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September 27, 2023

Tenho usado muito textos de jornalistas nas aulas

 


Para que os alunos os avaliem quanto à qualidade dos padrões de pensamento crítico que temos estado a abordar. Confesso que uso bastante os textos de alguns opinadores de vários jornais, embora não diga o nome deles nem o jornal onde escrevem porque isso não interessa para o objectivo.

Esta aula usei este texto desta opinadora -os textos dela são dos mais ricos em ausência de padrões de qualidade do pensar- para um objectivo principal que é o de os alunos compreenderem que estar de acordo com uma posição -neste caso, a crítica ao modo como um grupo de pessoas sabotou a apresentação de um livro- não nos dispensa de avaliar a qualidade da defesa da posição, pois uma má defesa presta um mau serviço à causa. O contrário também: sermos contra a posição defendida não nos dispensa de avaliar a qualidade da defesa dessa posição e de sermos capazes de lidar com ela e com os seus argumentos válidos.

Então pus os alunos a avaliar o texto e a procurar falhas de pensamento a partir dos padrões de qualidade pensamento crítico que abordámos na aula: clareza, exactidão, precisão, relevância, profundidade, amplitude, coerência, importância, imparcialidade e fundamentação.

Eis o que eles encontraram (melhorei aqui o modo como relataram a sua avaliação):

- imprecisão: o que significa dizer que agiram violentamente? Bateram nas pessoas? Rasgaram os livros? Chamaram nomes? Ofenderam os apresentadores dos livros? Está a falar de quê, ao certo? A autora não diz e são acções muito diferentes.

- incoerência: a pessoa ataca os que agiram agressivamente na apresentação do livro, mas o seu texto é agressivo - chama parvos e burros às pessoas que têm um ponto de vista oposto ao seu; diz que quem age em nome de um princípio maior normalmente actua de forma reprovável mas não fundamenta essa afirmação e a seguir diz, acerca de si mesma, que age em nome do progresso e dos progressistas - isso não é agir em nome de um princípio maior: o progresso? A autora diz que o livro só é comprado por quem quer logo a seguir a defender que disciplinas que defendem a mensagem progressista do livro devem ser obrigatórias.

- Clareza: quando a autora diz que as suas mensagens são progressistas não explica o que entende por progresso e não se percebe porque é que a sua posição é a que está de acordo com o progresso.

- Fundamentação: a autora diz várias vezes que 'todos sabemos' e que 'estamos todos de acordo' mas não justifica essa afirmação, não fornece dados que a suportem.


(entretanto hoje vejo que tem um texto a dizer que abomina a violência mas que quando se tem razão é justificável e outras barbaridades do género LOL essa vai para a próxima - entretanto tenho um texto de um opinador que defende que os miúdos são todos uns mal-educados e que o serviço militar é que os punha na ordem, com argumentos cheios de irrelevâncias, imprecisões, incoerências e nenhum fundamentação) 

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"Afirmaram-se defensores dos interesses das crianças. Pessoas que agem violentamente e agressivamente, que interrompem um evento cultural, que intimidam os participantes desse evento e que fazem declarações discriminatórias e antiprogressistas, pretendem estar ali em nome das crianças. É uma coisa a que já assistimos muitas vezes: quando as pessoas alegam estar a agir em nome de algo maior ou superior, normalmente atuam de forma reprovável. “Em nome de Deus” ou “em nome da minha família” nunca foi bom prenúncio. Invoca-se o melhor para fazer o pior.

Famílias conservadoras, até extremistas, não aceitam a mensagem progressista e inclusiva que algumas disciplinas tentam fazer passar. Temos assistido a isto.

Em primeiro lugar, o livro em questão apenas será comprado por quem o quiser comprar, ou seja, não será de leitura obrigatória.

Acresce que, por mais desprovidos de inteligência que sejam, e não os estou a acusar disso, deveriam saber que os efeitos do protesto que fizeram consistiram em dar maior visibilidade ao livro. É objetivo. O livro vai vender muito mais graças à lamentável intervenção deste grupo de extrema-direita. Vendo isto numa perspetiva que não é comercial: o livro vai ser lido por muitas mais crianças.

