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June 17, 2022

Jean-Louis Trintignant (1930-2022)

 


Morreu este actor que entrou em mais de uma centena de filmes, com quem conheci uma boa parte da linguagem e do estilo do cinema francês. Foi a ver o filme 'Z' (em português, Z - A Orgia do Poder), onde ele faz de juiz de instrução que conheci Costa-Gravas, um realizador que marcou muito a minha maneira de ler as entrelinhas políticas e os sub-textos nos filmes. 

O filme está inteirinho no YouTube. Trintignant é ainda novo e tem uma energia contida que sobressai.



Já com oitenta anos, fez o filme, "AMOR" de Michael Haneke, pelo qual recebeu o César de melhor actor. O filme ganhou a Palma de Ouro. Ele e Emmanuele Riva são um casal de professores de música na reforma e ela tem um AVC. É um filme sobre a distância que separa o corpo e o espírito. Porque nós não envelhecemos com o corpo mas às vezes o corpo diz-nos, como o fado da Amália, já não te acompanho mais. Também é sobre a proximidade entre um espírito e outro espírito, que se reconhecem como um num universo próprio e insubstituível. Muito humano e comovente. 

June 14, 2022

Amanhã é o último dia de aulas

 


Deste ano lectivo. Ainda tenho meia dúzia de alunos a enviar trabalhos... estou cansada.

Hoje na escola uma colega que conheço há muitos anos, muito antes de ela ir parar ali à escola, dizia-me que amanhã é o seu último dia de trabalho. Esteve a mostrar-me as fotografias do neto. Pôs os papéis para a reforma há 15 dias e já vai embora amanhã. Agora é assim: em 4 dias ou uma semana vêm logo os papéis da autorização e ala que se faz tarde. O ministro está desejando ver-se livre de nós para poder contratar tarefeiros baratos e bem mandados porque são pessoas que não conheceram a escola de gestão democrática de maneira que não sentem a diferença. Adiante. Dizia-me ela que ainda não estava bem ciente de ser o penúltimo dia de trabalho, quer dizer, ainda está cheia de trabalho porque a reunião da DT dela foi ontem e há muita coisa para fazer e que não teve tempo de habituar-se à ideia de largar 40 anos de trabalho. Enquanto rasgava papéis dizia-me, 'Beatriz, conhecemo-nos há muito tempo e sou mais velha que tu de maneira que vou dizer-te: nestes anos que te faltam, pensa na tua saúde, em ti e na tua família porque este trabalho desgasta-nos até à última e a certa altura vamos embora e os outros que ficam continuam e a gente não faz falta. Enquanto estivémos fizemos alguma falta a uns mas depois tudo passa e vêm outros'. 

De facto, há pessoas que trabalharam ali, e bem, trinta anos e depois foram embora e é como se nunca lá tivessem estado. Vêm pessoas novas que não sabem quem era. É certo que não é bem assim, porque no nosso trabalho o importante é imaterial, a arquitectura que ajudamos a construir não é visível nos alunos que tocámos, que ajudámos, de uma maneira ou de outra, a ir mais longe, a ver melhor, a viver mais conscientes, aqueles de quem ficámos amigos e mais aqueles colegas que respeitamos e ficam na nossa lembrança. Porém, dá que pensar a fugacidade da vida e como tudo, mesmo o que foi, e é, intenso e vivo, deixa o ser, a certa altura e tudo se refaz no lugar que materialmente ocupava.


Mais um dia num mundo meio-insano

 

Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e dos mortos.
Mia Couto



June 11, 2022

A semelhança dos processos biológicos - vida 1.0

 


Estava aqui a preparar o jantar e reparei na forma dos alhinhos novos quando se cortam às rodelas. Parecem as fases da vida da célula. Primeiro está muito organizadinha, todos os elementos dentro da película que os circunda, fecha e protege. De repente a película rasga-se -neste caso fui eu que a rasguei com uma faca, mas normalmente ela rompe-se, sabe-se lá porquê- e os seus elementos começam a transbordar para fora, a afastar-se uns dos outros até se desintegrarem. É a morte. Aqui na minha cozinha.

