Agora fui dar com este vídeo e vi nesta rapariga a cobertura particular de cabeça da roupa formal das Reverendas Madres das Bene Gesserit do Dune, se bem que nelas a cor seja mais sóbria. Será que a criadora do guarda-roupa, Jacqueline West, se inspirou nestes costumes do Brunei? Já li que parte das roupas delas são inspiradas nas freiras católicas e nos quadros religiosos com as santas de vestes longas e cabeças cobertas. Jacqueline West estudou numa escola católica e a impressão dos trajes das religiosas ficou com ela e dado que as Bene Gesserit são uma irmandade de cariz religioso... o guarda-roupa do filme é espectacular. A cena em que Fedy-Rautha Harkonnen luta com os três adversários no dia do aniversário fez-me lembrar O Sétimo Selo de Ingmar Bergman, quando a morte aparece com a gadanha. A cabeça daqueles guardas de Fedy-Rautha Harkonnen são uma gadanha de morte no fundo branco lustroso da cena. Essas figuras sinistras e meio vampirescas são assustadoras.
April 28, 2024
April 26, 2024
DUNE - o filme e a música
Quarta-feira ao fim do dia fui a Lisboa ver o Dune Part Two, no último dia em que esteve em cena, ao fim de mais de mês e meio. Já o tinha visto no portátil, mas não é a mesma coisa que ver num ecrã grande, porque o filme é épico e tem cenas imponentes no deserto e cenas de batalhas de grande escopo que só se aproveitam devidamente num ecrã grande. Também, e muito importante, é preciso ouvir a música extraordinária do Hans Zimmer sair de speakers potentes. Metade do impacto do filme vem da música dele.
Vi uma gravação dele a revelar como tinha chegado àquela música, onde foi buscar inspiração e como encontrou artistas extraordinários, desde cantores (como a Loire Cotler que canta neste primeiro vídeo) até músicos que modificam ou inventam instrumentos e sons a partir de restos de metais.
O filme é muito bom. Se o primeiro Dune introduzia as personagens e o contexto palaciano da obra, este segundo explode em cenas de acção com grande cenários no deserto e grande dramatismo, embora sempre com o fio condutor humano a guiar toda a acção.
Grandes actores. Javier Bardem faz o melhor papel que lhe vi até hoje, ao interpretar o Fremen, mentor de Paul Artreides, mas também o fanático religioso à procura do Messias. Um carisma que sai do ecrã e enche a sala. Mas também todos os outros. A actriz que representa a Zendaya é completamente credível e intensa no papel. O Josh Brolin, a Rebeca Ferguson e todos os outros.
Temas musicais diferentes do filme:
O poder do deserto - aqui Hans Zimmer a tocar o tema principal do filme com os colaboradores. A voz quase selvagem de Loire Cotler
March 19, 2024
American Fiction - uma sátira que acerta em cheio
Uma aluna universitária critica o professor de Literatura por escrever no quadro um título de um clássico com a palavra nigger. Diz que se sente incomodada com a ofensa. O professor, que é negro, explica à aluna, que é branca, que não é possível estudar a Literatura Clássica do Sul americano sem dar com palavras, frases e expressões ofensivas mas que devem ser tomadas no contexto em que foram escritas. Ela não aceita a explicação. O professor diz-lhe, "se eu as aguento, com certeza também as podes aguentar". Ela pergunta porquê 😁 É assim que começa o filme.
O professor, a quem todos chamam Monk (porque o seu primeiro nome é Thelonious, mas também porque evoca a sua misantropia), é logo chamado à direcção onde lhe explicam que já há várias queixas de alunos que se sentem ofendidos com ele e mandam-no tirar uma licença para refrescar as ideias.
Ele é um escritor respeitado mas pouco popular porque não escreve livros 'negros' que são os livros que as editoras querem, porque vendem: ambientes violentos de afro-americanos que falam em vernáculo e passam a vida a entrar e a sair da prisão. Monk irrita-se porque nas livrarias os livros dele aparecem sempre na secção dos livros afro-americanos e ele, que nem acredita na raça, escreve obras universais e não étnicas.
