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January 17, 2023

Uma pessoa - Torga

 


Torga morreu neste dia em 1995.
Chamava-se Adolfo Correia da Rocha.

Era médico, poeta, sonhador, realista, telúrico, apaixonado, crente e descrente, sentido, revoltado e resignado, geófago insaciável, em busca do que é inteiro.

***

Depois de ter trabalhado no Brasil, entre os 13 e os 18 anos (experiência que viria ser evocada na série de romances de inspiração autobiográfica Criação do Mundo), Adolfo Correia da Rocha regressou a Portugal, vindo a licenciar-se em Medicina. Durante os estudos universitários, em Coimbra, travou conhecimento com o grupo de escritores que viriam a fundar a Presença, chegando a publicar nas edições da revista o seu segundo volume de poesia, Rampa. Em 1930, depois de assinar, com Edmundo de Bettencourt e Branquinho da Fonseca, uma carta de dissensão enviada à direção da publicação coimbrã, co-funda as efémeras revistas Sinal e Manifesto. Não obstante a passagem pelo grupo presencista, no momento da suas primícias literárias, Miguel Torga assumirá, ao longo dos cerca de cinquenta títulos que publicou - frequentemente em edições de autor e à margem de políticas editoriais - uma postura de independência relativamente a qualquer movimento literário. Os seus textos poéticos, numa primeira fase, abordaram temas bucólicos, a angústia da morte, a revolta, temas sociais como a justiça e a liberdade, o amor, e deixaram transparecer uma aliança íntima e permanente entre o homem e a terra.

***
Quase um poema de amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor

                Miguel Torga
***

O pseudónimo Miguel Torga - segundo Pilar Vásquez Cuesta (cf. Revista de Ocidente, agosto de 1968), esta invenção pseudonímica simboliza, pela analogia com a urze, a obrigação de constância, firmeza e beleza que o artista deve manter, por mais adversas que sejam as estruturas pessoais e históricas em que se move, ao mesmo tempo que "a escolha do nome Miguel responde ao propósito de acrescentar um novo elo lusitano a toda uma cadeia espanhola (Miguel de Molinos, Miguel de Cervantes, Miguel de Unamuno) de pensamento combativo e rebelde" - como Lamentação (1934), O Outro Livro de Job (1936), Libertação (1944), Odes (1946), Nihil Sibi (1948), Cântico do Homem (1950), Penas do Purgatório (1954), Orfeu Rebelde (1958), Câmara Ardente (1962) ou Poemas Ibéricos (1965), firmam uma poesia que é "fundamentalmente a busca da fidelidade no Terrestre, a busca da aliança sem mácula do homem com o Terrestre; a busca da inteireza do homem no Terrestre" (ANDERSEN, Sophia de Mello Breyner, cit. in Boletim Cultural do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian, n.º 10, dedicado a Miguel Torga, maio de 1988, p. 72). 

Ancorada no húmus natal, essa poesia dá também conta de uma "ambição de absoluto" que, para Torga, deve "permanecer como simples acicate, pura aspiração, porque o homem tem de realizar-se no relativo, a sua felicidade possível está no relativo, logo na contradição, na luta, numa esperança desesperada", não renegando "essa condição dramática de homem, besta e espírito, egoísmo e entrega generosa" (COELHO, Jacinto do Prado, cit. ibi., p. 72). Na prosa, obras como Bichos, Contos da Montanha e Novos Contos da Montanha marcaram, até aos nossos dias, sucessivas gerações de leitores que aí se deslumbraram com uma fusão entre o homem, o mundo animal e o mundo natural, vazada numa prosa "a um tempo sortílega e enxuta, despegada do efémero, agarrada ao concreto" (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - "Miguel Torga e a Respiração do Mundo. (Luiz Carlos via A Torre do Tombo e a história)


Poeta fala poeta:

David Mourão-Ferreira (Saudação a Miguel Torga)

"O que há [...] de absolutamente invulgar, porventura único, no caso de Miguel Torga é a circunstância de ele ser, cumulativamente, quer como poeta, quer como prosador, um indivíduo inconfundível, um telúrico padrão e um cívico expoente da própria Pátria, um artístico paradigma da língua em que se exprime, um predestinado legatário de valores culturais em permanente abalo sísmico, um atento recetor e um sensível transmissor dos inúmeros problemas - quantos deles talvez indissolúveis - do Homem de todos os quadrantes, ora considerado na moldura dos condicionalismos que o cerceiam, ora ainda mais frequentemente entendido sb specie aeternitatis".