Os grupos de extrema-direita são os maiores defensores da liberdade de expressão e os grandes denunciadores daquilo a que chamam cultura de cancelamento e que imputam à esquerda woke. Estaremos todos de acordo nesta parte.

É essa luta civilizacional que estão a travar, e este modus operandi veio para ficar. Não lhes agradeçam a publicidade ao livro (caramba, nem tudo é comércio) e não se iludam por parecerem um grupo de parvos, comandados por um parvo de megafone. O que aconteceu na sexta-feira é grave e não deveria ter acontecido. Não foi positivo para a editora, nem para os autores, nem bom auspício para os destinatários do livro: as crianças."

Carmo Afonso in no meu bairro as coisas-estao-a-ficar-complicadas


February 22, 2023

Hoje comemora-se o dia do pensamento

 


Deixo aqui uma sugestão (ou duas) para o nosso ME. Sem ironia ou ofensa. Penso que todos beneficiávamos se tivesse umas tintas de pensamento fundamentado e consequente, filosófico. 

O primeiro livro, A Condição Humana é o que lhe recomendo. É um livro que pode ler-se com muito proveito, de dois em dois anos, por exemplo. De cada vez aprendem-se coisas novas, que fazem pensar e evoluir. Veja o índice. Tem uns capítulos que podiam ser lido pelo primeiro-ministro e pelo emplastro - não vale a pena dizer quais, é óbvio demais.

A segunda obra, A Vida do Espírito, em dois volumes, O Pensamento e A Vontade é mais específica, mas muito elucidativa e interessante para quem quer aprender a pensar.

Boas leituras!







December 05, 2022

A sabedoria não é uma coisa que se receba de alguém II

 

A sabedoria não é uma coisa que se receba de alguém e não é uma coisa que possa ser ensinada. Pode fornecer-se os instrumentos do pensar e mostrar o pensamento no acto de pensar -se não somos completamente desprovidos dessa arte.

Pensar é um termo que se diz em muitos sentidos porque várias operações intelectuais cabem no seu âmbito: discorrer, relacionar, imaginar, inferir, deduzir, calcular, etc. Por norma o pensamento de cada um é orientado por uma formação que o balizou e lhe deu um certo número de técnicas e hábitos que, por força do uso constante e propositado, acabam por penetrar todas as áreas da vida da pessoa. É assim que, sem querer, o biólogo vê em tudo processos dinâmicos vitais e o mecânico pense tudo como peças de uma máquina. Mas, o pensamento no seu sentido mais amplo de sabedoria não fica retido no domínio das técnicas e processos locais, antes vai mais longe, embora esse ir mais longe seja difícil de explicar, mas é um ir longe aos fundamentos e aos caminhos que vão desses fundamentos de volta às coisas, o que também implica uma educação particular do pensar, embora seja de uma natureza que pode aplicar-se a muitas áreas diferentes com proveito. Falo do pensamento filosófico.

Ontem estive o dia todo a classificar testes. Fiz um teste mais para pensar do que para escrever muito - confesso que também pensei em não levar tanto tempo a corrigi-los, o que se revelou um engano, porque perdi mais tempo a escrever em cada resposta o que foi mal pensado e porquê do que teria perdido se apenas tivesse que ler descrições. Dado que vivemos num mundo, já não de textos, mas de imagens e vídeos, os alunos perderam o hábito de ler continuamente, perderam vocabulário, logo, poder de conceptualização (também não conseguem interpretar a imagem), perderam o treino de concentração e de dar significado a cada conceito, quase não têm referências intelectuais, dada a orientação do ensino para a imagem, o vídeo, a brincadeira, o superficial, os sentimentos (talvez as pessoas não saibam mas os alunos dos dias de hoje pedem aos professores abraços e beijinhos e não é apenas no ensino básico, mas também no secundário), tudo em detrimento do pensamento, nomeadamente o pensamento crítico (que no entanto dizem ser um objectivo, mas claramente não é).

Quem desenha as políticas não compreende que o pensar crítico não se despeja em alguém, não se passa como numa corrida de estafeta e que nem todos têm os instrumentos do pensamento crítico. Na realidade, a maioria tem o pensamento formado numa orientação que é a da ciência ou da técnica prática que dominam e que nada tem de crítico. Pelo contrário. São formados em técnicas de verificação por acumulação, de assentimento, de soma de 'verdades', de indução sem falsificação, etc.