Também me faz lembrar uma secção do cordão umbilical, que têm lá dentro três ou quatro tubinhos (não sei ao certo) por onde se fazem as trocas de fluídos entre a mãe e o feto.



June 10, 2022

Vida



Imagem microscópica de uma célula humana. Um pequeno mundo em si mesmo. Passa-se muita coisa e muita gometria, numa célula.


by hfuyr77 via Black Hole

April 21, 2022

Tenho ouvido partes do julgamento que opõe Johnny Depp à ex-mulher

 


Ouço pedaços de vez em quando, se tenho tempo - aquilo dura o dia todo. É muito interessante de ver porque é um daqueles julgamentos onde estão em causa 50 milhões de dólares de maneira que cada parte tem advogados de topo e vê-los a evoluir na estratégia é pedagógico. Tem sido o lado dele a falar, pois foi ele quem pôs o processo à Amber Heard para lhe sacar 50 milhões de dólares - até agora ele perdeu os dois processos que já lhe pôs- e cabe-lhe a ele provar o caso. 

Ele alega que ela o difamou quando disse que era vítima de violência doméstica e que por causa dela perdeu o emprego, nomeadamente o papel no filme, Piratas da Caraíbas VI ou lá o que é.

Da parte dele já houve testemunhas e ontem e hoje foi ele mesmo a testemunhar. Os advogados dele só trouxeram testemunhas que dizem que ele é deus na Terra, que se aproveitam de ele ter trabalhado com grandes actores e realizadores que mesmo alguns estando mortos funcionam como testemunhas abonatórias. Ele testemunhou com voz doce, contou a sua infância infeliz e depois fez o que os americanos chamam de trashing à ex-mulher. Uma coisa mesmo ordinária. Por exemplo, gravou-a várias vezes sem ela saber depois de provocar discussões. Então nas gravações ele aparece muito manso, passivo-agressivo a picá-la e ela a passar-se. Ele é um indivíduo de 50 e tal anos e ela de trinta.

Enfim, hoje é a vez do advogado dela contra-interrogar e começamos a ver as mentiras dele: as mensagens vergonhosas que envia a amigos, as gabarolices de ter gente que comete ilegalidades para lhe arranjar cocaína, as bebedeiras e drogas com o Marilyn Manson, as mensagens a dizer que é um monstro e que esse mostro estraga as relações todas, as mensagens a dizer que a mulher é a sua melhor amiga... e ainda vai no início.

A questão é que todo este julgamento é interessante pela parte de vermos este tipo de advogados a trabalhar mas horrível do ponto de vista humano. Coisas privadas não deviam ser públicas. E pessoas com excesso de dinheiro, muitas vezes com vidas e infâncias terríveis, com pouco auto-controlo, auto-indulgentes, rodeados de 'amigos' da droga e, por isso, com hábitos de excesso de consumo de drogas, passam muitas vezes todos os limites em privado e trazer isso para público é horrível.


April 19, 2022

Uma imagem de esperança

 


Oleksandra ‘Sasha’ Ustinova

Say hi to Tory or Victoria! 3,100 grams of positivity, tenderness, pride for another little Ukrainian girl, and faith that we will win 💙💛



April 11, 2022

💢 China está acelerando seu desenvolvimento nuclear devido a crescentes temores de conflito com os EUA (Ivan Kleber)

 


Que se saiba que conhecemos o amor

Gabriel García Márquez


Um minuto após a explosão final, mais de metade de todos os seres humanos do mundo estarão mortos, o pó e o fumo dos continentes em chamas esconderão a luz do sol, e a escuridão absoluta envolverá o mundo uma vez mais. Um Inverno de chuvas laranja e furacões gelados inverterá o fluxo dos oceanos e mudará o curso dos rios; os peixes morrerão de sede nas suas águas abrasadoras, e as aves deixarão de ser capazes de encontrar o céu. A neve eterna cobrirá o Saara; a poderosa Amazónia será destruída por pedras de granizo e desaparecerá da face do planeta, e a era das rochas e dos corações enxertados voltará ao seu estado primordial glaciar.

