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November 14, 2024

"Deves pagar-me o preço das mortes"

 



Início do Acto III (a ópera está completa no YouTube - seguir este link)


"As óperas de Richard Wagner (1813-1883) fazem parte do repertório de todo o circuito mundial da música. Se em vida o compositor encontrou, durante longa parte de sua atribulada existência, grande resistência dos círculos musicais mais conservadores, incapazes de conceder o valor devido a seu gênio criativo, a passagem dos anos permitiu que se fizesse justiça histórica a seu talento singular. 

Como compositor, Wagner subverteu a música ao propor inovações técnicas e estéticas que até então não haviam sido devidamente realizadas por seus predecessores. Tais modificações na estrutura dramática das óperas e da própria concepção sobre a natureza da música foram motivadas por questões de cunho filosófico, o que pode ser percebido ao se analisar o cerne de sua criação teórica, especialmente os escritos A Arte e a Revolução e A Obra de Arte do Futuro

Sua vasta produção intelectual não se encerra nesses dois ensaios, mas o estudo deles permite entender a gênese de suas propostas estéticas. A obra teórica de Wagner é marcada pela assimilação de diversas correntes filosóficas que também se refletem imediatamente nos enredos dramáticos de suas óperas. 

Dessa maneira, encontramos ecos das ideias de Feuerbach em Tannhäuser, a partir da noção de “sensualidade sadia”; de Proudhon, no caráter libertário do personagem Siegfried, da tetralogia O Anel de Nibelungos, lutando contra toda autoridade sustentada pela opressão e pela maldição da riqueza material como fonte de toda corrupção humana; de Schopenhauer, no libreto de Tristão e Isolda, ópera na qual encontramos uma autêntica aplicação dramática das teses apresentadas em O Mundo como Vontade e como Representação, assim como na obra que é a culminação artística de Wagner, Parsifal. 

De todos os grandes compositores da tradição musical ocidental, talvez seja Richard Wagner justamente aquele que tenha elaborado uma compreensão filosófica sobre a criação artística, a sociedade moderna e as suas relações políticas de forma mais consistente e enriquecedora para o debate intelectual da cultura oitocentista e mesmo para as pesquisas estéticas posteriores. 

Wagner se destaca dos compositores de até então por vislumbrar em sua carreira a conciliação entre seu ofício musical e sua produção teórica. Se houve antes dele compositores dotados de sólida formação intelectual, certamente o gênio de Leipzig foi quem soube externar publicamente de forma mais apurada tais qualidades. A obra teórica de Wagner é marcada pela assimilação de diversas correntes filosóficas que também se refletem nos enredos de suas ópera. 

As contribuições mais importantes de Wagner para a Filosofia se dão em sua estética engajada, marcada pela politização de suas ideias. Nos ensaios A Arte e a Revolução e A Obra de Arte do Futuro encontram-se o projeto de transformação radical das bases valorativas da sociedade europeia oitocentista, mediante a sua reeducação estética e a criação de um gênero artístico que envolvesse efetivamente a participação do povo em seu processo de elaboração. Se até então as condições técnicas que possibilitavam a criação artística se encontravam nas mãos das classes abastadas (primeiramente o mecenato aristocrático e, posteriormente, o financiamento burguês), tornava-se necessário o pertencimento dos recursos artísticos aos maiores interessados nesses bens culturais: a classe dos artistas e aqueles que verdadeiramente dignificam as suas criações.

Wagner se engajou efetivamente nas revoluções populares ocorridas a partir de 1848 e, refletindo esse anseio de transformação social radical, considerava que o genuíno artista deveria desenvolver a capacidade de utilizar os recursos artísticos em prol da criação de uma instância estética renovadora do ímpeto criativo recalcado pelo conservadorismo musical então vigente, capitaneando- se, assim, meios que permitissem o surgimento da “ópera revolucionária”. 

Servindo como instrumento de insurreição contra os normativos padrões morais estabelecidos por uma classe social desprovida de refinamento cultural, essa “ópera revolucionária” desenvolveria nos espectadores um conjunto de sentimentos impetuosos em prol da transformação social. Tais disposições seriam propícias para a modificação da decadente estrutura cultural vigente, marcada pela incompreensão do verdadeiro sentido artístico, pois utilizava a criação artística para fins comerciais e impedia o florescimento da genialidade de talentos relegados ao esquecimento. Para que essa situação se modificasse, a sociedade moderna, esteticamente renovada, deveria somar esforços para a formação do homem de gênio, capaz de aliar a nobreza de espírito à disposição criativa necessária para o empreendimento de grandes obras transformadoras da realidade sociocultural existente (WAGNER, A Arte e a Revolução, p. 56)."

