Não sei bem o que dizer. Não é que o filme seja mau, mas bom também não é. Se não fosse estar cheio de bons actores não se aguentava. A minha amiga dormiu ao meu lado uns bons 45 minutos. Vários casais, mais novos, foram-se embora com os seus baldes de 10L de pipocas e as coca-colas, ao fim de duas horas.
O filme dura 3 horas. Se durasse 2.15h estava muito bem. O filme é, ao mesmo tempo, um meio para limpar o nome de Oppenheimer (que a seguir à guerra ficou muito manchado) e uma mensagem, à americana, contra a votação em populistas e em pessoas com muito desejo de poder. Quer explicar todos os aspectos da época, do homem e da política, tudo ao mesmo tempo e acaba por falhar em alguns.
A parte melhor do filme, quanto a mim, é a da formação de Oppenheimer e depois, em Los Álamos, a construção da bomba. A colaboração científica entre departamentos e as discussões sobre o átomo, o entusiasmo dos cientistas, as ideias sociais e políticas que atravessavam os meios académicos. Isso está muito bem feito. Também o controlo dos militares sobre a ciência e o produto final do projecto Manhattan em Los Álamos. Os espiões e toda a paranóia de segredos, de controlo, de poder, a pressão para compartimentar a informação para que não se soubesse ao certo o que estavam a fazer.
Em meu entender, há dois aspectos do filme que o estragam muito.
Um tem que ver com as acusações que fizeram a Oppenheimer quando ele se opôs, já no pós-guerra, ao desenvolvimento da bomba de hidrogénio com o argumento de que isso iria dar origem a uma corrida às armas. Esse processo, que existiu e foi uma humilhação para ele e depois do qual lhe retiraram a confiança para ser conselheiro na Comissão da Agência Atómica, foi um processo que partiu de pessoas do meio científico, nomeadamente de Strauss, um físico amador, Presidente da Comissão e que tinha grandes diferendos com Oppenheimer acerca da bomba H. e da política americana relativamente aos russos, no que respeita às armas nucleares.
Strauss foi um indivíduo que teve sucesso junto de Truman e levou a sua avante - no filme Truman aparece como uma espécie de Trump, um pragmático populista sem ética - muito bem representado por Gary Oldman. Strauss aparece como um conservador, um político manhoso e sem ética e até se diz que, mais tarde, Kennedy opôs-se à sua nomeação para o governo de Eisenhower, como se isso fosse um selo de vergonha.
Mas o que não se diz no filme é que todo esse processo foi influenciado, e talvez nem tivesse sequer existido, sem a era Macarthista, esse período de caça às bruxas, que atirou milhares de pessoas de grande qualidade para o desemprego ou para trabalhos de assentar chulipas nas linhas do caminho de ferro, como foi o caso de alguns dos cientistas que estiverem no projecto Manhattan. Oppenheimer não foi entregar pizzas mas ficou com a reputação e a carreira destruídas e foi depois uma pálida sombra do que era.
Enfim, o filme descreve as audições desse processo quase ipsis verbis, com todas as testemunhas e o que cada uma disse... são 40 minutos escusados e que dão ideia que a queda de Oppenheimer se deve a um único homem (Strauss) e ao seu desejo de vingança, como se os políticos, os militares e Hoover não tivessem sido a grande influência nessas políticas. As querelas entre cientistas acerca de lançarem as bombas no Japão quase não aparecem, embora tenham existido. No fim do processo, não vá nós todos sermos estúpidos e não termos percebido o que é uma corrida às armas, põem imagens de mísseis e do planeta a ser destruído por armas nucleares.
O outro aspecto que me chateia no filme é a descrição da sua relação com Jean. Oppenheimer conheceu Jean em Berkeley, nos anos 30. Essa foi uma época em que as ideias socialistas e comunistas estavam em voga nos EUA entre académicos, nomeadamente porque pareciam opôr-se à ascensão do nazismo. Jean era comunista, filiada no partido. Ele tinha uma obsessão enorme por ela e ela por ele. Ele pediu-a em casamento e ela rejeitou-o. Ele acabou por casar com uma bióloga com uma carreira, que foi atrás dele para Los Álanmos fazer de mãe e de esposa e que acabou metida na bebida - apesar de ele ser o seu 4º marido.
No entanto, Oppenheimer continuava obcecado por Jean e ela, de vez, em quando, ligava-lhe e chamava-o. Ele largava tudo e ia ter com ela à Califórnia, passava uma noite ou duas com ela. A relação deles era uma paixão intensa, mas não era apenas física. Eles discutiam ideias e sabemos que liam muita poesia em conjunto. Ora, na altura da construção da bomba atómica, o governo estava muito preocupado com o facto de ele manter relações com uma comunista (ele andava sempre vigiado) sendo que os russos tinham espiões a tentar sacar informações de todo o lado. O que é certo é que, dois meses após ele ter ido ter com ela, uma das vezes que ela lhe ligou, Jean apareceu morta em circunstâncias estranhas e suspeita-se que tenha sido eliminada. Porém, no filme conta-se a história entre eles como sendo uma coisa puramente sexual.
Robert Downey jr. que interpreta Lewis Strauss tem um desempenho absolutamente notável. De resto, o filme é só bons actores e actrizes, a começar por Cillian Murphy, que representa Oppenheimer e cada um é melhor que o outro. Josh Hartnett que recria muito bem o entusiasmo contagiante de Ernest Lawrence, o inventor do ciclotrão. É sobretudo isso, estas belíssimas representações, que tornam possível ver todas as suas três horas com interesse mas fica-se com a impressão que há algum desperdício de bons actores num filme que podia ser excelente se fosse mais subtil e contido ou económico.
Infelizmente, o governo americano só o reabilitou há poucos anos.
ReplyDeleteSim.
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