Em IVG, o 'V' significa 'voluntária' que é uma palavra que se refere à 'vontade livre', à escolha fundada no livre arbítrio. Porém os médicos portugueses, na sua maioria, impedem as mulheres de serem agentes livres e não se inibem de lhes guilhotinar a autonomia.
Em Portugal a lei despenalizou o aborto mas deu aos médicos o poder de julgar moralmente as mulheres através de uma lei de objecção de consciência A La Carte. A maioria dos médicos são objectores de consciência e só realizam o aborto se a vida da mulher estiver em risco de vida. Alguns também o praticam em caso de violação, mas nem todos, há umas centenas que se recusam. É aquela ideia de que, 'se o macho pôs lá a semente', como eles dizem, a mulher tem obrigação de deixá-la crescer.
A percentagem de hospitais com valência de obstetrícia que fazem algum tipo de interrupção de gravidez é de mais de 80%. Só seis hospitais não oferecem este cuidado de saúde: quatro no continente e dois nas Regiões Autónomas (ambos nos Açores).
Isto porque há sete unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que fazem abortos, mas não os até às 10 semanas de gestação, habitualmente denominados "por vontade da mulher"- para os distinguir das outras IG legais, que, sendo igualmente efetuadas a pedido da mulher, apresentam razões médicas ou resultam de crimes de violação.
De acordo com o que o DN conseguiu apurar, a objeção de consciência seletiva terá sido criada, aquando da regulamentação da lei, por receio das autoridade de saúde de que, se a objeção só fosse possível "em bloco" - ao ato do aborto em si -, deixasse de haver médicos suficientes para levar a cabo as interrupções de gravidez por "motivos médicos". Tal significa que desde logo se antecipou que haveria mais tendência nos profissionais de saúde para censurar as motivações das mulheres que para rejeitar a morte do feto.
O coordenador da região Sul do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal, Luís Mós, concorda. Em maio, em entrevista ao DN, afirmava que o juízo de valor que identifica na objeção ao aborto até às dez semanas por parte de médicos e enfermeiros que por exemplo não objetam à IG por anomalia fetal pode ter como resultado obstruir o acesso à IVG segura por parte de muitas mulheres, colocando em risco o seu direito à saúde.
E exemplificava com o caso de um dos sete hospitais portugueses que fazem abortos desde que não "por vontade da mulher": "O Amadora-Sintra está numa zona com muitas imigrantes e é tudo mais difícil para elas, porque o encaminhamento é feito através dos centros de saúde, e muitas não estão lá inscritas. Até as nacionais que não têm médico de família se veem aflitas neste processo", preocupa-se Mós, lamentando que o hospital nem sequer veja "as senhoras das 10 semanas": "Nem a datação da gravidez [necessária para perceber se está dentro do prazo legal] é feita ali, mandam-nas para a Clínica dos Arcos (clínica privada lisboeta com a qual o hospital tem protocolo). São umas 200 por mês que são enviadas para lá. Custa-me fazerem isso, até porque na clínica a interrupção é cirúrgica, o que implica sempre mais risco que a medicamentosa."
Um desafio que, aparentemente, não estará na mente do ministro da Saúde. Em entrevista à RTP na quarta-feira passada, Manuel Pizarro admitiu que, "muitas vezes, o problema é uma percentagem muito grande dos profissionais de um serviço serem objetores de consciência", mas acrescentou de imediato: "Isso tem de se respeitar". E, questionado sobre a necessidade de existência de registo dos objetores, respondeu: "Devo dizer que não tenho a certeza absoluta de que seja necessário haver uma lista."