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December 04, 2023

Hanna Arendt morreu neste dia








Hannah Arendt - Uma linha de tempo 


1906 - nasce em Hanover, Alemanha

7 anos - órfã de pai

14 anos - lê a  Crítica da Razão Pura de Kant e a Psicologia das Concepções do Mundo de Jaspers

15 anos - é expulsa da escola por problemas disciplinares

17 anos - passa o exame de conclusão do ensino médio e começa a faculdade 

19 anos - começa o doutoramento 

23 anos - publica a tese de doutoramento 

24 anos - começa um pós-doutoramento 

24 anos - casa com Günther Stern 

27 anos - é presa pela Gestapo durante uma semana

27 anos - foge dos nazis 

30 anos - divorcia-se

34 anos - casa com Heinrich Blücher,

34 anos - é internada com o marido no campo de concentração de Gurs. Escapam.

35 anos - foge para a América via Lisboa, com o manuscrito de Walter Benjamin 

35 anos - aprende inglês 

39 anos - tem o primeiro emprego como professora - Universidade de Chicago

44 anos - reencontro com Heidegger na Alemanha

45 anos - publica, As Origens do Totalitarismo.

57 anos - publica Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil

69 anos - morre em casa, vítima de um ataque cardíaco







October 30, 2023

Um exame de Filosofia Política de 1955

 


Exame final de Hannah Arendt para a cadeira de 'Questões Contemporâneas' leccionada em Berkeley em 1955.

Repare-se na questão nº 6.



October 15, 2023

A acção humana é imprevisível e irreversível

 




Ler Hannah Arendt III




Ler Hannah Arendt para pensar como ultrapassar alguns problemas actuais da vida política - a crise de compreensão, a crise de poder, a perda de uma narrativa comum que dê sentido ao passado, a crise da 'mentalidade alargada' que suporta o juízo imparcial e a possibilidade de comunicação com os outros espectadores/actores humanos.

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Cidadania e a Esfera Pública

Para Arendt, a esfera pública abrange duas dimensões distintas, mas inter-relacionadas. A primeira é o espaço de aparência, um espaço de liberdade e igualdade política que surge sempre que os cidadãos actuam em conjunto por meio da fala e da persuasão.

A segunda é o mundo comum, um mundo partilhado e público de artefactos humanos, instituições e cenários que nos separa da natureza e fornece um contexto relativamente permanente e durável para as nossas actividades.

Ambas as dimensões são essenciais para a prática da cidadania, a primeira fornecendo os espaços onde ela pode florescer, a segunda fornecendo o pano de fundo estável a partir do qual surgem espaços públicos de acção e deliberação. Para Arendt, a reactivação da cidadania no mundo moderno depende da recuperação de um mundo comum partilhado e da criação de inúmeros espaços de aparência nos quais os indivíduos podem revelar as suas identidades e estabelecer relações de reciprocidade e solidariedade.

Há três características da esfera pública e da esfera política em geral que são fundamentais para a concepção de cidadania de Arendt. Estas são, em primeiro lugar, a sua qualidade artificial ou construída; em segundo lugar, a sua qualidade espacial; e, em terceiro lugar, a distinção entre interesses públicos e privados.

No que diz respeito à primeira característica, Arendt sempre enfatizou a artificialidade da vida pública e das actividades políticas em geral, o facto de estas serem criadas pelo homem e construídas em vez de serem naturais ou dadas.

Ela considerava esta artificialidade como algo a ser celebrado em vez de deplorado. A política não resultou de alguma pre-disposição natural ou da realização das características inerentes à natureza humana. Era antes uma conquista cultural de primeira ordem, que permitia aos indivíduos transcender as necessidades da vida e criar um mundo no qual a acção política e o discurso livre poderiam florescer.

O ênfase na artificialidade da política tem várias consequências importantes. Por exemplo, Arendt enfatizou que o princípio da igualdade política não repousa numa teoria dos direitos naturais ou numa condição natural que precede a constituição do domínio político. Pelo contrário, é um atributo da cidadania que os indivíduos adquirem ao entrar na esfera pública e que só pode ser garantido por instituições políticas democráticas.

Outra consequência do ênfase de Arendt na artificialidade da vida política é evidente na sua rejeição de todos os apelos neo-românticos ao volk e à identidade étnica como base para a comunidade política.

Arendt sustentava que a identidade étnica, religiosa ou racial de alguém era irrelevante para a sua identidade como cidadão e que nunca deveria ser a base de pertença a uma comunidade política.

A ênfase de Arendt nas qualidades formais da cidadania tornou a sua posição relativamente distante daqueles que defendiam, na década de 1960, a participação em termos de recapturar um sentido de intimidade, calor e autenticidade. Para Arendt, a participação política era importante porque permitia o estabelecimento de relações de civilidade e solidariedade entre os cidadãos. Os laços de intimidade e calor nunca poderiam ser políticos, uma vez que representam substitutos psicológicos para a perda do mundo comum.