Edição número 51 da Revista Filosofia Ciência e Vida, “Óperas com um toque de Filosofia” - excerto (via https://pqpbach.ars.blog.br/)

***



Ato III — As oito irmãs guerreiras de Brünnhilde reuniram-se no topo das montanhas, para levar os heróis mortos para Valhalla. Ficam surpreendidas ao ver Brünnhilde chegar com uma mulher, Sieglinde. 
Quando ouvem que ela está fugir da ira de Wotan ficam com medo de a esconder. Sieglinde está entorpecida pelo desespero até que Brünnhilde lhe diz que ela carrega um filho de Siegmund. Agora, ansiosa por se salvar, ela pega nos pedaços da espada de Brünnhilde, agradece-lhe e corre para a floresta para se esconder de Wotan. 
Este aparece e sentencia que Brünnhilde se torne uma mulher mortal, e silencia os protestos das suas irmãs ao ameaçar fazer-lhes o mesmo. 
Deixada sozinha com o seu pai, Brünnhilde alega que, ao desobedecer às suas ordens, estava realmente a fazer o que ele desejava. Wotan não cede: ela deve ficar num sono profundo até que um homem a encontre. 
Ela pede para ser cercada no sono por uma parede de fogo que apenas o herói mais corajoso possa penetrar. Ambos percebem que este herói deve ser a criança que Sieglinde irá ter. Wotan beija os olhos de Brünnhilde imprimindo--lhe o sono e a mortalidade antes de convocar Loge, o deus do fogo, para cercar a rocha. Quando surgem as chamas, Wotan invoca um feitiço que desafia qualquer um que tenha medo da sua lança a enfrentar as chamas.


Quem quiser seguir o texto da obra pode fazê-lo aqui: luciaduraes.com.br/oanel/index. Tem a ópera completa em versão bilingue, alemão e português (do brasil). 
(obrigada a quem teve a amabilidade de nos permitir aceder à tradução integral do texto, de borla)

April 16, 2024

Vozes (isto é para fanáticos de vozes de ópera)

 


"Signore, ascolta" (Leona Mitchell no papel de Liu) seguido de "Non piangere Liu" (Placido Domingo no papel de Calaf) - Turandot, ópera de Puccini, no MET de NY (1988) ❤️


October 09, 2023

Como estragar uma ópera

 



Ontem fui ao S. Carlos ver a Madama Butterfly de Puccini. Quando saímos do Teatro, eu estava chateada com o que fizeram no 3º acto, mas atrás de mim vinha um homem completamente furibundo a vociferar impropérios.

Há coisas que não entendo. O compositor escreve a música para um determinado libreto, para expressar as emoções e situações dessa história e pensa a encenação de acordo com a música e as emoções que quer transmitir, mas depois vem um encenador qualquer modernaço e diz, 'epá, se calhar Puccini não sabia o que estava a fazer e eu é que sei...'

Em primeiro lugar não percebo porque puseram uma mezzo a cantar o papel da Cio-Cio-San (Madama Butterfly) quando o papel é para uma soprano dramático com muita maturidade, amplitude vocal, criatividade e ainda capacidade de expressar uma grande complexidade de emoções... isso nota-se quando ela canta Un bel dì, vedremo. Não foi bom, porque foi longe do que devia ter sido. Não é para a voz dela.

A Madama Buterfly é uma tragédia contada do ponto de vista de uma mulher japonesa. A ópera foi estreada em 1904. 
Conta a história de Cio-Cio-San, uma japonesa de 15 anos, orfã de pai, que apesar de ser oriunda de uma família nobre, depois do suicídio do pai tem de trabalhar para viver e torna-se uma geisha. Ela é de uma beleza tão delicada que lhe chamam, Butterfly.

Um dia, um casamenteiro japonês (Goro) vai ter com ela e propõe-lhe casar com um oficial americano (Pinkerton) que acaba de chegar ao Japão e ela diz que sim. Enquanto o americano se ri do casamento e espalha dinheiro por todo o lado -ao casamenteiro para lhe arranjar uma casa e criados, à família dela-, e troça dos rituais japoneses, Butterfly leva aquilo tudo a sério, adopta o deus dele, renega os seus deuses (por causa disso é renegada pela família e amigos e fica só), casa-se com ele e dedica-se inocentemente a amá-lo. Isto é o 1º acto e em geral foi bom. 

