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December 18, 2020

Se a classe média entrar em colapso, todo o sistema político está condenado ao colapso

 


Se a classe média entrar em colapso, todo o sistema político está condenado ao colapso


Análise de um  excerto de, Eurípides, As Suplicantes, v. 238-245

Ancient Greek: “τρεῖς γὰρ πολιτῶν μερίδες: οἳ μὲν ὄλβιοι ἀνωφελεῖς τε πλειόνων τ᾽ ἐρῶσ᾽ ἀεί: οἳ δ᾽ οὐκ ἔχοντες καὶ σπανίζοντες βίου δεινοί, νέμοντες τῷ φθόνῳ πλέον μέρος, ἐς τοὺς ἔχοντας κέντρ᾽ ἀφιᾶσιν κακά, γλώσσαις πονηρῶν προστατῶν φηλούμενοι: τριῶν δὲ μοιρῶν ἡ ‘ν μέσῳ σῴζει πόλεις, κόσμον φυλάσσουσ᾽ ὅντιν᾽ ἂν τάξῃ πόλις.”

Tradução - “Pois existem três categorias de cidadãos; os ricos, um conjunto inútil que sempre anseia por mais; o povo pobre e destituído, temeroso, que nutre a inveja mais do que o correcto e atira dolorosas ferroadas contra os homens que têm alguma coisa, iludidos como são pela eloquência de líderes perversos; enquanto a classe ,que está no meio das três preserva cidades, observando a ordem que o estado ordena. ”

NovoScriptorium: A classe dos ricos é descrita pelo poeta como "inútil" (isto é, sem nenhuma contribuição útil para o estado / para o bem comum). Também é acusada de ganância desenfreada. Essa sempre foi a regra - parece que, em cada época, havia pouco espaço para as suas possíveis excepções. Devido ao forte vínculo atemporal entre Poder e Riqueza, os efeitos negativos nas vidas de muitos por causa da ganância dos ricos dentro de uma (cada) política é um evento mais esperado.

A classe dos pobres e necessitados, que encontram grandes dificuldades no seu quotidiano, cheios de angústias e com grande ansiedade de sobrevivência, tem uma tendência intemporal para a inveja daqueles que têm um relativo ou grande conforto no seu quotidiano. Por causa dessa paixão, e também por causa da falta de educação adequada e cultivo espiritual (por causa de suas dificuldades financeiras), são as vítimas fáceis que são exploradas por demagogos competentes. Quantos estados e regimes não foram derrubados desta forma! Este parece um procedimento bastante padrão na história humana registrada.

Espalhar ansiedade e medo entre uma população, ao mesmo tempo que lhe impõe pressão financeira, é um sinal muito claro de que aqueles que puxam os cordões buscam alguma mudança política (benéfica para eles) ou mesmo o totalitarismo. 
A partir de certo ponto da História, junto com os demagogos, foram acrescentados os vários meios reforçadores de manipulação das massas. O cultivo e a aplicação da propaganda nunca foram tão fáceis como nos tempos modernos. E enquanto nos últimos séculos e milénios um demagogo capaz (ou um pequeno grupo deles) poderia manipular as massas invejosas para derrubar os ricos e poderosos, para que ... os pobres e necessitados pudessem satisfazer-se 'rebaixando' a odiada classe alta ( enquanto, é claro, os demagogos e alguns dos anteriores 'pobres e necessitados' se tornariam ... a nova 'classe alta'), nos tempos modernos aqueles que manipulam e impõem as várias propagandas e agendas são os próprios ricos. 

Portanto, esses parecem agora ter encontrado uma maneira de governar "para sempre", sem nunca enfrentar o perigo (certeza em séculos e milénios passados) de serem derrubados por turbas furiosas e invejosas.

A classe média, segundo Eurípides, é aquela que ‘preserva as cidades’ e ‘guarda a ordem estabelecida pela política’. Mas quem são essas pessoas, que não são pobres nem ricas? São aqueles que não enfrentam as dificuldades diárias de sobrevivência dos destituídos, mas, ao mesmo tempo, não podem ser comparados aos verdadeiramente ricos. 
Desde os primórdios da vida urbana, estes sempre foram vários pequenos empresários e comerciantes, vários técnicos, vários empregados, balconistas e até artistas. 

Vamos concentrar-nos no axioma de que "a classe média preserva as cidades (e os sistemas políticos)". Então, se, por qualquer motivo, essa classe entrar em colapso, toda a cidade (governo) estará condenada ao colapso. A frase "A ordem estabelecida pela política" não se refere apenas a leis possíveis; refere-se principalmente às próprias Tradições e Herança da política. Por outras palavras, se a classe média entrar em colapso, então a política, junto com suas Tradições e Herança, entrará em colapso também.