Também se irrita por as editoras terem essa expectativa esteoretipada do que deve ser um livro de um escritor negro, porque praticam, sem sequer perceberem, um racismo igual ao racismo de não os publicarem por serem negros, que é o de julgarem que um indivíduo, se nasceu com pele escura, é unidimensional e vive exclusivamente por, e para, essa questão.
Vai a Boston visitar a família. A mãe está com os primeiros sintomas de Alzheimer a progredir muito rapidamente, a irmã, que vive com ela e é médica, morre passados uns dias de ele lá chegar e o outro irmão, que também é médico, está com problemas porque a mulher apanhou-o na cama com um homem, expulsou-o de casa, ficou com os filhos e com mais de metade dos doentes -também é médica- sendo que vivem numa pequena cidade.
Monk resolve escrever um livro, exageradamente estúpido e mau, de acordo com o gosto idiota e estereotipado das editoras. Escreve-o mesmo ridículo para ser uma espécie de bofetada satírica nas editoras. Ninguém percebe a ironia e o livro é logo um sucesso - quanto pior ele fala e mais estúpido é o seu comportamento, mais sucesso tem 😁
Escreve o livro sob pseudónimo e nunca aparece em pessoa nas entrevistas. Inventa que fugiu da cadeia e é perseguido: as editoras e o público adoram. 😁
Porém, as coisas complicam-se comicamente quando ele faz parte de um júri literário sério e os outros membros brancos querem dar o prémio àquele livro estúpido que escreveu sob pseudónimo. Ele começa a tenta livrar-se do livro -aquilo era para ser um gozo- mas já não consegue porque está no top das vendas. 😁
Entretanto acompanhamos o drama da sua família, uma família normal com os problemas e as complexidades normais das famílias que nada têm que ver com a raça mas com o ser-se humano.
Muito bom o filme. Uma sátira ao absurdo a que se chegou na sociedade, em termos de comportamentos e linguagem que em vez de acabar com as desigualdades de direitos, substitui-as por outras desigualdades de direitos e preconceitos.
March 12, 2024
Filmes - acerca da consciência
Ontem estive a analisar com uma turma a questão da ação humana. O que tem a acção humana que a diferencia de acções de outros animais ou de pessoas incapacitadas, mentalmente, por exemplo. Uma das dimensões da acção humana é a consciência - mas o que é isso da consciência?
Este filme é brutal. Mostra um mundo com empatia e capacidade emocional mas sem consciência, a não ser naquele sentido normativo, formal. E o resultado é brutal.
É um filme inglês sobre o mundo nazi ou sobre o que foi o nazismo ou o que o mundo nazi fez às pessoas: deu-lhes permissão de verem a vida como um jogo de ganhar e perder e de o jogarem com as características mais cruéis da pior versão de si mesmas. Ditadores depravados e brutais têm esse efeito de incentivar o povo a fazer vir ao de cima a sua pior versão possível: Hitler, mas também Putin, como Mao, Estaline e outros do género.
É um filme diferente do que costumam ser os filmes sobre o nazismo que, geralmente, tentam mostrar o horror pela imagem brutal de pessoas perseguidas, emaciadas pela fome, torturadas, etc. Mas este filme não tem uma única imagem de judeus, embora se passe em Auschwitz. O horror do filme está na falta de horror que é a falta de consciência e a brutalidade anti-semita dos campos, que não se vê, nunca, mas é o pano de fundo do filme: ouve-se o tempo todo.
O filme passa-se durante a Segunda Guerra Mundial, na casa do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, que está separada do campo de Auschwitz, por um muro alto. Outros oficiais das SS moram ali atrás do muro, como eles. Höss vive ali com a mulher, Hedwig e os 5 filhos. A casa deles tem um jardim enorme, meio idílico, todo florido, com caramanchões, uma piscina. Hedwig organiza festas para as famílias dos oficiais no jardim da residência. Ela é a perfeita esposa alemã-nazi e floresce nesse papel. Adora a sua vida. Vemo-la juntar-se com as mulheres dos outros oficiais nos dias em que chegam comboios com judeus e os guardas dos campos vão lá levar os pertences mais caros que roubaram aos judeus: um casaco de vison, combinações de seda, jóias, etc. Ela fica sempre com o melhor, por ser a mulher do comandante. Ela é de uma brutalidade gelada. Tem uma empregada doméstica polaca, não judia. Um dia a empregada engana-se e ela diz-lhe, 'Vê lá o que fazes, sabes que posso pedir ao meu marido e ele transforma-te em cinza".
