... e muito menos com estes argumentos. Rui Tavares começa por gozar com as pessoas do abaixo-assinado não serem muçulmanos, ciganos ou imigrantes mas pessoas como o ex-Presidente da República, o ex-Primeiro Ministro, o Cardeal Patriarca, etc. O que ele quer salientar é que estamos a falar de gente tão dogmática ou atávica como se costumam julgar aqueles grupos citados.
Depois argumenta que a disciplina é obrigatória e por isso tem de ser frequentada. É evidente que ele sabe muito bem que a questão está em haver quem discorde da obrigatoriedade da disciplina mas, sendo obrigatória, pedem que, no mínimo possa haver objecção de consciência.
Depois argumenta que a objecção de consciência não se aplica à disciplina de Cidadania porque a educação é um direito fundamental que os Estados asseguram. O que tem uma coisa a ver com outra? Por essa ordem de ideias, tudo pode ser declarado objecto de estudo obrigatório desde que o Estado o deseje? Então, o Estado não nos representa a nós? Ou um governo quando é eleito assume que tem um cheque em branco para impor os seus desejos?
A seguir diz, com ignorância, que a objecção de consciência refere-se aos alunos e não aos pais. Isto é porque não sabe, nem se deu ao trabalho de pensar um bocadinho que os pais são responsáveis educação dos filhos. Pensa que os alunos da escola são os da universidade. Um aluno não pode, a não ser que tenha 18 anos, decidir ter ou não ter a disciplina de Moral, por exemplo. Os encarregados de educação é que dizem, sim ou não, porque são eles quem decide da educação dos filhos, até certa idade.
Em seguida argumenta que perguntar se deve haver cidadania é como perguntar se deve haver português. Estamos em Portugal, aprende-se português, somos cidadãos, aprende-se cidadania. Rui Tavares não é estúpido e percebe muito bem que são coisas diferentes, aprender a língua ou matemática, o que implica conhecimentos técnicos e frequentar uma disciplina que tem por base posições ideológicas e filosóficas, porque isso de ser cidadão, estritamente falando, é cumprir os seus deveres cívicos: respeitar a lei e a ordem estabelecida; sendo-se contra, usar-se os canais legais até ao limite do possível; participar na escolha dos governantes e na vida política do país, fazer valer os seus direitos. Mais nada.
A disciplina de cidadania que existe nas escolas extravasa em muito estes princípios e aborda assuntos que, por muito que nos custe, não estamos todos de acordo. Vamos supor que estávamos com um governo em que o ministro da educação fosse do Chega e resolvesse mudar os temas da disciplina para: defesa da vida (mesmo a embrionária), defesa da família tradicional, defesa dos valores da Pátria, etc. Se calhar o Rui Tavares assinava uma carta contra a obrigatoriedade da disciplina. E depois respondiam-lhe: então a nossa Pátria é Portugal, é normal termos uma disciplina que defenda os seus valores; o nosso país é maioritariamente católico, é normal que se aprenda a respeitar os valores do catolicismo e da família tradicional, etc. - estes são os mesmo argumentos de Rui Tavares.
No que me diz respeito, a disciplina cria problemas sem méritos que o justifiquem. Grande parte do que ali se fala, aborda-se em outras disciplinas como o ambiente, a sustentabilidade, a sexualidade: fala-se disso tudo na Biologia. Questões como o respeito, a tolerância, as questões da convivência entre culturas, os direitos humanos, a justiça social, questões de ética, os deveres individuais e sociais, etc., abordam-se na disciplina de Filosofia. Aliás, acontece chegarem à disciplina de Filosofia e já terem falado de certos temas, várias vezes!! uma em cada ano que tiveram a disciplina, mas de maneira descontextualidada dos princípios filosóficos que as sustentam, porque a disciplina é dada por qualquer professor, o que não ajuda nada... e, pior, já não suportam ouvir falar das mesmas coisas.
Os temas da disciplina de cidadania fazem parte daquilo que se chama o currículo escondido e que corresponde à aprendizagem de comportamentos e valores pelo exemplo do professor e da escola. Se os professores, nas suas aulas, são pessoas que respeitam os alunos, respeitam pontos de vista diferentes, respeitam os direitos dos alunos, exigem que eles respeitem os direitos dos outros e cumpram os seus deveres, se gerem a aula com princípios de exercício de liberdade, dentro das regras, se mostram respeito por outras raças, outras culturas, se dão exemplo de não serem racistas, machistas, homofóbicos, etc. Se não deixam que nas aulas haja actos de violação de direitos humanos e discutem isso com os alunos em cada caso que surge; se cumprem os seus deveres de cidadania política e incentivam os alunos a fazê-los, pois isso é que é educar para a cidadania.
Se são o oposto disso, quer dizer, se mostram ser racistas, machistas, agressivos, etc., é indiferente que haja uma disciplina de cidadania. Se a escola em si não é uma organização democrática, muito antes pelo contrário, como é o caso, para quê haver uma disciplina de cidadania? Para nos tirar montes de aulas que precisamos para os currículos gigantescos? Ou é para ser como o grande evangelizador das massas que impõe estas disciplinas e só fala de direitos e em grandes princípios mas depois, na prática, vêmo-lo sem respeito, nem pelos outros, nem pela lei? A cidadania é um exercício, uma prática, não um evangelho.
É claro que o Estado pode impor a disciplina a todos como obrigatória como impõe muita coisa, mas não devia. A prioridade do Estado devia ser comportar-se ele mesmo com civismo, dentro do respeito pelos outros, nomeadamente pelos alunos e pela lei.