As redes sociais não ajudam e a maioria das 'discussões' online não passam de chamar nomes, fazer afirmações de princípio sem fundamento ou fazer petições de princípio ou citar alguém sem nenhum exame crítico. Depois levam esses hábitos para casa e os filhos levam-nos para as aulas e é preciso muito trabalho para desconstruir esses maus hábitos, sem o que, nada de construtivo se consegue.  

Um esquema do nível qualitativo/crítico de uma discussão argumentativa com vista à progressão no conhecimento (e quem sabe, na sabedoria), seria mais ou menos assim, indo do pior (as zonas cinzentas, a evitar) ao melhor:




October 26, 2022

e se...?

 

(...) e se a tecnologia e a IA em particular, não forem erros a recalibrar por um pensamento claro? E se o impulso interior, não confesso, da tecnologia moderna tiver as suas raízes no que Kant chamou "o conflito nas disposições naturais do humano"? E se for este o principal meio pelo qual o conflito se desenrola na nossa era?

Em vez de concluir de uma maneira fácil com uma série de perguntas orientadoras, deixem-me antes afirmar que nem a humanidade nem a tecnologia se vão submeter às reivindicações de racionalidade ou aos ditames da percepção moral. Há algo no ser humano que o detesta e procura activamente ultrapassá-lo, se não extirpá-lo. Seja o que for que esse algo seja, não se pode raciocinar com ele. É preciso atraí-lo para fora do seu esconderijo e confrontá-lo nos seus próprios termos psicóticos. O estabelecimento de normas de acção não nos ajudará a ultrapassar a insanidade da nossa espécie. Essa insanidade já colonizou, de muitas maneiras, a nossa racionalidade. O que é necessário é uma psicologia sombria do próprio processo de actuação. Não podemos fazer avançar a nossa humanidade, a menos que primeiro se traga à luz a raiva insurrecional contra a morte e a finitude que agita as profundezas da psique humana.

Robert Pogue Harrison on Markus Gabriel’s “The Meaning of Thought”

August 18, 2022

Um novo pensar, um novo dizer

 


"... sempre só podemos dizer como pensamos e pensar como falamos". Se, pois, o fundamento essencial de uma coisa — e seja ela o próprio ser homem — resultar na experiência de um novo pensar e ver em outra significação, então isto exige também um novo dizer, de acordo com ela.
— Heidegger, citado por BOSS, Medard. Prefácio de "Seminários de Zóllikon". Petrópolis: Vozes, 2009, p. 15.

July 25, 2022

Como é que os gregos antigos sabiam que a Terra era redonda?

 


Observavam, que é diferente de apenas olhar, porque observar implica pensar: fazer inferências, raciocinar, dar sentido ao que se vê, relacionar.


July 05, 2021

'Des-centrar-se'

 



A maioria das pessoas, no seu dia-a-dia, não existe realmente. Pense em como é estar sempre consigo. O que irá descobrir é que não está realmente consciente de si próprio, mas apenas do mundo à sua volta. Vê a cara de um amigo, ouve o som do alarme, sente o sabor de uma cerveja, o flash de um filme, a batida de uma canção, etc. Somos telescópios a olhar para fora.

Este é um aspecto chave para Sartre, que segue o gosto de fenomenólogos como Husserl.

Muito do modo como nos vemos vem de Platão e Descartes. Platão pensava que o mundo "lá fora" é corrupto [no sentido de não permanecer, morrer], ilusório e que para procurar a verdade deveríamos recuar para dentro de nós para contemplar Ideias. Descartes pensava os nossos pensamentos como sendo uma espécie de substância cujo cerne era o 'eu'. O 'eu' é interno; o mundo é externo. E, pensava, nunca os dois se encontrarão.

Mas para Sartre, o oposto é o verdadeiro. Ele escreveu que uma "recusa em ser uma substância é o que faz a consciência". Se queremos encontrar-nos, não o podemos fazer fechando-nos numa sala escura, queixo na mão, contemplando. Em vez disso, escreveu: "Não é nalgum esconderijo que nos descobrimos; é na estrada, na cidade, no meio da multidão, uma coisa entre as coisas, um humano entre os humanos".