As únicas ligações verdadeiramente políticas são as da amizade cívica e da solidariedade, uma vez que fazem exigências políticas e preservam a referência ao mundo.
Para Arendt, portanto, o perigo de tentar recapturar o sentido de intimidade e calor, de autenticidade e sentimentos comunitários, é que se perdem os valores públicos da imparcialidade, amizade cívica e solidariedade.

A segunda característica destacada por Arendt tem a ver com a qualidade espacial da vida pública, com o facto de as actividades políticas estarem localizadas num espaço público onde os cidadãos podem encontrar-se, trocar opiniões e debater as suas diferenças e procurar uma solução colectiva para os seus problemas.
A política, para Arendt, trata-se de pessoas partilhando um mundo comum e um espaço público de aparência, para que as preocupações públicas possam emergir e ser articuladas a partir de perspetivas diferentes.

Na sua opinião, não basta ter um conjunto de indivíduos privados a votar separada e anonimamente de acordo com as suas opiniões privadas. Pelo contrário, esses indivíduos devem ser capazes de se ver e falar uns com os outros em público, de se encontrar num espaço político público, para que as suas diferenças, bem como as suas semelhanças, possam emergir e tornar-se objecto de debate democrático.

Essa noção de um espaço público comum ajuda-nos a compreender como podem ser formadas opiniões políticas que não são redutíveis a preferências privadas, idiossincráticas, por um lado, nem a uma opinião coletiva unânime, por outro.

Arendt desconfiava do termo "opinião pública", uma vez que sugeria a unanimidade insensata da sociedade de massas. Na sua opinião, as opiniões representativas só poderiam surgir quando os cidadãos se confrontavam efetivamente num espaço público, de modo a examinar uma questão a partir de várias perspetivas diferentes, modificar as suas opiniões e alargar o seu ponto de vista para incorporar o dos outros. As opiniões políticas nunca podem ser formadas em privado; pelo contrário, são formadas, testadas e alargadas apenas num contexto público de argumentação e debate.

Outra implicação do ênfase de Arendt na qualidade espacial da política tem a ver com a questão de como um grupo de indivíduos distintos pode ser unido para formar uma comunidade política. Para Arendt, a unidade que pode ser alcançada numa comunidade política não resulta da afinidade religiosa ou étnica, nem da expressão de algum sistema de valores comum. Pelo contrário, a unidade em questão pode ser alcançada ao partilhar um espaço público e um conjunto de instituições políticas, e ao envolver-se nas práticas e atividades que são características desse espaço e dessas instituições.

Uma outra implicação da concepção de Arendt sobre a qualidade espacial da política é que, uma vez que a política é uma actividade pública, não se pode fazer parte dela sem, de alguma forma, estar presente num espaço público.

Estar envolvido na política significa participar activamente nos vários fóruns públicos onde são tomadas as decisões que afectam a comunidade. A insistência de Arendt na importância da participação directa na política baseia-se na ideia de que, uma vez que a política é algo que precisa de um local no mundo e só pode acontecer num espaço público, então se alguém não está presente num espaço desse tipo, simplesmente não está envolvido na política.

Esta concepção pública e centrada no mundo da política está também na base da terceira característica enfatizada por Arendt, a distinção entre interesses públicos e privados.

Segundo Arendt, a atividade política não é um meio para um fim, mas um fim em si mesma; não se participa na acção política para promover o seu bem-estar, mas para realizar os princípios intrínsecos à vida política, como a liberdade, igualdade, justiça e solidariedade.

Num ensaio tardio intitulado "Direitos Públicos e Interesses Privados", Arendt discute a diferença entre a vida de um indivíduo e a vida como cidadão, entre a vida passada por conta própria e a vida passada em comum com os outros.

Arendt argumenta que o nosso interesse público como cidadãos é bastante distinto dos nossos interesses privados como indivíduos. O interesse público não é a soma dos interesses privados, nem o seu denominador comum mais elevado, nem mesmo o total dos interesses próprios esclarecidos. Na verdade, tem pouco a ver com os nossos interesses privados, uma vez que se refere ao mundo que está para além do eu, que estava lá antes do nosso nascimento e que estará lá depois da nossa morte, um mundo que encontra expressão em actividades e instituições com os seus próprios propósitos intrínsecos, que muitas vezes podem entrar em conflito com os nossos interesses a curto prazo e privados.

O interesse público refere-se, portanto, aos interesses de um mundo público que partilhamos como cidadãos e que só podemos perseguir e desfrutar indo além dos nossos interesses privados.


Ler Hannah Arendt II

 


Ler Hannah Arendt para pensar como ultrapassar alguns problemas actuais da vida política - a crise de compreensão, a crise de poder, a perda de uma narrativa comum que dê sentido ao passado, a crise da 'mentalidade alargada' que suporta o juízo imparcial e a possibilidade de comunicação com os outros espectadores/actores humanos.

