The quiet Girl é um filme irlandês, passado nos anos 80, quase todo falado em irlandês, embora de vez em quando em inglês. O mais notável no filme é conseguir mostrar a vida e os adultos através do olhar da rapariga que lhe dá o nome. É sobre esta rapariga, que terá uns 9 ou 10 anos, introvertida, tímida que vive com a família numa casa empobrecida, sem condições nenhumas, em grande parte porque o pai bebe e perde tudo ao jogo e a mãe é bem intencionada mas não tem capacidade para dar atenção aos 4 filhos. O pai é distante e desinteressado. Portanto, a rapariga que tem algumas dificuldades na escola, leva uma vida solitária e negligenciada - ainda molha a cama. Vai para os campos sozinha e deita-se no meio da aveia por ceifar a olhar as árvores e a ouvir os pássaros. Como a mãe está quase a ter o 5º filho, uma prima oferece-se para ficar um ou dois meses com a rapariga, até que a criança nasça.
A prima é bastante mais velha e casada. Tem, com o marido uma quinta de vacas leiteiras que exploram com sucesso e que lhes proporciona uma vida muito desafogada. Então, vemos o pai, muito bruto a ir levar a rapariga, que tem um ar doce, a casa dos primos e depois vemo-la habituar-se às rotinas na casa da prima: a mulher ensina-a a lavar-se como deve ser, a pentear-se, a ajudá-la na cozinha, a ir pelos campos até ao poço buscar água fresca, tudo sempre com poucas palavras, mas muito carinho, muito cuidado. O marido leva mais tempo a interagir com ela, mas aos poucos começa a levá-la para a vacaria, ensina-a e dá-lhe responsabilidades, faz jogos com ela. Ela começa a sentir-se confortável com eles.
Confesso que quando a rapariga chegou a casa do casal, pensei que ia ser uma história de abuso, mas não é. Ficamos a saber que este casal, que são pessoas que se compreendem e se dedicam um ao outro, teve um filho que morreu num acidente. À medida que o filme progride vemos a rapariga a florescer em todos os aspectos naquele ambiente atento, pacífico e carinhoso: físico, psicológico e emocional.
Claro que chega a altura de voltar para casa e quando a vão pôr de volta a casa dos pais sentimos a sua desolação, a aflição do casal que se apegou a ela e a dela que olha para o pai como um estranho e para o marido da prima como um pai. Ela quer tanto ficar com o casal. Vemos isso debaixo da superfície da sua aparente calma.
Muito bom o filme e muito poético, na maneira como nos faz ver o que é a vida na perspectiva das crianças, no mundo dos adultos irresponsáveis. Pessoas com grandes dificuldades que vão tendo filhos uns atrás uns dos outros e depois negligenciam-nos por incapacidade económica e por impreparação para criar um lar acolhedor e atento às necessidades das crianças. E como as crianças sentem e vivem essa negligência, com uma resignação inconsciente, até que um dia vão parar a uma casa que é um lar acolhedor e percebem.
A diferença e o impacto que os pais têm na vida das crianças. Um filme bonito e triste ao mesmo tempo.