Em suma, durante a maior parte da nossa vida, estamos apenas ocupados com o mundo. Há uma união perfeita e discreta entre si e as coisas com as quais interage. Como Sartre escreveu, "quando olho para o tempo, quando estou absorvido num retrato, não há eu". Pense em voltar a hoje, quantas vezes pode dizer que estava ciente de 'si próprio'?

Mas tudo isto é muito Husserl, e não particularmente original de Sartre (Heidegger e Kierkegaard frisam  pontos semelhantes). No entanto, há alturas em que 'podemos' reflectir sobre os nossos pensamentos, ou quem somos e "o eu dá a si próprio transcendência" e toma uma visão de cima, uma posição de avaliador dos seus próprios pensamentos.

Contudo, estes momentos de reflexão são raros e deixam-nos com um paradoxo. O ego, o sujeito de toda a vida, faz-se, nessas alturas objecto. A mão desenha-se a si própria e o olho olha para dentro. Mas, por mais estranho que isto seja, sabemos exactamente o que ele quer dizer.

Mini Philosophy

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[Este texto fez-me lembrar um artigo de jornal escrito pela Isabel do Carmo, que li hoje num blog, sobre o 25 de abril. Ela enumera todos os males da ditadura e dá exemplos de outras ditaduras da época e posteriores, todas de 'direita'; não cita uma única ditadura de Leste, da Ásia... é como se nunca ali tivesse havido ditaduras. Estava a ler aquilo e a pensar exactamente no que diz este texto: das duas uma, ou ela é intelectualmente desonesta, uma vez que tenta esconder que há ditaduras de esquerda ou é alguém incapaz de ver o seu próprio pensamento, de ver-se a pensar e ajuizar das sua estreiteza de pensamento. Alguém que pôs o seu 'ego' no centro e não é capaz de 'des-centrar-se', de se opor ao seu 'ego' e ver outros pontos de vista. Parto do princípio que seja esta segunda opção e não uma desonestidade com dolo, porque já li outros textos dela cheios de contradições acerca da violência e do seu passado violento, em que não diz coisa com coisa. Seja como for, fica-se com a ideia de que é uma pessoa intelectualmente desinteressante. Excepto o testemunho do que fez na sua vida, sendo honesta em relação a isso, nada se aprende com ela, uma pessoa que mostra ser incapaz de 'des-centrar-se' do seu 'ego'. Confesso que a certa altura comecei a ler o artigo na diagonal porque aquilo parece um trabalho de escola do 10º ano...]


December 20, 2020

'Estou a tentar pensar, não me confunda com factos'




Hanna Arendt distingue a procura da verdade que pertence à ciência, que busca certezas irrefutáveis através das evidências das aparências, para cujo acesso constrói máquinas cada vez mais precisas, da procura de sentido, que ultrapassa os limites do mundo fenoménico, das aparências e seus semblantes.

Segundo Arendt, enquanto o intelecto quer saber, o pensamento quer pensar e para pensar é necessário que o pensamento se recolha em si mesmo, porque o sentido não se mostra na aparência e para o apreender é preciso desviar os olhos da aparência, pois quando nos fixamos nela, nos traços sensoriais, estamos-lhe atentos e deixamos de pensar: apenas raciocinamos sobre o que nos é ali dado na percepção sensível. Os princípios, fundamentos do que aparece, não se mostram nas próprias aparências e são uma questão distinta da questão da verdade, embora a ela estejam ligados.

É diferente possuir verdades científicas, de possuir sabedoria, como ela mostra neste excerto onde o poema diz,

Imprevisivelmente, há décadas, Tu chegaste/ entre a interminável cascata de criaturas vomitadas / pela bocarra da Natureza. Um evento aleatório diz a ciência.

- ao que ela acrescenta: O que não nos impede de responder com o poeta:

Aleatório, o tanas! Um verdadeiro milagre, digo Eu /  Pois quem não tem a certeza de que estava destinado a ser?

Este, 'estar destinado a ser' não é uma verdade [científica] mas está carregado de sentido. Todas as verdades científicas são verdades de facto (de evidências observáveis); todas as verdades do pensamento, metafísicas, são verdades de sentido, de significado.