Os raros seres humanos que sobreviveram a este primeiro terror, e aqueles privilegiados que conseguiram encontrar um refúgio seguro às 3 horas da tarde na segunda-feira sombria do grande desastre, terão salvo as suas próprias vidas, só para depois morrerem de horror perante estas memórias. A criação estará completa. No caos final da humidade e da noite eterna, os últimos restos da vida que outrora foi serão baratas.

Presidentes, primeiros-ministros, amigos, (1)

Esta não é uma má tentativa de plagiar o delírio de João no seu exílio de Patmos (2), mas uma visão de uma catástrofe cósmica que pode ocorrer a qualquer momento: a explosão - intencional ou acidental - de apenas uma parte do arsenal nuclear das grandes potências que se desleixa, com um olho aberto. Esta é a situação. Hoje, 6 de Agosto de 1986, existem mais de 50.000 ogivas nucleares operacionais no mundo. Em termos normais, isto significa que todo o ser humano, incluindo crianças, se senta num barril de dinamite de 4 toneladas, cuja explosão total pode apagar 12 vezes todos os vestígios de vida na Terra.

Esta ameaça colossal que paira sobre as nossas cabeças, como a espada de Dâmocles, é de uma aniquilação que teoricamente poderia destruir quatro planetas, para além de todos os que giram em torno do Sol, e perturbar o equilíbrio do sistema solar. Nenhuma ciência, arte ou indústria cresceu tanto como a indústria nuclear desde a sua criação há 40 anos atrás, e nenhuma outra criação de génio humano alguma vez teve tanto poder sobre o destino do mundo.

Através da sua própria existência, o apocalipse encerrado nos silos da morte dos países mais ricos reduz as nossas esperanças de uma vida melhor para a humanidade.

O único consolo que estas simplificações aterradoras podem oferecer - numa pitada - é permitir-nos confirmar que a preservação da vida humana na Terra custaria muito menos do que a manutenção da ameaça nuclear. Através da sua própria existência, o apocalipse encerrado nos silos da morte dos países mais ricos reduz as nossas esperanças de uma vida melhor para a humanidade.

No domínio dos cuidados infantis, por exemplo, esta é uma verdade óbvia. A UNICEF lançou um programa em 1981 para abordar as questões críticas das 500 milhões de crianças mais pobres do mundo. Isto inclui ajuda sanitária básica, educação elementar, melhores condições de higiene, fornecimento de água potável e alimentos... Um sonho inalcançável, avaliado em 100 mil milhões de dólares. Este é apenas o custo de 100 bombardeiros estratégicos B-13, e menos do que o dos 7.000 mísseis de cruzeiro que os Estados Unidos vão fabricar.

Para a saúde - com o custo de 10 porta-aviões nucleares Nimitz, dos 15 que os EUA irão construir antes do ano 2000 - poderíamos levar a cabo um programa de prevenção que poderia proteger mais de mil milhões de pessoas contra a malária durante este período; isso evitaria a morte de mais de 14 milhões de crianças só em África.

No ano passado, havia cerca de 575 milhões de pessoas em todo o mundo que passaram fome, de acordo com os números da FAO. Fornecer-lhes uma nutrição básica essencial teria custado menos do que construir 149 MX foguetes, dos 223 a serem alojados na Europa Ocidental. O custo de apenas 27 destes teria pago o equipamento agrícola necessário para que os países pobres adquirissem alimentos suficientes para os próximos quatro anos. Este programa custaria também nove vezes menos do que o orçamento militar soviético em 1982.

Quanto à educação - com apenas dois submarinos atómicos Trident, dos 25 que a actual administração americana planeia construir, ou com o custo do número idêntico de submarinos Tiphon a serem construídos pela União Soviética - poderíamos finalmente realizar o fantástico objectivo da alfabetização mundial. De facto, a construção das escolas e a formação dos professores necessários no Terceiro Mundo para satisfazer as novas exigências educacionais da próxima década poderia ser paga com o custo de 245 mísseis Trident-II. E, com o custo de mais 419 mísseis, poderíamos satisfazer a crescente procura de educação no Terceiro Mundo ao longo dos próximos 15 anos.