Hannah Arendt 



O caráter representativo do juízo e da opinião tem implicações importantes na questão da validade.

Arendt sempre enfatizou que a formação de opiniões válidas requer um espaço público onde os indivíduos possam testar e aprimorar as suas visões por meio de um processo de debate e esclarecimento mútuo.

No entanto, era totalmente contrária à ideia de que as opiniões devem ser medidas pelo padrão da verdade ou que o debate deve ser conduzido de acordo com rigorosos padrões científicos de validade.

Em seu entender, a verdade pertence ao domínio do conhecimento demonstrativo, ao domínio da lógica, matemática e das ciências rigorosas, e carrega sempre um elemento de coercção, uma vez que exclui o debate e deve ser aceite por todos os indivíduos com capacidades racionais.

Em contraste com a pluralidade de opiniões, a verdade [demonstrativa, lógico-científica] tem um caráter despótico: ela impõe o consentimento universal, restringe a liberdade de pensamento, elimina a diversidade de pontos de vista e reduz a riqueza do discurso humano.

Nesse sentido, a verdade é anti-política, porque, ao eliminar o debate e a diversidade, elimina os próprios princípios da vida política. Como Arendt escreve, "O problema é que a verdade factual, como toda a verdade, exige que seja reconhecida peremptoriamente e exclui o debate e o debate constitui a essência da vida política.

Os modos de pensamento e comunicação que lidam com a verdade, se vistos do ponto de vista político, são necessariamente dominadores; eles não levam em consideração as opiniões de outras pessoas; ora, levar em consideração essas opiniões é a marca do pensamento estritamente político" (BPF, 241).

A defesa de Arendt da opinião é motivada não apenas pela crença de que a verdade não deixa espaço para o debate, a dissidência, ou o reconhecimento da diferença, mas também pela convicção de que as nossas faculdades de raciocínio só podem prosperar em um contexto dialógico.

Ela cita a observação de Kant de que "o poder externo que priva o homem da liberdade de comunicar os seus pensamentos publicamente, priva-o ao mesmo tempo da sua liberdade de pensar" e enfatiza o facto de que, para Kant, a única garantia da correção do nosso pensamento é que "pensamos, por assim dizer, em comunidade com outros a quem comunicamos os nossos pensamentos, assim como eles nos comunicam os deles" (BPF, 234-5).

Ela também cita a afirmação de Madison de que "a razão do homem, assim como o homem em si, é tímida e cautelosa quando deixada sozinha e adquire firmeza e confiança na medida em que está associada a outros" (BPF, 234).

Para Arendt, a opinião não é uma forma defeituosa de conhecimento que deve ser transcendida ou deixada para trás assim que se possui a verdade. Pelo contrário, é uma forma distinta de conhecimento que emerge da deliberação colectiva dos cidadãos e requer o uso da imaginação e da capacidade de pensar "representativamente".  A opinião é própria da esfera da vida e acção políticas, onde tem lugar, não a 'verdade' mas, a validade de opiniões bem fundamentadas e é por isso que o poder político não é coerção, força, controlo ou manipulação, mas persuasão.

Ao deliberar em conjunto e envolver-se no "pensamento representativo", os cidadãos são capazes de formar opiniões que podem reivindicar validade inter-subjetiva.

É importante salientar que Arendt não deseja desconsiderar a tentativa dos filósofos de encontrar padrões universais ou absolutos de conhecimento e cognição, mas sim rever o seu desejo de impor esses padrões à esfera dos assuntos humanos, uma vez que eliminariam a sua pluralidade e relativa essência.

A imposição de um único ou absoluto padrão no domínio da práxis eliminaria a necessidade de persuadir os outros sobre os méritos relativos de uma opinião, obter o seu consentimento para uma proposta específica ou alcançar o seu acordo com relação a uma política específica. Onde a estrita demonstração, em vez de argumentação persuasiva, tornar-se-ia a única forma legítima de discurso.

Agora, devemos ter cuidado para não atribuir a Arendt a visão de que a verdade não tem um papel legítimo na política ou na esfera dos assuntos humanos, porém, ela está preocupada com as consequências negativas da verdade racional-demonstrativa, quando aplicada à esfera da política e da deliberação colectiva, enquanto defende a importância da verdade factual para a preservação de um relato preciso do passado (a que temos que dar um sentido colectivo) e para a própria existência das comunidades políticas.

A verdade factual, diz, "está sempre relacionada com outras pessoas: diz respeito a eventos e circunstâncias em que muitos estão envolvidos; é estabelecida por testemunhas e depende de testemunhos... É, por natureza, política."

Portanto, "factos e opiniões, embora devam ser mantidos separados, não são antagónicos entre si; eles pertencem ao mesmo domínio. Os factos informam as opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e paixões, podem diferir amplamente e ainda ser legítimas, desde que respeitem a verdade factual.