Quando queremos procurar o sentido de uma época, de um acontecimento, enfim, de uma realidade qualquer, é preciso ultrapassar os factos e aparências dados, sob o risco de apenas produzirmos colecções de verdades sem sentido, presas nos seus próprios limites de percepção.

É certo que não há sabedoria, sentido, construídos sobre o falso o que significa que a verdade importa ao sentido, mas o sentido não se reduz à verdade do facto. O que me lembra a frase frequentemente atribuída a Platão, 'Estou a tentar pensar, não me confunda com factos'








(traduzido do americano ahah)



Hanna Arendt morreu há 45 anos, em Dezembro de 1975.

Deixou parte desta obra inacabada.

November 14, 2020

Pôr as coisas em perspectiva

 


Uma pessoa tem uma vida muito activa e culturalmente interessante, sai com muita regularidade, vê amigos e etc..., e de repente fica 9 meses encerrada em casa. Sai sobretudo para ir a hospitais e médicos. Sendo por natureza uma pessoa que, já normalmente, absorve e processa quantidades absurdas de informação e passa muito tempo a rearranjar o esquema interno, numa situação destas, passa a encaixar ainda mais informação e a remoer mais e muito nas mesmas coisas, ainda para mais se tem imaginação. Agora, passo muito tempo sozinha. Não é que me incomode estar sozinha, mas não nesta situação de isolamento forçado. Acaba-se por perder um bocadinho a perspectiva das coisas e a ter até alguma distorção da realidade. De modo que uma coisa importante é lembrar os factos e os princípios que os enformam, porque eles, se bem que não dizem tudo, falam. Outra é não tomar decisões importantes e que comportam riscos numa altura destas e mais ainda sem comunicação séria. 

Uma pessoa nesta pandemia, cortada de repente da sua vida normal e isolada, corre o risco de desequilibrar a visão de si e do mundo. Eu sei que ando com os nervos à flor da pele, também porque estou quase em cima da data de fazer um exame para saber da progressão da doença e, embora a minha cabeça pareça não estar aí, o corpo sabe muito mais do que eu e já está a variar os níveis de cortisol. Depois a porcaria da úlcera no olho há um mês e meio não ajuda à calma. E outras coisas. Mas a minha cabeça é forte. Isso eu sei. Pode ser disparatada, às vezes, mas é forte. Já me salvou a vida, literalmente, umas 3 ou 4 vezes. E a minha intuição funciona bastante bem, também já me salvou, eu é que nem sempre lhe dou ouvidos.

Quando tinha que tomar decisões acerca de seguir tratamentos oncológicos, falava com duas ou três pessoas em quem confiava muito e depois fazia uma lista, baseada na informação que tinha acerca do tratamento e efeitos secundários, dos factos que diziam, 'sim' e dos que diziam, 'não'. E depois decidia. Decidi sempre com coragem, mas também com inteligência, penso, embora, como tenho mais coragem que inteligência, houve uma altura que um amigo teve que me chamar parva para eu perceber que ia entrar pelo caminho errado.

É isso. Pôr as coisas em perspectiva. Pensar e decidir. Ou melhor, repensar porque já tinha pensado e decidido mas às vezes os factores externos modificam-se e somos obrigados a reconsiderar e reordenar. Enfim, depois de pensar seguir a 2ª e a 3ª regras da moral provisória de Descartes. A filosofia é minha amiga, também já me salvou a vida 🙂 Fazer isto sem nenhum pensamento de má-fé ou maldade que abomino e de qualquer maneira não seria capaz porque não é isso que tenho no coração. Isto não tem que ver com jogos de perder e ganhar, tem que ver com a possibilidade de vida.

Não é como se me faltasse tempo para pensar, aqui fechada... ... enfim, vou fazer uma omelete de cogumelos, que agora o que tenho é fome 🙂




August 18, 2020

Os últimos pensamentos de Bernard Stiegler

 

Oito dias antes de morrer, a 6 de agosto, Bernard Stiegler entrou em contato com a revista Philosophie e pediu para publicar este longo artigo em três partes resumindo as suas teses sobre a pandemia de Covid-19, a crise atual do capitalismo e do Antropoceno, bem como dois diálogos que conduziu com líderes de empresa, Dassault Systèmes e Crédit du Nord. Esses escritos foram uma base de reflexão que ele quis difundir o mais amplamente possível antes de sua participação no Colóquio "Agir pour le vivant", agendado em Arles de 24 a 30 de agosto.