Finalmente, a supressão da dívida do Terceiro Mundo, e a recuperação económica desta dívida durante dez anos, custaria apenas um sexto das despesas militares globais para este período. Apesar desta gigantesca confusão económica, o desperdício humano é ainda mais preocupante e mais doloroso: a indústria bélica emprega o maior contingente de cientistas alguma vez reunido para qualquer projecto na história da humanidade. Estas são pessoas que estão do nosso lado, cujo lugar natural é aqui, connosco, em torno desta mesa precisamos de as libertar para que nos possam ajudar a criar, na educação e na justiça, a única coisa que nos pode salvar da barbárie: uma cultura de paz.

Apesar destas certezas dramáticas, a corrida aos armamentos não se permite um momento de descanso. Neste momento, enquanto almoçamos, foi produzida uma nova ogiva nuclear. Quando acordarmos amanhã, haverá mais nove nas reservas do Norte. Pelo preço de apenas uma delas, poderíamos - nem que fosse por um domingo no Outono - perfumar as cataratas do Niágara com sândalo.

Um grande romancista do nosso tempo perguntou-nos uma vez se a Terra era o inferno dos outros planetas. Talvez seja menos do que isso: uma aldeia sem memória, abandonada pelos deuses no último subúrbio da grande pátria universal. Mas a convicção crescente de que este é o único lugar no sistema solar onde a maravilhosa aventura da vida teve lugar leva-nos a uma conclusão angustiante: a corrida aos armamentos é contrária à inteligência.

Milhões de milénios após a explosão, uma salamandra triunfante que mais uma vez atravessou toda a escala da espécie será talvez eleita a mulher mais bela da nova criação.

Não só é contrária à inteligência humana, mas também à inteligência da natureza, cujo objectivo escapa à clarividência da poesia. Trezentos e oitenta milhões de anos passaram entre o aparecimento da vida visível e o momento em que uma borboleta aprendeu a voar... e depois outros 180 milhões de anos antes de a natureza produzir uma rosa, sem outra finalidade que não fosse a de ser bela. Foram necessárias mais quatro eras geológicas para que os seres humanos - ao contrário dos nossos bisavós Pithecanthropus - aprendessem a cantar melhor do que as aves, e até a serem capazes de morrer de amor. Não é de modo algum glorioso que os talentos dos homens tenham garantido, na era dourada da ciência, que um processo tão colossal e multi-milenar pudesse regressar ao seu nada original com o premir de um botão.

Para evitar que isto acontecesse, reunimo-nos aqui, juntando as nossas vozes às inúmeras vozes que apelam a um mundo desarmado e à paz justa. Mas, mesmo que o desastre aconteça, não terá sido completamente desnecessário que nos tivéssemos reunido.

Com modéstia, mas também com determinação de espírito, proponho que assumamos o compromisso de conceber e fabricar uma arca de memória capaz de sobreviver à ameaça atómica. Uma espécie de garrafa de náufragos astrais lançados aos oceanos do tempo, para que a nova humanidade de amanhã possa aprender, através do nosso testemunho, o que as baratas não serão capazes de lhes dizer: que outrora houve vida aqui, que houve sofrimento e injustiça, mas que também conhecemos o amor e até fomos capazes de imaginar a felicidade. Que os nomes dos responsáveis pela nossa catástrofe sejam conhecidos, e que sejam conhecidos para sempre; que também se saiba como foram surdos à nossa exigência de paz, e ao nosso desejo de levar as melhores vidas possíveis. E, finalmente, que se saiba com que invenções bárbaras, e para que fins mesquinhos, dizimaram a vida do universo.

Gabriel García Márquez


Escritor colombiano, vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 1982 e autor de A Hundred Years of Solitude and Love in the Time of Cholera.