Quase todas as cenas do filme são filmadas como um palco de teatro em que o fundo é o muro que separa a casa do campo de extermínio. Então, por exemplo, estamos a vê-los numa festa no jardim e o fundo é o muro e, por detrás, a torre do campo, com guardas com metralhadoras, as chaminés com colunas grossas de fumo dos judeus a serem incinerados, a par com os sons que são constantes: gritos de guardas, tiros de pistola e de espingarda, crianças a chorar, pessoas aos gritos. Há uma cena em que ela leva o filho bebé para cheirar as dálias acabadas de florir no jardim (o adubo das flores do jardim são as cinzas e pedaços mortos dos judeus) e vemos as colunas de fumo a erguerem-se no céu atrás do muro e sabemos que o cheiro das pessoas queimadas deve ser insuportável, mas aquilo não a perturba. Ela é feliz ali...
Ela vive ali como num paraíso. Quando o marido é nomeado inspector-chefe dos campos e tem de mudar-se, ela diz que não vai com ele, porque tem ali a vida de sonho que sempre quis: tem tudo o que possa desejar, vem-lhe tudo ter à porta, todas a tratam com deferência, é admirada por todos, os filhos estão felizes, etc. Os filhos não estão felizes. Um deles, que brinca muito sozinho no quarto, no 1º andar, de vez em quando vai à janela porque o barulho é insuportável e olha para o campo com um ar muito perturbado.
Entretanto, o marido só pensa em tornar o campo mais eficiente. Reune-se com engenheiros para pensarem como arrefecer uns fornos enquanto outros trabalham para poderem queimar judeus 24 horas por dia. Nos dias em que chegam comboios, liga aos outros para eles irem lá escolher quem querem. Quando é nomeado inspector, vai à conferência de Wannsee e depois vai a uma festa. Em vez de divertir-se passa o tempo a pensar se seria fácil ou difícil gasear todos os presentes dada a altura do tecto do salão de baile.
A mãe dela vai lá passar uma semana com eles. Admira o jardim dela e a piscina. Pergunta-lhe se os judeus estão do lado de lá do muro e interroga-se se a ex-patroa dela, uma judia, estará lá a trabalhar. A mulher não faz idea do que lá se passa. Na primeira noite, não consegue dormir com o barulho dos tiros, da gritaria e vemo-la ir à janela e ficar perturbadíssima. No dia seguinte a família descobre que ela foi-se embora a meio da noite sem dizer nada a ninguém e percebemos que ela percebeu a extensão do horror que ali se passa e 'viu' a filha na sua realidade: uma pessoa brutal, sem consciência. E fugiu dali.
A atriz que representa Hedwig, a mulher de Höss, é a Sandra Hüller, uma alemã, que é uma excelente atriz (é a actriz de Anatomia de Uma Queda). Também o que representa Höss é alemão. Mas o papel dela é mais difícil e o filme centra-se nela. Tem de ser muito difícil representar um papel destes, sendo alemã... e o que mostra é uma consciência muito apurada e desenvolvida do que foram todas as transgressões humanas dessa época em que a maioria dos alemães eram nazis e conviviam muito bem com o nazismo.
Isso é o que vemos no filme: uma sociedade, que esta família representa, brutal e depravada que se sente feliz e à vontade com a escravidão e a subjugação e exterminação dos outros seres humanos. Estão todos muito bem na vida e o que fazem está de acordo com as novas normas e leis.
March 06, 2024
Por falar em filmes: Das Lehrerzimmer (A Sala de Professores)
Vi este este filme, alemão, que em português se chama, A Sala de Professores. O filme passa-se numa escola normal alemã, à volta de uma professora de Matemática e da sua turma de 7º ano. Acontece que há um roubo e desconfiam de um aluno que se vem a saber que não é culpado. Depois descobre-se a pessoa culpada mas essa descoberta gera uma crise grande, na turma, entre os alunos, entre a turma e a professora -que também é DT-, entre os alunos e a direcção da escola, entre os pais e a professora e entre os pais e a direcção da escola.
