Sobre crises, bactérias e “donuts” - Parte 1
Leonardo Marotta
Em 2022, o mundo mudou e (talvez) nunca mais volte a ser o mesmo. Os momentos decisivos desta transição foram: a pandemia, a emergência climática, a guerra na Ucrânia e a crise socioeconómica que se seguiu, com os efeitos na Europa de uma crise energética.
A análise que vamos fazer exige um certo nível de complexidade. Entretanto, vejamos o que podemos fazer com uma experiência de crescimento demográfico numa caixa fechada, que reproduz o planeta Terra de uma forma simplificada.
Colocamos numa placa de Petri (uma caixa transparente com tampa) um meio de cultura (algum alimento, como caldo de carne). Dependendo das condições ambientais e do meio de cultura, uma (ou mais, mas, numa primeira aproximação, digamos uma) a população de bactérias irá crescer. A população, após uma fase de estagnação, crescerá exponencialmente, depois os alimentos começarão a escassear e haverá uma segunda fase de estagnação, finalmente haverá uma diminuição das células até que os microrganismos morram. O que aconteceu? As bactérias comeram tudo e, na ausência de um mecanismo de regeneração de nutrientes (ou seja, reprodução de alimentos), as bactérias morrerão.
Voltemos agora a 1972, quando o Clube de Roma publicou o estudo “The Limits to Growth”, encomendado pela prestigiada Universidade do Massachusetts Institute of Technology (MIT), sediada em Cambridge, Massachusetts (EUA).
O relatório, da autoria de Donella Meadows, Dennis Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III (e baseado na simulação informática World3), previa as consequências do crescimento contínuo da população para o ecossistema terrestre e para a própria sobrevivência da espécie humana. As curvas da população humana e dos recursos assemelham-se às das bactérias na placa de Petri. Vários artigos, ao longo do tempo, mostraram que, com exceção de alguns erros, as previsões e as tendências estavam próximas da realidade atual.
A pergunta que os meus 23 leitores me farão (Alessandro Manzoni, o escritor das Promessi Sposi, tinha 25 anos e, com otimismo, imagino que haja pelo menos 23 de vós) é: mas então o que podemos fazer com o nosso desenvolvimento económico e social? O desenvolvimento sustentável, que é diferente do crescimento económico, está previsto na Agenda 2030, assinada na Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, que define uma agenda partilhada para avançar para este objetivo.
Aqueles que falam de desenvolvimento sustentável, que é diferente do mero crescimento económico, seja ele sustentável ou insustentável, são acusados por alguns de propor modelos irrealistas. Por um lado, os defensores do crescimento dizem que, sem crescimento, a economia morre e nós morremos com ela. E a economia tem de consumir recursos e produzir resíduos para poder crescer com o modelo atual. Por outro lado, os ambientalistas argumentam que, se o planeta se tornar inabitável, isso terá efeitos catastróficos na sociedade e na economia. Haverá então uma sexta extinção, que incluirá muitas espécies, incluindo a humana.
Segundo o investigador sueco Johan Rockström e colegas, não haveria um único ponto de não retorno, mas nove "limites planetários" dentro dos quais a vida humana pode continuar a florescer. Os "limites planetários". apresentados em 2009. definem as fronteiras dentro das quais nós, humanos, podemos operar em segurança sem prejudicar o equilíbrio do planeta. Se excedermos estes limites, pelo contrário, arriscamo-nos a transformar a Terra num lugar muito menos hospitaleiro para nós do que é atualmente.
Em 2009, Rockström e colegas identificaram nove sistemas fundamentais, três dos quais à escala planetária: os oceanos, o sistema climático atmosférico e a camada de ozono estratosférico. Quatro outros pertencem à geobiosfera: a biodiversidade, o ciclo hidrológico, a utilização dos solos e as alterações no ciclo dos nutrientes (em especial o azoto e o fósforo). As duas últimas pertencem a categorias que não existem naturalmente, como a produção de aerossóis atmosféricos e a produção de novas entidades (incluindo novas moléculas químicas e organismos biológicos).
A análise de Rockström ainda coloca tanto as condições do ciclo hidrológico como as condições oceânicas abaixo do limite planetário (neste caso, porém, por muito pouco). Para além da biodiversidade e do clima, a utilização dos solos e o ciclo dos nutrientes também estão acima dos limites de segurança. Ultrapassámos o limiar crítico para quatro dos nove limites planetários: a situação é preocupante. A preocupação aumenta se tivermos em conta que os sistemas de que estamos a falar dependem uns dos outros através de hierarquias que se entrelaçam em termos de estrutura, escala e relações.
O que podemos fazer? Como é que podemos produzir? Como podemos sobreviver?
* Doutor em Ciências Ambientais e professor externo de Sistemas Ambientais e Biomimética na Universidade IUAV de Veneza