***

Proposto por duas vezes para Nobel da Literatura (1960 e 1978), a sua obra e a sua personalidade constituíram um referente cultural a nível nacional e internacional, tendo recebido, em vida, os Prémios Montaigne (1981), Camões (1989), Vida Literária (da Associação Portuguesa de Escritores, em 1992), o Prémio de Literatura Écureuil (do Salão do Livro de Bordéus, em 1991) e o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários, em 1994.

Miguel Torga. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.

wikipedia (Imagem)

August 12, 2022

Hoje é o aniversário de Torga

 


O mundo é uma realidade universal, desarticulada em bilhões de realidades individuais.



Miguel Torga nasceu neste dia de 12 de agosto em 1907 em São Martinho de Anta. 

Proveniente de uma família humilde de camponeses sem grandes recursos económicos teve uma infância rural dura, que lhe proporcionou conhecer a realidade do campo, feita de árduo trabalho contínuo. Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou com 13 anos para o Brasil, onde durante cinco anos trabalhou na fazenda de um tio, em Minas Gerais, como capinador, apanhador de café, vaqueiro e caçador de cobras. Como prémio, o tio há-de pagar-lhe o curso de Medicina.
De regresso a Portugal, em 1925, concluiu o ensino liceal e frequentou em Coimbra o curso de Medicina, que terminou em 1933. Exerceu a profissão de médico em São Martinho de Anta e em outras localidades do país, fixando-se definitivamente em Coimbra, como otorrinolaringologista, em 1941. Miguel Torga era ligado inicialmente ao grupo da revista Presença. Faleceu em 1995.
A maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida.
De personalidade veemente e intransigente, foi poeta presencista, numa primeira fase associado ao grupo da Presença que cedo abandonou - o Presencismo foi a segunda fase do modernismo português, teve início no ano de 1927 com a publicação da Revista Presença: Folha de Arte e Crítica. A Revista Presença reuniu aqueles que não participaram do Orfismo em virtude de divergências estéticas. Ao contrário do Orfismo, que tinha como objetivo apresentar uma poesia que rompesse com os padrões literários vigentes, chocando e provocando a crítica e o público, sobretudo a burguesia, o Presencismo tinha como ideal interrogar o sentido da existência humana.

Adotou o pseudónimo Miguel Torga, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica, Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno, e ainda à torga, planta brava da montanha com fortes raízes.
A sua extensa obra aborda, entre outros temas, o drama da criação poética, o desespero humanista, o sentimento telúrico, a problemática religiosa, o iberismo e o universal.
Defensor da liberdade e da justiça, teve obras censuradas, foi vítima de perseguição política e esteve preso, apesar de nunca ter aderido a qualquer partido político. noticiasdonordeste.pt 
“Registo de Adolfo [Correia] Rocha, de pseudónimo Miguel Torga”
pertencente ao fundo “PIDE” do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.


(Torga resistente)

AR LIVRE


Ar livre, que não respiro!
Ou são pela asfixia?
Miséria de cobardia
Que não arromba a janela
Da sala onde a fantasia
Estiola e fica amarela!

Ar livre, digo-vos eu!
Ou estamos nalgum museu
De manequins de cartão?
Abaixo! E ninguém se importe!
Antes o caos que a morte...
De par em par, pois então?!

Ar livre! Correntes de ar
Por toda a casa empestada!
(Vendavais na terra inteira,
A própria dor arejada,
- E nós nesta borralheira
De estufa calafetada!)

Ar livre! Que ninguém canta
Com a corda na garganta,
Tolhido da inspiração!
Ar livre, como se tem
Fora do ventre da mãe
Desligado do cordão!