February 01, 2024
Filmes - Anatomia de uma queda
O título do filme tem um sentido duplo. Por um lado trata-se de saber o que se passou para que um homem, que vive com a sua mulher e filho, isolados numa montanha dos Alpes na fronteira entre a França e a Alemanha, tenha morrido de uma queda de uma janela do segundo andar da casa mas, por outro, trata-se de dissecar a queda da relação conjugal deles.
Após a descoberta do corpo, pelo filho, é aberto um inquérito e a mulher é suspeita porque a queda dele é suspeita e ela era a única pessoa em casa. No decorrer do inquérito a sua vida conjugal é totalmente exposta.
A certa altura damos por nós menos interessados em saber se a morte dele foi acidente, suicídio ou homicídio e mais interessados na complexidade da relação entre eles.
Ninguém sabe o que se passa dentro de uma relação conjugal, mas as relações decaem, mesmo as melhores, por um acumular de falta de comunicação, falta de respeito e consideração e muito ressentimento engolido. Falta de comunicação. O filme faz mais perguntas que dá respostas.
O casal conheceu-se em Londres -ele é francês, ela alemã- quando ela estava na faculdade e ele escrevia e era aí professor. Tiveram uma ligação imediata e tinham uma relação de grande cumplicidade e intimidade intelectual e emocional, para além de física. Tiveram um filho. Um dia o filho é atropelado à porta da escola e fica cego e o pai culpa-se, porque devia ter ido buscá-lo e não foi.
O filho ser cego é uma metáfora, penso, da situação de ninguém saber o que se passa dentro de um casamento, mesmo que viva na mesma casa e partilhe a vida dessas pessoas.
A partir dessa altura a relação deles começa a decadência. A mulher ressente-se da culpa obsessiva dele porque pensa que isso marca negativamente o filho - como se fosse menos pessoa por ter ficado cego; ele isola-se na culpa e isola-a, afasta-a; resolve ficar a trabalhar o mínimo de horas como professor e deixar de escrever para se dedicar inteiramente ao filho; o dinheiro deles vai-se nos tratamentos do filho; ela, que também é lésbica, gere o caos em que se tornou o casamento com um affair com uma rapariga; como quer ser honesta, conta ao marido e diz-lhe que foi só uma coisa sexual; claro que ele sabe que isso de ser só sexual não existe e leva a traição muito a mal - fica muito ressentido; ele propõe irem viver na sua casa de infância, nos Alpes franceses, para poupar dinheiro e porque quer o afastamento dela de tentações; ela aceita; dado que ele desistiu de escrever para se dedicar ao filho, ela pede para usar uma ideia dele num livro; o livro tem um enorme sucesso e ela torna-se uma escritora de grande sucesso; ele ressente-se com isso; ela não é uma mulher de se acomodar às inseguranças do marido, não pede desculpa de ser quem é.
Enfim, como se inquina uma relação de amor (eles ainda sentem amor um pelo outro) com muita areia que se deixa entrar na engrenagem e nunca se limpa. Eles são ambos íntimos mas, ao mesmo tempo, estranhos. Estão sempre desconfortáveis na sua comunicação, dado que ele não fala o alemão e ela fala pouco o francês. Encontram-se em inglês, Isso dá-nos a impressão da infinita distância que há entre as pessoas, mesmo duas pessoas que estão numa relação íntima de amor e de como tem que estar sempre a traduzir-se para o outro.
As cenas no tribunal reforçam essa ideia de que o que se sabe de fora, no que respeita a um casamento, mesmo quando toda a vida é exposta, é uma pequena fresta da realidade que não diz nada de verdade das pessoas e das situações. Como tirar uma frase de um livro que não se leu e pensar que se percebeu a verdade da obra a partir daquela pequena fatia.
A interpretação dela é excelente. Muito contida, sem emocionalismos, com uma grande ansiedade que vai crescendo mas sem nunca descair para uma simplificação do que era complexo. Mantém a lealdade ao marido e tenta preservar a sua memória para o filho. O filho é um rapaz memorável e de uma grande inteligência: sendo cego, vê muito mais do que parece. Muito bom no filme, capaz de uma grande tensão emocional e de passar do registo de criança assustada pela morte do pai a pré-adulto a decidir a sua posição (curiosidade: o actor é filho de uma portuguesa emigrada de Famalicão). O marido nunca se vê, a não ser numa cena em retrospectiva em que assistimos a uma discussão entre eles que acaba em grande violência verbal (como acontece entre casais que acumulam tensões sem as resolver) e não só. Belíssimos diálogos. Um filme que nos deixa a pensar.