Vou traduzindo aos poucos para quem quiser ler os últimos pensamentos de Bernard Stiegler. 

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A crise sanitária está longe de estar terminada e a crise económica daí resultante está apenas a começar. A escala e a natureza desta catástrofe são incomparáveis ​​com os eventos históricos que até então marcaram a Grande Aventura da Humanidade 

1. Em 1976, Arnold Toynbee apresentou, como hipótese, a possibilidade iminente de tal catástrofe, ao mesmo tempo que enfatizava que resultaria tanto de uma tendência suicida das civilizações quanto de uma exploração excessiva da biosfera. A tendência suicida coletiva surge numa civilização quando o crédito que ela própria se concede e que funda o poder de sua solidariedade orgânica, fica comprometido por qualquer motivo - invasão, desastre natural, corrupção, fome, doença. 

Aristóteles chamou philia a solidariedade que torna a sustentabilidade das sociedades - que ele mesmo observava do ponto de vista da cidade, educada e, esse ponto de vista constituía o que desde Platão se chama política. Como princípio fundamental da política, philia significa que qualquer sociedade assume um crédito concedido a si pelo grupo social, partilhado por aqueles que o constituem, e que lhes confere o penhor essencial da confiança mútua, sem a qual nenhuma troca se poderia realizar, nenhum poder se poderia estabelecer de forma duradoura, nem entre seus membros, nem entre suas gerações. 

Nas sociedades mais antigas, essa promessa é sobrenatural e mágica. Nas sociedades religiosas, é divino e teológico. Em nossas sociedades chama-se, 'razão' - que deve ser compartilhada por todos, em instituições dedicadas, a começar pela escola e que se baseiam numa epistemologia. 

O crédito, que é transgeracional, deve ser alimentado e continuamente fortalecido por instituições e práticas sociais - da magia xamânica à certificação industrial, incluindo o aparato litúrgico das grandes religiões. Ele organiza os processos de antecipação e previsão dentro das cosmologias que ordenam o futuro ao passado, que é a experiência legada pelos ascendentes. Essa ordenação, que constitui a ordem social, opera por meio de rituais, calendários, arquivos, instrumentos de observação, instrumentos de medida, cálculos e teorias.

Ego cogito e economia de dados 

Chamamos modernos aos tempos, quando a ciência chega ao cerne da certificação, fundando assim um crédito que se crê emancipado de todas as crenças, e que encontrará, no início da era clássica, uma certeza primordial: a do ego cogito (o cartesiano "eu penso"). É a partir desse ego que escapa a toda forma de dúvida e estabelece a certeza de um sujeito que se tornou moderno nisso, que tudo o que existe pode se tornar um objeto de observação, medição, cálculo e teoria - isso quer dizer também, para Descartes, de domínio e dominação (inclusive como dominação de povos que não tiveram acesso a essa certeza e aos seus processos de certificação e que serão escravizados por meio de desenvolvimento deste acesso ao serviço do colonialismo). 

É assim que se formará a forma muito singular de confiança, crença e esperança que no século XVIII se chamava progresso e que no século XIX se tornou o dogma comum - dando origem a duas interpretações políticas e económicas opostas: os discursos da emancipação social pela educação, por um lado, inclusive como educação pela luta, e, por outro, os discursos do dinamismo do mercado a partir da competição, ponto de vista que uma interpretação falaciosa de Darwin virá a enfatizar como darwinismo social, o que o neoliberalismo irá reapropriar no século XX de várias maneiras. 

Com o liberalismo, tanto económico quanto político, a certeza moderna se tornará a do individualismo fundando uma sociedade concebida como um cálculo generalizado realizado pelo mercado (que será teorizado por Friedrich von Hayek) e certificado por meio de novos órgãos de troca. simbólica, que surgirá ao longo do século XX, e que será produzida pelas indústrias da informação e da comunicação. Estas transformarão o simbólico em informação calculável e, assim, dessimbolizarão o crédito.