April 09, 2022

Abaixo os cínicos 🙂



Curtis Evans

@EvansWefixbikes

Deixei de beber e de me pedrar aos 54 anos de idade. Comecei a fazer exercício aos 55 anos. Aos 56 anos era aprendiz num trabalho da União, aos 57 consegui o emprego. Aos 61 anos aprendi a ler música e a tocar um instrumento. Nunca se é velho demais para mudar de vida.

March 18, 2022

March 13, 2022

William Hurt (1950 – 2022)

 



Morreu o actor William Hurt, aos 71 anos. Um excelente actor e um homem gentil como não há muitos. Aqui em dois filmes preferidos: The Big Chill e The Village. Ambos os papéis assentam-lhe como uma luva ou era ele que se apropriava das personagens.





March 07, 2022

Naked and twisted but standing






Stunning twisted oak in the middle of my local woods. Devon, England

Brian Johnston

January 21, 2022

Uma má notícia

 


Hoje soube, na escola, que um ex-aluno de há uns cinco anos, que devia ter agora uns 22 ou 23 anos, morreu. Foi a um bar com amigos, alguém lhe pôs qualquer coisa na bebida sem ele dar por isso. Começou logo ali a sentir-se mal, foi para o hospital, ficou em coma bastante tempo, quase um mês e quando começou a melhorar apanhou uma bactéria no hospital e morreu. Há cerca de 15 dias. Isto impressionou-me. Quer dizer, às tantas foi um amigo qualquer para pregar uma partida ou assim... de facto, a vida é um empreendimento instável, inseguro e insondável.


Pessoas de Janeiro




Em 1956, o director da escola de ballet Vaganova em Leninegrado, transferindo o seu aluno para uma turma com outro professor, escreveu na recomendação:

"Estou a enviar-vos um pequeno idiota, um rapaz de mente fraca e desprezível, que não compreende nada do ballet. Tem um mau salto e não é capaz de manter correctamente a sua posição. Estou a submetê-lo ao seu juízo, mas se ele não se corrigir, não teremos outra alternativa a não ser expulsá-lo da escola. "

trash boy não tem realmente virtudes - proporções perfeitas, regularidade natural das linhas, ascensão elevada, salto congénito... 

A dança nunca foi fácil para ele - teve de suar. as estopinhas, no tentanto, funcionou.

O filho de um instrutor político militar, que tinha tanto medo do seu pai que nem sequer conseguia olhar directamente para a sua cara, um solitário nervoso e chorão apelidado de "Bailarina", impiedosamente perseguido pelos seus pares.

Um membro do círculo amador do 'Palácio dos Pioneiros de Ufa', fugia de casa sob qualquer pretexto para dançar em segredo. Um graduado de uma das melhores escolas de ballet do mundo, onde entrou com 17 anos de idade.

O artista que deu ao ballet um novo corpo masculino.

Arruaceiro, rico, avarento, rebelde, bonito, "Tártaro selvagem".

Rei do ballet mundial.

Rudolf Nureyev ...

©️Svetlana Mingaleva



January 07, 2022

Sidney Poitier (1927-2022)

 


Morreu Sidney Poitier, um belíssimo actor e um verdadeiro gentleman. Em plena época de luta pelos direitos civis dos negros nos EUA, anos 60, ele mudou a percepção do público ao conseguir papéis de actor principal, quando até então todos os papéis para afro-americano eram de segundo plano e estereotipados depreciativamente, na maioria dos casos. Foi o primeiro homem negro a ganhar um Oscar de melhor actor, no filme, Lilies of the Field. Acerca de um homem que ajuda um grupo de freiras europeias a construir uma capela no Arizona. Um filme que não era sobre raças ou racismo, mas sobre pessoas.

Um campeão dos direitos civis, sempre pacífico, moderado e cheio de classe.