No 2º acto Butterfly espera por Pinkerton que regressou à America, não antes de prometer-lhe que voltaria rapidamente - ela espera-o na sua casinha que fica num alto para que possa olhar o porto e ver quando o barco dele chega. Passaram 3 anos e o dinheiro que ele deixou está quase a acabar. 
Pois ontem, puseram a casa dela no meio de ruas frequentadas por prostitutas... não tem nada a ver com a personagem. Ela tem uma inocência cheia de dignidade e uma enorme fé no amor dele e na palavra dele. Ela tem um filho dele e está quase sem dinheiro mas rejeita uma proposta de casamento de um homem muito rico e continua na na sua casa, americana, como diz, à espera dele e insiste que a tratem por Madama Pinkerton, apesar de Susuki lhe dizer constantemente que ele não volta. Ela nunca deixa de acreditar nele. Quando bem cantado, todo este acto é muito comovente, esse amor todo que ela tem por ele e se sente na voz dela. 
No fim do segundo acto, ela avista o navio de Pinkerton. Veste o kimono do casamento, arranja-se toda, espalha flores pela casa e espera, com o filho, que ele apareça. Ela não sabe mas ele casou com uma americana que sabe do filho e vem para convencê-la a dar-lhe o filho para ser educado na América. 

O 3º acto devia abrir com ela na mesma posição, à espera dele enquanto a criada e o filho adormeceram. Ela fica toda a noite acordada à espera dele. A música é muito dramática com intervalos de silêncio. 
De manhã, vê aparecer a mulher americana no jardim e não percebe quem é, mas pressente que algo de morte se aproxima. 
Pinkerton, a quem o cônsul amigo lhe conta como ela espera inocentemente por ele, só então se apercebeu do que fez, não tem coragem de ir vê-la e mandou a mulher falar com ela, mas é a criada, Suzuki, quem lhe diz que Pinkerton não vem mas quer levar o filho para a América para ser educado pela mulher a sério.

Butterfly despedaçada pela dor e pela humilhação, despede-se do filho, vai à caixa onde tem o punhal com que o pai fez o seppuku e cheia de uma imensa dignidade, depois de ler a inscrição que o pai pôs na faca, Morre com honra, quando é impossível viver com honra, faz ela mesmo o seppuku segundo o ritual japonês, na altura em que Pinkerton, arrependido da sua cobardia, chama por ela e entra na casa, apenas para a ver morrer.

Pois quando se abre a cortina do 3º acto no S.Carlos, Butterfly é uma velha de cabelo branco e saia plissada que parece avó da sua própria mãe e que adormeceu numa cadeira de sem-abrigo, num bairro dos subúrbios... what?? 
Todo o 3º acto ela se arrasta como morta e no fim quando ouve a voz dele, em vez de se matar, atira a faca ao ar e morre, não se percebe de quê, caída na cadeira. Um horror... Claro que cantar vestida e arranjada com o quimono tradicional do casamento para se suicidar segundo o ritual japonês e cantar mascarada de velha a arrastar-se, projecta, para a própria cantora e para nós uma atmosfera completamente diferente e em vez daquele final comovente onde o heroísmo e a fortaleza do seu sacrifício contrastam com a sua delicadeza trágica, temos uma cena patética e tudo isso transparece na voz.

Daí que o homem atrás de mim estivesse furibundo a vociferar - apesar disto, imensa gente gritou e bateu palmas a esta barbaridade. Ainda bem que houve quem saísse de lá feliz.
A história de Butterfly não é sobre mulheres abandonadas por homens maus, mas sobre diferenças culturais. Pinkerton é o americano pragmático de sucesso que olha as outras culturas como inferiores, muito atrás no progresso industrial que ele representa e ainda apegadas a rituais disparatados retrógrados. Quando volta ao Japão, manda o cônsul falar com ela porque não está para ter que se incomodar a dar-lhe explicações inúteis do seu ponto de vista, uma vez que só quer o filho, o que para ele é sinal de pragmatismo, isto é, querer dar uma educação decente ao filho. Total falta de delicadeza e respeito para com as outras pessoas de outras culturas diferentes. Ele não age assim para magoar Butterfly, mas por puro egoísmo e sobranceria cultural, inconscientes. Só ganha consciência de que é vil no seu comportamento quando dá de caras com a inocência e a dignidade dela. 

Pois, o encenador não percebeu nada e transformou uma cena extremamente sensível, dramática e comovente numa cena patética. Uma pena. O elenco era quase todo português e era bom. Estamos com boas vozes na casa e não percebo porque não fazem mais óperas jé que a prata da casa cumpre. Podem poupar dinheiro em encenadores da moda. Vamos à ópera para ouvir cantar a música que os compositores compuseram e não para sairmos de lá chateados com desvirtuações experimentais de encenadores que querem parecer modernaços.