Concluindo esta breve análise, podemos dizer, relativamente aos ricos, que: 

-têm laços muito fortes com o (s) Governo (s) / Poder, ou mesmo controlam-nos totalmente -usar os meios à sua disposição para impor o medo, a inveja e a ansiedade na população em geral (ao mesmo tempo, cultivar as paixões de cada indivíduo, ou mesmo as paixões de cada povo / nação diferente, se examinarmos numa escala mais ampla) 

-usam os meios à sua disposição para preservar um grande número de massas 'pobres e necessitadas', que, no momento oportuno, poderiam ser usados ​​- naturalmente dirigidos pelos vários meios de manipulação - para atingir objetivos ou criar condições adequadas, convenientes, para os seus objectivos.

-utilizam os meios à sua disposição para educar as pessoas de forma a cumprir os seus objetivos, ao mesmo tempo que promovem uma cultura de desvalorização da espiritualidade e das virtudes e valores em geral.

-usam os meios à sua disposição para causar a destruição da classe média 

-usam os meios à sua disposição para impor uma agenda que promova a eliminação das Tradições e do Património.

Logo, devemos estar alarmados de que o seu objetivo não seja apenas um pouco mais de controle sobre o sistema político, mas a transformação completa do sistema político em outra coisa, provavelmente com características totalitárias. 

Pesquisa-Análise para NovoScriptorium: Isidoros Aggelos

(tradução minha)

August 24, 2020

"Os gajos cobardes não quiseram ir trabalhar"

 

Isto a mim é o que mais me assusta: é saber que a acção do governo está construída em cima de um grande desprezo pelas pessoas, desprezo pela lei e incapacidade de assumir responsabilidades. Se há grupos profissionais que correram risco de saúde no trabalho, durante esta pandemia, muitas vezes em condições deploráveis foram os médicos, os enfermeiros e os trabalhadores dos supermercados. 

Outros, como os professores ou algumas pessoas do governo, trabalharam muito para além dos seus deveres, embora os professores com custos monetários que os do governo não conhecem, mas uns e outros não correram riscos de saúde como os outros grupos que estavam, e estão, na linha da frente. 

Mas o primeiro-ministro não quer saber de nada. Aquele célebre princípio do PS já mudou um bocadinho e agora lê-se: aos amigos tudo, aos inimigos nada, aos outros aplique-se a lei e, se a lei não nos favorece, mude-se a lei.

E trata as pessoas, publicamente, por, 'os gajos'. Que diabo... tira completamente a dignidade e o respeito próprios do seu cargo de chefe de um orgão de soberania. A fulanização das relações institucionais degrada-as. Quando ouço o primeiro-ministro falar assim, fico a pensar: é assim que falam de nós todos nas reuniões de concelho de ministros, ou entre eles: falam como naquela reunião de ministros do Bolsanaro onde era tudo, 'os gajos', 'as putas' e por ía fora? Será que quando falam dos professores, sendo nós uma maioria de mulheres, dizem, 'essas gajas' ou pior...?

O primeiro-ministro está cansado e com excesso de trabalho? Não é o único. Muitos outros trabalhadores também estão (entre eles os médicos) e com a diferença que não têm, nem os seus meios, nem o seu poder de tirar obstáculos do caminho de modo que tudo lhes é mais difícil. E depois, uma das razões pelas quais está com excesso de trabalho tem que ver com o ter preferido ter uma governo de subservientes e amigos a ter um governo de pessoas competentes e isso o obrigar a ter que andar sempre a tapar a incompetência dos outros. Ter escolhido assim é um sinal da sua própria inadequação para o cargo, porque um estadista rodeia-se de pessoas competentes e não tem medo que a competência alheia lhe faça sombra.

Isto é o que vai passar-se com os professores quando começarem a chegar denuncias da total falta de segurança no trabalho: alunos a 10cm uns dos outros dentro das salas apinhadas, fechados toda a manhã ou toda a tarde na mesma sala, todos a respirar o mesmo ar, a tossir e a espirrar, com umas máscaras do chinês cheias de germes, sem gel nas salas de aula para desinfectar as mãos, sem funcionários para desinfectar os espaços, meia dúzia de casas de banho para 1500 alunos, os professores a mesma coisa, etc. Rapidamente vamos ser 'gajas cobardes'.

O primeiro-ministro finge desconhecer que, para paralelamente aos deveres profissionais, também existem os direitos e que estes incluem certas condições de trabalho. 