Esta operação se tornará, por si só, o coração da indústria com a economia de dados mobilizando o behaviorismo e a teoria da informação para interpretar e calcular qualquer comportamento como um modelo de informação - o que supõe que os indivíduos estão conectados, isto é, equipados e conectados por plataformas ad hoc. 4 biliões de humanos tornaram-se hoje objetos de cálculos permanentes. 

A partir desses corpos de informação e comunicação, novos dispositivos de previsão performativa serão configurados - pela combinação de estatísticas, marketing e tecnologias computacionais - constituindo antes de tudo o que Gilles Deleuze chamará de sociedades de controle. Estas, que se estabelecerão com o que Adorno e Horkheimer descreveram em 1947 como a indústria cultural, se tornarão com a economia de dados sociedades de hiper-controle, onde os vínculos de philia serão substituídos por vínculos hipertextuais, eles próprios avaliados. e certificado por motores de busca e outros algoritmos para certeza pós-verídica (bem incorporado por Donald Trump).



June 06, 2020

Pensar é ver para dentro



É indiferente jogar o xadrez com peões de ouro ou com figuras de madeira.

Schopenhauer

May 29, 2020

Pensar - dilemas éticos



Responsible thinking requires calibrating our levels of credence to the reliability of our intellectual tools.
... Ethical thinking is hard, and even our best tools for doing it are not very good. 


Nigel Warburton in The Trolley problem

March 17, 2020

Aproveitar o vagar do isolamento


Mas como haveríamos de encontrar a luminosidade do pensamento, se não nos deixamos conduzir pelo amplo caminho do pensamento e, assim, aprendemos a pensar no vagar?

— Martin Heidegger. In “Heráclito”

Obra de arte por Gustave Caillebotte.

January 27, 2020

Educar é um bem público e pensar é uma actividade heurística e exploratória, imprevisível nos seus resultados, incerta e indeterminada



Hoje é o dia Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. Fui buscar este texto pois a educação, acredito, é o único meio de impedir que o demens humano se sobreponha ao sapiens.



Hannah Arendt: thinking versus evil por Jon Nixon


 Arendt e o valor das universidades como lugares de pensamento em conjunto.
Universidades são lugares onde as pessoas se encontram para pensar em conjunto. Hannah Arendt, apesar de ter passado por várias universidades, definia-se, não como uma académica, mas como uma pensadora. Uma das coisas em que pensou foi sobre o próprio pensamento, a sua natureza e objectivo, o seu significado ético e político, o seu potencial para o bem e para o mal, a sua fundação na comunidade da consciência humana.

Hannah Arendt, como se sabe, nasceu na Alemanha, foi aluna e amante de Heidegger (numa relação emocionalmente profunda de ambas as partes - ela com 18 anos, ele com 36 ), fugiu ao regime nazi e depois de uma breve prisão em França e de uma passagem por Praga e Lisboa, embarcou para os EUA onde viveu o resto da vida, primeiro como apátrida, depois com a cidadania americana.

Arendt distingue o pensamento conduzido em isolamento (como Heidegger cada vez mais isolado na cabana e no silêncio da Floresta Negra, esse lugar hoje de peregrinação) e o pensamento que constitui o diálogo do pensamento com os outros. Porque o pensamento é, ao mesmo tempo, uma inflexão interior e exterior, está fundado na experiência comum e não é uma prerrogativa de uns poucos, mas uma faculdade de todos.

Pensar é o que nos liga a nós próprios e aos outros. Arendt desenvolveu uma suspeição desse pensar isolado como um labirinto mitológico onde não se entra sem ficar preso e desligado do resto do mundo -como a obra de Heidegger que ela compara a um labirinto de raposa para atrair incautos. É aliás por isso, por pensar Heidegger, ele próprio, encurralado no seu labirinto e alienado do mundo exterior que ela lhe perdoa o seu envolvimento nazi.

A ideia de 'pensamento' joga um enorme papel na análise do Totalitarismo, ou melhor, a ausência de pensamento. Um mundo esvaziado de pensamento, de vontade e de juízo seria um mundo habitado por autómatos, como Eichmann, desprovidos da liberdade da vontade e de qualquer capacidade de juízo independente.

O caso de Eichmann levantou uma questão crucial para Arendt: "Pode a actividade do pensamento enquanto tal, o hábito de examinar o que acontece, independentemente dos resultados, pode esta actividade estar entre as condições que levam o ser humano a abster-se de acções más ou até, condicioná-lo contra elas?"