June 13, 2023

Post para fanáticos de ópera

 


Como diz um comentador, Callas canta e ouve-se, na sua voz, todas as emoções de Leonora:  a fragilidade, o desespero, a confusão, a raiva e a determinação. Tudo. É perfeitamente compreensível que as pessoas enlouquecessem com ela. 

Esta é talvez a ária de Verdi mais difícil para soprano.


June 12, 2023

Uma tarde na ópera

 

Ontem fui ver O Trovador, de Verdi, ao S. Carlos. Começo já por dizer que gostei imenso. Quase tudo muitíssimo bom. O Trovador é uma ópera difícil que precisa de vozes muito boas, porque não tem tempos mortos e os cantores são obrigados a cantar sempre no limite das capacidades. Para além disso, é uma ópera que tem cenas de exaltação e cenas de sofrimento extremos o que pede vozes muito bem moduladas e educadas. Um grande controlo técnico e uma grande expressividade.

O Trovador é uma drama lírico, de superstição, obsessão, vingança, amor e morte - não são quase todas?- entre 4 personagens:

 - Manrico, trovador ao serviço do Príncipe de Biscaia (tenor)
 - Leonora, dama da corte (soprano)
 - Conde di Luna, um nobre de Aragão (barítono)
 - Azucena, uma cigana da Biscaia (mezzo-soprano)

O Trovador pensa ser filho da cigana (mas não é) que está apostada numa vingança contra o conde, cujo pai matou a sua mãe na fogueira. O conde está apaixonado pela Leonora que por sua vez está apaixonada por Manrico, o Trovador. Acaba mal, claro, mas até morrerem cantam todos muito bem :)

A ópera passa-se na Idade Média. O décore era uma estrutura a evocar algo entre o castelo e  a armadura medievais. Multifacetada, ia rodando e mostrando uma faceta diferente consoante a cena. Muito inteligente e a criar um efeito metálico e rústico de Idade Média. A encenação muito boa, o movimento do coro e dos figurantes no placo, muito bom. Os figurinos e as roupas excelentes. a capa de um vermelho cerise da Leonora completamente de acordo com a emoção da ária, a criar um efeito dramático muito eficaz. 

As cantoras femininas, ambas portuguesas (Cristiana Oliveira, a soprano e Cátia Moreso, a mezzo), ganharam o palco. A mezzo que faz de cigana tem uma voz mesmo perfeita para o papel de Azucena e uma presença forte em palco, o que é necessário, nesta ópera. Muito boa. A soprano que fazia de Leonora, tem uma voz rica, com um grande alcance e cheia de expressividade. Capaz de grande lirismo, muita doçura, um controlo de voz excelente. Cada vez que ela começava a cantar ficava imediatamente com a pele toda arrepiada e emocionada. 

O conde, o barítono, um italiano, começou um bocadinho frio mas foi sempre a melhorar  e cantou muito bem, muito convincente. O tenor, o Trovador que dá o nome à ópera, um russo, foi o menos bom. Chegou ao fim da terceira cena com a voz a sumir. Redimiu-se no fim, mas é um tenor com uma voz que não emociona nada (porém, tinha lá uma claque a gritar por ele). O coro esteve excelente, como de costume. Foi mesmo, mesmo bom. 

Aqui neste concerto ao Largo do S. Carlos, há uns 3 anos, dá para apreciar a voz da Cristina Oliveira.

É uma pena que não tenham gravado a ópera. Dantes, quando a TV era mais que novelas e programas ordinários, passavam óperas. Óperas, teatro, concertos. Enfim...

April 25, 2023

A night at the opera

 


Venho de ouvir o "Holandês Voador" de Wagner no CCB. Espectacular. Absolutamente espectacular. Adorei a encenação. Fui ver quem é o encenador: Max Hoehn. Muito moderna, minimalista a tirar o máximo efeito dos adereços e das luzes de modo a fazer sobressair a atmosfera da música. Todo o primeiro acto é em três cores, apenas: vermelho, negro e branco. Toda a movimentação dos cantores e do coro é de grande efeito dramático, às vezes quase escultórico. Muito dinamismo e imaginativo na maneira de evocar as ondas do mar, as tempestades e os espíritos dos marinheiros fantasmas. 

A música de Wagner, como se sabe, vai do maior clímax dramático a trechos de grande majestade e de exuberância que caem de repente no mais puro lirismo romântico encantador. Esta ópera foi o primeiro grande êxito de Wagner e há trechos em que 'ouvimos' já as Valquírias, outros em que se adivinha o Tristão (os últimos minutos da ópera). 