A liberdade de opinião é uma farsa a menos que as informações factuais sejam garantidas e os próprios factos não estejam em disputa. Por outras palavras, a verdade factual informa o pensamento político, assim como a verdade racional informa a especulação filosófica" (BPF, 238).

A relação entre factos e opiniões é, portanto, uma de mútuo complemento: se as opiniões não se baseassem em informações correctas e no livre acesso a todos os factos relevantes, dificilmente poderiam reivindicar qualquer validade.

Se fossem baseadas em fantasia, auto-engano ou falsidade deliberada, nenhuma possibilidade de debate e argumentação genuína poderia ser mantida. Tanto a verdade factual quanto o hábito geral de contar a verdade são, portanto, básicos para a formação de opiniões fundamentadas e para a prosperidade do debate político.

Além disso, se o registro do passado fosse destruído pela mentira organizada ou distorcido por uma tentativa de reescrever a história, a vida política seria privada de um de seus elementos essenciais e estabilizadores.

Em suma, tanto a verdade factual quanto a prática de contar a verdade são essenciais para a vida política.

O antagonismo, para Arendt, está entre a verdade (demonstrativa) racional e a opinião bem fundamentada, uma vez que a primeira não permite o debate e a dissidência, enquanto a segunda prospera com eles.

A defesa de Arendt da opinião deve, portanto, ser compreendida como uma defesa da deliberação política e do papel que a persuasão e dissuasão desempenham em todos os assuntos que afectam a comunidade política.

Aniversário (atrasado) - Hannah Arendt




Ler Hannah Arendt para pensar como ultrapassar alguns problemas actuais da vida política - a crise de compreensão, a crise de poder, a perda de uma narrativa comum que dê sentido ao passado, a crise da 'mentalidade alargada' que suporta o juízo imparcial e a possibilidade de comunicação com os outros espectadores/actores humanos.


Hannah Arendt

Para Arendt, o espaço da polis é o espaço de aparência, o espaço onde aparecemos uns aos outros e deve ser continuamente recriado pela acção; a sua existência é assegurada sempre que os actores se reúnem com o propósito de discutir e deliberar sobre assuntos de interesse público, e desaparece no momento em que essas atividades cessam.

É sempre um espaço potencial que encontra a sua atualização nas acções e discursos das pessoas que se juntam para empreender um projeto comum. Pode surgir subitamente, como no caso de revoluções, ou pode desenvolver-se lentamente a partir dos esforços para mudar alguma peça específica de legislação ou política. Historicamente, foi recriado sempre que espaços públicos de acção e deliberação foram estabelecidos, desde reuniões de câmara municipal até conselhos de trabalhadores, desde manifestações e ocupações até lutas por justiça e direitos iguais.

Esta capacidade de agir em conjunto para um propósito público-político é o que Arendt chama de, 'poder'. O poder precisa ser distinguido da força, do domínio e da violência. 
Ao contrário da força, não é uma propriedade de um indivíduo, mas de uma pluralidade de actores que se juntam para um propósito político comum. Ao contrário da força, não é um fenómeno natural, mas uma criação humana, o resultado do envolvimento colectivo. E, ao contrário da violência, baseia-se não na coerção, mas no consentimento e na persuasão racional.

Para Arendt, o poder é um fenômeno sui generis, uma vez que é produto da acção mas repousa inteiramente na persuasão. É produto da acção porque surge das actividades concertadas de uma pluralidade de agentes e repousa na persuasão porque consiste na capacidade de obter o consentimento de outros através de discussão e debate desimpedidos

Para ela, "o poder não precisa de justificação, sendo inerente à própria existência das comunidades políticas; o que ele precisa é de legitimidade... O poder surge sempre que as pessoas se juntam e agem em conjunto, mas deriva a sua legitimidade da reunião inicial e não de qualquer acção que possa seguir-se".

Assim, o poder está na base de todas as comunidades políticas e é a expressão de um potencial que está sempre disponível para os actores. Também é a fonte de legitimidade das instituições políticas e governamentais, o meio pelo qual são transformadas e adaptadas a novas circunstâncias e feitas para responder às opiniões e necessidades dos cidadãos. 
"É o apoio do povo que dá poder às instituições de um país, e esse apoio não é senão a continuação do consentimento que trouxe as leis à existência em primeiro lugar... Todas as instituições políticas são manifestações e materializações do poder; petrificam-se e deterioram-se assim que o poder vivo do povo deixa de as sustentar".
Também enfatizamos a importância da narrativa e da memória, da articulação retrospectiva do significado da acção por meio da narrativa e da sua preservação por meio de uma comunidade de memória.