A questão surge, em grande parte, da sua experiência do totalitarismo nazi mas também da opressão do McCarthyismo nos anos 50, nos EUA e, de um modo geral, das linhas ideológicas presentes na Guerra Fria. Ela também via com apreensão o crescimento imparável do consumismo do Sonho Americano. Nem Hitler nem Estaline tinham esgotado, ao que parecia, todo o potencial do totalitarismo. Daí a urgência da questão.

Ora, uma vez que o pensamento obriga a que se páre e pense, pode condicionar-nos contra o mal.

Sem o pensamento em diálogo com os outros não pode haver juízo informado, nem possibilidade de acção moral ou de acção colectiva - o que há é ausência de preocupação pelo mundo [no care for the world]. A educação é, em seu entender, uma expressão dessa preocupação: "decidimos se amamos o mundo ao ponto de nos responsabilizarmos por ele".

A educação dá-nos um espaço protegido dentro do qual podemos pensar contra a opinião recebida: um espaço para questionar e desafiar, para imaginar um mundo de diferentes perspectivas, para reflectir sobre nós próprios na relação com os outros e, ao fazê-lo, compreender o que significa 'assumir responsabilidade'.

Hanna Arendt tinha observado, em primeira mão, como a opinião pode cristalizar-se em ideologia: a ideologia requer assentimento, funda-se em certezas e determina o nosso comportamento em horizontes de expectativas fixados; ora pensar, pelo contrário, requer dissidência, vive da incerteza e expande os horizontes reconhecendo a nossa actividade.

É tarefa da educação -e, portanto, da Universidade- assegurar que um tal espaço permaneça aberto e acessível. Mas, só pode fazê-lo se não [se]enclausurar [em]o espaço que disponibiliza. Há duas barreiras a esse propósito: a primeira é assumir que o resultado do pensamento pode ser pré-especificado. Contra isto devemos manter presente que o pensamento é discursivo, que pensar é uma actividade heurística e exploratória, imprevisível nos seus resultados, incerta e indeterminada. Sai fora do enquadramento de qualquer premissa pedagógica de objectivos, medidas, metas pré-assumidas.

A segunda barreira tem a ver com a categorização académica. Ela entende a importância das fronteiras metodológicas e disciplinares mas está ciente do modo como se podem transformar em barreiras de modo que insiste que se pense fora das tradicionais categorias académicas. Como ela própria diz nas suas aulas sobre a filosofia política de Kant: "O importante é pensar com uma mentalidade alargada - o que significa que treinamos a mente para ir visitar".

A educação providencia um espaço intermédio entre o público e o privado, um espaço semi-público onde podemos testar as nossas opiniões, interpretações e juízos. Nos seus seminários -recorda Jerome Kohn- cada aluno era um 'cidadão', chamado a intervir e inserir-se nessa polis em miniatura e a tentar melhorá-la. Esta iniciação de inserção na polis faz-nos realizar o nosso potencial enquanto pessoas e cidadãos.

Arendt realça a necessidade de pedagogias que reconheçam a diferença e a diversidade, que desafiem e questionem, que estimulem e provoquem. Enquadramentos curriculares que possibilitem a mentalidade de 'visitação' e propósitos educacionais que se foquem no florescimento e desenvolvimento do potencial individual.

Acima de tudo Hanna Arendt lembra-nos que a educação é um bem público: quanto mais nele participarmos maior o seu potencial de retorno para o bem-estar da sociedade como um todo e para a vitalidade do seu corpo político. Contra aqueles que vêem a educação como uma mercadoria para ser comprada e vendida com vista ao lucro, Arendt insiste que ela está fundada na nossa capacidade partilhada de pensar e que pensar é pensar em conjunto.

Os problemas colectivos que agora enfrentamos são globais e requerem soluções globais, que por sua vez requerem a capacidade e a vontade de pensar através das nossas diferenças. Num mundo profundamente dividido, pensar em conjunto talvez seja o nosso recurso mais válido e a universidade [as escolas em geral, digo eu, embora a outro nível] talvez seja um dos poucos lugares dentro dos quais esse recurso do pensamento pode ainda encontrar um valor incondicional.

(traduzido e adpatado livremente por mim)