Todos os cantores foram bons mas o Holländer, cantado por Tómas Tómasson, um barítono islandês, um baixo-barítono (este da fotografia), é de uma categoria superior. Estávamos no 1º acto a ouvir o capitão do barco (um baixo) a cantar muito bem, numa atmosfera escura e meio tenebrosa, quando um corpo embrulhado numa capa negra começa a rolar lentamente até à boca do palco num efeito dramático extraordinário. De repente levanta-se um indivíduo enorme e começa a cantar com um enorme vozeirão de barítono sem nunca perder a clareza e a musicalidade da voz. Toma conta da cena. Fui procurar ao YouTube um excerto de uma actuação dele para pôr aqui, mas é tudo tão infinitamente distante da qualidade dele ao vivo, que desisti. O indivíduo tem uma voz e uma presença wagnerianas do melhor que se pode ver e sempre que ele está em palco, toda a cena e os outros cantores ficam carregados de energia. Nós estávamos no meio da segunda fila e o efeito da voz dele é indescritível. Uma voz rica e sombria. Depois, os seus gestos, a figura e a maneira como a iluminação caí sobre as suas mãos no meio da penumbra, fazia com que parecesse uma coisa fantasmagórica mesmo. Excepcional.

Ainda há duas récitas da ópera, amanhã e depois de amanhã, para quem goste de Wagner. Estas vozes e este nível de representação não se vêem todos os dias. No fim a casa veio abaixo, como se costuma dizer.


Também gostei muito da soprano, Gabriela Scherer. Uma voz muito bonita. São ambos novos e têm muitos anos de canto pela frente.

Fui ao site da operabase ver onde é que ele anda a cantar nos próximos meses mas é longe.
 
Tenho pena que não tenham gravado esta representação. Se eu soubesse que era assim tão boa tinha comprado bilhetes para todos os dias. Foi tudo bom, dos músicos aos cantores, do encenador ao coro. 

Para quem não sabe a história do Holandês Voador imagine uma espécie de Piratas das Caraíbas em versão melodramática, machista 😁 Wagner era machista, racista e anti-semita, mas fazia uma música de nos pôr nos céus de maneira que tudo lhe perdoamos 😁... estou aqui numa excitação que nem tenho sono...

March 05, 2023

Uma ópera estragada pela encenação

 


Venho de uma tarde de ópera no S. Carlos. Lucia di Lammermoor de Donizetti. É uma ópera dramática daquelas de faca e alguidar. A Lucia gosta de um tipo, casa com outro, aquele de quem gosta zanga-se, chama-lhe traidora, ela enlouquece de amor, morre e ele quando sabe, suicida-se (canta um bom quarto a plenos pulmões à hora da morte).

A encenação da ópera foi ridícula - o encenador é o mesmo espanhol que no ano passado nos obrigou a ver o Fausto, nu, em palco e uma fulana a lavar-lhe o rabo durante montes de tempo... pois esta encenação ainda foi pior. Tão má e ridícula que houve cenas de grande dramatismo que viraram burlesco à conta das parvoíces da encenação que nos distraiam e, muito pior, faziam rir. Houve alturas em que foi difícil conter o riso. A certa altura alguém num camarote deu uma gargalhada porque enfiaram a Lucia dentro de um carro no meio do palco e ela destravou o carro.

Uma pessoa vai ver esta ópera pelo canto. É uma ópera que requer habilidade e virtuosismo, sobretudo da soprano e do tenor que têm de ser de grande qualidade. Não vamos vê-la por causa do cenário ou da acção. A maioria das cenas têm duas pessoas em palco a cantar os seus estados de alma e de dor e não se passa nada a não ser o que dizem um ao outro.

A ópera passa-se no século XVI na Escócia, entre nobres. O encenador resolveu pôr dois planos temporais na ópera. Num plano estamos na actualidade e está uma mulher a ler a história da ópera... a mulher entra em cena vestida com umas cuecas e um soutien encarnados de renda diminuta, vai mostrar o rabo e as mamas ao público, depois veste um fato de treino ordinário e passa toda a ópera, tipo emplastro a intrometer-se no meio dos cantores. Há alturas em que entram os amigos dela, vestidos como drogados sem abrigo. Um bate-lhe. Em outra altura ela está outra vez de roupa interior e os homens apalpam-na, mexem-lhe no peito, põem-lhe água dentro das cuecas... uma coisa estúpida, de mau gosto e completamente descabida. Enquanto os outros cantam, vestidos à época, está a fulana num sofá encarnado no meio do palco, a rir, depois come bolachas... 

O cenário da ópera é uma lixeira de electrodomésticos ladeada por candeeiros daqueles antigos de auto-estradas e um candeeiro de 5 euros do chinês à laia de lustre. A Lucia, o Edgardo e os outros todos, vestidos como nobres da época no meio da lixeira... uma coisa sem sensibilidade e esteticamente agressiva. 