O juízo é uma faculdade que permite a avaliação retrospectiva, que por sua vez, permite resgatar o significado do passado comum e a crise na compreensão é coetânea com uma crise no juízo, na medida em que a compreensão, para Arendt, está "tão intimamente relacionada e inter-relacionada com o juízo que se deve descrever ambas como a subordinação de algo particular a uma regra universal" (UP, 383). 
Uma vez que essas regras perderam a sua validade, não somos mais capazes de compreender e julgar os particulares, ou seja, não somos mais capazes de submetê-los às nossas categorias aceites de pensamento moral e político.
"estamos vivendo num mundo de cabeça para baixo, um mundo onde não podemos encontrar o nosso caminho ao seguir as regras do que foi outrora, o senso comum" (UP, 383).
O senso comum (sensus communis) é a outra faculdade à qual os espectadores têm que apelar, pois sem ele, não poderiam compartilhar os seus juízos nem superar as suas idiossincrasias individuais. 

Para Arendt, a capacidade de julgar é uma habilidade especificamente política na medida em que permite que os indivíduos se orientem na esfera pública e julguem os fenómenos que são revelados dentro dela de um ponto de vista relativamente distante e imparcial. 
Ela credita a Kant ter desalojado o preconceito de que os juízos de gosto estão completamente fora da esfera política, uma vez que supostamente se referem apenas a assuntos estéticos. Ela acredita, na verdade, que, ao vincular o gosto a essa maneira mais ampla de pensar que Kant chamou de "mentalidade alargada", abriu-se o caminho para uma reavaliação do juízo como uma habilidade política específica, ou seja, como a capacidade de pensar pondo-se no lugar de todos os outros.

Kant acreditava que, para que nossos juízos sejam válidos, devemos transcender as nossas condições privadas ou subjectivas em favor das condições públicas e inter-subjectivas e, somos capazes de o fazer apelando ao nosso senso comum, ao nosso sensus communis.

O critério para o juízo, portanto, é a comunicabilidade e o padrão para decidir se nossos juízos são realmente comunicáveis é verificar se eles se encaixam com o sensus communis dos outros.

Esta perspetiva considera o juízo uma habilidade distintamente política, que permite aos indivíduos ver as coisas não apenas do seu próprio ponto de vista, mas a partir da perspectiva de todos os presentes. Serve como uma das habilidades fundamentais dos seres humanos como seres políticos e ajuda-os a navegar no espaço público, o mundo comum.

Arendt baseia-se no conceito grego de phronesis, que ela descreve como discernimento e uma das virtudes principais dos estadistas.

A phronesis é distinta da sabedoria dos filósofos pelo facto de estar enraizada no bom senso, que ajuda os indivíduos a ajustar as suas experiências sensoriais privadas ao mundo objetivo que partilham com outros. O bom senso permite partilhar o mundo com outros e o juízo é uma atividade fundamental que proporciona esse mundo partilhado.

Arendt também enfatiza que o juízo é não coercivo e não pode forçar o acordo dos outros. Em vez disso, apela e persuade os outros, correspondendo ao que os gregos chamavam "peithein", o discurso convincente e persuasivo que eles consideravam uma forma política de pessoas conversarem entre si.

 

A validade do juízo político, segundo Arendt, depende da nossa capacidade de pensar de forma representativa, considerando as perspetivas de todos os outros. Para alcançar isso, os fóruns públicos são cruciais, onde os indivíduos podem trocar opiniões e testar a sua capacidade de ampliar a sua perspetiva. Nestes fóruns, a formação de opinião não é uma actividade solitária; requer encontros genuínos com diferentes pontos de vista para examinar uma questão a partir de múltiplos pontos de vista. Esse processo é essencial para formar opiniões que reivindicam mais do que uma validade subjetiva.

A visão de Arendt é que o pensamento político é representativo, em que alguém forma uma opinião considerando um problema de várias perspectivas, fazendo presentes na mente os pontos de vista daqueles que estão ausentes. 
Quanto mais se consegue incorporar diferentes perspectivas, maior a capacidade para o pensamento representativo e mais válidas as conclusões finais. 
As opiniões, em questões de opinião (ao contrário de questões de verdade), nunca são auto-evidentes. Pensar em questões de opinião é discursivo, considerando pontos de vista em conflito até chegar a alguma generalidade imparcial. Mesmo na solidão, formar uma opinião significa representar os pontos de vista dos outros e reconhecer a inter-dependência universal.

 


August 02, 2023

Hannah Arendt - 1933



Lembrei-me disto porque fui dar com esta frase de André Breton de 1924 (do 'Manifesto do Surrealismo'), Tout est près. Les pires conditions matérielles sont excellentes. Les bois sont blancs ou noirs. On ne dormira jamais. Ora, 1924 foi o ano em que Hanna Arendt começou um affair com Heidegger, como nos informa a biografia de Safransky, que uma amiga me deu ontem e comecei agora a ler (numa tradução de Lya Luft, em português do Brasil) e 1933 é o ano em que Heidegger é eleito reitor da Universidade, filia-se no partido nazi e faz aquele discurso inaugural infame. Já li a biografia de Hugo Ott, mas é sobretudo política, enquanto esta de Safransky é uma biografia intelectual e é considerada a melhor biografia de Heidegger. Tanto para ler e saber e o tempo a passar...