O filme é muito grande com duas horas e meia, mas essa demora parece necessária para entrarmos gradualmente em todos os interstícios psicológicos da relação deles.
Não vou contar o que se passa e a conclusão a que chegam, mas posso dizer que o filme não é uma americanada e isso, só por si, já diz muito.
January 10, 2024
There are not nice people
Este filme -Saltburn, que se refere ao nome de uma propriedade- pode-se classificar como comédia negra ou gótica ou burlesca ou sátira... não sei bem, mas é sobre não haver pessoas boazinhas. É verdade que há, nos extremos, alguns que são miseravelmente maus e que há alguns outros extraordinariamente motivados pelas coisas certas, digamos assim, mas no meio desses há uma miríade de gente que, em diversos graus, não são pessoas boazinhas. Todos são capazes de actos de crueldade, de hipocrisia, de cobardia, de maldade, etc.
O filme lembra-me, em parte, o Ripley de Patricia Highsmith; o Brideshead Revisited; o Gatsby, o Brutti, sporchi e cattivi... porém, não é nenhum deles. É muito mais mordaz e cru. Como se diz no filme, Oliver, a personagem principal, é uma traça sombria atraída pela luz das borboletas ao ponto de comê-las para ser 'elas'. 'Elas' nunca percebem a sua realidade sombria porque estão demasiado entretidas a serem borboletas caprichosas e algo cruéis, embora não o percebam.
January 01, 2024
Filmes - Stalker
Stalker é um filme de Tarkovsky, um realizador russo considerado um dos maiores realizadores de sempre. Foi o último filme que fez na URSS. Apesar de começar a sua carreira na era de Nikita Khrushchev, uma era de abertura ao Ocidente na literatura e arte, começou a ter sérios problemas com as autoridades na época de Brezhnev e saiu da URSS, vindo a fazer os seus dois últimos filmes no exílio. Só fez sete filmes. Depois, fez alguns documentários e outros trabalhos pequenos. Dele só tinha visto, Ivan's Childhood (1962) e Andrei Rublev (1966). Hoje de manhã estive a ver este filme, de longe o meu preferido agora. Este filme é para ver mais que uma vez porque é tão rico em imagem, diálogo e significado que à primeira vez não se consegue (ou eu não consigo) processar todos os pormenores.
December 30, 2023
Ter voz própria
Estava a ver o filme e a pensar o que faz com que uma pessoa nascida com um talento extraordinário para a pintura escolha ser falsária em vez de deixar o seu legado para a posteridade? Em parte, como lhe diz uma personagem no filme, faltou-lhe a força de vontade, a alma, para enfrentar os críticos e vencer as adversidades próprias dos artistas que têm que abrir caminho por si mesmos.
December 26, 2023
Filmes - Maestro
Este é o 2º filme dirigido por Bradley Cooper. Não gostei do 1º -A Star Is Born- que achei uma americanada mas fiquei surpreendida com este filme e com o facto de ser apenas o seu 2º filme como realizador, tendo em conta que a sua formação é de actor e não de realizador. O filme é muito bom. O título engana porque não é uma biografia de Bernstein enquanto Maestro, nem sequer uma análise de como se tormou o Maestro Bernstein. É uma análise da sua persona vista através da anatomia da sua relação com Felicia Montealegre, uma atriz de teatro de origem chilena com quem esteve casado até à morte prematura dela, de cancro. Ela e ele tiveram uma conexão imediata desde o momento em que se conheceram e ela foi um factor da estabilidade da vida dele -um indivíduo exuberante mas depressivo- de compreensão e apoio para que ele se pudesse encontrar consigo mesmo, mas a sua relação era muito complicada porque ele também era homossexual e tinha, paralelamente, amantes jovens, coisa que nunca lhe escondeu. O filme é muito bom a dissecar esta relação à lupa, digamos assim e a mostrar o quão complexas e profundas podem ser as pessoas e as suas relações.