Mr. Poitier mobbed by autograph-seekers in 1964. (Edwin Reichert/AP).  washingtonpost

O seu papel mais marcante foi, talvez o de Virgil Tibbs, um detective de homicídios de Filadélfia que é mandado ao Mississipi resolver um homicídio e tem de enfrentar o racismo provinciano dos locais. Foi a primeira vez que o papel de detective principal de um filme de um grande estúdio foi entregue a um afro-americano - In the Heat of the Night (1967)



Se o papel mais marcante foi o Mr. Tibbs, o filme mais conhecido dele é Guess Who's Coming to Dinner, onde uma rapariga leva para casa para conhecer os pais, de surpresa, um namorado negro.




Sidney Poitier nasceu numa família muito pobre, foi preso uma noite por roubar milho para comer, teve uma experiência traumatizante com dois polícias que lhe apontaram uma pistola e o massacraram por divertimento, foi para Harlem, dormiu em casas-de-banho públicas, alistou-se no exército para ter cama, comida e roupa lavada. Formou-se e tornou-se um piscoterapeuta numa instituição do exército, mas não aguentou o trabalho devido ao modo brutal como tratavam os doentes e o racismo que via em todo o lado. Foi biscateiro. Isto tudo até aos 18 anos.

Viu um anúncio para actores no American Negro Theatre in New York. Foi a uma audição e foi contratado porque o realizador não encontrava ninguém. Comprou um rádio e ouvia programas para melhorar a dicção e a entoação dos actores de anúncios. A sua primeira actuação numa pequena produção da peça de Aristófanes, Lysistrata, foi um desastre porque estava nervoso e começou a dizer as falas todas fora de ordem. No entanto, não desistiu e como era bonito e tinha óptima figura foi arranjado trabalho e melhorando a sua performance até ser notado por alguém em Hollywood que o meteu no filme, No Way Out, onde causou grande impacto. 

Arranjou um pequeno restaurante para suportar a família que tinha crescido. Em 1955 entrou no filme, Blackboard Jungle ('Sementes de Violência', em português) com Glenn Ford, que fazia de professor novato cheio de ideias numa escola cheia de rebeldes e violência. Esse filme foi muito falado e tinha uma música de Bill Haley and His Comets que passou a ser um hino à rebeldia, Rock Around the Clock. Foi o filme que lançou a sua carreira.

You think of yourself as a colored man. I think of myself as a man, uma frase de uma peça em que entrou, tipifica o que pensava e a sua maneira de agir, quando o acusavam de ser um negro branco. Na verdade foi ele quem, em grande parte, abriu caminho para os outros.

Um indivíduo promotor de paz.




January 01, 2022

Ano Novo dedicado a uma amiga

 


... uma mulher que não é mãe, andou o último meio ano a lutar contra aquela doença do C grande e acabou ontem as maldades. Que o Ano Novo seja uma nova manhã 🙂

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Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs.

Miguel Torga, in "Diário (1982)"

December 12, 2021

Anne Rice (1941-2021)

 


Morreu, durante esta noite, a autora da série de livros de «Entrevista com o Vampiro» e outros géneros.



November 11, 2021

Não mata, mas mói. Muito.

 


Vivemos rodeados de pessoas que só fazem bem o trabalho e cumprem deveres quando se trata dos seus interesses pessoais. Se tem que ver com outros, é tudo à trouxe-mouxe e prejudicam as pessoas. Eu sou muito anormal porque quando se trata do meu interesse ligo menos do que quando se trata do interesse de outros. Não quero ser causa do prejuízo alheio.



November 08, 2021

Lembrando Tolstói

 


Há uma altura do livro Guerra e Paz, quando Pierre é apanhado no incêndio, em Moscovo e vê as execuções -onde se antevê também- em que ele fala 'nesses soldados que matam e não querem matar' e diz que foi isso que o fez descrer na ordem das coisas em que sempre acreditou.

Isso fez-me lembrar esta pintura de Picasso onde vemos que os homens, para conseguirem matar as mulheres e as crianças -como se faz nas guerras- têm de transformar-se em máquinas, batalhões de armaduras ambulantes que se empurram uns aos outros na tarefa de matar, sem luz nem rosto humano. Alguns são educados a ser máquinas de morte logo desde pequenos.