Ar livre, sem restrições!
Ou há pulmões,
Ou não há!
Fechem as outras riquezas,
Mas tenham fartas as mesas
Do ar que a vida nos dá!

***


Laureado com numerosos prémios literários nacionais e internacionais, foi candidato a Prémio Nobel da Literatura." noticiasdonordeste.pt

Nunca renegou as suas origens e sentiu-se sempre próximo das pessoas simples da região onde nasceu. É difícil escolher um poema ou um conto para o representar:
Publicou um total de 40 volumes: romances, contos, peças de teatro, poesia e diários. A obra de Miguel Torga exala o cheiro da terra, revela um amor dominante pelas coisas concretas e retrata o povo simples do norte de Portugal, cujos mistérios e mitos ganham entrada na obra lírica e narrativa do autor. O estilo deliberadamente arcaico da Torga possui a vividez e originalidade da língua dos agricultores do norte de Portugal. Na sua concisão, a sua prosa espelha a robustez da sua pátria rural. mertinwitt-litag.de

Torga não tem heterónimos, assina sempre com o mesmo pseudónimo e, reconhecemo-lo no que escreve. Ainda assim, tem muitos rostos ou sensibilidades. 

Ter um destino é não caber no berço onde o corpo nasceu, é transpor as fronteiras uma a uma e morrer sem nenhuma.

***

(Torga poeta inteiro)

Orfeu rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como que usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

***

(Torga telúrico)

Alentejo

A luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...

***


(Torga nordestino)

Nirvana

Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.

***


(Torga existencialista)


Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
de virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!


Casa Museu Miguel Torga (onde tenho que ir)



Os Bichos - um documentário sobre a obra: https://ensina.rtp.pt/artigo/bichos-de-miguel-torga/

August 12, 2021

No dia de hoje nasceu Torga

 


Há 114 anos. Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha - médico contista, ensaísta, romancista e dramaturgo com mais de 50 obras publicadas.


Miguel Torga, estudante da Universidade de Coimbra, 1928. Concluiu o curso em 1933. 
Em Coimbra começou também a sua outra vida, de escritor.




Trás-os-montes

"Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição. Terra Quente e Terra Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os lapedos, rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta aridez.

Homens de uma só peça, inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão. Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde: Entre quem é! (...) Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura, aos vinte anos (se não tiver sido antes), depois da militança, alguns emigram para as Arábias de além-mar. Brasis, Áfricas e Oceânias. (...) Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia. E ali ficam nuns cemitérios de lívida desilusão, à espera que a lei da terra os transforme em ciprestes e granito."

Excerto do livro: Portugal


February 20, 2021

Acerca de ver

 


O universal é o local sem paredes…

~ Torga



Torga (o pseudónimo que escolheu) é uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente rectilíneo - bate certo.

(uma coisa que me incomoda é ter sido contemporânea de Torga e não ter sido do tempo de Torga. Lembro-me de o ver, muito de vez em quando, na TV, mas nessa altura ainda não conhecia Torga que é um dos meus poetas portugueses preferidos, só que cheguei muito tarde à poesia. Tirando a poesia filosófica, como a do Pessoa, toda a poesia era difícil de perceber, todo um novelo de emoções... é mais ou menos como se tivesse vivido no tempo de Heidegger mas a filosofia nessa altura não me dizer nada. É triste.)

July 14, 2020

No dia da Bastilha



Cântico de Humanidade

Hinos aos deuses, não.
Os homens é que merecem
Que se lhes cante a virtude.
Bichos que lavram no chão,
Actuam como parecem,
Sem um disfarce que os mude.

Apenas se os deuses querem
Ser homens, nós os cantemos.
E à soga do mesmo carro,
Com os aguilhões que nos ferem,
Nós também lhes demonstremos
Que são mortais e de barro.

Miguel Torga, in 'Nihil Sibi'

February 08, 2020

Poesia ao anoitecer - Torga



VIDA
Do que a vida é capaz!
A força dum alento verdadeiro!
O que um dedal de seiva faz
A rasgar o seu negro cativeiro !
Ser!
Parece uma renúncia que ali vai,
— E é um carvalho a nascer
Da bolota que cai!
Diário II