No filme temos direito a 3 ou 4 excertos de concertos, em ensaio ou em performance que recriam performances de Bernstein que existem gravados e podem ver-se no YouTube (ele foi o maestro mais gravado de sempre - era o Sinatra da música clássica) dos quais o mais impressionante é o trecho da Ressurreição da 2ª sinfonia de Mahler, gravada numa catedral de Londres e que Bradley Cooper conduz in loco, diante de uma orquestra real a tocar o excerto. São mais de 6 minutos de uma única cena em que Bradley Cooper é, verdadeiramente, Berstein, com aquele modo exuberante, emocionado e apaixonado que ele tinha de conduzir.
Bradley Cooper e Carey Mulligan, a atriz que representa Felicia Montealegre, fazem ambos uma representação extraordinária: ele porque olhamos para ele e vemos mesmo Bernstein e ela porque olhamos para ela e vemos o seu interior e o dele. Ela consegue exteriorizar o interior profundo de ambos.
November 18, 2023
Filmes - The Old Oak
Um filme de encontro de culturas. Passado em Durham, no Norte de Inglaterra, uma localidade em declínio há 30 anos, pobre e envelhecida devido ao fecho das minas que empregavam a população local. É neste comunidade que instalam um grupo de famílias sírias fugidas à guerra. De início vistas com desconfiança e preconceito, acabam por ser aceites pelos locais por via da colaboração entre o dono do último pub local (The Old Oak) e de uma rapariga síria. O filme não lida com os problemas do multiculturalismo, que são complexos, não lida com o radicalismo, nem serve, penso, nenhuma política, apenas nos lembra que os estranhos, quando nos aproximamos deles, deixam de ser um grupo estereotipado e passam a ser seres humanos individuais, logo, compreensíveis nas suas particularidades.
October 13, 2023
Vice
Está a passar um filme na TV chamado «Vice», que não conhecia. «Vice» refere-se ao vice-presidente de Bush, Dick Cheney, o mais poderoso vice-presidente dos EUA, de sempre. O filme retrata Dick Cheney, como um patife-ladrão, cheio de negócios escuros com os tipos do petróleo, um ditador encapotado do género daqueles fazendeiros ricos de terras e gado dos filmes de cowboys que têm um gang de malfeitores a trabalhar para eles e a aterrorizar toda a gente, sendo que o seu gang de malfeitores era o aparelho do Estado, o pessoal da Casa Branca. George Bush aparece como um idiota chapado sem moral que não vê um boi à frente do nariz enquanto dá todos os poderes ao Vice que desfalca o país e cria a sua unidade de torturadores e bandidos. O homem tem 82 anos e vive na boa. Nunca ninguém o chateou, a ele e a Bush, pela invasão obscena do Iraque ou por Guantanamo. Como é que as pessoas comuns hão-de ter confiança nos políticos?
October 01, 2023
Filmes - Golda
Golda é um filme sobre a guerra do Yom Kippur, em 1973, em que Sírios e Egípcios invadem Israel no dia do feriado religioso, em grande parte para se vingarem da derrota humilhante da coligação árabe na guerra dos seis dias, uns anos antes, que envolveu oito países árabes contra Israel.
September 17, 2023
Lisboa Antiga versão Hollywood
Fui dar com este filme de 1956, com a Maureen O'Hara, passado em Lisboa (chama-se Lisbon) e a música de abertura que acompanha os créditos iniciais sobre uma imagem da Torre de Belém, é o fado, Lisboa Antiga, mas em versão música romântica de Hollywood. Vou ver se o filme vale a pena.
September 07, 2023
Filmes antigos a preto e branco
August 28, 2023
Dois filmes - pessimismo, optimismo
Na semana passada vi dois filmes, um que nunca tinha visto, chamado, The Ticket e outro que tinha visto há vinte anos quando estreou mas que não tinha voltado a ver, The Pianist.
August 10, 2023
Uma fotografia surpreendente
Estamos habituados a ver Marlon Brando como pai dos outros três no filme, O Padrinho, mas na realidade ele era pouco mais velho do que eles e aqui, sem a caracterização e com um ar não muito mais velho que os outros (estão na casa dos 30 e ele na dos 40) damo-nos conta do bom trabalho que ele fez no filme porque nunca nem uma única vez o apanhamos a não ser o pai deles.