Um  dueto que a Lucia e o Edgardo cantam muito bonito, estragado pelo emplastro das cuecas encarnadas a meter-se no meio. Uma coisa mesmo de bandalheira.

A soprano é uma portuguesa com uma voz muito bonita, mas a encenação desvalorizou-a completamente. Isso irritou-me. A cena mais emblemática da ópera é quando ela enlouquece. É uma aria enorme de quase um quarto de hora de coloratura extraordinária, que pede grande técnica e ornamentação vocal com efeitos de trilos, mordentes, cadenzas, etc. É muito difícil de cantar. Pois puseram a soprano dentro de um pequeno Lada, no meio do palco, os faróis acesos apontados para nós e projectavam a imagem dela numa tela. Uma coisa indecente. A soprano é grande, a cantar uma aria muito exigente e difícil, sentada apertadinha no carro, mal se ouvia. 

A cena, que tem um grande impacto, não teve impacto nenhum. Uma pena, porque se percebe que, se a tivessem deixado cantar com liberdade para usar o corpo, ela teria cantado muito bem. No fim, fazem-na sair do carro vestida com um fato de treino de licra. Distraímo-nos do canto porque só se repara nos pneus que se movem à medida que ela canta. Uma coisa sem dignidade, sem sensibilidade e sem respeito, nem pela música nem pelos cantores.

No fim muita gente bateu palmas à encenação... não percebo... foi um desperdício de boas vozes e foi dinheiro mal gasto. A encenação foi uma coisa feia e absurda que alguém deve pensar que é muito moderna e estragou a ópera.

(nem vou contar a cena do padre agarrado ao telemóvel ou do casamento deles e o coro com facalhões na mão...)


October 15, 2022

Mozart’s Idomeneo



@YingletSings singing Ilia’s Act III aria, “Zeffiretti lusinghieri,” in the final dress rehearsal. Acclaimed conductor @ManfredHoneck leads Jean-Pierre Ponnelle’s elegant production.


October 09, 2022

Uma tarde na ópera

 


Ontem fui ao São Carlos ver, «L'elisir d'amore», de Gaetano Donizetti. É uma comédia romântica. Passa-se na província italiana da Toscana. Nemorino, a personagem principal, um pobre camponês, está perdidamente apaixonado por Adina, a mulher educada e endinheirada da zona, a quem persegue. Ela não lhe liga nenhuma. Eis que passa pela vila um charlatão, «doutor enciclopédico», como se auto-intitula e o engana, vendendo-lhe uma garrafa de vinho como um elixir do amor igual ao do Tristão e Isolda. Nemorino põe-se a beber o vinho acreditando ser um elixir do amor. É claro que no fim tudo acaba bem como nas comédias românticas. 

Foi muito bom. Bem cantada, bem representada, encenada com imaginação e muito dinamismo. O tenor espanhol que fez de Nemorino e que canta uma das árias mais apreciadas do reportório do bel-canto, «Una Furtiva Lagrima» esteve muito bem. A Adina, que aparece aqui no vídeo mais abaixo a falar da ópera também esteve muito bem. O baixo chileno que faz de Dulcamara, o  «doutor enciclopédico», muito bem também. E o resto do elenco mais o coro, também muito bem. 

A ópera é divertida, foi muito giro. Uma tarde muito bem passada.

Depois fomos comer petiscos a um restaurante bastante bom que serve perdiz de escabeche em tostas, um pitéu que absolutamente adoro. Óptimo encerro de dia feliz.








September 16, 2022

Maria Callas morreu neste dia há 45 anos. (Post só para fanáticos de ópera)

 

Pus o vídeo a começar em, Nel di della vittoria do Macbeth de Verdi que é a segunda ária que canta neste concerto em Hamburgo a 15 de Maio de 1959 - a segunda parte deste vídeo é de outro concerto. 

Ela é extraordinária nesta ária.


May 21, 2022

"A night at the opera"

 


Ontem fui ao São Carlos ver o «Fausto» de Gounod. Uma ópera grande, em cinco actos, baseada na primeira parte da obra homónima de Goethe. Desde que o «Fausto» veio à luz, por assim dizer, nunca mais deixou de inspirar obras, tanto na literatura como na música. Há muitas peças musicais baseadas no poema de Goethe e três grandes óperas, sendo esta de Gounod a mais popular e a que mais vai à cena nas casas de ópera. É uma peça muito melódica e que se desenvolve com muita profundidade.