Hannah Arendt's 1933 
German passport photo

June 15, 2021

A escrita é sobretudo um hábito

 


E como todos os hábitos, quanto mais os praticamos mais nos envolvemos neles, mais eles nos transformam. Positivamente se são bons e negativamente se são maus. Digo isto a propósito de Tolstói. Estou muito inspirada pelo livro 'Guerra e Paz' que estou a ler. Como tenho este feitio de tudo ou nada e estou cada vez mais inspirada com o livro, não sou capaz de ler 15 minutos por dia (há dias em que vou deitar-me madrugada dentro porque não consigo pousar o livro) e já vou no último volume. Já devo ter gravado as leituras até Julho ou assim.

Há bocado à hora do almoço li dois capítulos, um deles particularmente comovente. E pesado. Muito bem escrito. Nem toda a gente tem uma escrita literária, mesmo que tenham excelente domínio da língua e conhecimento da vida e do mundo como ele. Dá ideia que Tolstói, à medida que ia escrevendo a obra ia-se inspirando cada vez mais com a própria escrita, como acontece com o hábito da escrita quando uma pessoa está, 'na zona', como dizem os americanos. A escrita dele cada vez é mais profunda, mais rica, cheia de insight sobre a vida e as pessoas. Tem trechos notáveis que não vou dizer aqui para não estragar aos leituras.

Há muito tempo que não lia literatura -com excepção de um livro que a Manuela me deu. Desabituei-me porque li tanta, tanta e tão boa que agora tudo me sabe a pouco e a déjà vu. Porém, se a literatura fosse toda desta qualidade lia todos os dias. 

À medida que o livro avança, a narrativa e os quadros que ele nos pinta, são mais crus e verdadeiros. Ele fala muito, a partir de certa altura, em um certo tipo de amor como a única coisa verdadeiramente transformadora e que faz a vida valer a pena. Fez-me lembrar a Hanna Arendt, um artigo que li há pouco tempo sobre a tese de doutoramento dela - deixo para quem tem interesse no pensamento dela e no tema.

Entretanto, hoje fecho esta loja. Vou ler um bocadinho de Tolstói antes de ir dormir.


O que Hannah Arendt sabia sobre o amor

A célebre pensadora escreveu um dia que o amor era a mais anti-política das forças - mas também acreditava que tinha o poder de mudar o mundo.

Por Peter Salmon


Hannah Arendt dizia que não era filósofa, por uma série de razões, entre as quais o fracasso da filosofia em se precaver contra os tempos políticos em que se viu atirada, e o fracasso moral de muitos dos filósofos com quem trabalhou e estudou. No entanto, se ela é -como afirmam- uma das maiores do século XX, o que é fundamental para o seu brilho é precisamente que, para ela, o que estava em jogo na sua obra era o humano e o que significava. Como Samantha Rose Hill aponta, em Hannah Arendt, mesmo em obras como, 'As Origens do Totalitarismo' - bestseller da era Trump - o político é invariavelmente trazido de volta ao pessoal.

Nascida
 em Hanover em 1906, Arendt estudou filosofia em Marburg de 1924 a 26 sob a direcção de Martin Heidegger, com quem teve um famoso caso. (...) Não se deve dizer que a influência de Heidegger sobre o pensamento de Arendt foi decisiva - uma inteligência como a dela teria, sem dúvida, florescido em várias direcções - mas num aspecto foi fulcral. 

Em 1920, Heidegger tinha dado uma palestra sobre Santo Agostinho; em 1929, Arendt apresentaria a sua tese de doutoramento e a sua primeira obra em livro, "Sobre o conceito de amor no pensamento de Santo Agostinho". Introduziu alguns dos temas mais profundos do seu trabalho posterior.

Nos vários conceitos de amor de Santo Agostinho - pelo próximo, por Deus - o eu revela-se e define-se a si próprio, entregando-se ao outro. O eu não é uma "coisa" que existe no mundo como outras "coisas", como cadeiras ou árvores, ou mesmo cores ou sons. Pelo contrário, é um processo interminável de se tornar. 

Inspirado por Agostinho, Heidegger trabalhou a teoria do 'ego' de René Descartes, mais conhecida pela expressão, cogito ergo sum ("penso, logo sou"). A afirmação postula que a consciência individual é um objecto anterior a todos os outros objectos - a única coisa de que podemos ter a certeza.

Na lição de Heidegger, Descartes tinha saltado do verbo 'penso' para o substantivo 'coisa que pensa'. Para Heidegger é uma 'perversão' que falhou em capturar a maleabilidade e a natureza sempre mutável da existência humana. A própria palavra de Heidegger para o 'eu' era Dasein, que pode ser traduzida como 'Estar-aí' [no mundo]. Como Agostinho afirmou, 'ser' é um processo, não uma coisa [estática, definida]. Em vez de cogito ergo sum, Heidegger oferece cogito me cogitare -'penso a pensar-me'.

