July 19, 2023

Um plano fundamentado



Que podia ser uma política para um sistema de produção animal sustentável. É claro que não sou capaz de ajuizar se o plano tem falhas ou deméritos não aparentes - não tenho conhecimentos suficientes para isso. Sabendo nós que os nosso políticos, ou não têm políticas (têm 'agendas', o que é diferente) ou copiam qualquer coisa do 'estrangeiro' porque 'o que se faz fora é que é bom', é uma lufada de ar fresco alguém com conhecimentos sugerir políticas positivas de um modo sistemático e fundamentado. 


Carne absolutamente sustentável? O caso português

Temos os ingredientes de um potencial sistema de produção animal sustentável, que combina o melhor de diferentes sistemas produtivos, baseado em conhecimento e soluções portuguesas, e em que Portugal pode ser líder mundial.

Tiago Domingos


A produção animal é tipicamente associada a elevados impactes negativos, nomeadamente ligados à emissão de gases com efeito e à alteração dos usos do solo (nomeadamente desflorestação). No entanto, a produção animal também tem associados diversos impactes positivos, como a disponibilização de alimentos de elevado valor nutricional, produzidos maioritariamente a partir de alimentos que não poderiam ter sido utilizados directamente para alimentação humana (como pastagens, forragens, sub-produtos das culturas agrícolas como a palha ou sub-produtos das indústrias agro-alimentares como o bagaço de soja ou de girassol).

A existência de informação contraditória não nos deve, no entanto, levar aos que os anglófonos chamam paralysis by analysis, a incapacidade de seguir em frente, exigindo sempre cada vez mais estudos e informação antes de decidir, um problema bem conhecido em Portugal, com casos paradigmáticos de dificuldade de descolagem das soluções face a estes bloqueios.

Vamos aqui considerar um caso concreto, a produção de bovinos de carne nas condições do interior e do sul de Portugal e vamos mostrar que é possível conceber uma forma “absolutamente sustentável” de o executar, sem partir de dicotomias simplistas a priori sobre o que é melhor ou pior: não vamos, por exemplo, assumir que “o que é natural é bom, o que é sintético é mau” ou que “a produção extensiva é boa, a produção intensiva é má”.

Comecemos então por um conjunto de critérios para o que poderá ser uma produção “absolutamente sustentável” neste contexto:

1) em termos de uso da terra, não deverão ser utilizados para a produção de alimentos terrenos que possam ser utilizados para consumo humano ou melhor utilizados para a conservação da natureza ou para o sequestro de carbono;

2) em termos de clima e biodiversidade, a produção animal deverá estar associada à floresta, com um encabeçamento (número de animais por unidade de área) adequado, assegurando a regeneração das florestas e o sequestro de carbono e visando reduzir o flagelo dos incêndios que ocorre nos países mediterrânicos (e nomeadamente em Portugal).

O protótipo de sistema que aqui propomos para cumprir estes critérios baseia-se na conjugação de três componentes (que de seguida justificaremos): pastagens permanentes semeadas biodiversas ricas em leguminosas (PPSBRL), Montado e engorda intensiva optimizada.

As PPSBRL, sistema desenvolvido pelo agrónomo português David Crespo, baseiam-se (1) no uso virtuoso da biodiversidade para a agricultura (em vez de se semear apenas uma espécie, semeia-se uma mistura de 20 espécies ou variedades diferentes, com diferentes capacidades de adaptação à seca, ao excesso de chuva e à heterogeneidade dos solos) e (2) na riqueza em leguminosas (que lhes dão capacidade de ir buscar azoto e proteína para fornecer aos animais e reduzem a necessidade de fertilizantes azotados). Este sistema permite uma elevada produção forrageira sustentável de alta qualidade, para alimentação animal, e um elevado contributo anual de biomassa das raízes para o aumento da matéria orgânica do solo, sequestrando carbono (assim contribuindo para a mitigação das alterações climáticas) e aumentando a fertilidade, a protecção contra a erosão do solo e a retenção de água (assim contribuindo para a adaptação às alterações climáticas).

O Montado é uma das tradicionais paisagens do Sul de Portugal. Está implantado em áreas em geral inadequadas para a produção de alimentos para consumo humano directo, nomeadamente cereais para consumo humano directo. Tal tornou-se evidente na primeira metade do século XX, com a Campanha do Trigo (tentativa falhada de tornar Portugal auto-suficiente em cereais, que resultou numa degradação dramática dos solos no Alentejo). No entanto, pelas suas características de combinação entre uma floresta com plantas autóctones (o sobreiro e a azinheira) e as pastagens (com um encabeçamento razoavelmente baixo, logo, sem muita intensidade de pastoreio), é melhor em termos de biodiversidade do que os usos alternativos (desde que se assegure a regeneração das árvores e que não haja mortalidade elevada das mesmas, desideratos que infelizmente neste momento não são cumpridos na maioria da área de Montado em Portugal).

A engorda intensiva optimizada deverá ser baseada (1) na utilização de aditivos que tornem possível reduzir muito significativamente as emissões de metano das vacas, (2) na alimentação dos animais com subprodutos da alimentação humana e (3) no aproveitamento dos estrumes (com a estabulação) para a produção de biometano e de fertilizantes orgânicos.

Temos assim os ingredientes de um potencial sistema de produção animal sustentável, que combina o melhor de diferentes sistemas produtivos, baseado em conhecimento e soluções Portuguesas, e em que Portugal pode ser líder mundial.

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico

2 comments:

  1. Boas sugestões que ninguém vai seguir. Neste país prega-se mais aos peixes que aos homens.

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    1. Prega-se aos peixes mas não se evitam os tubarões.

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