A maioria das pessoas, no seu dia-a-dia, não existe realmente. Pense em como é estar sempre consigo. O que irá descobrir é que não está realmente consciente de si próprio, mas apenas do mundo à sua volta. Vê a cara de um amigo, ouve o som do alarme, sente o sabor de uma cerveja, o flash de um filme, a batida de uma canção, etc. Somos telescópios a olhar para fora.
Este é um aspecto chave para Sartre, que segue o gosto de fenomenólogos como Husserl.
Muito do modo como nos vemos vem de Platão e Descartes. Platão pensava que o mundo "lá fora" é corrupto [no sentido de não permanecer, morrer], ilusório e que para procurar a verdade deveríamos recuar para dentro de nós para contemplar Ideias. Descartes pensava os nossos pensamentos como sendo uma espécie de substância cujo cerne era o 'eu'. O 'eu' é interno; o mundo é externo. E, pensava, nunca os dois se encontrarão.
Mas para Sartre, o oposto é o verdadeiro. Ele escreveu que uma "recusa em ser uma substância é o que faz a consciência". Se queremos encontrar-nos, não o podemos fazer fechando-nos numa sala escura, queixo na mão, contemplando. Em vez disso, escreveu: "Não é nalgum esconderijo que nos descobrimos; é na estrada, na cidade, no meio da multidão, uma coisa entre as coisas, um humano entre os humanos".
Em suma, durante a maior parte da nossa vida, estamos apenas ocupados com o mundo. Há uma união perfeita e discreta entre si e as coisas com as quais interage. Como Sartre escreveu, "quando olho para o tempo, quando estou absorvido num retrato, não há eu". Pense em voltar a hoje, quantas vezes pode dizer que estava ciente de 'si próprio'?
Mas tudo isto é muito Husserl, e não particularmente original de Sartre (Heidegger e Kierkegaard frisam pontos semelhantes). No entanto, há alturas em que 'podemos' reflectir sobre os nossos pensamentos, ou quem somos e "o eu dá a si próprio transcendência" e toma uma visão de cima, uma posição de avaliador dos seus próprios pensamentos.
Contudo, estes momentos de reflexão são raros e deixam-nos com um paradoxo. O ego, o sujeito de toda a vida, faz-se, nessas alturas objecto. A mão desenha-se a si própria e o olho olha para dentro. Mas, por mais estranho que isto seja, sabemos exactamente o que ele quer dizer.
Mini Philosophy
------------------------
[Este texto fez-me lembrar um artigo de jornal escrito pela Isabel do Carmo, que li hoje num blog, sobre o 25 de abril. Ela enumera todos os males da ditadura e dá exemplos de outras ditaduras da época e posteriores, todas de 'direita'; não cita uma única ditadura de Leste, da Ásia... é como se nunca ali tivesse havido ditaduras. Estava a ler aquilo e a pensar exactamente no que diz este texto: das duas uma, ou ela é intelectualmente desonesta, uma vez que tenta esconder que há ditaduras de esquerda ou é alguém incapaz de ver o seu próprio pensamento, de ver-se a pensar e ajuizar das sua estreiteza de pensamento. Alguém que pôs o seu 'ego' no centro e não é capaz de 'des-centrar-se', de se opor ao seu 'ego' e ver outros pontos de vista. Parto do princípio que seja esta segunda opção e não uma desonestidade com dolo, porque já li outros textos dela cheios de contradições acerca da violência e do seu passado violento, em que não diz coisa com coisa. Seja como for, fica-se com a ideia de que é uma pessoa intelectualmente desinteressante. Excepto o testemunho do que fez na sua vida, sendo honesta em relação a isso, nada se aprende com ela, uma pessoa que mostra ser incapaz de 'des-centrar-se' do seu 'ego'. Confesso que a certa altura comecei a ler o artigo na diagonal porque aquilo parece um trabalho de escola do 10º ano...]
No comments:
Post a Comment