Esta intuição marcou o trabalho de Arendt. O eu revela-se em acção e através do fazer, em vez do ser. É através do nosso envolvimento com o mundo - incluindo e talvez seja o mais importante, através de actos de amor - que nos 'tornamos' nós próprios. E, como um processo, o eu está sempre em mudança e é mutável. Como ela diz em, 'A Condição Humana' (1958):

"O facto de o homem ser capaz de agir significa que podemos esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável". E isto mais uma vez só é possível porque cada homem é único, de modo que, a cada nascimento, algo de singularmente novo chega ao mundo".
Nós somos, cada um de nós, um processo de tornarmo-nos - podemos crescer, desenvolver, aprender e envolver-nos em actos como o perdão e o amor.

Também levou de Agostinho a frase amor mundi (amor do mundo) e planeou escrever um livro sobre teoria política com esse título. Não foi escrito, mas o conceito está subjacente a todo o seu trabalho posterior. Amor mundi não é amor abstracto, difuso: é antes o difícil dever de amar o próximo e de amar o mundo, tal como eles são apresentados. Tal como o conceito posterior de Heidegger de 'cuidado' (Sorge), exige um envolvimento total no mundo. As barreiras a esta relação, tais como a condição atomizada do mundo contemporâneo - incluindo a nossa ausência dos outros devido à pandemia - conduzem a uma ligação inautêntica ao mundo, e portanto a um eu inautêntico.


Ao não nos envolvermos nos outros - para cuidarmos deles e sermos cuidados por eles, não podemos alcançar o que Agostinho chamou de benevolência.

Arendt tornar-se-ia mais tarde famosa pela sua frase "a banalidade do mal". O mal não precisa ser, nem, "pervertido nem sádico", mas pode ser aterradoramente brando e normal. Pode ser, como no caso de Adolf Eichmann, uma forma de falta de pensamento, uma forma de 'des-envolvimento'. Para Arendt, esta banalidade provém, em grande medida, de uma incapacidade de estar à altura do desafio de ser humano em toda a sua potencial generosidade e capacidade de responsabilidade para com o mundo - e, portanto, de falhar enquanto humano. Como ela escreveu, 'A triste verdade é que a maioria do mal é feito por pessoas que nunca se decidem em ser boas ou más' [não pensam]. É um fracasso do cuidado, do envolvimento [um alheamento, portanto, um desinteresse].

Encontramo-nos actualmente numa época de grande isolamento, político e pessoal. Para além do facto físico do confinamento, a sociedade continua a tornar-se mais atomizada e mais dividida. Para Arendt, estes não são novos desafios, nem intransponíveis. Mas há formas de resistir, como ela passou a sua vida a fazer, e talvez o primeiro destes seja o mais presente a ter à mão. Como ela disse, "o amor, pela sua própria natureza, não é mundano e é por esta razão e não pela sua raridade que é, não só apolítico mas também anti-político, talvez a mais poderosa de todas as forças anti-políticas".

January 27, 2020

Educar é um bem público e pensar é uma actividade heurística e exploratória, imprevisível nos seus resultados, incerta e indeterminada



Hoje é o dia Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. Fui buscar este texto pois a educação, acredito, é o único meio de impedir que o demens humano se sobreponha ao sapiens.



Hannah Arendt: thinking versus evil por Jon Nixon


 Arendt e o valor das universidades como lugares de pensamento em conjunto.
Universidades são lugares onde as pessoas se encontram para pensar em conjunto. Hannah Arendt, apesar de ter passado por várias universidades, definia-se, não como uma académica, mas como uma pensadora. Uma das coisas em que pensou foi sobre o próprio pensamento, a sua natureza e objectivo, o seu significado ético e político, o seu potencial para o bem e para o mal, a sua fundação na comunidade da consciência humana.

Hannah Arendt, como se sabe, nasceu na Alemanha, foi aluna e amante de Heidegger (numa relação emocionalmente profunda de ambas as partes - ela com 18 anos, ele com 36 ), fugiu ao regime nazi e depois de uma breve prisão em França e de uma passagem por Praga e Lisboa, embarcou para os EUA onde viveu o resto da vida, primeiro como apátrida, depois com a cidadania americana.

Arendt distingue o pensamento conduzido em isolamento (como Heidegger cada vez mais isolado na cabana e no silêncio da Floresta Negra, esse lugar hoje de peregrinação) e o pensamento que constitui o diálogo do pensamento com os outros. Porque o pensamento é, ao mesmo tempo, uma inflexão interior e exterior, está fundado na experiência comum e não é uma prerrogativa de uns poucos, mas uma faculdade de todos.

Pensar é o que nos liga a nós próprios e aos outros. Arendt desenvolveu uma suspeição desse pensar isolado como um labirinto mitológico onde não se entra sem ficar preso e desligado do resto do mundo -como a obra de Heidegger que ela compara a um labirinto de raposa para atrair incautos. É aliás por isso, por pensar Heidegger, ele próprio, encurralado no seu labirinto e alienado do mundo exterior que ela lhe perdoa o seu envolvimento nazi.