August 06, 2023
Filmes - Barbie
Aviso prévio: não pertenço à geração barbie, em minha casa nunca houve barbies, nem bonecas (uma ou duas que eram logo desmembradas), nem nunca me lembro da minha mãe ter alguma peça de roupa cor-de-rosa ou de nos vestir, alguma vez, de cor-de-rosa, nem mesmo em miúdas e somos cinco irmãs. Portanto, tudo no filme me é estranho e extremamente difícil de ver porque é tudo rebuçado: as pessoas, as coisas são rebuçados em fundo cor-de-cosa shoking. Confesso que fui passando para a frente e saltei grandes pedaços do filme porque percebe-se tudo na mesma e aquela excesso de cor berrante e artificialidade são agressivas. O filme é uma crítica social à barbização das mulheres e depois à censura das mulheres barbies pelos mesmos que as induzem a terem as barbies como ideal. Em jeito de paródia vão fazendo críticas à sociedade machista e à desumanização das mulheres e dos seus direitos: as mulheres têm que ser magras em certos sítios, gordas noutros, ser superficiais e, em geral, acomodar os interesses dos homens e não ter ambições fora da 'sua condição'. Só que o filme é uma americanada: tudo tão pouco subtil e no fim ainda temos que levar com uma explicação do filme, não vá sermos idiotas. Gostava de saber se as bonecas aumentaram as vendas.
August 05, 2023
Filmes - "Enemy at the Gates"
Está a passar este filme num canal da TV. O filme é uma espécie de óculo apontado para dois soldados atiradores furtivos, com o cenário da Batalha de Leninegrado a correr por detrás - as cenas de bombardeamentos e destruição de Leninegrado lembram as imagens actuais de Bucha, Mariupol e outras cidades ucranianas. Os russos deviam por os olhos nesta batalha porque os alemães foram lá para quebrar o espírito aos russos, mas quem se quebrou foram eles - mas os russos não aprenderam nada com a lição e estão agora eles a fazer o mesmo na Ucrânia: foram lá para quebrá-los e saiu-lhes o tiro pela culatra.
Neste filme, Vassily Zaitsev interpretado por Jude Law é o sniper russo e o Major Koenig, interpretado por Ed Harris, é o alemão. Vassily foi um grande herói da URSS e Koenig terá mesmo existido e sido um rival do outro lado. Enfim, eles dois, mais Danilov, o superior de Vassily e Tania, uma sniper russa por quem ambos os soldados russos se apaixonam são o motor da história que se passa nas ruínas dos prédios de Leninegrado. O cenário de ruínas de fábricas, de prédios e o entulho por todo o lado com mortos espalhados é fantástico porque consegue passar a atmosfera de uma cidade bombardeada, toda esventrada.July 29, 2023
Fui ver o filme Oppenheimer
Não sei bem o que dizer. Não é que o filme seja mau, mas bom também não é. Se não fosse estar cheio de bons actores não se aguentava. A minha amiga dormiu ao meu lado uns bons 45 minutos. Vários casais, mais novos, foram-se embora com os seus baldes de 10L de pipocas e as coca-colas, ao fim de duas horas.
O filme dura 3 horas. Se durasse 2.15h estava muito bem. O filme é, ao mesmo tempo, um meio para limpar o nome de Oppenheimer (que a seguir à guerra ficou muito manchado) e uma mensagem, à americana, contra a votação em populistas e em pessoas com muito desejo de poder. Quer explicar todos os aspectos da época, do homem e da política, tudo ao mesmo tempo e acaba por falhar em alguns.
A parte melhor do filme, quanto a mim, é a da formação de Oppenheimer e depois, em Los Álamos, a construção da bomba. A colaboração científica entre departamentos e as discussões sobre o átomo, o entusiasmo dos cientistas, as ideias sociais e políticas que atravessavam os meios académicos. Isso está muito bem feito. Também o controlo dos militares sobre a ciência e o produto final do projecto Manhattan em Los Álamos. Os espiões e toda a paranóia de segredos, de controlo, de poder, a pressão para compartimentar a informação para que não se soubesse ao certo o que estavam a fazer.
Em meu entender, há dois aspectos do filme que o estragam muito.