A peça abre com o Dr. Fausto velho, doente, em fim de vida, a reflectir sobre a falta de sentido do mundo, mas incapaz de se desapegar, revoltado e tentado pelo suicídio, «Nada. Em vão interrogo a Natureza e o Criador», diz Fausto, antes de invocar Satã, com quem fará um pacto de vender a alma em troca da juventude. Este início é muito melódico. 

A encenação não começou muito bem, para o meu gosto. Vemos Fausto, já muito velho, entrar numa cadeira de rodas empurrada por uma enfermeira, parar diante de uma banheira gigante no meio do palco (que tem um pêndulo gigante a balouçar para indicar a passagem inexorável do tempo), despir a camisa e ficar nu, de costas para nós. Depois, enquanto ouvimos aquela música impregnante e melódica estamos a ver a enfermeira lavar o rabo do Fausto... não havia necessidade. Percebe-se a ideia do peso da carnalidade humana na superficialidade da vida, mas... enfim, passado este início, foi tudo muito bom. 

O tenor, Mario Bahg, cantou a sua parte com muito lirismo, muita sensibilidade, sobretudo nas partes mais íntimas. Mefistófeles, um baixo, Rubén Amoretti, aparece como um dandy fantástico, sempre seguido por dois demónios visualmente insidiosos e maléficos nos seus movimentos (no final, já nos agradecimentos, desmascaram-se e vamos que são duas mulheres) é como um mestre de dança que comanda todas as almas para a perdição eterna. A cena da danação de Marguerite é verdadeiramente impressionante. Num ambiente escuro e fantasmagórico, Marguerite reza, perto de um padre, aos pés de uma pietá. Eis que aparece Mefistófeles e um monte de gente que ele possui, como marionetas momentaneamente animadas, contra ela - a própria escultura ganha vida e Cristo e sua Mãe começam numa dança erótica, bela na sua decadência obscena, tudo cantado com grande beleza e profundidade dramáticas. A cena da dança das bruxas também é impressionante, uma espécie de bacanal dos infernos a acompanhar o enlouquecimento de Marguerite.

Marguerite é a personagem que mais evolui ao longo da peça. Começa como uma donzela cheia de excitação pela vida, pelo amor e pelas riquezas e no fim da obra é uma mulher desiludida, abandonada grávida por Fausto que se esgota -ele, não ela- na busca ávida de prazeres e na satisfação dos desejos. 

O soldado, Valentin, irmão de Marguerite que canta uma das árias mais bonitas e famosas da ópera -avant de quitter ces lieux - é um barítono português, André Baleiro, com uma voz cheia e de grande dimensão, vencedor do prestigiado concurso alemão de Heidelberg, DAS LIED.

Enfim, desde os cenários, muito inteligentes (como têm de ser sempre no São Carlos que é uma casa de ópera muito pequena e não tem espaço para grandes construções em palco), a movimentação das personagens em cena, o coro do São Carlos (excelente), o jogo de luzes que ajudou na perfeição ao ambiente temático da ópera, até à prestação da Orquestra Sinfónica Portuguesa e ao seu maestro, foi tudo muito bom e no fim gritámos todos em ovação como acontece quando as óperas são boas e há um frisson na assistência.

Adoro esta ópera, conheço-a de cor e em casa estou habituada a cantar à medida que ouço música, de maneira que estava a fazer um esforço para acompanhar a melodia só com os ouvidos e a mente.

Para quem gosta de ópera, um espectáculo que quando é bom é insuperável, porque completo, já que inclui tantas artes diferentes, recomendo vivamente uma noite na ópera, no São Carlos, a ouvir o «Fausto» de Gounod.

(André Baleiro canta aqui bem, mas ontem cantou, ainda, muito melhor)

texto também publicado no delito de opinião

March 19, 2022

Ontem fui à Ópera

 


Ver Così Fan Tutte, de Mozart, em versão concerto, na Gulbenkian. Così Fan Tutte é uma ópera buffa.

Foi muito giro. Estava bem encenada, apesar de ser em versão concerto e muito bem cantada e interpretada. Todo o elenco era bom. Gostei particularmente da Despina, cantada pela soprano sul-coreana Sunhae Im. Uma voz belíssima e uma excelente interpretação do papel. Muito expressiva (estávamos numa das filas da frente e percebe-se tudo) e cómica, como convém ao seu papel e a esta peça. O baixo, Marcos Fink que cantou a  personagem de Dom Alfonso, foi muito bom também. E os outros quatro também. O barítono que é um alemão, também muito bom. A Natalie Pérez que aparece classificada como mezzo-soprano mas que a mim me parecia uma soprano. E o coro muito bem. A orquestra tocou bem e no geral foi muito bom. Uma noite bem passada.

