September 27, 2023

Tenho usado muito textos de jornalistas nas aulas

 


Para que os alunos os avaliem quanto à qualidade dos padrões de pensamento crítico que temos estado a abordar. Confesso que uso bastante os textos de alguns opinadores de vários jornais, embora não diga o nome deles nem o jornal onde escrevem porque isso não interessa para o objectivo.

Esta aula usei este texto desta opinadora -os textos dela são dos mais ricos em ausência de padrões de qualidade do pensar- para um objectivo principal que é o de os alunos compreenderem que estar de acordo com uma posição -neste caso, a crítica ao modo como um grupo de pessoas sabotou a apresentação de um livro- não nos dispensa de avaliar a qualidade da defesa da posição, pois uma má defesa presta um mau serviço à causa. O contrário também: sermos contra a posição defendida não nos dispensa de avaliar a qualidade da defesa dessa posição e de sermos capazes de lidar com ela e com os seus argumentos válidos.

Então pus os alunos a avaliar o texto e a procurar falhas de pensamento a partir dos padrões de qualidade pensamento crítico que abordámos na aula: clareza, exactidão, precisão, relevância, profundidade, amplitude, coerência, importância, imparcialidade e fundamentação.

Eis o que eles encontraram (melhorei aqui o modo como relataram a sua avaliação):

- imprecisão: o que significa dizer que agiram violentamente? Bateram nas pessoas? Rasgaram os livros? Chamaram nomes? Ofenderam os apresentadores dos livros? Está a falar de quê, ao certo? A autora não diz e são acções muito diferentes.

- incoerência: a pessoa ataca os que agiram agressivamente na apresentação do livro, mas o seu texto é agressivo - chama parvos e burros às pessoas que têm um ponto de vista oposto ao seu; diz que quem age em nome de um princípio maior normalmente actua de forma reprovável mas não fundamenta essa afirmação e a seguir diz, acerca de si mesma, que age em nome do progresso e dos progressistas - isso não é agir em nome de um princípio maior: o progresso? A autora diz que o livro só é comprado por quem quer logo a seguir a defender que disciplinas que defendem a mensagem progressista do livro devem ser obrigatórias.

- Clareza: quando a autora diz que as suas mensagens são progressistas não explica o que entende por progresso e não se percebe porque é que a sua posição é a que está de acordo com o progresso.

- Fundamentação: a autora diz várias vezes que 'todos sabemos' e que 'estamos todos de acordo' mas não justifica essa afirmação, não fornece dados que a suportem.


(entretanto hoje vejo que tem um texto a dizer que abomina a violência mas que quando se tem razão é justificável e outras barbaridades do género LOL essa vai para a próxima - entretanto tenho um texto de um opinador que defende que os miúdos são todos uns mal-educados e que o serviço militar é que os punha na ordem, com argumentos cheios de irrelevâncias, imprecisões, incoerências e nenhum fundamentação) 

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"Afirmaram-se defensores dos interesses das crianças. Pessoas que agem violentamente e agressivamente, que interrompem um evento cultural, que intimidam os participantes desse evento e que fazem declarações discriminatórias e antiprogressistas, pretendem estar ali em nome das crianças. É uma coisa a que já assistimos muitas vezes: quando as pessoas alegam estar a agir em nome de algo maior ou superior, normalmente atuam de forma reprovável. “Em nome de Deus” ou “em nome da minha família” nunca foi bom prenúncio. Invoca-se o melhor para fazer o pior.

Famílias conservadoras, até extremistas, não aceitam a mensagem progressista e inclusiva que algumas disciplinas tentam fazer passar. Temos assistido a isto.

Em primeiro lugar, o livro em questão apenas será comprado por quem o quiser comprar, ou seja, não será de leitura obrigatória.

Acresce que, por mais desprovidos de inteligência que sejam, e não os estou a acusar disso, deveriam saber que os efeitos do protesto que fizeram consistiram em dar maior visibilidade ao livro. É objetivo. O livro vai vender muito mais graças à lamentável intervenção deste grupo de extrema-direita. Vendo isto numa perspetiva que não é comercial: o livro vai ser lido por muitas mais crianças.

Os grupos de extrema-direita são os maiores defensores da liberdade de expressão e os grandes denunciadores daquilo a que chamam cultura de cancelamento e que imputam à esquerda woke. Estaremos todos de acordo nesta parte.

É essa luta civilizacional que estão a travar, e este modus operandi veio para ficar. Não lhes agradeçam a publicidade ao livro (caramba, nem tudo é comércio) e não se iludam por parecerem um grupo de parvos, comandados por um parvo de megafone. O que aconteceu na sexta-feira é grave e não deveria ter acontecido. Não foi positivo para a editora, nem para os autores, nem bom auspício para os destinatários do livro: as crianças."

Carmo Afonso in no meu bairro as coisas-estao-a-ficar-complicadas


4 comments:

  1. Três notas:

    1. Quando li a primeira frase do segundo parágrafo, adivinhei logo que era a Carmo Afonso.

    2. Não quer fazer mais vezes isto, ou seja, colocar aqui sinopses das suas aulas? Íamos aprender imenso.

    3. Quando a Carmo sustenta que a violência é justificável quando se (pensa que se) tem razão, não está a justificar o marido que espanca a mulher que o traiu, por absurdo?

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    1. Aquilo de aprender com a sinopse das aulas é a fazer troça? Não percebi bem.

      Segundo o raciocínio da CA, todos que pensam que têm razão, têm justificação para a violência, logo, isso abrange o marido, claro, e o pai, o filho e qualquer um que se sinta injustiçado e acredite que tem a razão consigo.

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    2. Não era troça. Quando escreve sobre filosofia do ponto de vista do exercício profissional, leio-a com bastante atenção e aprendo consigo.

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