November 05, 2021

Acima de tudo, isto é triste




A notícia está escrita de maneira incongruente: a mulher era secretária e depois mudou-se para a Quinta Patiño -falta aqui qualquer coisa; fugiu de jacto com um fato Armani... um fato Armani não é uma coisa invulgar de grande luxo que se meta no mesmo saco de ter um jacto privado... mas enfim, uma pessoa lê a notícia (a parte que temos acesso sem pagar) e a impressão que fica é de miséria moral. 
Se não fosse o facto de serem criminosos e estarmos nós a pagar os seus crimes económicos, olhávamos para este casal com espanto e... sei lá, isto é de uma tristeza miserável. 
Quer dizer, a mulher está nos 70 anos e arrisca-se a ir para a cadeia por roubo de obras de arte e não indo, a ficar meio na miséria. A ter que vender a casa para devolver o dinheiro todo para pagar os roubos dela e dele; o marido, que é da idade dela, está sozinho na África do Sul. Se a justiça quiser congela-lhe os bens que tem em offshores e depois vive...? Remediado numa vida de exílio num país em guerras constantes e cheio de problemas, longe da mulher com quem partilhou uma vida. E para quê?? Para aparecer nas revistas das Caras em Porsches? Para dar umas festas? Para dizer que tem uma piscina em casa? Para ir até ao Mónaco ou à Jamaica de avião privado mostrar o dinheiro? Para ostentar? Para fazer inveja? Para se sentir superior? Que raio de objectivos de vida tão miserabilistas. Não construiu nada e destruiu aquilo que parece ser o melhor que tinha, pois pelo que se lê, tinha uma ligação à mulher muito forte e especial. Nesta altura já não tem nenhum dos 'amigos' das festas. Aquilo tudo serviu-lhe para quê? É triste.



A vida de Maria de Jesus Rendeiro

Sónia Bento

Até o marido se licenciar, Maria de Jesus trabalhou como secretária e tradutora para pagar as despesas. Entretanto mudaram-se para a Quinta Patiño, onde tinham uma valiosa coleção de arte e andavam de Porsche. Com João Rendeiro fugido à justiça, Maria foi agora detida.

No final de setembro, João Rendeiro, de 69 anos, fugiu da Europa num jato privado – um luxo que ao longo dos anos foi juntando a vários outros: fatos Armani, gravatas Lanvin, um muito ambicionado Porsche 911 e uma casa na Quinta Patiño, em Cascais. Está em destino incerto para não cumprir uma pena de três anos e seis meses de prisão efetiva num processo por burla qualificada.

Para trás ficou a mulher, Maria de Jesus Rendeiro, também com 69 anos, que foi detida pela PJ, na manhã desta quarta-feira, no âmbito de um mandado de detenção num processo instaurado pelo Ministério Público por suspeita de crimes relacionados com as obras de arte apreendidas ao ex-banqueiro. A mulher do antigo banqueiro já tinha sido condenada a uma pagar uma multa de mil euros por "atuação excecionalmente grave" e incumprimento dos deveres de fiel depositária das obras de arte arrestadas ao marido. Na sexta-feita, Maria de Jesus Rendeiro, invocou razões psicológicas para não esclarecer o paradeiro de oito dos 124 quadros.

O casamento e o velho Fiat 128
Maria de Jesus – a mulher com quem o ex-banqueiro se casou a 8 de agosto de 1972, na igreja de Santa Maria da Murtosa, a poucos quilómetros de Aveiro, terra natal dela e dos pais dele – ficou a viver sozinha com os três cães, no famoso lote 81, a sumptuosa mansão que o ex-banqueiro comprou, há 16 anos, na Quinta Patiño, e que inaugurou com um espetáculo da fadista Mariza. Longe vão os tempos em que o casal passava necessidades e chegou a não ter dinheiro para a reparação de um velho Fiat 128, que João Augusto e Joana Marques, pais de João Rendeiro, lhes ofereceram como presente de casamento.