark,
The beast,
‘Come out! Come out!’—
It costs no inward struggle not to go,
(...)
And my heart owns a doubt
Whether 'tis in us to arise with day
And save ourselves unaided

February 05, 2021

Publicar ou não publicar

 


... obras de criminosos?

O meu ponto de vista numa frase: 'leia o livro 'x' - é de um aborrecimento total, todo mal escrito e não se aprende nada com ele, mas o autor é moralmente irrepreensível'.



O novo número, dedicado ao trabalho dos actuais e antigos prisioneiros, provoca alvoroço depois de ter surgido um poeta que cumpriu pena por delitos de pornografia infantil
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A prestigiada revista de Poesia dos EUA duplicou a sua decisão de publicar um poema de um agressor sexual condenado como parte de uma edição especial dedicada aos poetas encarcerados, dizendo aos críticos que "não é nosso papel julgar ou punir [pessoas] como resultado das suas condenações criminais".

A revista, que funciona desde 1912 e é publicada pela Fundação Poesia, acaba de lançar o seu novo número centrado no trabalho de "pessoas actual e anteriormente encarceradas", suas famílias e trabalhadores prisionais. Inclui um poema de Kirk Nesset, um antigo professor de literatura inglesa que foi libertado da prisão no ano passado depois de cumprir pena por possuir, receber e distribuir imagens de abuso sexual infantil em 2014. A investigação encontrou Nesset na posse de mais de meio milhão de imagens e filmes de abuso sexual de crianças.


Quando um leitor perguntou por que razão o número incluía Nesset, a revista Poetry disse que os seus editores convidados "não tinham conhecimento dos antecedentes dos colaboradores", porque "o princípio editorial para este número era alargar o acesso à publicação a escritores dentro da prisão e expandir o acesso à poesia, tendo em conta os preconceitos e as barreiras contra as pessoas encarceradas".

"Reconhecemos o impacto destruidor da violência e denunciamos os danos", disse a revista numa declaração no Twitter. "As pessoas na prisão foram condenadas e estão a cumprir/já cumpriram essas penas; não nos cabe a nós julgá-las ou puni-las como resultado das suas condenações penais. Como editores, o nosso papel é ler poemas e facilitar as conversas em torno da poesia contemporânea.

"Defendemos que estes poemas são a expressão de uma experiência humana e que a poesia é uma força para fazer avançar o envolvimento humano e a auto-reflexão crítica. Esperamos que a poesia nesta edição facilite uma leitura profunda e empática e alargue o nosso discurso".


(...)
Uma petição assinada por mais de 500 pessoas pede que o trabalho de Nesset seja retirado da revista, dizendo que o seu "tempo servido não equivale ao tempo de vida das vítimas de trauma emocional, físico e psicológico de pornografia infantil e agressão sexual perduram".
(...)
Os escritores disseram que não iriam submeter qualquer trabalho à revista até que as suas exigências fossem satisfeitas, incluindo a demissão do presidente da Fundação Poesia e do presidente do conselho de administração, bem como pela "afectação significativamente maior de recursos financeiros ao trabalho que é explicitamente de natureza anti-racista".

Tanto o presidente como o presidente renunciaram subsequentemente, tendo o ex-presidente Henry Bienen dito à direcção que tinha "perdido o respeito pelo pessoal que não se defendia a si próprio ou à fundação de ataques que sabiam ser falsos".

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A quem aproveita isto? Não à poesia, certamente.