July 18, 2023

As pessoas e as 'suas condições de vida' - uma pequeníssima história

 

Ontem apanhei um táxi em Lisboa. O taxista começou a dizer mal dos políticos quando passámos pelo antigo campo da Feira Popular ("estão há anos para construir aqui habitação económica mas nunca mais e no fim há-de haver um prédio de más condições para esses e outros muito diferentes para todos os amigos viverem aqui com rendas baixas") e foi o resto do caminho a dizer mal da corrupção, dos roubos, do último roubo de centenas de milhões da Altice, da não haver esperança para o país porque os outros partidos também estão cheios de corruptos e isso vê-se logo pelas Câmaras Municipais, é só negociatas e avenças, etc.
Aqui acrescentou que se pudesse ficar com alguns trocos das avenças e outros dinheiros roubados aproveitava pois não havendo esperança de que a situação mude, temos de pensar em nós e na nossa vida para não sermos explorados até morrer. Os seus dois filhos estão muito bem em Inglaterra: aqui estariam como escravos a trabalhar para dar dinheiro a corruptos. Discordei da parte de, 'já que os que nos governam andam com os amigos s roubar, roubamos nós também' e tivemos uma pequena discussão amigável.
Ele disse-me que, dado que os políticos nunca vão presos ou vão mas depois a lei deixa-os voltar para os cargos (e as pessoas votam neles), isso significa que a corrupção não é crime, é um procedimento normal. Todos os dias sabemos de mais roubos na TV e nada acontece às pessoas que voltam aos seus lugares para continuarem os crimes. Logo, concluía ele, quer dizer que no nosso país isso é considerado normal. Por causa disso, andam a tirar os direitos e os espaços às pessoas da classe média e baixa e a empurrá-los para a pobreza e para o roubo. Dantes éramos um país seguro e agora já não somos.

Chegámos ao sítio e diz ele, "olhe com a conversa, esqueci-me de ligar o taxímetro. É claro que a senhora pode pensar, «olha mais um a roubar - diz que se esquece de ligar o taxímetro para ficar com o dinheiro dos patrões». Se a polícia me apanhasse tiravam-me já a carta. A senhora agora pode não pagar a corrida porque eu não posso chamar a polícia". Resolvi confiar. Perguntei-lhe quanto costuma custar, mais ou menos, aquele percurso e paguei o valor que ele disse. Mas fiquei na dúvida: ele esqueceu-se mesmo de ligar o taxímetro? É provável, porque ele não estava à espera que eu entrasse no carro dele - era o 4ª na fila dos táxis e fui ter com ele porque o 1º era daqueles táxis que cobram a qualquer um uma taxa de 25% porque levam 7 pessoas e os outros a seguir estavam à torreira do sol da tarde. Dou-me muito mal com o calor sufocante. Fico com dificuldade em respirar. Ele era o 1º com o ar condicionado a funcionar. Portanto, talvez se tenha esquecido com a surpresa - ou talvez não e tenha resolvido aproveitar-se - ou talvez tenha querido ver se eu me aproveitava. Não sei, mas a questão é: as pessoas normais percebem muito bem que as suas condições de vida estão muito ligadas à corrupção generalizada e falta de responsabilização política que se vive no país e muitos decidem que o melhor é fazerem o mesmo senão estão tramados para toda a vida - e quem pensa o contrário, ou anda enganado ou anda (também) a ver se nos engana.


2 comments:

  1. Vou ser sempre dos que andam enganados, o que não me dá saúde nenhuma. Acontece que, por questão de preferência, pretendo morrer honesta. De resto, concordo em grande parte com o seu taxista. E sempre lhe digo que os tais "enganados" são já uma minoria a que falta capacidade para inverter a situação. Ou estou a ser pessimista.

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