A ideia de 'pensamento' joga um enorme papel na análise do Totalitarismo, ou melhor, a ausência de pensamento. Um mundo esvaziado de pensamento, de vontade e de juízo seria um mundo habitado por autómatos, como Eichmann, desprovidos da liberdade da vontade e de qualquer capacidade de juízo independente.

O caso de Eichmann levantou uma questão crucial para Arendt: "Pode a actividade do pensamento enquanto tal, o hábito de examinar o que acontece, independentemente dos resultados, pode esta actividade estar entre as condições que levam o ser humano a abster-se de acções más ou até, condicioná-lo contra elas?"

A questão surge, em grande parte, da sua experiência do totalitarismo nazi mas também da opressão do McCarthyismo nos anos 50, nos EUA e, de um modo geral, das linhas ideológicas presentes na Guerra Fria. Ela também via com apreensão o crescimento imparável do consumismo do Sonho Americano. Nem Hitler nem Estaline tinham esgotado, ao que parecia, todo o potencial do totalitarismo. Daí a urgência da questão.

Ora, uma vez que o pensamento obriga a que se páre e pense, pode condicionar-nos contra o mal.

Sem o pensamento em diálogo com os outros não pode haver juízo informado, nem possibilidade de acção moral ou de acção colectiva - o que há é ausência de preocupação pelo mundo [no care for the world]. A educação é, em seu entender, uma expressão dessa preocupação: "decidimos se amamos o mundo ao ponto de nos responsabilizarmos por ele".

A educação dá-nos um espaço protegido dentro do qual podemos pensar contra a opinião recebida: um espaço para questionar e desafiar, para imaginar um mundo de diferentes perspectivas, para reflectir sobre nós próprios na relação com os outros e, ao fazê-lo, compreender o que significa 'assumir responsabilidade'.

Hanna Arendt tinha observado, em primeira mão, como a opinião pode cristalizar-se em ideologia: a ideologia requer assentimento, funda-se em certezas e determina o nosso comportamento em horizontes de expectativas fixados; ora pensar, pelo contrário, requer dissidência, vive da incerteza e expande os horizontes reconhecendo a nossa actividade.

É tarefa da educação -e, portanto, da Universidade- assegurar que um tal espaço permaneça aberto e acessível. Mas, só pode fazê-lo se não [se]enclausurar [em]o espaço que disponibiliza. Há duas barreiras a esse propósito: a primeira é assumir que o resultado do pensamento pode ser pré-especificado. Contra isto devemos manter presente que o pensamento é discursivo, que pensar é uma actividade heurística e exploratória, imprevisível nos seus resultados, incerta e indeterminada. Sai fora do enquadramento de qualquer premissa pedagógica de objectivos, medidas, metas pré-assumidas.

A segunda barreira tem a ver com a categorização académica. Ela entende a importância das fronteiras metodológicas e disciplinares mas está ciente do modo como se podem transformar em barreiras de modo que insiste que se pense fora das tradicionais categorias académicas. Como ela própria diz nas suas aulas sobre a filosofia política de Kant: "O importante é pensar com uma mentalidade alargada - o que significa que treinamos a mente para ir visitar".

A educação providencia um espaço intermédio entre o público e o privado, um espaço semi-público onde podemos testar as nossas opiniões, interpretações e juízos. Nos seus seminários -recorda Jerome Kohn- cada aluno era um 'cidadão', chamado a intervir e inserir-se nessa polis em miniatura e a tentar melhorá-la. Esta iniciação de inserção na polis faz-nos realizar o nosso potencial enquanto pessoas e cidadãos.

Arendt realça a necessidade de pedagogias que reconheçam a diferença e a diversidade, que desafiem e questionem, que estimulem e provoquem. Enquadramentos curriculares que possibilitem a mentalidade de 'visitação' e propósitos educacionais que se foquem no florescimento e desenvolvimento do potencial individual.

Acima de tudo Hanna Arendt lembra-nos que a educação é um bem público: quanto mais nele participarmos maior o seu potencial de retorno para o bem-estar da sociedade como um todo e para a vitalidade do seu corpo político. Contra aqueles que vêem a educação como uma mercadoria para ser comprada e vendida com vista ao lucro, Arendt insiste que ela está fundada na nossa capacidade partilhada de pensar e que pensar é pensar em conjunto.

Os problemas colectivos que agora enfrentamos são globais e requerem soluções globais, que por sua vez requerem a capacidade e a vontade de pensar através das nossas diferenças. Num mundo profundamente dividido, pensar em conjunto talvez seja o nosso recurso mais válido e a universidade [as escolas em geral, digo eu, embora a outro nível] talvez seja um dos poucos lugares dentro dos quais esse recurso do pensamento pode ainda encontrar um valor incondicional.

(traduzido e adpatado livremente por mim)