A ópera é longa de três horas inteiras - é de um tempo em que se ia à ópera e enquanto decorria o espectáculo se conversava com os amigos, entrava-se e saia-se do camarote para falar com este e aquele e ir ao camarote de outro em vez de estar em silêncio sentado três horas. Bem, ainda hoje, quando estamos num camarote vamos pondo em pé e esticando as pernas e isso. Enfim, mais um dia de ir cear às onze da noite e sermos praticamente expulsos do restaurante :)


February 06, 2022

Onde apetecia estar esta noite

 


Uma cena (O Cabaret do Inferno) da produção do «Fausto» de Gounod da Royal Opera Hause - pode ver-se em streaming, até 13 de Fevereiro, aqui: https://stream.roh.org.uk/.../faust-2019/videos/faust-2019


November 21, 2021

Francesca di Rimini







O 'Inferno' de Dante narra a tragédia do casamento do deformado Gian Ciotto Malatesta de Rimini com a bela Francesca, que se apaixona pelo seu irmão mais novo, Paolo. Os dois amantes são surpreendidos por Gian Ciotto, que os esfaqueia até à morte, condenando-os assim a serem eternamente varridos pelo vento no segundo círculo do inferno.




Paolo and Francesca da Rimini, 1863 by Gustave Doré. 280.7 x 194.3 cm, Private Collection.



[Francesca a Dante, Inferno, Canto V]


«O animal grazioso e benigno
che visitando vai per l'aere perso
noi che tignemmo il mondo di sanguigno,

se fosse amico il re dell'universo,
noi pregheremmo lui della tua pace,
poi c'hai pietà del nostro mal perverso.

Di quel che udire e che parlar vi piace,
noi udiremo e parleremo a vui,
mentre che 'l vento, come fa, si tace.

Siede la terra dove nata fui
su la marina dove 'l Po discende
per aver pace co' seguaci sui.

Amor, ch'al cor gentil ratto s'apprende,
prese costui della bella persona
che mi fu tolta; e 'l modo ancor m'offende.

Amor, ch'a nullo amato amar perdona,
mi prese del costui piacer sì forte,
che, come vedi, ancor non m'abbandona.

Amor condusse noi ad una morte:
Caina attende chi a vita ci spense».
Queste parole da lor ci fuor porte.

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«Ó animal gracioso e tão benino
  que visitando vais pelo ar averso,
  nos que o mundo tingimos de sanguino,
se fosse amigo o rei do universo,
  lhe iríamos pedir a tua paz,
  pois te apieda o nosso mal perverso!
Dize o que ouvir e o que falar vos praz,
  que ouvimos e dizemos em seguida,
  em se calando o vento, como faz.
Assenta a terra em que antes fui nascida
  sobre a marina onde o Pó descende,
  que a paz a seus sequazes quer mantida.
Amor que o coração asinha aprende,
  este prendeu dessa gentil pessoa
  a mim tirada; e o modo inda me ofende.
Amor que a amado algum amar perdoa,
  tomou-me a seu prazer assim tão forte,
que como vez ainda se apregoa.
E o amor nos conduzir a uma só morte:
  Caína ao que matou dá recompensas.
  Suas falas nos chegam desta sorte.

(trad. Vasco Graça Moura)

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"O loving creature, gracious and benignant,
of what it pleases thee to hear or speak,
That will we hear, and we will speak to you,

While silent is the wind, as it is now.
Love, that on gentle heart doth swiftly seize,
seized this man for the person beautiful

That was ta'en from me, and still the mode offends me
Love, that exempts no one beloved from loving,
Seized me with pleasure of this man so strongly,

That as thos seest, it doth not yet desert me;
Love has conducted us unto one death;
Caina waiteth him who quenches our life."

October 18, 2021

Morreu Edita Gruberová (1946 – 2021)

 


Hoje mesmo. Que pena.

Aqui a cantar a ária mais famosa da Königin der Nacht da 'Flauta Mágica' de Mozart, em 1982. É difícil cantar esta ária melhor que isto. Que voz e que técnica.


September 05, 2021

Inveja 🙂

 


Amigos mandam-me fotografias da ópera de Viena de Áustria onde se está a passar uma Traviata agora mesmo. Inveja 🙂




August 18, 2021

Estou com pena do meu vizinho ahah

 


Estou aqui a ouvir "As Vésperas Sicilianas" num tom pouco civilizado e, para piorar a coisa, vou cantando a plenos pulmões (enfim, pulmão) ahah   daqui a bocado vem-me bater à porta...




agora vou na Tarantella




September 03, 2020

Mais talento - Leonor Amaral

 

Uma soprano coloratura portuguesa. Canta com presença e graça esta ária muito conhecida de Don Pasquale, uma opera buffa.