Quando o primeiro-ministro vem à televisão dizer que agradece e louva o trabalho dos médicos, dos enfermeiros e de todos que estão na linha da frente, é tudo mentira para as câmaras da TV...?

Não ponho aqui o vídeo porque acho-o ordinário.  


E já agora, senhor ME: mande pagar o que me devem, sff!



February 01, 2020

Acerca da intervenção política I




Estava aqui a ler isto:
Emmanuel Macron : le triomphe du centrisme autoritaire



... e lembrei-me da conserva, outro dia, com o André. Concordámos que o problema de fazer parte do sistema político é esse mesmo, o de entrar no jogo.

Fiquei a pensar nisso. Este é um problema complicado porque para interferir no jogo, é preciso jogar. No entanto, todos aqueles que, na História, entraram em sistemas em avançada fase de decadência ou já putrefacção com o argumento, esperança ou ideia de o mudar por dentro acabaram, ou trucidados pela máquina ou integrados nela como peças da engrenagem. Veja-se o caso da Alemanha no período nazi.

De modo que o problema é complicado. Neste momento, parece-me que, dada a progressiva tendência para o autoritarismo e menorização dos processos democráticos e, ainda, a indiferença de práticas entre partidos da direita e da esquerda que já quase nada têm de defesa ideológica, pode-se escolher três caminhos:

1. O primeiro é clássico - deixar que o sistema se degrade a um ponto de ruptura a partir do qual se consiga reconstruir outras regras de jogo. Isso aconteceu por uns tempos a seguir ao 25 de Abril. Houve uma preocupação real, com consequências positivas, com os direitos civis e políticos das pessoas. Aconteceu a seguir à Segunda Grande Guerra onde houve uma consciencialização dos direitos humanos, políticos e sociais que gerou grandes mudanças positivas. O problema é que as revoluções são como as guerras: demasiado destrutivas, com um grande período de caos e violência e uma incógnita pois nunca se sabe onde aquilo vai acabar. Veja-se a URSS.

2. O segundo é capturar um partido político e reorientá-lo para cativar franjas de população descontentes com o status quo. Isso é o que está a ser feito com o Chega com muito sucesso, infelizmente. É o que faz também a Maçonaria que captura cargos estratégicos e espalha uma teia de influências em lugares-chave que mudam, de facto, os pressupostos do sistema. Minam.

Estes dois primeiros modos têm ambos o defeito de não serem democráticos. São movimentações de grupos com interesses particulares.

Parece-me que estamos num momento particular da História que não se repetirá nos tempos mais próximos se não for agora aproveitado. É um momento em que a geração que está no poder e a outra que constitui a força de trabalho, não só em Portugal como numa significativa parte do mundo, é ainda a geração herdeira das mudanças do pós-guerra e do Maio de 68: são as gerações da educação universal, dos sistemas de educação e saúde universais, do direito ao trabalho, dos direitos das mulheres, da ideia de mérito, etc. que construíram a sociedade democrática que está agora em perigo.

São esses que não aceitam o autoritarismo e a decadência da vida política, foram eles que ocuparam as ruas por esse mundo fora em protesto pelas desigualdades gritantes (o occupy movement), são eles que se manifestam pela educação no Chile, na Argentina, em França, nos EUA, em Portugal, em França; são eles que vão para a rua em França pelas reformas.

A geração mais nova, que anda pelos vinte anos e isso ou menos, bate-se pelo ambiente e outras causas, de mérito, mas não por estas causas tradicionais políticas. Nem sequer têm educação política como nós tivemos, que aos 13 anos discutíamos as notícias políticas e as mudanças políticas do país e estávamos a par dos pressupostos ideológicos das várias forças em jogo. Em grande parte porque o sindicalismo se comprometeu com o poder e perdeu a sua força de intervenção e em outra parte devido à decadência geral das políticas educativas desastrosas para a emancipação e autonomia das pessoas, a res política é hoje um campo de batalha de cargos e dinheiros.

De modo que, se não são estas gerações herdeiras do pós-guerra a forçar a mudança das práticas autoritárias dos governos que se estão a espalhar-se, não será a geração seguinte, a dos instagrams, a fazer isso.
E, da maneira como a educação está a retornar ao ponto em que estava há 70 anos, onde quem tinha dinheiro tinha futuro e os outros tinham restolho, um pouco pelo mundo fora, daqui a uns anos este assunto, quer dizer, o da possibilidade de reconstruir a democracia como um sistema do povo, para o povo, estará morto e enterrado.

(continua)