Um tem que ver com as acusações que fizeram a Oppenheimer quando ele se opôs, já no pós-guerra, ao desenvolvimento da bomba de hidrogénio com o argumento de que isso iria dar origem a uma corrida às armas. Esse processo, que existiu e foi uma humilhação para ele e depois do qual lhe retiraram a confiança para ser conselheiro na Comissão da Agência Atómica, foi um processo que partiu de pessoas do meio científico, nomeadamente de Strauss, um físico amador, Presidente da Comissão e que tinha grandes diferendos com Oppenheimer acerca da bomba H. e da política americana relativamente aos russos, no que respeita às armas nucleares.
Strauss foi um indivíduo que teve sucesso junto de Truman e levou a sua avante - no filme Truman aparece como uma espécie de Trump, um pragmático populista sem ética - muito bem representado por Gary Oldman. Strauss aparece como um conservador, um político manhoso e sem ética e até se diz que, mais tarde, Kennedy opôs-se à sua nomeação para o governo de Eisenhower, como se isso fosse um selo de vergonha.
Mas o que não se diz no filme é que todo esse processo foi influenciado, e talvez nem tivesse sequer existido, sem a era Macarthista, esse período de caça às bruxas, que atirou milhares de pessoas de grande qualidade para o desemprego ou para trabalhos de assentar chulipas nas linhas do caminho de ferro, como foi o caso de alguns dos cientistas que estiverem no projecto Manhattan. Oppenheimer não foi entregar pizzas mas ficou com a reputação e a carreira destruídas e foi depois uma pálida sombra do que era.
Enfim, o filme descreve as audições desse processo quase ipsis verbis, com todas as testemunhas e o que cada uma disse... são 40 minutos escusados e que dão ideia que a queda de Oppenheimer se deve a um único homem (Strauss) e ao seu desejo de vingança, como se os políticos, os militares e Hoover não tivessem sido a grande influência nessas políticas. As querelas entre cientistas acerca de lançarem as bombas no Japão quase não aparecem, embora tenham existido. No fim do processo, não vá nós todos sermos estúpidos e não termos percebido o que é uma corrida às armas, põem imagens de mísseis e do planeta a ser destruído por armas nucleares.
O outro aspecto que me chateia no filme é a descrição da sua relação com Jean. Oppenheimer conheceu Jean em Berkeley, nos anos 30. Essa foi uma época em que as ideias socialistas e comunistas estavam em voga nos EUA entre académicos, nomeadamente porque pareciam opôr-se à ascensão do nazismo. Jean era comunista, filiada no partido. Ele tinha uma obsessão enorme por ela e ela por ele. Ele pediu-a em casamento e ela rejeitou-o. Ele acabou por casar com uma bióloga com uma carreira, que foi atrás dele para Los Álanmos fazer de mãe e de esposa e que acabou metida na bebida - apesar de ele ser o seu 4º marido.
No entanto, Oppenheimer continuava obcecado por Jean e ela, de vez, em quando, ligava-lhe e chamava-o. Ele largava tudo e ia ter com ela à Califórnia, passava uma noite ou duas com ela. A relação deles era uma paixão intensa, mas não era apenas física. Eles discutiam ideias e sabemos que liam muita poesia em conjunto. Ora, na altura da construção da bomba atómica, o governo estava muito preocupado com o facto de ele manter relações com uma comunista (ele andava sempre vigiado) sendo que os russos tinham espiões a tentar sacar informações de todo o lado. O que é certo é que, dois meses após ele ter ido ter com ela, uma das vezes que ela lhe ligou, Jean apareceu morta em circunstâncias estranhas e suspeita-se que tenha sido eliminada. Porém, no filme conta-se a história entre eles como sendo uma coisa puramente sexual.
Robert Downey jr. que interpreta Lewis Strauss tem um desempenho absolutamente notável. De resto, o filme é só bons actores e actrizes, a começar por Cillian Murphy, que representa Oppenheimer e cada um é melhor que o outro. Josh Hartnett que recria muito bem o entusiasmo contagiante de Ernest Lawrence, o inventor do ciclotrão. É sobretudo isso, estas belíssimas representações, que tornam possível ver todas as suas três horas com interesse mas fica-se com a impressão que há algum desperdício de bons actores num filme que podia ser excelente se fosse mais subtil e contido ou económico.